sábado, 30 de dezembro de 2017

O Lobo no armário (de Alma Welt)

O poeta é um enganador quase perverso,
Reverte suas pegadas de tal sorte
Que como um perseguido, faz o inverso:
Indo ao sul mais parece ir ao norte.

As palavras são essas impressões,
Deixadas no musgo das florestas
Apontando à ilusórias direções,
Enquanto escapamos pelas frestas.

Nunca vá para onde aponta o teu poeta,
O seu recado é pra ser lido ao contrário
Como um espelho, não como uma seta,


E a cada olhar veremos nova ruga.
Afinal se trata sempre de uma fuga

Da Morte, ancestral lobo no armário...
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30/12/2017

sábado, 23 de dezembro de 2017

A Gargalhada (de Alma Welt)

                                 A Gargalhada- desenho de Guilherme de Faria, 1967

A Gargalhada (de Alma Welt)

E vi aquela imensa gargalhada
Vir rolando como onda pela sala
Até formar espuma concentrada
E morrer com um vazio que não cala.

Eram os homens fúteis e eu os via
Loucos para rir a qualquer hora
Já que a estupidez os denuncia
E seu riso sem sentido corrobora.

Não rirei convosco, ó gargalhantes,
Nem mesmo que a piada seja boa,
Que alegria verdadeira assim não soa.

Um som de cristal, um brilho vago
De dentes modestos, hesitantes,
Eis o riso da alma que em mim trago...

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23/12/2017


Nota
A Gargalhada- desenho de Guilherme de Faria, 1967 coleção do MAM de São Paulo (este desenho em forma de vinheta, a pincel, foi feito como ilustração para o conto " A Gargalhada " de Luigi Pirandello, em tradução primorosa do Alfredo Bosi, publicado no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, em 1967, e décadas depois doado por aquele jornal ao MAM em cujo acervo agora se encontra junto com outras obras do artista.


quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Retorno a Wuthering Heights (de Alma Welt)

Retorno ao meu Morro dos Ventos
Conquanto não haja morro mas planura.
Uivantes minuanos de meus tempos
Esperavam por mim, que volto pura.

Sou a Cathy desta terra do meu pampa
E como ela, volto ao que se adora
De tanto amor cheia até a tampa
E aberta como caixa de Pandora...

E te adentro, ó casarão velho que estalas
Aos meus leves passos como outrora
E levantas teus espectros das valas...

Eu, Anita e Giuseppe, entrelaçados,
Nos abraçamos no turbilhão de agora:
Nossos cumes estão longe de alcançados...

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21/12/2017


Nota
*Wuthering Heigths - titulo original do maravilhoso romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë (era o nome da propriedade da família de Cathy Earneshaw, depois Cathy Linton, a heroína do romance, amada por Heathcliff...

(Nos anos 90 eu fiz uma litografia com esse título: "Retorno a Wuthering Heights". Mas infelizmente não fiquei com nenhum exemplar para postar agora como ilustração a este soneto da Alma). (Guilherme de Faria)

O bem vivido (de Alma Welt)

Não nos desejo muito para a frente
Mas que tenhamos muito bem vivido,
Aproveitado ao máximo o presente
E não só "o que queríamos ter sido".

Foste feliz, meu amigo, te cumpriste?
A vida nos devolve um bom passado
Para degustarmos como alpiste
Na pequena gaiola de alambrado...

Olha, a vida é o que foi, não que será,
O futuro é uma cigana charlatã
Que as cartas corta, lança e Deus dá"...

Se não soubeste viver, agora é tarde,
Nem sequer desejarei-te um amanhã,
Que desperdiçarás como um covarde...

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21/12/2017

Velhos amigos (de Alma Welt)

Vejo alguns velhos amigos se acabarem
Derrotados por um sonho que os ilude,
Batendo as teclas até se esfacelarem
Dos equívocos de nossa juventude...

Quanta coisa já não é mais o que era
Ou perdeu o sentido com o vento
Por sua natureza de quimera
E seu canto de sereia longo e lento...

E eu baixo os olhos constrangida
Com imensa pena dos amigos,
Alguns quase reduzidos a mendigos.

Quisera reuni-los, e sem mágoa
(todos demos com os nossos burros n'água)
Combinar com os amigos nova vida...

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21/12/2017

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

(O Jardim das Aflições" (de Alma Welt) Para o Mestre Olavo de Carvalho (republicando)

Estamos à deriva em meio a brumas,
Se perderam nossos sonhos superiores;
Nosso barco é um circo dos horrores,
As melhores ilusões viram espumas...

Marujada, quem quer ser o capitão?
Nosso último se foi pela amurada
E só de noite aparece no porão,
Onde os ratos construíram sua morada...

Contra-mestre, avisto terra no horizonte!
Só pode ser a tal Ilha dos Conflitos,
Onde dizem que nem com Deus não conte.

Vamos lá, ao Jardim das Aflições!
Beber da água amarga dos aflitos,
Sem um consolo mas repleta de lições...

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19/11/2017

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Meu Natal da Infância (de Alma Welt)

Depois de saber de tudo um pouco,
Buscando a compreensão universal,
E mesmo tendo lido como um louco
Ainda ingenua esperar pelo Natal...

Voltar ao lar, que nem "devera" ter saído,
Com aquela imagem de guria
De pé diante da leda maravilha
Que é aquele pinheirinho revestido

Com a estrela no topo, a de Belém,
E aqueles mil presentes em pacotes,
Que ainda nem sabemos para quem...

Destruir o que a memória ainda tece,
Os anos não puderam, nem as mortes:
O meu Natal da infância permanece...

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06/12/2017

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O sonho do real (de Alma Welt)

Sonhar com o real é meu ofício,
Não propriamente os "Sonhos da Razão",*
Que estes produzem um malefício,
Como queria o grande Surdo da Mansão. *

Meus sonhos são singelos, literários,
Não lembram os anseios de homens fortes,
Rotas falsas, logo seus itinerários
Ou seus amores francos, sem "transportes".*

A Arte é mais real que a realidade,
Foi por isso que a concebeu o homem,
E pra ter algum controle da maldade...

Quanto a mim sonho a beleza com humor,
Ainda mesmo que por cínica me tomem
Brinco de amar meu verdadeiro amor...

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01/10/2017

Nota
*...o grande surdo da mansão - Alma se refere ao grande pintor espanhol Francisco de Goya y Lucientes, que vivia na chamada "Mansón del Sordo" (por ter ficado surdo na velhice) cujas paredes encheu de seus quadros da "Fase Negra", com temas escabrosos de feitiçaria e até o horrendo canibalismo de Cronos. Quanto aos * "Sonhos da Razão", é alusão à gravura de Goya que ostenta a famosa frase: "El sueño de la razón produces monstruos".

*..."sem "transportes". - antigamente, em linguagem poética se falava em "transportes de amor", os arroubos dos apaixonados...

A Lição (de Alma Welt)

Pensei ter obtido o dom das fadas
Por ter nascido em berço esplêndido
E muito bela também, ruiva sem sardas,
Pecando cedo sem ter me arrependido.

Com tal orgulho ingênuo fui crescendo
Perdoada de antemão pelo bom Deus,
Pois as bençãos sobre mim e sobre os meus,
Visíveis, eu sabia e ia vendo...

Mas o Senhor quis dar-me uma lição
E fez-me uma sonetista desde cedo,
Incapaz para qualquer uma outra ação,

Só contar sílabas, colher flores no jardim,
Como se o mundo fosse bom e ledo,
Porquanto dói, que assim o é só para mim...

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01/12/2017

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Julgamentos (de Alma Welt)

Que a vida me permita o bom julgar
Já que tudo são escolhas judiciosas,
O bom Deus o livre arbítrio nos quis dar
Nas nossas fúteis causas pretensiosas.

Mas Deus não me permita julgar outrem
Sem antes muito olhar meu próprio rabo.
Nossa vida, dizem, passa como um trem,
Quer embarques ou o percas no lavabo.

Tudo tem sua hora marcada, seu lugar,
E não temos em geral segunda chance.
Também nada vem de graça, nem o lanche.

Acho que devo ir parando por aqui,
Noto em mim uma tendência ao "popular":
Tantos chavões nunca outrora cometi...

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29/11/2017

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Para amar a Alma (de Alma Welt)

Não temais, meus amores, meu mistério,
Embora digam que deveis temê-lo...
Se meu coração é um eremitério,
O é em plena primavera de degelo.

Só acolho o solitário, é bem verdade.
Aquele de exigente natureza,
Ou o que renunciou à sociedade,
Moderno Prometeu de alma presa.

Não quero o bom guri, eterno infante
Que só pensa na vida em divertir-se;
Devo, pois, evitá-lo como amante...

Então venha, meu amor, mas reverente:
Meu coração é tal como a deusa Circe,
Tudo que toca é seu eternamente...

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28/11/2017

sábado, 25 de novembro de 2017

Sem restauro (de Alma Welt)

Não tiraria uma vírgula sequer,
Dos meus erros e acertos nesta vida.
Também não me prevalece ser mulher
E com esta dupla alma dividida.

Quê dizes? De nós, Alma, ocultas algo?
"Não" (eu respondo). "Duplos somos,
Um de nós raposa e o outro galgo,
Este a perseguir alguém que fomos."

Anima e animus (disse o mestre)
Em perpétuo convívio conturbado,
Ou em harmonia, frágil e equestre:

Sim, cavalo e cavaleiro, não centauro.
Podemos ir ao chão, vidro rachado,
E, portanto, impossível de restauro...
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25/11/2017

domingo, 19 de novembro de 2017

Lições do abismo (de Alma Welt)

Já não temos mais consolo nem perdão,
Estamos fritos, ferrados e mal pagos
Como diria o povo simples, com razão,
Já não cabem panos quentes nem afagos.

Medea exclama: "Tudo está perdido!",
Com fogo no palácio, os filhos mortos,
Quando já nem procuramos nossos portos,
Na esperança de algum novo sentido.

