sexta-feira, 31 de julho de 2020

* "Uma temporada no Inferno" (de Alma Welt)

O que vejo é Tristeza ao meu redor
E tenho que criar minha alegria
Com um canto baixinho em tom menor
Pra com a dor não entrar em sintonia.

Sim, recuso a tristeza desta vida
Porque nunca achei justo o tal Juízo
De exilados à priori, de saída,
Já que postos pra correr do Paraíso...

Entretanto a sintonia que procuro
É fina demais, de furo a furo,
No "dial" da alma inconformada.

Mas quando "pego" as músicas dos anjos,
Tão raras como as harpas entre banjos,
Aceito deste inferno a temporada...

.
31/07/2020

Nota
*"Uma temporada no Inferno" - titulo emprestado de um famoso ciclo de poemas em prosa de Arthur Rimbaud.

Agora uma transliteração (versão livre rimada) para o francês, também de minha autoria

Une saison en enfer" (par Alma Welt)

Ce que je vois, c'est de la tristesse autour de moi
Et je dois créer ma propre joie
Avec un chant mineur sur un ton bas
Arretant la douleur par ne la connecter pas.

Oui, je refuse la tristesse de cette vie
Parce que je pense que le jugement manquait d'art
D'exilés que sommes nous a priori, de départ,
Puisque nous etions prêt à fuir le paradis.

Cependant l'accordage que j'ai toujours cherchée
C'est trop mince, trou par trou, au coeur
Dans le "cadran" de l'âme non conformée.

Mais quand je "ramasse" les chants des anges,
Aussi rare que les harpes d'acordes étranges
J'accepte par instant la saison de cet enfer ...

quinta-feira, 30 de julho de 2020

The last time I saw Paris (by Alma Welt)

(Versão livre para o inglês, mas com rimas, do soneto da Alma Welt "A última vez que vi Paris" (veja postagem anterior)
* A última vez que vi Paris - este título é evidentemente uma citação do título do filme The last time I saw Paris de Hollywood de 1954 passado em Paris, com Elizabeth Taylor e Van Johnson. O filme não é muto bom apesar de ser baseado num conto de Francis Scott Fitzgerald, "Babylon Revisited", mas o título sugestivo inspirou a Alma para criar este soneto, em que ela manifesta a sua paixão histórica e literária pela cidade de Paris, e jamais turística..

The last time I saw Paris (by Alma Welt)

The last time I saw Paris, I remember,
The hunchback took the great bell like a boat;
Of the miraculous courtyard I was a member
And the gypsy's partner was a goat.


Suddenly, I saw a king without a wig
Not in a carriage, but almost on a trek
And he was not going to the farm like a pig
But for caresses on the back of his neck.

Carrying torn remains of a young man
I soon saw Valjean, in the sewers of bathtubs
Saving youth narrowly since then

After these leaps of a few centuries,
Rimbaud was already writing in pubs
That was indeed the last time I saw Paris ..
.
30/07/2020

(O soneto original):

*A última vez que vi Paris (de Alma Welt)

A última vez que vi Paris, me lembro,
O corcunda cavalgava o grande sino;
Do Pátio milagroso eu era membro
E o parceiro da cigana era um caprino.

De repente vi um rei já sem peruca
Não de carruagem, mas carroça,
E não estava indo para a roça
Mas para um cafuné na sua nuca.

Mas logo vi o Valjean, pelos esgotos
Carregando despojos meio rotos,
Salvando a juventude por um triz.

Depois desses saltos de alguns séculos,
Rimbaud já escrevia nos botecos,
Essa sim, última vez que vi Paris...
.
30/07/2020

Notas
*A última vez que vi Paris - este título é evidentemente uma citação do título do filme "The last time I saw Paris", de Hollywood, de 1954, passado em Paris, com Elizabeth Taylor e Van Johnson. O filme não é muito bom apesar de ser baseado num conto de Francis Scott Fitzgerald, "Babylon Revisited", mas o título sugestivo inspirou a Alma para criar este soneto, em que ela manifesta a sua paixão histórica e literária pela cidade de Paris, e jamais turística.

*O corcunda cavalgava o grande sino - Quasímodo, o Corcunda de Notre Dame, do grande romance Notre Dame de Paris, de Victor Hugo, costumava montar euforicamente no grande sino da torre da Catedral fazendo-o badalar, o que lhe causara a surdez permanente.
*Do Pátio milagroso eu era membro- Alma se rfere ao "Pátio dos Milagres, grande salão subterrâneo que havia debaixo da praça em frente à Catedral de Notre Dame, no romance de Victor Hugo, e onde de noite em grandes farras e bebedeiras presididas pelo rei dos mendigos, os "cegos" enxergavam, os "paralíticos andavam", e os ladrões cobriam de moedas as prostitutas que dançavam para todos os "milagrados" rrrrsssss...