Quê resta então? Agarrados num arbusto
De amoras na beira de um abismo
Com um tigre a acrescentar ao nosso susto,

Só nos cabe colher uma ou duas frutinhas
E comê-las a esperar um novo sismo,
Ou aprender a agarrar como as gavinhas...

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19/11/2017

"O Jardim das Aflições" (de Alma Welt) Para o mestre Olavo de Carvalho

Estamos à deriva em meio a brumas,
Se perderam nossos sonhos superiores;
Nosso barco é um circo dos horrores,
As melhores ilusões viram espumas...

Marujada, quem quer ser o capitão?
Nosso último se foi pela amurada
E só de noite aparece no porão,
Onde os ratos construíram sua morada...

Contra-mestre, avisto terra no horizonte!
Só pode ser a tal Ilha dos Conflitos,
Onde dizem que nem com Deus não conte.

Vamos lá, ao Jardim das Aflições!
Beber da água amarga dos aflitos,
Sem um consolo mas repleta de lições...

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19/11/2017

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Às claras (de Alma Welt)

Mais tarde desceria à profundeza
Do abismo de minha própria alma,
Coisa que uns percebem com clareza
E outros experimentam como trauma.

Corresponde àquela selva escura
Que o bardo florentino descrevia
Tendo perdido a verdadeira via,
Adentrando a porta dos sem cura...

Mas ao chegar num certo turbilhão
E tendo conversado com a Da Rimini
Que continua voando desde então, *

Eu preferi voltar e amar às claras
Nada como quem desfila de biquini
Mas nua, sem pudores, dando as caras...

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15/11/2017

Nota
*Mas ao chegar num certo turbilhão/
E tendo conversado com a Da Rimini/
Que continua voando desde então. -
Na Divina Comédia de Dante Alighieri, o bardo florentino na sua travessia do Inferno guiado pelo poeta romano Virgílio, atravessa um círculo onde estão as almas dos amantes clandestinos, levados eternamente abraçados, sem pouso, num turbilhão sem fim. Ali estava a alma de Francesca Da Rimini, com seu cunhado e amante Paolo Malatesta, e esta contou ao poeta a história de seu amor e sua desgraça, assassinado que foi o casal pelo marido corcunda de Francesca, Giovanni Malatesta, que os pegou em flagrante.
Alma sugere que visitou como Dante o Inferno e conversou também com a alma de Francesca da Rimini, tantos séculos depois de Dante, já que os suplícios do Inferno são eternos...

A Casa do Enforcado (de Alma Welt)

O casarão da infância, misterioso,
Continha lembranças de outra era,
E mesmo de um evento pavoroso
Que as paredes recobria como hera.

No sótão houvera um enforcado,
Da trave do telhado pendurado,
Com a banqueta tombada, o chimarrão
Esparramado e fumegante pelo chão.

Valentim, antigo proprietário, *
Pelo seu gosto das cartas arruinado
Preferiu a saída pelo armário...

E eu, guria, aquilo tudo ouvia
E o via de bombacha, ataviado,
Na vida e na corda em que pendia...

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15/11/2017

Nota
* Alma, no seu romance autobiográfico A Herança, se refere a este episódio real narrado por seu avô Joachim Welt, que adquiriu a velha estância Farroupilha (da qual mudou o nome para Santa Gertrudes) do seu último herdeiro, Valentim Ferro, de antiga família gaúcha e que arruinado pelo seu vício do poker viu-se forçado por imensas dívidas a vender ao "boche" (alemão) arrivista, a estância e seu casarão.. No dia seguinte à passagem da escritura, o velho Welt o encontrou todo ataviado, de bombacha bordada, botas, faixa na cintura com punhal de prata atravessado, lenço vermelho no pescoço e chapéu de aba dobrada na cabeça, enforcado por laço de couro na trave do sótão, com a banqueta caída e a bomba e a cuia do chimarrão esparramado ainda fumegante (!!) pelo assoalho... Essas coisas enchiam a imaginação da guria, futura poetisa daquele pampa cheio de assombros e mistérios.

Ricordanze (de Alma Welt)

Eu tenho até vergonha da saudade
Que me causa o recordar da infância,
Malgrado uma ou outra circunstância
Menos feliz, ou eventual maldade.

Tal era o meu mundo, e me conformo.
Também nunca blasfemei contra a vidinha.
Perguntada o que fazia na escolinha,
Disse: "Eu merendo, brinco e "dormo"...

Era plena, feliz e até sabia...
E isso me dava aquela aura
Que (alguns afirmavam) me envolvia...

E cresci entre flores e pastagens
Cuja lembrança ainda me restaura,
Mesmo agora, cercada de bobagens...

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15/11/2017

Ricordanze (by Alma Welt)

I'm ashamed of the longing
That causes me to remember childhood,
In spite of either circumstance
Less happy, or maybe evil.

Such was my world, and I am satisfied .
I have never blasphemed the life.
Asked what I was doing in the school,
Said: "Eating, playing and sleeping "...

I was full, happy and even knew
And that gave me that aura
That (some claimed) involved me ...

And I grew up among flowers and pastures
Whose memory still restores me,
Even now, surrounded by nonsense ...
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11/15/2017

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Palavras à Realidade (de Alma Welt)

Realidade, quanto eu vos venero,
Perseguindo-vos em bruma persistente,
Tateante como o cego Homero,
Nosso ponto comum a toda gente...

Também eu pra captar-vos faço versos,
(e há quem diga que só amo a fantasia!)
Com o palpável, sabeis, não tergiverso,
Jamais sonhei fugir para Utopia...

Pois confiante na beleza do real
Prosterno-me aos pés da Natureza
Mesmo quando se apresente em areal.

Mudar o vosso mundo jamais quis,
Senhora, este pecado, e a avareza,
Não pertencem à breve lista que me fiz...

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13/11/2017

domingo, 12 de novembro de 2017

A Chave (de Alma Welt)

"Não esperar do mundo, eis o segredo
Para se evitar amarga frustração.
Espere de si mesmo, acorde cedo,
Depois faça em casa a sua lição."

Assim dizia meu pai, bom pessimista,
Solitário como uma soberba ilha
Apesar de exemplar pai de família,
E malgrado a tendência fatalista.

Assim criada, eis a chave dos meus versos
Que cumprem à risca os mandamentos,
E guardam uma surpresa em passos lentos.

Sim, espero a resposta sem pergunta,
Que é a graça de meus sonhos dispersos,
E que só o derradeiro verso junta...

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12/11/2017

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O Jogo (de Alma Welt)

"A vida é aventura, puro acaso,
Como um jogo de dados permanente,
E não porto seguro, sem atraso,
A que chegas pura e simplesmente... "

Assim dizia minha avó plantando flores
Enquanto eu, curiosa, a observava
A formar um certo código de cores
Que parecia desmentir o que falava...

Então ali percebi, a certa altura,
Existe um jogo, sim, mas só de cartas,
Num balanço entre a astúcia e o acaso,

Com a ajuda das Musas do Parnaso,
Saber blefar, manter a cara dura,
Num jogo com a Moira antes que partas...

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30/10/2017

Manhã nublada (de Alma Welt)

Hoje o dia amanheceu triste e nublado
Como se as vidas nossas lhe pesassem,
Ou ainda não estivesse acostumado
Que suas próprias horas venham e passem.

Então eu me remonto àqueles dias
De minha meninice, em minha mente,
Em que nem precisava de poesias
Pois a vida era bela o suficiente...

Quanto esforço faço, na verdade,
Para conservar a alma alegre
Sem trocar meu belo gato pela lebre...

Então de novo olho o dia e agradeço
À manhã triste e sua generosidade
Pelo o que possa trazer que não conheço...

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30/10/2017

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A Turista em Babilônia (de Alma Welt)

Imersa em falsas circunstâncias
Me vi de repente em pleno mundo
Cercada por ânsias e ganâncias
Das quais não avistava nem o fundo.

Dentro da grande Paulicéia estava eu
Como uma turista em Babilônia
Ou no Egito sem um José judeu,
Pobre bebê despencado da cegonha.

Eis que vi o mundo humano claramente
Mas ele era confuso, borbulhante,
Como um caldeirão efervescente...

Voltei ao meu jardim e à minha varanda,
E a mirar o poente deslumbrante...
Bah! O mundo? Já sei como ele anda...

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26/10/2017



Translation...

The Tourist in Babylon (by Alma Welt)

Immersed in false circumstances
I suddenly found myself in the middle of the world
Surrounded by cravings and greed
Of which I could not even see the bottom.

Within the great Paulicéia I was
As a tourist in Babylon
Or in Egypt without a Jewish Joseph,
Poor baby falling off the stork.

Behold, I saw the human world clearly
But he was confused, bubbly,
Like an effervescent cauldron ...

I went back to my garden and my balcony,
And looking at the stunning sunset ...
Bah! The world? I already know how he's doing ...

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10/26/2017

Free transliteration in rhymes:

The Tourist in Babylon (by Alma Welt)

Immersed in false circumstances
I suddenly found myself in romances
Surrounded by cravings and greed
Of which I could not even seed

Within the great Paulicea as an Alef
Or as a tourist in Babylon
Or in Egypt without a Jewish Joseph,
Baby falling off the stork for now on.

Behold, I saw the human world clearly
But confused, bubbly, I met
As an effervescent cauldron, or nearly ...

I went back to my garden and my balcony,
And looking at the stunning sunset ...
Bah! The world? I already know its agony.

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10/26/2017


Tradução literal da transliteração livre em rimas:

A turista na Babilônia (por Alma Welt)

Imerso em circunstâncias falsas
De repente me vi em romances
Rodeada de desejos e ganância
Os quais eu não podia nem semear

Dentro da grande Paulicea como Alef
Ou como turista na Babilônia
Ou no Egito sem um Joseph judeu,
Bebê caindo da cegonha, por enquanto.

Eis que eu vi o mundo humano claramente
Mas confuso, borbulhante, eu conheci
Como um caldeirão efervescente, ou quase ...

Voltei para o meu jardim e minha varanda,
E olhando o pôr do sol deslumbrante...
Bah! O mundo? Eu já conheço sua agonia.



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26/10/2017

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O fogo e a Luz (de Alma Welt)

Para ser merecedora de minha alma,
Atenta à sua provisória condição
De empréstimo ao pobre coração,
Tentei mantê-la doce, pura e calma.

Quantas faltas, pecadilhos, devaneios,
Entretanto esta minha alma cometeu,
Alvo de tentações por tantos meios
Desde o fogo que ganhou de Prometeu.

Perdoai, Senhor, arcaica alegoria
(bem sei que a vossa Luz é que vigora)
Foi somente para efeito de poesia...

Pois se a alma num cárcere é encerrada,
A beleza que me foi dada por fora
Tornou bem mais amena a temporada...
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25/10/2017



Notas

*Atenta à sua provisória condição/
De empréstimo ao pobre coração - A poetisa está dizendo que o coração, símbolo da nossa morada corpórea, recebe a alma somente por um período provisório, passageiro (o que não destoa do próprio cristianismo).

*Desde o fogo que ganhou de Prometeu- aqui Alma faz alusão ao mito grego do titã Prometeu, que tendo roubado o fogo dos deuses do Olimpo, doou-o aos homens e por isso foi punido por Zeus.

*Perdoai, Senhor, arcaica alegoria/
(bem sei que a vossa Luz é que vigora)- Alma pede perdão a Deus por referir-se ao mito pagão da posse do fogo pelos homens (origem da razão ou consciência) para designar o que na fonte judaico-cristã do nosso cristianismo é simbolizada pela Luz divina da Criação.

*Pois se a alma num cárcere é encerrada - Aqui Alma lança mão do mito órfico da alma encerrada no corpo titânico fulminado por Zeus e atirado na Terra, e de cujas cinzas Zeus criou o Homem, durante a grande batalha da Teomaquia (ou Titanomaquia) quando os titãs devoraram, Dionisos-criança (a alma) mas foram derrotados. A Alma é Dionisos que recupera as asas depois de dez ciclos de reencarnações e consegue libertar-se do cárcere corpóreo, e voando alçar-se ao ponto mais alto do Empíreo, a morada dos deuses e das almas purificadas.

*A beleza que me foi dada por fora/
Tornou bem mais amena a temporada - a poetisa Alma é grata a Deus por ter sua alma abrigada num corpo de extraordinária beleza reconhecida, o que lhe abriu muitas portas, e tornou a sua passagem na Terra menos penosa.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Ah! Meus amigos... (Quatro Fábulas) ( de Alma Welt)

Ah! Meus amigos, tão tolos quão formosos
Na nossa louca juventude ou logo após,
Acreditando-nos de algum modo poderosos,
Como alexandres a cortar mil górdios nós

Que o Destino apresentasse vida afora,
E que tudo estaria ao nosso alcance,
Como se o leão da vida a gente amanse,
E com Androcles nossa fera a ir embora...

Quanto a mim fiel fiei como Penélope
No tear a minha teia de sonetos
A esperar um rei nada a galope...

E se a espada pendurada por um fio,

De novos Dâmocles faz de nós suspeitos,
Já nada temo mais e apenas rio...

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23/10/2017



Notas
*Como alexandres a cortar mil górdios nós - alusão ao episódio mítico da vida de Alexandre da Macedônia, que instado a desatar o intrincado "Nó Górdio", da corda que atava o varal de uma carro de guerra a uma coluna de um templo (o oráculo predizia que quem o fizesse seria o rei daquela terra), sacou de sua espada e de um só golpe cortou o nó.

*E com Androcles nossa fera a ir embora - Alusão à fábula popular cristã de Androcles e o Leão, em que o personagem, um andarilho grego cristão encontrou na estrada um leão que sofria desesperadamente com um espinho na pata. Compassivo, Androcles se aproximou corajosamente da fera, que por instinto o deixou retirar o espinho, aliviando-o da dor. Anos mais tarde Andrócles, capturado pelos soldados romanos do imperador Nero, foi jogado na arena do Coliseu para ser devorado por um leão. Por coincidência era o próprio leão tratado pelo cristão, e que dele agora se lembrou e veio deitar-se ao seus pés, lambendo-os em sinal de gratidão. A multidão em êxtase pediu a César o perdão do condenado.

*Quanto a mim fiel fiei como Penélope- Todos conhecem a história contada na Odisséia de Homero, da fiel esposa de Odisseu, a rainha Penélope, que esperou por vinte anos a volta de seu marido da guerra de Tróia (dez anos de guerra e dez anos perdido em aventuras em seu retorno). Pressionada por príncipes estrangeiros pretendentes à sua mão e ao seu trono, que acreditavam Odisseu morto na guerra, Penélope sempre confiante no regresso de seu marido, para ganhar tempo empregou um estratagema: prometeu que escolheria um dos pretendentes mas somente quando terminasse de tecer uma teia que celebrava em imagens a façanhas lendárias que o povo contava sobre o bravo Odisseu. Ela tecia de dia no tear e de noite destecia os pontos para nunca terminar.

* De novos Dâmocles faz de nós suspeitos  - alusão ao episódio de Dâmocles, rei que dormia com uma espada suspensa por um fio de cabelo sobre sua cabeça. Este mito é interpretado como uma alegoria da coragem ou aceitação do nosso destino humano.

Depoimento da Alma (de Alma Welt)

Eu não fiz mais que cumprir o meu destino,
Fui somente a poetisa que me coube,
E se mais realizar não pude ou soube,
Bem... ao menos fui mulher de trato fino.

Minha mãe, mulher de outrora, dama fina,
Preconizava uma nobreza de atitudes
Que me ficou, malgrado a minha sina
De poeta atenta às finitudes.

E se alguma rebeldia pode haver
Em querer perpetuar o belo instante,
Senhor, só da Beleza fui amante...

Porque o que escrevo, sinto ou vejo,
Vem da guria que corria para ler
As promessas de um velho realejo...

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23/10/2017

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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A pergunta (de Alma Welt)

Estaquei ao ver as sombras avançando
E voltei ao meu jardim ainda florindo
Como se o mundo fosse bom e lindo
E o Bem ainda estivesse no comando.

E perguntei às rosas que não falam
(talvez sejam elas próprias as respostas),
Quais as perguntas, lançadas, que não calam,
Que na vida quase tudo são apostas...

Descobrindo que a melhor é a Beleza
Atravessei a varanda e a soleira
E como outrora me sentei à nossa mesa:

Lá estavam meus pais, irmãs e irmão,
Naquela prece profunda mas ligeira,
E logo os chistes, risos e o "Passe o pão!"

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18/10/2017

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O Mergulho (de Alma Welt)

Reconstruir a vida a cada verso,
A própria vida assim me coube,
Como pra não ter o olhar disperso
O pintor se cerca do que soube,

Quero dizer: dos seus quadros já cumpridos,
O quais não o deixarão desintegrar-se.
Ah! Teimosa criatura sem ouvidos,
Porque todos lhe pediam que parasse...

Sim, nada recomenda o verso e a tela:
Quanta dor para no escuro ver nascer
A pequena labareda de uma vela...

Mas quanta alegria e mesmo orgulho,
Quando a própria noite foi mergulho,
E o poema ou tela o alvorecer...

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16/10/2017

sábado, 14 de outubro de 2017

Um certo horror... (de Alma Welt)

Há um tom patético em nossa vida,
Um imenso desamparo universal
Que nos induz comprar brinquedos no Natal,
Pra criança nossa interna, presumida...

Pior é muita dor para além disso,
Ignorância e mortes corriqueiras,
Bebês não nascidos... com parteiras,
E um povo explorado e submisso...

Corrupção e roubo em todo nicho
Do tecido social virando lixo,
Torpe indução ao feio e ao vício...

E o nosso voto, em si, tornado fraude,
Tanto esforço empenhado, mas debalde.
Sim, há, um certo horror em tudo isso...

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14/10/2017

Entrevista com o artista (II) (de Alma Welt)

Prosseguindo do artista a entrevista,
Notei que em sua mesa de desenho
Não havia, pelo menos não à vista,
Caneta a indicar seu desempenho.

Não havia pena, de metal ou de bambu,
Normalmente encontradas nas pranchetas
Também sequer apareceu modelo nu
A indicar as ocultas, velhas tretas...

Então o mestre revelou, assim, sem mais,
Que aprendeu a desenhar de estalo
Não com Musachi, o maior dos samurais

Mas com o velhinho, no Cine Niterói,
Com a cena da rosa, e o corte no seu talo,
E a pincel, seu traço fluido, que não dói...

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12/10/2017

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Entrevista com o Artista (de Alma Welt)

"Muito tempo nadei contra a corrente
Enquanto isso era belo e diferente
Agora é o oposto e indigesto,
E ao fazê-lo dizem que eu não presto."

Assim disse o artista no ateliê,
Cuja imensa bagagem se notava
Pois como elo da corrente ele se vê
Numa longa tradição de vida brava.

Mas artista excluído e já sem preço
Disse: "Prefiro o isolamento e a rejeição
Como nos tempos heroicos do começo"...

"Ser aceito por este mundo agora
Continua covardia e sujeição,
Mas toda a Grande Arte foi embora"...

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11/10/2017

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Não tem jeito (de Alma Welt)

Não tem jeito, o mundo é uma desgraça,
Ninho de víboras ou saco de gatos;
Meu telhado tem um gosto de vidraça,
E meus pés são maiores que os sapatos.

A vida é chata, a gente se aborrece,
E o tédio grassa a bordo da goleta. *
O capitão quer que eu faça a prece,
E pra isso faz a "russa", a tal roleta.

Isso tudo ainda vai acabar mal,
As coisas não têm como dar certo,
A beleza recebeu a pá de cal...

Então, não avistando mais saída
E da Morte estando pois tão perto...
Suspendo o sonho mau e volto à vida.
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10/10/2017

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Nota
*E o tédio grassa a bordo da goleta - Alma alude ao impagável conto Acontecimentos a Bordo da Goleta "Banbury", do livro Bakakai, de Witold Gombrowicz.

O espelho e o poema ( de Alma Welt)

Pensei mudar minha vida ou ir além,
E fazer da minha lavra um testemunho,
Pois que da alma mesma ela provém
E as sementes caem do meu punho.