*E o parceiro da cigana era um caprino- no romance a bela cigana Esmeralda dançava na praça em frente à catedral, com sua cabrinha, ao som de um pandeiro que ela tocava, encantando a multidão e fazendo o corcunda que a observava lá de cima nos parapeitos entre as gárgulas de pedra, se apaixonar por ela, o que também aconteceu com o hipócrita e cobiçoso pároco, motivando a tragédia...
*De repente vi um rei já sem peruca - num salto de séculos Alma vê, Na Revolução Francesa (1789) o rei Luiz XVI, sem a peruca sendo levado numa carroça *"para um cafuné na sua nuca", isto é, para ser guilhotinado em praça pública.

*Mas logo vi o Valjean, pelos esgotos - Alma se refere à cena do Jean Valjean carregando nas costas pelos esgotos de Paris, o ferido pelos soldados nas barricadas dos revolucionários, e desacordado, o jovem namorado de sua filha Cosette, no grande romance Les Misèrables.
 
*Depois desses saltos de alguns séculos,
Rimbaud já escrevia nos botecos-
No sonho ou visão da Alma, à partir das imagens iniciais na Idade Média Francesa, a poetisa termina em meados do século XIX nas mesas boêmias dos Cafés de Paris, vendo o poeta Rimbaud escrevendo seus versos imortais...


La dernière fois que j'ai vu Paris (par Alma Welt)

(Versão livre, com rimas, para o francês, do soneto " A última vez que vi Paris" da Alma Welt . (Vide o soneto original abaixo (as versões também são minhas)

La dernière fois que j'ai vu Paris (par Alma Welt)

La dernière fois que j'ai vu Paris, je me souviens
Le bossu a grimpé la grande cloche dans la fièvre.*
Dans la cour miraculeuse où la raison revient *
L 'amie de la gitane était une chèvre.

Soudain, j'ai vu un roi sans perruque *
Pas dans une voiture, ni dans une charrette*,
Et il n'allais pas pour traiter la tète
Mais pour une dernière caresse à la nuque.

Soulevant un corps déchiré presque nu
J'ai vu Valjean, travers les égouts du Lis
Pour sauver le jeune homme qui a été abattu

Depuis tant de siécles de visions si belles
Rimbaud écritait dans un Café les voyelles
Et c'est la dernière fois que j'ai vu Paris ...
.
30/07/2020

Notas
*Na "versão livre", chamada de "transliteração" pelos irmãos Campos, Augusto e Haroldo) o tradutor toma a liberdade de criar algumas imagens novas, mantendo o espírito do poema original, para criar rimas, já que as rimas originais se perdem numa tradição fiel ou literal.

*Le bossu a grimpé la grande cloche dans la fièvre.- depois de salvar a cigana Esmeralda, sequestrando-a o corcunda Quasimodo se exibe para ela cavalgando febrilmente o maior dos sinos da torre (ele era surdo por ser o sineiro dos poderosos sinos da catedral de Notre Dame.

*.la cour miraculeuse - O "Pátio dos Milagres", criação magistral de Victor Hugo no romance Notre Dame de Paris (abaixo da praça em frente a Catedral de Notre Dame, os subterrâneos, com um imenso salão como sala do trono que tinha seu próprio rei mendigo, e onde à noite os falsos cegos de Paris enxergavam, os aleijados dançavam sem suas muletas e o vinho e a orgia corriam soltos...

*L'amie de la gitane était une chèvre. - No romance Notre Dame de Paris, a cigana Esmeralda tinha uma cabrinha adestrada que a acompanhava nas suas danças na ruas. Por isso foi acusada de feitiçaria pelo cobiçoso padre da Catedral.

*Soudain, j'ai vu un roi sans perruque .( De súbito eu vi um reis sem peruca - o verso faz a alusão ao rei Luiz XVI, sem sua peruca real sendo levado não numa carruagem mas numa carroça tosca para o patíbulo para ser guilhotinado:

*Et il n'allais pas pour traiter la tète
Mas pour une dernière caresse à la nuque.- Ele não estava indo para tratar a cabeça, mas para uma última carícia na nuca (para ser guilhotinado).