Mas não queria estar sozinha tão somente,
Pensando o mundo ou fruindo dos prazeres
Já que a alma não é auto-suficiente,
E o espelho não é ponte entre os seres.

Mas se todos nos espelhos nos miramos
Para ver como é que Deus nos fez,
Nem por isso nosso Ser capturamos...

E o poema tem bem mais acuidade:
Nele enxergo melhor e em nitidez,
Que Narciso no seu lago de vaidade...

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10/10/2017

sábado, 7 de outubro de 2017

Contos de minha boemia (I) (de Alma Welt)

Eu costumava entrar em certo bar
Na cidade no meu tempo de boemia,
Procurando, disfarçada, com o olhar
Aquela por quem meu coração gemia.

E tomava uns tragos feito homem
No balcão como se no Velho Oeste
E não onde os proletários comem
O prato feito de que fujo como peste.

Mas um dia, o barman que era o dono
Sussurrou-me ao ouvido no balcão
Uma espécie preventiva de abandono...

Disse:"Alma, tua gata não vem mais,
Não somente por amor da profissão,
Mas de medo desse olhar verde demais..."

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07/10/2017

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Contos de minha boemia (II) (de Alma Welt)

Eu caminhava nas ruas noite e dia
Procurando o amor que me faltava
E a me prostituir mesmo pensava,
Que àquela altura eu pouco me valia.

Alma perdida de mim mesma, ainda bela,
Quanto perigo corri sem me dar conta,
Chegando a dormir numa viela
E acordando cercada e meio tonta.

Foi quando umas freiras caridosas
Me levaram com elas pro convento
E me puseram pra cuidar das rosas.

Mas um dia a Superiora disse assim:
"Tua poesia é para o mundo e para o vento,
E Deus me disse pra te liberar enfim..."

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07/10/2017


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Contos de minha boemia (III) (de Alma Welt)

Não eram verdes tempos, mas cinzentos,
Minha casa estava longe e a inocência
Dos meus dias nos campos e nos ventos
A colher flores em torno da querência.

Agora estava solitária e à deriva
Como o barco embriagado de Rimbaud
Em que de certo modo ainda estou,
Mas queria experimentar a vida viva...

Corria ruas de Montmartre e Montparnasse
Como o faziam Lautrec e Modigliani
Que bebiam o absinto que calhasse...

Mas então disse: Chega! O que preciso
É alguém que me queira, e que se dane:
Vou voltar para o meu pampa e meu juízo.

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07/10/2017

O idioma da serpente (de Alma Welt)

Neste universo fomos postos a pensar,
E é o que fazemos noite e dia,
Muito embora deixe um pouco a desejar
O timbre, a qualidade e a valia...

Deus no legou o Verbo e o Logos
Que chegou a nós por extravio
Por meio da serpente e não dos fogos
Das estrelas de Deus em que me fio.

Ainda hoje a ouvimos sibilar
Dentro de nós, a rastejante criatura,
Nos incitando a nos apaixonar...

Conheço bem o idioma da serpente
Mas o uso só para a escritura
Dos poemas que Deus olha ternamente...

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07/10/2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Maior dos Poetas (de Alma Welt)

Vir ao mundo para escrever poesia
Não me parece nada fútil ou em vão,
Pois Jesus fez poesia num sermão:
"Olhai os lírios do campo"... (e descrevia).

Também fez poesia em prosa na montanha,
A mais bela das respostas nos contando
De um pai diante de um filho e sua manha
Por ciúme do irmão pródigo voltando...

Poeta, e o maior que jamais vimos,
Que o Pai o enviou com esse dom
Para ao menos, por beleza, o ouvirmos.

Perdão, Pai, por puxar assim a brasa
Sem ter feito nada assim tão bom,
Só queria escrever um e ir pra casa...

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05/10/2017

A Verdade (de Alma Welt)

"A Verdade existe e está nos livros,
Cabe garimpá-la em meio aos tomos.
Mas, Alma, observe os seres vivos,
A que nos propusemos e o que fomos".

"Quanta torpe iniquidade mundo afora!
Sinceramente devo pois pedir perdão,
A ti, Alma, tuas irmãs e teu irmão,
Por trazê-los a este mundo aqui de fora."

Assim disse meu pai num mal momento,
Num raro, estranho modo ressentido,
Poucos meses após minha mãe ter ido.

Mas eu, que não sou poeira ao vento
Mas uma Alma entre mundos, imortal,
Disse: "Bobagem, meu paizinho, não faz mal...

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05/10/2017

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Oração para a Era do Equívoco (de Alma Welt)

De equívoco vivemos uma Era
Em que torpe confusão é o Juízo.
Todos gritam, os ratos viram fera,
Enquanto gatos, com medo, pedem guizo.

Como concurso para ver quem grita mais,
Assistimos a um debate de dementes
Em que nunca o derrotado volta atrás
Pois deixa, venenosas, suas sementes.

Senhor, com perdão, está na Hora.
Mas quem sou eu para pedir intervenção?
Não sei ,Senhor, se fico ou caio fora.

Quase todos somos tolos e daninhos.
Só vos peço: nos dai novo coração
Ou mudai em pura água nossos vinhos...

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04/10/2017

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Uma Luz! (de Alma Welt)

Ó Senhor, vivemos tempos tenebrosos,
A escuridão reina em todo canto.
Estão de volta os crimes escabrosos
Só registrados nos anais do espanto...

Não sou uma energúmena, Senhor meu,
Bem conheceis meu complicado coração
Que foi mesmo por um longo tempo ateu
Por medo, ignorância ou solidão...

Mas, Senhor, se não for pedir demais
Enviai um ser de Luz, que se faz tarde,
E já estamos afundando na maldade...

Uma luz, Senhor, em torno a Alguém,
Mas tão forte que comova e crie paz,
Nada mais será preciso, nem convém...

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03/10/2017

Primaveras (de Alma Welt)

Queria ter minha nova primavera,
Levantar em esperanças da minha cama,
Não triste como um fado da Severa, *
Nem como os de ainda hoje na Alfama.

Também não como baladas da Irlanda,
Por mais belas que elas sejam e dolentes,
Nem serestas brasileiras de varanda,
De serenos e ventinhos de repentes...

Também não de bosques de Viena
Ou de róseas cerejeiras japonesas,
Ou de um acordeão de beira-Sena...

Primaverona dos amantes, cotovia,
Sem noturnos rouxinóis das incertezas,
Mas com flores a explodir, pura alegria...

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03/10/2017
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Notas
*Não triste como um fado da Severa
- Severa foi a primeira grande fadista de Portugal, célebre, ainda no século XIX, que teria lançado as bases do estilo das fadistas de ainda hoje, passando por Amália Rodrigues, que consolidou o modo peculiar de modular mouriscamente os versos finais nas letras, quase sempre tristes, de fatalidade, de destino...

*Nem serestas brasileiras de varanda/
De serenos e ventinhos de repentes. - Alma faz alusão à canção folclórica brasileira, "Fiz a cama na varanda"...

* Primaverona dos amantes, cotovia/
Sem noturnos rouxinóis das incertezas
- (primavera grande de Verona) Alma alude à famosa cena de Romeu e Julieta, os amantes de Verona, de Shakespeare, em que o casal passa a primeira noite juntos, após se casarem em segredo, e Julieta desperta alarmada com o canto da cotovia e eles devaneiam incertos se ainda é o canto noturno do rouxinol ou a cotovia da manhã, pois ele não pode ser encontrado no quarto dela, em sua casa paterna, ou será morto.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Volto ao Jardim (de Alma Welt)

Ter meu jardim por dentro em meio ao caos,
Foi em vão sem as rosas desta estância.
Aqui passo momentos bons e maus
Mas foi fácil distingui-los à distância...

Malfadado auto-exílio que me impus!
Nada era muito claro: tateava,
E entre os amigos novos que supus,
Devo reconhecer: ninguém me amava,

Mas como cobiçavam meu corpinho!
E por esta cabeleira rubra e brava,
Outras rubras fantasias no caminho...

Então disse: Basta, isto me trava,
Estou a dar a quem não me merece!
Volto ao jardim... e o samba cesse. *

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02/10/2017
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Nota
*Volto ao jardim... e o samba cesse - Alma alude ao famoso e belíssimo samba do Cartola, "As Rosas Não Falam"...

Aquela que fica (de Alma Welt)

Quantas vezes pensei em ir-me aos mundos
De encontro aos perigos e aventuras;
Subir montanhas, descer vales profundos,
Contar com leais sherpas nas alturas...

Sentar em flor de lótus frente a um mestre,
Esperar e ver prodígios dos humanos,
Ou assumir minha condição pedestre,
Cruzar o mundo a pé por alguns anos...

Aquela sou que quer partir e sempre fica.
Mesmo partindo, fica, fica, como o Campos
Aquele Álvaro que o Poeta exemplifica.

Mas assumo o que em mim mais belo resta:
Simples mulher, pôr no cabelo os grampos,
Pôr roupa pra secar, ver mundos pela fresta...

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02/10/2017

Meu diálogo com a varanda (de Alma Welt)

Minha varanda, mirante do poente...
Quanto me viste na cadeira balançante
Não somente a mirar o circundante.
Mas a observar minha própria mente...

Não te assustes, velha, minha varanda,
Não confesso deste modo a ruptura
Em duas almas e que uma já desanda:
Sou eu mesma, a passada e a futura...

"Alma pensas mirar tua própria mente
Mas estás a fazê-lo ao teu umbigo.
Vê só como o mundo é diferente:

Vê os homens nos Campos do Senhor,
Como labutam no limite do perigo...
Vê quanta dor, coragem, e quanto amor!"

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02/10/2017

domingo, 1 de outubro de 2017

Primavera fria (de Alma Welt)

Primavera tristonha em seu começo...
Como me faz lembrar outras, passadas,
E malgrado um ou outro vão tropeço,
Uma infância feliz, das mais amadas...

Manhã gelada, mas clara, auspiciosa,
Em que saio de um casulo de invernada
Como noturna, deslocada mariposa
Em lúcida manhã, meio ofuscada...

Quero viver, reviver, tudo de novo,
Insaciável de vida e de experiências
Num contato ainda vivo com meu povo...

Mas levanto, me dirijo ao meu teclado,
Meu virtual espelho das vivências
De um tempo mais real... abandonado.

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01/10/2017

sábado, 30 de setembro de 2017

Sinais na tempestade (de Alma Welt)

"Estão em ti teu pai, mãe, avô e avó,
E digo que a morte é uma ilusão,
Que nossa vida não se reduz ao pó,
Somos almas em breve transição..."

Assim dizia o padre em seu sermão
E o repetiu quando veio aqui em casa
Pensando em dar-me a extrema unção
Por alarme que desta estância vaza...

"Alma está morrendo!" (murmúrio dos peões).
"Não viram os sinais na tempestade?
Na casa escura já nem vemos lampiões!"

Então percebo como meus humores correm:
Se sofro os que me amam também sofrem.
E me alteio de mim contra a vontade...
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30/09/2017

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Quase, tudo (de Alma Welt)

Ouvi de mim quase sempre o coração
E esse "quase", quase foi minha desgraça.
O "quase" mesmo, não o orgão-diapasão
Que afina tudo o que por ele passa.

Deus me deu uma mente prodigiosa
Capaz de tudo traduzir em mil sonetos,
Numa linguagem próxima da prosa
Mas vinda de além-mar e não dos guetos.

A Portugal e a Camões devo o acento
E mesmo um pouco aos castelhanos
E a até seu invasor envolto em panos.

Mas se me falta às vezes um alento,
Dentro em mim um lampejo do Walhalla *
Não me permita, ó coração, cair na vala...

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27/09/2017
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Notas
*E a até seu invasor envolto em panos - Alma se refere aos árabes e seus albornozes e mantos, que pela conquista da península Ibérica influenciaram a língua portuguesa e espanhola.

"Dentro em mim um lampejo do Walhalla - Alma alude ao seu sangue alemão por parte de pai, ou ao seu inconsciente coletivo germânico, cujos arquétipos guerreiros permaneceriam no seu íntimo mais profundo.

Meu retrato nu (de Alma Welt)

                             Grande Nu - óleo s/ tela de Guilheme deFaria, 1991, 140x120cm

Meu retrato nu (de Alma Welt)

Quando bem jovem morei na Paulicéia
E no ateliê de um bom velho pintor
Me desnudei como se fora ateia
Ou mesmo após o pomo, sem pudor...

E então ele me disse: "Ao retratar-te
Precisarei te amar demais, sem restrições.
Retrato nu tem que ser obra de arte
Que a nós expulse, a ambos, dos salões."

E eu, claro, caí na sua lábia
E logo o amei de mais, pernas pra cima,
Descobrindo então que nasci sábia.

Mas voltei ao Sul sem meu retrato
Porque o pintor a sua pintura mima
Retocando-me sem fim, fora do trato...

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27/09/2017

Quase (de Alma Welt)

Ouvi de mim quase sempre o coração
E esse "quase", quase foi minha desgraça.
O "quase" mesmo, não o orgão-diapasão
Que afina tudo o que por ele passa.

Deus me deu uma mente prodigiosa
Capaz de tudo traduzir em mil sonetos,
Numa linguagem próxima da prosa
Mas vinda de além-mar e não dos guetos.

A Portugal e a Camões devo o acento
E mesmo um pouco aos castelhanos
E a até seu invasor envolto em panos.

Mas se me falta às vezes um alento,
Dentro em mim um lampejo do Walhalla *
Não me permita, ó coração, cair na vala...

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27/09/2017

terça-feira, 26 de setembro de 2017

O que virá (de Alma Welt)

Quando me sento pra escrever, o que virá?
Essa incógnita é uma esfinge da minha mente,
E quase sempre o resultado é surpreendente:
De minha alma... o que agora sairá?

Sou eu mesma minha caixa de Pandora
Mas não de demônios e outros bichos,
Mas de entes e arquétipos de outrora,
Colocados todavia em novos nichos.

Consciente dos tesouros que carrego
Percorro este mundo que me aponta
Como o judeu errante que não nego,

Guardando ouro para uma Terra Santa
Mas da alma, que a riqueza já nem conta,
E como um rei trovador que apenas canta...
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26/09/2017

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Nota
*E como um rei trovador que apenas canta - Alma parece evocar D. Dinis I, O Poeta (Lisboa, 9 de outubro de 1261 – Santarém, 7 de janeiro de 1325), que foi Rei de Portugal e do Algarve de 1279 até sua morte. Era o filho mais velho do rei Afonso III e sua segunda esposa Beatriz de Castela.
D. Dinis I foi grande amante das artes e letras. Tendo sido um famoso trovador, cultivou as Cantigas de Amigo, de Amor e a sátira, contribuindo para o desenvolvimento da poesia trovadoresca na Península Ibérica. Pensa-se ter sido o primeiro monarca português verdadeiramente alfabetizado, tendo assinado sempre com o nome completo. Foi o responsável pela criação da primeira Universidade portuguesa, inicialmente instalada em Lisboa e depois para Coimbra.
(Fonte: Wikipédia)






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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Lembranças de minha avó (de Alma Welt)


                                                         Frida Welt, a avó da Alma - lito de Guilherme de Faria


Lembranças de minha avó (de Alma Welt)

"A vida é dura, não adianta reclamar.
Se queres o melhor pra ti e pros outros,
Monta tu e teu irmão aí nuns potros
E vão vós mesmos, galopando, lá buscar."

Assim dizia minha avó meio matuta,
No jardim ou pondo a mesa pro jantar.
E eu, calada, em permanente escuta,
Aguardava seu espantoso gargalhar.

Eu pensava que minha avó era uma bruxa,
Que assim diziam os peões e suas prendas
Que apontavam seu nariz e a boca murcha.

Então dizia uma besteira, simples chiste,
E sua risada que deixava o pelo em riste,
Vinha do fundo ancestral de antigas lendas...
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25/09/2017

Aos meus amores (de Alma Welt)

Amores meus, já por mim abandonados,
Me perdoem minha imensa solidão,
Pois poupei-lhes dos custos e dos fardos
De uma vida mental, de pouca ação...

Sou apenas a andarilha de mim mesma
E nem preciso sair do meu jardim
Porque todos os mundos vêm a mim,
E de noite sou eu mesma a abantesma,

Alguém que toda sociedade abandonou
Como o Frankenstein disse de si,
O monstro mesmo, não o gênio que o criou...

Mas se isso não logrei completamente,
É que o amor, uma ternura, algo que ri,
Continua a fluir da minha mente...

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25/09/2017

Há quem pense... (de Alma Welt)

Há quem pense que poesia é abstração,
Que ela requer viver em devaneio.
Mas garanto que é o contrário: é pura ação
Do real sujeito nosso sobre o meio...

E é pegar quase tudo no concreto
Como fazem as crianças e é tão belo,
Pois permite o ilimitado ao objeto
Como as vozes de um coral de violoncelo.

Como Gump, esperar o bus do filho, *
E a tarde toda aguardar o seu retorno
No banco, como trem não sai do trilho.

O poder do poeta é seu pimpolho
Que sabe que o cavalo oculta o corno
E que mesmo a noite escura tem um olho...

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25/09/2017
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Nota
* Como as vozes de um coral de violoncelo - Alusão ao conceito musicológico que se tornou popular, de que o violoncelo é o instrumento que mais se aproxima do timbre da voz humana. Se você diz isso a uma criança ela provavelmente imaginará um violoncelo com boca, cantando.

*Como Gump, esperar o bus do filho - cena final do belíssimo filme americano, "Forrester Gump, o Contador de Histórias", em que o personagem ( atuação magnífica de Tom Hanks) espera o ônibus escolar no banco, à beira da estrada em frente de sua casa, e quando ônibus chega ele diz ao menino: "Quando você voltar estarei aqui esperando por você". O menino sobe, o ônibus parte, e Gump permanece sentado, quase duro, na mesma posição, dando a entender que esperará mesmo, sem sair dali um minuto sequer, a volta de seu filho. Uma penugem aos pés dele é focalizada pela câmera, e sobe brincando, levada pelo vento, como a alma brinca no ar, como o pó brinca infinitamente na luz...

As três perguntas (de Alma Welt)

O que sou, de onde vim, pr'onde correr
São perguntas que não precisei fazer,
Ou nasceram no meu caso, respondidas,
E gastei minhas energias noutras lidas:

Ler os clássicos, quase todos, de enfiada,
Vivendo minhas Troias na cabeça,
Não como complexa empreitada,
Mas aventura e diversão à beça...

E instrumentalizada como poucos
Pude sentar e escrever o primo verso
Com a clareza universal dos loucos.

Eis que me voltam as perguntas sobre o Ser,
Cujo sentido permanece imerso
Nestes mares que navego sem saber...


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25/09/2017
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Transliteração para o idioma inglês:

The three questions (by Alma Welt)

What I am, where I came from, where to run
These are issues that are not need
Or in my case answered by fun,
So I spent my energies on read and read:

Read the classics, almost all, of threadbare,
Living my Trojans in the head,
Not as a complex undertaking and bare
But adventure and fun as I already said.

And instrumentalized, although a little sad
I was able to sit down and write the first verse
With an universal clarity of the mad.

Behold, they turn as questions about the Self,
Whose meaning remains immersed
In the seas I sail and ask about myself...
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25/09/2017

Que revertido literalmente, ficaria assim:

As três perguntas (por Alma Welt)

O que sou, de onde eu vim, onde correr
São questões que não são necessárias
Ou no meu caso respondidas por diversão,
Então eu gastei minhas energias em ler e ler

Leia os clássicos, quase todos, na raça,
Viver meus toianos na cabeça,
Não como uma empresa complexa e nua
Mas aventura e diversão como já disse.

E instrumentalizado, embora um pouco triste
Pude sentar e escrever o primeiro verso
Com uma clareza universal de louco.