Soulevant un corps déchiré presque nu
J'ai vu Valjean, travers les égouts du lis
Pour sauver le jeune homme qui a été abattu -
Este terceto descreve Jean Valjean, o grande personagem de Os Miseráveis, de Victor Hugo, carregando o corpo ferido na barricada, do namorado de sua filha, seu futuro genro, pelos esgotos de Paris, aqui ironicamente chamados de "esgotos do Lírio" (o Lírio é o símbolo da realeza francesa).

*Rimbaud écritait dans un Café les voyelles -
Alma alude ao poema Les Coulleurs des Voyelles, escrito no Album Zutique por Rimbaud. No Café Zutique que Rimbaud frequentava o dono mantinha um álbum para que os clientes poetas escrevessem versos para registrar sua passagem ou assídua frequência. No chamado Álbum Zutique foram encontrados inúmeros pequenos poemas inéditos de Arthur Rimbaud, como o curioso e experimental Les Couleurs des Voyelles (As Cores das Vogais).
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(O soneto original):

A última vez que vi Paris (de Alma Welt)

A última vez que vi Paris, me lembro,
O corcunda cavalgava o grande sino;
No Pátio milagroso era Dezembro
E o parceiro da cigana era um caprino.

De repente vi um rei já sem peruca
Não de carruagem, mas carroça,
E não estava indo para a roça
Mas para um cafuné na sua nuca.

Mas logo vi o Valjean, pelos esgotos
Carregando despojos meio rotos,
Salvando a juventude por um triz.

Depois desses saltos de alguns séculos,
Rimbaud já escrevia nos botecos,
Essa sim, última vez que vi Paris...
.
30/07/2020

A última vez que vi Paris (de Alma Welt)

A última vez que vi Paris, me lembro,
O corcunda cavalgava o grande sino;
Do Pátio milagroso eu era membro
E o parceiro da cigana era um caprino.

De repente vi um rei já sem peruca
Não de carruagem, mas carroça,
E não estava indo para a roça
Mas para um cafuné na sua nuca.

Mas logo vi o Valjean, pelos esgotos
Carregando despojos meio rotos,
Salvando a juventude por um triz.

Depois desses saltos de alguns séculos,
Rimbaud já escrevia nos botecos,
Essa sim, última vez que vi Paris...

.
30/07/2020
La dernière fois que j'ai vu Paris (par Alma Welt) La dernière fois que j'ai vu Paris, je me souviens Le bossu a grimpé la grande cloche dans la fièvre.* Dans la cour miraculeuse où la raison revient * L 'amie de la gitane était une chèvre. Soudain, j'ai vu un roi sans perruque * Pas dans une voiture, ni dans une charrette*, Et il n'allais pas pour traiter la tète Mais pour une dernière caresse à la nuque. Soulevant un corps déchiré presque nu J'ai vu Valjean, travers les égouts du Lis Pour sauver le jeune homme qui a été abattu Depuis tant de siécles de visions si belles Rimbaud écritait dans un Café les voyelles Et c'est la dernière fois que j'ai vu Paris ... . 30/07/2020

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Demasiado conceitual (de Alma Welt)

Sobre a Terra o esfalfar do homem
Compensa quando tem alguma Arte.
A boa notícia é que quase tudo tem,
Sem ela não se vai a qualquer parte.

Por isso dou valor a um qualquer
Que exerça o seu ofício com desvelo
Porque Arte é o capricho onde estiver
E apenas não tolera desmazelo.

Entretanto até aqui não há Poesia,
Que comecei em modo paralelo
Pois está conceitual em demasia...

Não como "aquela" pedra: dói nos rins, *
Não há tempo para encontrar o belo
Que só quer os meios, não os fins...

.
29/07/2020
Nota
*Não como "aquela" pedra: dói nos rins -
Nota-se que a Alma alude à pedra nada conceitual do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade ("No meio do caminho tinha uma pedra"...) Ao contrário, a que estava se formando neste soneto, segundo a Alma, é pedra nos rins....

Nós e o anjo escuro (de Alma Welt)

Como é bela a face humana quando é bela
E iguala o coração ao exterior...
Dos olhos a alma pura na janela,
Umas feições de anjo do Senhor...

Mas como é feio este ser quando se afasta
Da natureza angélica de origem
E revela dos anjos a outra casta,
Daqueles que amiúde nos dirigem.

A Guerra Arcaica dos Anjos prosseguiu
Desde o aparte das Trevas e da Luz
E pôs Lúcifer com a vela sem pavio.

Mas que poder tem ainda o anjo escuro
Com nome de que a chama ainda conduz... *
Porque Deus não o enterra num monturo?
.
29/07/2020

Nota
*Com nome de que a chama ainda conduz - Lembrando que o nome "Lúcifer" significa "portador da luz"...