Eis que eles se tornam perguntas sobre o Eu,
Cujo significado permanece imerso
Nos mares que eu navego e pergunto sobre mim...
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25/09;2017

sábado, 23 de setembro de 2017

Nós, Verônicas (de Alma Welt)

A vida é triste, a beleza a justifica
Como a dor no turbilhão da Rimini,*
Ou quando assisto um filme do De Sicca
Ou um do novo realismo de Fellini ...

Que queres dizer, Alma? A vida é bela?
Então só isso é que tens a nos dizer?
Ora pois, poetisa, não engambela!
Quê beleza é suficiente pra viver?

Então me lembro da pobre Gelsomina, *
E da Cabíria presa num armário, *
Encarnadas pela mesma atriz Masina.

Choro de dor e de beleza pela vida,
Pelas verônicas, suas faces no sudário,
Sua própria face no véu reproduzida... *

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23/09/2017
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Notas
*Como a dor no turbilhão da Rimini - . Alusão ao episódio do canto 5 da Divina Comédia de Dante Alighieri, em que este encontra as almas dos amantes clandestinos Paolo e Francesca da Rimini, em punição eterna suspensos abraçados num turbilhão sem fim. Uma curiosidade: Rimini é também a cidade natal de Federico Fellini.

*Gelsomina - a personagem que Giulietta Masina encarna no grande filme "La Strada", da fase do Neo-realismo italiano de Fellini, e que rendeu a ela, com justiça, o título de "Carlitos de saias".

"E da Cabíria presa num armário - Alma se refere à personagem da pobre prostituta Cabíria, do filme Noites de Cabíria, que é esquecida trancada no armário de um cliente quando este é surpreendido pela volta e reconciliação com a amante. No dia seguinte é solta, e muito triste, caminhando pela estrada é seguida de maneira alegre, saudada por belos jovens, rapazes e moças que montadas em Vespas (lambretas) que como anjos fazem evoluções em torno dela enquanto caminha, despertando-lhe um sorriso, que fecha o filme ...

* Pelas verônicas, suas faces no sudário/
Sua própria face no véu reproduzida - Alma alude ao episódio da Via Crucis, em que a jovem Verônica enxuga com um véu o rosto suado e ensanguentado de Cristo, ficando a imagem do rosto de Jesus estampada no véu. O nome Verônica deriva de "vero ícone" (verdadeira imagem ). Alma sugere que a verdadeira imagem surgida nos véus das "verônicas", as mulheres tristes e sofridas, é a da própria imagem delas mesmas...



Desencanto (de Alma Welt)

Esta vida, meus amigos, que loucura
Quando olho pra trás, meio de esguelha,
Vejo erros, sim, nunca impostura,
Que em nós todos havia uma centelha...

Tínhamos anjo, no dizer dos castelhanos,
E portanto algum talento não faltava
Aos nossos primeiros trinta anos,
Acreditando que o futuro assegurava...

Nossos feitos passaram, só eu lembro.
O sucesso é fogo de artifício,
Menos saúda que despede de Dezembro.

E alguns nos vimos às voltas com rotinas
Ou roendo os ossos de um ofício,
Só trocando a meia sola das botinas...

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23/09/2017

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Cartas de corso (de Alma Welt)

De tão alto o meu sonho mal revelo,
Que é a ambição de todo artista
E ao pudor e sensatez apelo,
E possa eu decolar do chão da pista....

Pois é como arrasar montanha inteira
Ou então ceifar sozinha um bom trigal;
Rolar um rochedo à cumeeira
Para lançá-lo no círculo inercial...

Tal é o meu sonho grandioso de poeta
Uma vez que transmutar o mundo em versos
É entre todas, a mais difícil meta.

Um pé na terra outro no mar é necessário
Ao poeta para unir mundos dispersos,
Com a sanha e a coragem de um corsário...

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22/09/2017



Nota
*Cartas de corso - tratava-se de um documento da coroa inglesa autorizando de maneira não oficial (como se faz por exemplo aos espiões) um pirata a fazer abordagens, saques e pilhagens a navios estrangeiros entregando uma porcentagem do roubo à coroa. Um dos mais conhecidos corsários foi Francis Drake, o favorito da rainha Elisabeth I da Inglaterra (note-se que se um corsário fosse derrotado e aprisionado por uma potencia estrangeira, o seu governo não o reconheceria, isto é, não se responsabilizaria por seus atos.

Entre terra e céu (de Alma Welt)

Aqui no plaino estou entre terra e céu,
Meu pampa é suspenso território
E olho as nuvens que me cobrem como véu,
E embaixo, o capim, meu escritório...

Aqui sobre a relva escrevo versos
Que me levam pelo mundo com o vento,
Estou na confluência de universos.
Não há muros, por aqui, pro pensamento.

E quando estou cansada de pensar,
Estendo a mão ao léu, colho uma flor
E esvazio o pensamento ao aspirar...

Então ao longe, ouço o grito da Matilde
Me chamando pra almoçar, seja o que for,
No terreno da matéria sou humilde...

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22/09/2017

Nosso Muro proibido * (de Alma Welt)

Em Novo Hamburgo, guria aventureira,
Nas brincadeiras não ficava para trás.
Meu irmãozinho, um pequeno satanás,
De um abismo vivíamos à beira,


Um dia me induziu pular um muro
Que havia no fundo do quintal
Para ir à casa de um vizinho obscuro
De estranha luz vermelha no portal...

Mas fomos recebidos pelos fundos
Por uma bela moça de corpete
Sorrindo para nós (dentes imundos).

"Ora, ora, aqui temos dois lindinhos!
Vieram ver seu papai, o de colete?
Primeiro a dar boas vindas de vizinhos..."

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22/09/2017

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Perséfone (de Alma Welt)

Mirante do Tempo, a minha varanda
Com sua velha cadeira de balanço
Sobre os campos com cheiro de lavanda
Em que observo das sombras o avanço,

Imagino-a vazia, muito em breve
Com todo este casarão espectral
Quando a terra me for pesada ou leve,
Num sepulcro a pedir sua mão de cal...

Pára com isso, Alma, estás lúgubre!
Esse gótico sinistro nos revolta...
Esse teu gosto estranho pelo fúnebre...

Vê os pastos florindo sob as reses:
Core pois de ti mesma, estás de volta
Aos braços de tua mãe por mais seis meses...*

.
21/09/2017

Nota
*Core pois de ti mesma, estás de volta /
Aos braços de tua mãe por mais seis meses - Duplo sentido peculiar à Alma: Ao mesmo tempo que significa "envergonha-te de ti mesma", significa "Perséfone de ti mesma", remetendo ao "mito de Core" nome latino da Perséfone grega, jovem princesa filha de Deméter (a deusa das colheitas), que foi raptada no campo quando colhia flores, por Hades, deus dos Infernos, que a fez sua esposa. Desesperada, Demeter implora a intercessão de Zeus, que arbitra que Perséfone deve passar meio ano no mundo subterrâneo com seu marido, e meio ano na superfície dos campos com sua devotada mãe.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Pedra rolada (de Alma Welt)

Venho mostrando em versos meu percurso
Desde o inocente jardim de minha avó.
Não, por certo, em um linear discurso,
Como simples trajetória rumo ao pó...

Quanto voo, rodeio, circunlóquio
Fez esta mariposa em torno a luz!
Quantas tolas aventuras de Pinóquio
Antes de encontrar quem me supus.

Se não da alma, a construção do Ser
Se fez como escultura, por desgastes,
Ou como arado no campo, a revolver...

Senhor, eis-me então, já burilada
De minhas crespas facetas e contrastes,
De Vosso rio, afinal, pedra rolada...
.

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20/09/2017

Transliteração* livre para o inglês, com rimas:

Rolling Stone * (by Alma Welt)

I have been showing my poetic course
From my grandmother's garden without lust.
Not, of course, in a linear discourse,
As simple trajectory towards dust ...

How much flight, rodeo, and few ventures
made this rebel Soul like a moth.
How many silly Pinocchio adventures
Before I found who I thought I was.

The construction of the Being, if not the Soul,
Was made not like carved busts
Or as an arid camp with a plow ...

Lord, behold, I have been done
the polishing of my facets and contrasts,
From Your river, at last, rolled stone ...
.
20/09/2017

O que, de volta ao português, literalmente, daria:

Pedra rolada (por Alma Welt)

Tenho mostrado meu curso poético
Desde o jardim da minha avó sem luxúria.
Não, é claro, em um discurso linear,
Como simples trajetória em direção ao pó...

Quanto vôo, rodeio e poucos empreendimentos
fez com que essa alma rebelde fosse uma mariposa.
Quantas aventuras tolas de Pinóquio
Antes de encontrar quem pensei que era.

Se não da alma, a construção do Ser
Não foi feita como bustos esculpidos
Ou no árido campo com um arado

Senhor, eis que já está terminado
o polimento de minhas facetas e contrastes,
Do Vosso rio, afinal, pedra rolada...

__________________

Notas
* Transliteração - Termo criado pelos poetas brasileiros Augusto e Haroldo de Campos para designar uma tradução livre que preserve rimas, e às vezes até métrica, tomando liberdades ao criar novas imagens ou metáforas, sem trair o sentido e substância do poema original.

*Rolling Stone - esta expressão inglesa deriva do provérbio também existente em português: "Pedras rolando não criam limo", que quer dizer que a dinâmica do Ser evita a deterioração viciosa.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Gruppo di famiglia in un interno (de Alma Welt)

Meu pai colecionava quadros belos
Que cobriam desta casa as paredes
Como aqueles mais ricos castelos,
Do tal tempo do "vós sois" e do "vós vedes".

Mas morto meu pai começa a sanha
E meu irmão jogador leva um quarto,
Que no jogo de poker perde e ganha
E diz que até co' a Morte fez um trato.

Minhas irmãs levaram outros pra vender
Num leilão qualquer em pleno inverno
Enquanto, eu desolada, quis morrer.

Mas um que a mim me coube, que escolhi:
"Gruppo di famiglia in un interno",
Recompõe em fantasia o que perdi...
.
18/09/2017

Nota
*"Gruppo di famiglia in un interno"- Alma com este soneto parece querer homenagear o último filme de Luchino Visconti (que tem este sugestivo título), obra-prima inesquecível, que fecha com chave de ouro a carreira do grande cineasta italiano, e também a do maravilhoso ator americano Burt Lancaster...

O Concílio falhado (de Alma Welt)

Na juventude, já paga e sem estorno,
Conclamei dentro de mim os velhos deuses
Para um concílio com visas ao retorno
Mas sem levar em conta seus adeuses.

Não estavam os deuses mortos, mas doentes,
E pior: transfigurados em neuroses,
Suas manhas e manias só latentes,
Apenas não se ouviam suas vozes.

Electra e Édipo, mortais, chamei num canto
E disse: "Amigos, todos matam mãe e pai,
Mas já houve um casal que era santo...

C'o Nazareno vamos pois nos encontrar
E tentar um novo acordo... Ou ninguém vai?"
Mas os deuses nem quiseram despertar...

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18/09/2017

domingo, 17 de setembro de 2017

Bicho pequeno (de Alma Welt)

Eu guria, na borrasca de uma noite,
Me vi numa escuridão absoluta,
E compreendi de um raio o forte açoite
Que evidenciava a eterna luta.

Luz e trevas, sim, eu compreendi
Não com tais sutis palavras, claro,
Que estas pouco são como eu as vi,
As forças em combate nada raro...

Minha alma meio virgem (quem diria?)
Lembrou-se da primeira expulsão
Quando a espada do Anjo reluzia...

"Deus, poupai tanta energia, não mereço:
Sou um bicho pequeno, ando no chão,
Mas com nome conhecido e endereço..."

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17/09/2017

O cão de mim (de Alma Welt)

Juntei as mãos e de joelhos perguntei:
"Meu Senhor Deus, que fizeste o céu azul,
Também, de noite, o cruzeiro do meu Sul
E este pampa infinito que nem sei..."

"Dizei, Senhor, o que fiz pra merecer
Tantos dons, privilégios e presentes,
Quando vejo ao redor seres carentes
Que me fazem ter vergonha de assim ser?"

"Além de bela, poeta me fizestes
Com o dom incompreensível do soneto,
Num tempo de miséria e de pestes... "

Então, envergonhada de minha prosa,
Vi o céu azul mudar ficando preto,
E cão de mim, encolhi-me, temerosa...

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17/09/2017

sábado, 16 de setembro de 2017

O Corifeu (de Alma Welt)

Pra descrever a vida escrevo versos,
Antiga forma de distinguir os fatos,
Já que neles convergem os universos
As formas-pensamento, os entreatos.

O Poeta é o corifeu do espetáculo
E anuncia o que a vida descortina
Batendo no tablado com um báculo,
Proclamando que quase tudo é Sina.

E as lágrimas, o riso e sua catarse
São a comporta aberta da represa
Antes do vale dos aflitos inundar-se.

Mas se no palco a alma se apresenta
Com a máscara fatal no rosto presa,
Ri o poeta e o duplo rosto ostenta...
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16/09/2017

Flor de cactus (de Alma Welt)

"Podermos enxergar a realidade
É o nosso atributo superior...
Fantasia, o sonho nosso sem idade
É um mero paliativo para a dor."

Assim dizia minha avó, colhendo flores
Um pouco antes de se por a divagar
Contando estórias de seus velhos amores,
Do kaiser da Alemanha, e do czar.

E eu, ingênua guria deslumbrada,
Não lograva separar sonhos e fatos,
Sem saber o que era anjo ou mera fada.

Então para me aproximar da vida,
Eu não evitaria a flor dos cactus,
A beleza que nos dói quando colhida...

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16/09/2017

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A Mariposa, uma oração (de Alma Welt)

Senhor, dai-me nova chance, serei digna,
Tentarei baixar o tom, bem mais humilde,
Embora nunca tenha sido uma Brunhilde,
Mas, Senhor, minh'alma é pura e fidedigna.

Sei que Sois uma imensa Luz Brilhante
Segundo a descrição forte de Dante
(quando levado até Vós por Beatriz)
Mas, meu Senhor, irei ousar e pedir bis...

Talvez seja inconveniente tal discurso,
E nem chegue a enxergar a Vossa Luz,
Já que vou queimar as asas nesse curso...

Sabeis, sou simples mariposa, amo a lua
Porque ela, humilde, a luz do Sol reduz;
Só por isso, ó Senhor, eu vivo nua...

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14/09/2017

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

À Margem (de Alma Welt)

Fui ao mundo e me encontrei em Babilônia,
O caos instalado envolto em névoa
De ignorância e ira malévola,
De tanta insensatez sem parcimônia.

Uma aridez total tudo cercava
E julguei estar no mármore do Inferno;
Hibernavam todos sem inverno
E o sonho da razão monstros criava...

Então ergui o punho e invectivei:
"Ó cidade de tola iniquidade!
De mal e ignorância, ó cidade!"

Mas a resposta veio como aragem
Vinda de outro tempo e outra lei:
"Aproveita, Alma, o dom de estar à margem..."

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13/09/2017

terça-feira, 12 de setembro de 2017

A rebelde natureza (de Alma Welt)

Se não houvesse o verde, flores, aves,
Eu não desejaria estar no mundo
Que malgrado os obstáculos e entraves
Estranha perfeição mantém de fundo.

Os animais com seu ânimo laborioso
Num come-come infinito pela vida
Carregando o fardo tão sem pouso
(pois não devia atingi-los nossa dívida).

Entretanto um estranho equilíbrio
Nos faz pensar de Deus a hábil mão
De titereiro atento a cada brio,

Que Deus nos quer rebeldes já suspeito,
Antes que fracos, passivos e em vão
Um punho contra o céu, outro no peito.

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12/09/2017

A Espera (de Alma Welt)

Contra o mal incapaz de remédio,
Afasta-te e espera, disse um sábio;
E dei-me conta que ainda que sem tédio
Passei a vida a folhear um alfarrábio,

Sim, a Realidade, mas nos livros,
Que aqui fora não a vejo com clareza
A não ser muito conflito entre os vivos,
Controvérsia, maldade, e esperteza.

Vê como tiram o pão da boca do povão
E o jogam no chão dos corredores
Sem repouso, sem consolo, sem razão...

Um mundo-pesadelo, de delírios,
De uma realidade cheia de pavores,
Onde nem aos pobres mortos cabem círios...

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12/09/2017
                                                   "El sueño de la razón produces monstruos"- gravura de Goya

Sin el sueño de la razón (de Alma Welt)

Nesta manhã levantei-me do meu leito
Com uma estranha esperança no futuro,
Eu, que poucas ilusões trago no peito,
Que de toda embarcação enxergo o furo.

Bem sei que quem se impõe é a Natura,
Malgrado nós e nossa tola presunção
De afetar sua lei mais forte e pura
Que amiúde se apresenta em furacão.

E a Deus agradeci minha lucidez
Que me faz amar o mundo sem condão,
Sem abóbora e cristal como calçado.

Assim pensei antes de por o pé no chão,
Clara e desperta, tal como Deus me fez
Tendo o Sonho da Razão bem afastado...

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12/09/2017

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A Arte e o Mundo (de Alma Welt)

Melhorar este mundo em que vivemos
É tarefa muito nobre par' os poucos
Que serão tomados como extremos
E frequentemente como loucos.

Te concentra, alma minha, em teu quintal
Se és capaz de o varrer e de cuidá-lo
Bem antes de julgar o mundo mau
E a enxergar o burro no cavalo...

Fui ao mundo, olhei, não vi remédio
A não ser criar outro meio à parte
E doá-lo a quem possa interessar...

E descobri que isto é a pura Arte
Que se não pode nosso mundo transformar
Quer ao menos despojá-lo do seu tédio...

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11/09/2017


domingo, 10 de setembro de 2017

El Grande Festival de Tonterías (de Alma Welt)

Com o mundo é preciso paciência,
Pois que ele é de modo a endoidar;
Nada recomenda sua ciência
Que em matéria de cinismo não tem par.

Pra se viver é preciso vista grossa,
Ouvidos moucos e também "bocca chiusa",
Não só pra cantar como uma musa
Na varanda ao luar belo da roça...

Porque é um festival de "tonterías"
Como dizem os simpáticos hermanos,
Que da cegueira são também decanos.

Pois se vais por aí por essas vias,
Esquerdopata, fabiana ou radical,
Como a tal canção do Chico: "Cê vai mal..."

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10/09/2017


Nota
*... "bocca chiusa"/
Não só pra cantar como uma musa/
Na varanda ao luar belo da roça - Alusão à cantilena da Bachiana n° 5 de Villa-Lobos, que é cantada, na repetição do tema, em "bocca chiusa" (expressão italiana que significa boca fechada, o som saindo pelo nariz), pela soprano lírica.
Com a boca fechada, Alma completa a imagem dos três macaquinhos da prudência (ou da omissão e alienação) : vista grossa (olhos fechados), ouvidos moucos (ouvidos tapados), bocca chiusa...


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O Fruto (de Alma Welt)

Construir um universo de palavras
Foi sempre minha metódica ambição;
Então arei e semeei as minhas lavras
Com humilde e exemplar dedicação.

Como? Lendo tudo ao meu alcance,
Noite e dia, das estantes copiosas,
Com uma ênfase no reino do romance
E as poesias colhendo, como rosas...

Um dia disse: "Basta! Agora escrevo,
Que de Deus palavra e imagem herdamos,
Do Logos o mistério em que me inscrevo."

Quanto à felicidade, o pomo procurado,
Fruto que pomos onde não estamos, *
De tanto tenho a escrever... deixei de lado.

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08/09/2017

Nota
*Fruto que pomos onde não estamos - alusão aos versos finais do belo soneto "Felicidade", do imortal poeta de Santos, Vicente de Carvalho:

"Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos."

Monólogos (de Alma Welt)

Não tentes, meu amor, me seduzir,
Foi-se o tempo inocente da beleza,
E certamente não me posso permitir
Ser artigo, assim, de cama e mesa.

Se queres que eu te siga, diga um verso
Que seja a este momento pertinente;
Seja irônico, mordaz, e controverso,
Mas não dobre à esquerda de repente.

Assim dizia, em sonho, a um belo jovem,
Mas acordei quando ele ia responder
E só as boas respostas me comovem.

Então pensei, comigo, que o sonhado
Somente se refere ao que se quer
E nunca propriamente ao ser amado...

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08/09/2017

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O anátema de um dia (de Alma Welt)

Ser o que sou e viver para a poesia
Foi meu dom e privilégio relativo,
Pois formada de tudo o que eu lia,
Quanta dor deixei passar pelo meu crivo.

Dor do mundo, eu a conheço em empatia,
Mas conheci de fato uma expulsão,
O flagrante e o anátema de um dia, *
Uma injustiça de Deus... Peço perdão.

Passei a vida com quem flores colheu
No jardim de minha avó (que mais fiz eu?)
A olhar de longe o mundo e seus clamores.

Me perdoe, outrossim, leitor amigo,
Acaso olhe demais pro meu umbigo,
Referencial talvez de poucas dores...

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07/09/2017

Nota
*Mas conheci de fato uma expulsão,
O flagrante e o anátema de um dia - Alma se refere ao trauma fundamental de sua infância: a guria Alma, de oito anos, foi flagrada em inocente brincadeira sexual com seu irmãozinho Rodo (irmão adotivo), debaixo da macieira do pomar do casarão, por sua mãe, Ana Morgado, que fez um escândalo e os puniu com uma separação que durou anos, enviando o menino para um colégio interno. Alma se refere a este episódio arquetípico (o "pecado original" e a expulsão do Éden) em inúmeros textos e sonetos, como sendo o fundamento primal de sua poesia.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

A cavaleira, ou O novo pacto (de Alma Welt)

Senhor, peço, preservai minha poesia
Que me destes e que vem toda do anjo,
E que pouco recorre à fantasia,
Verdadeira que é e a qual esbanjo.

Já não falo de fadas fazem anos,
E conquanto sejam vossas criaturas
Colocavam sobre a vida quentes panos
E a dor minimizavam, mas sem curas.

Então chamei o anjo que me destes
E fiz com ele precioso novo pacto
Quando a um com a loucura estava prestes...

Eis-me pois, Senhor, por ele ungida
Como vossa cavaleira em novo trato
E com cota e burel com a cruz vestida...

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05/08/2017

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

As três perguntas (de Alma Welt)

De onde venho eu, que tão sem rumo
Vivo como se meu caminhar levasse
A algum lugar, além do prumo
Que já se esperaria a quem andasse?


E saberei quem sou, chegada a hora?
O espelho ou um oráculo me dirá?
O enigma do Eu e do agora
Terá a solução? Deus me dará?

Para onde irei, se o céu nós temos
E o Inferno, arremate de absurdos
Do purgatório, já que este conhecemos?

Tais perguntas permanecem sem respostas
Como o nosso gesticular aos surdos
Ou como espelho cego a quem te mostras...

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04/09/2017



Nota
 D'où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous? - escreveu Gauguin na sua grande tela do Paraíso...

sábado, 2 de setembro de 2017

A Palavra e o Desejo (de Alma Welt)

Só a Beleza justifica a Vida
Já que é inerente a quase tudo,
E até mesmo ao sofrimento mudo
Menos à maldade presumida...

Longe de mim pontificar, julgar, punir
Meus pares neste mundo, tão perplexos
Quanto eu mesma entre o agora e o devir
Ante essa dura carga dos dois sexos...

Mas ao amaldiçoar nosso Desejo
Quis o nosso Criador, ou deu ensejo
A que dele o Mal do mundo derivasse...

Senhor, foi Vosso o Desejo que me fez
Com a Palavra herdada, num impasse:
Poeta Vossa, calai-me então, de vez!

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02/09/2017

De versos e ruínas (de Alma Welt)

De tão mal ficou o mundo já não posso
Escrever minha poesia "de vidente"
Já que a superfície apenas roço
No esforço de a captar somente.


Há quem possa dizer:"O mundo esqueça,
A poesia tem seu próprio universo;
Vá fundo na vida, o fogo aqueça,
Use o som e a fúria no teu verso." *

Rimbaud profetizou como "voyant" *
O poeta do futuro e estava certo,
Mas não contava com os truques de Satã.

E eis-me a contemplar a feia ruína
De um belo mundo que parecia perto
Mas que virou à esquerda numa esquina.

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31/08/2017

Notas

*Use o som e a fúria no teu verso..." - Alusão ao famoso monólogo do Macbeth de Shakespeare.

" Rimbaud profetizou como "voyant" - Alma alude à famosa "Lettre du Voyant" (Carta do Vidente) onde Rimbaud diz que o poeta do futuro deveria se tornar vidente.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Ervas daninhas (de Alma Welt)

"Perceber claramente o Mal no mundo
É uma carga pesada, obrigação
De todo escritor claro e profundo
Dentro de lúcida e nobre tradição."

Assim dizia meu pai, sentencioso,
Preocupado que por causa da beleza
Eu me tornasse fútil ou só leveza
Num tempo de combate silencioso.

Silencioso? Sangue mina das paredes
Numa guerra verbal no mundo todo
Cobrindo as duas mãos de puro lodo...

E eu tranquila já não posso, como vedes,
Ervas daninhas brotando poderosas,
No meu jardim colher mais as puras rosas...
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30/08/2017

Alma Livre (de Alma Welt)

Jamais me viram pelo em ovo procurar
E também não esmurrei ponta de faca;
Pelo nariz jamais alguém vai me levar
E eu nunca enfiarei o pé na jaca.

Assim dizia eu com meus botões
Embora sejam mudos como peixes;
Jamais chorei de mágoa aos borbotões
E não implorarei que não me deixes.

E então sacudo o jugo, de repente,
Dos lugares comuns e dos chavões
Que estavam a acorrentar a minha mente...

E eis-me livre, afinal, e sem doutrinas
Nem slogans, ditos, lemas, posições,
Reenviadas ao fundo das latrinas...

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29/08/2017

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Sempre quis (de Alma Welt)

Sempre quis ir-me daqui não sei pra onde
Mas já com uma certeza de voltar;
Perder de mim mesma a hora e o bonde
E nunca ter que, obrigada, trabalhar

Mas viver num jardim meu por direito,
Negando o tal pecado original
De que não trago culpa nem defeito,
E nem remorsos, já que nada fiz de mal.

Amando a lógica, fruto da harmonia
E o absurdo tão somente por poesia
Pois nele está a causa da expulsão

Que sofreu o casal belo, antepassado,
Ingênuo sob a árvore da paixão
Com que Deus veio tentá-los disfarçado.

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29/08/2017

Conselhos de meu pai (de Alma Welt)

Meu pai já me alertava, na verdade,
Contra as almas canhotas traiçoeiras
Que conspiram no campo e na cidade
Roendo a nossa liberdade pelas beiras.

As almas torpes, afeitas à mentira,
Que torcem os fatos por pura negação,
Que fedorentos pneus são sua pira
De ódio e inveja do rico e do patrão.

Que amam a escravidão e a pobreza
Mas dos outros, que não a deles mesmos,
Esquerdopatas de caviar na mesa...

E dizia meu pai: "Sempre os combata
Enquanto estão aí somente a esmos,
Por que depois estarás sob a chibata..."

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29/08/2017

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Ponderações (de Alma Welt)

É visível que o destino é humorado
E até mesmo chegado em ironia.
Mas Deus é sério, sisudo e enfezado,
Não tolera blasfêmias sem poesia.

Entretanto Ele é bastante complacente
Com o desespero dos poetas, haja visto
Lord Byron e sua epopeia do anticristo
Que não consta ter de Deus sido descrente.

Mas que sei eu, que só tenho opinião
Sobre coisas pelos seus meros reflexos
Como o tolo da caverna de Platão?

"Cala-te boca", eu me digo amiúde;
Meus melhores momentos são perplexos
E nem meu bom espelho já me ilude...

23/08/2017

Perambulando (de Alma Welt)

Perambulei pelo mundo, não à toa,
Seguindo o claro rastro dos poetas
Que por certo não viviam só na boa
Seguindo outros rastros, mesmas metas.

Haja fumo e absinto pros coitados
Em imensas discussões acaloradas
Sobre os grandes destinos isolados
Versus modernos seres de manadas.

No Zutique, a colorir cada vogal,
Sentei-me àquela mesa com Rimbaud
E Baudelaire a cultivar flores do Mal

E traduzindo para o franco num "Jamais",
Num agouro até lá, Rue de la Paix,
O tal mascote negro do Allan Poe...

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23/08/2017


Notas
*No Zutique, a colorir cada vogal - O chamado " Album Zutique" era um livro de recordações e presenças mantido pelo Cafè Zutique em Paris, no século XIX em que foram encontrados vários poema de Rimbaud, que descobertos ali ficaram célebres. "A colorir cada vogal- é referência ao poema de Rimbaud "Les couleurs des voyelles", que no entanto não consta propriamente do Álbum Zutique. Um engano da Alma? Na verdade pode ser uma generalização da Alma, sugerindo que ele coloria cada vogal sempre, em qualquer de seus notáveis poemas).

*E Baudelaire a cultivar flores do Mal - alusão ao célebre livro de Poemas de Charles Baudelaire, "Les Fleurs du Mal"

"E traduzindo para o franco num "Jamais" - (pr. francesa "jamé")- alusão à tradução que Baudelaire fez do poema The Raven (O Corvo) em que a ave agourenta respondia às perguntas desesperadas do poeta: "Nevermore" (Nunca mais), em francês: "Jamais plus".

*Num agouro até lá, Rue de la Paix - aparentemente só para rimar com o francês ´Jamais", Alma na verdade quer dizer que o agouro de desesperança do corvo, chegava até à rua mais elegante de Paris.


*O tal mascote negro do Allan Poe- obviamente o corvo, aqui tratado ironicamente como um mascote do poeta Poe ( pr, Pou) em rima falsa com Rimbaud (pr. Rambô)