Nuvens (de Alma Welt)

Sempre gostei de olhar as nuvens
Pela pura beleza que elas têm.
Não por sonho, devaneios de ir além
Ou só para prever quando tu vens...

As nuvens, caprichosas quanto sejam,
São linguagem de Deus (eu não duvido)
E não grudo na Porta o meu ouvido
Para ouvir o que dizem ou ensejam.

Nem sequer prevejo chuvas ou bonanças
E deixo que ocorram de surpresa
Mesmo surpreendida em minhas andanças.

Somos formigas, e não por nossa falhas
Olhadas lá do alto de uma mesa
A colher no chão as sobras e migalhas...

.
29/07/2020.

Dos que só falam mal do mundo (de Alma Welt)

Não suporto quem só fale mal do mundo,
Isso o faz perder qualquer valor
Pois já não tem como ir mais fundo
Em defesa de um gosto ou um pendor.

A negação do bem e da virtude
Nivela nosso mundo de contrastes
A um salar sem sal nem altitude,
Um plaino sujo juncado só de trastes.

Me lembro do relato da Anaïs .*
Que entre o pornógrafo brilhante
Do Miller e um Arthaud tão infeliz,*

Escolheu a amizade mais nutriz
Daquele pândego de riso constante,
Embora dela tão diverso de raiz....
.
29/07/2020
Nota
* Anaïs Nin - no seu famoso Diário, a escritora narra um período em que sua casa nos arredores de Paris era frequentada tanto pelo brilhante e debochado escritor outsider americano Henry Miller quanto pelo poeta e teórico de dramaturgia francês Antonin Arthaud, este amargo e neurótico ao extremo. Muito delicada mas amiga de ambos, fica no entanto claro quem ela preferiu para uma amizade de toda uma vida...

terça-feira, 28 de julho de 2020

O Turbilhão (de Alma Welt)

A vida em si mesma é sem sentido
Pois cabe só a nós atribuí-lo.
O comerciante a julga a metro e a kilo
Já o médico... o cadáver invertido.

Tudo é sem razão, tolo ou nonsense
Se não lhe emprestamos um valor
Conforme o que a alma um dia pense
Num dia ameno, de frio ou de calor...

Talvez se os poemas não houvessem
E as tramas do destino nos limitem
Sem o próprio tear em que se tecem

Nosso amor não teria testemunho
Que faz com que outros o imitem,
Num turbilhão de amor em redemunho...

.
28/07/2020

Nota
*Num turbilhão de amor em redemunho -
Nota-se que a Alma com este verso alude à imagem magistral do Segundo Círculo do Inferno da Divina Comédia de Dante Alighieri, de Paolo e Francesca Da Rimini no turbilhão dos amantes clandestinos, abraçados, sem pouso, infinitamente...

De trovadores e sonetistas (de Alma Welt)

Um poeta trovador jamais serei,
Daqueles andarilhos das aldeias,
Na estrada esfarrapando suas meias,
Mesmo assim convidados pelo rei.

Mas bem que o quisera em regressão
Pois destino melhor não imagino,
Já que não concebo uma invenção
Superior ao catavento, o pé e o sino...

Mas, pensando bem, sou sonetista,
O que é ser um menestrel atemporal
Ou uma espécie solitária de jogral,

Um coringa sem guizos e chocalhos
Apenas pra não dar tanto na vista
Como os que me encantam nos baralhos...

.
28/07/2020

A Síntese dos Poetas (de Alma Welt)

Conheci um ser que nada faz
E se recusa a qualquer atividade,
Apenas senta, levanta, leva e traz
As suas mãos vazias de saudade;

Só escuta o fluir do tempo mudo,
E se come é por necessidade
Para poder permanecer na vacuidade
De uma vida perfeita e sem estudo.

Perguntei-lhe de imediato: "Quem sois vós?
Como podeis viver sem fazer nada?
Sois uma alma viva ou só penada?"

E ele respondeu: "Sou um poeta,
Não qualquer, sou a síntese sem voz
Do que querias ser, ó Alma inquieta!"
.
28/07/2020

A Morte do Comendador (de Alma Welt)

Vi o Comendador curvo pra frente
Sobre a mesa de trabalho acumulado.
Logo afasta a fronte de repente,
Retira os óculos e os pousa com cuidado.

Depois retorce o corpo e se abaixa
À direita e abre uma gaveta
De onde recolheu a estranha caixa
E dela retirou uma escopeta.

Não soubemos nem no fim da história
Se o homem caiu de sua graça,
Sem escolha entre falência e moratória.

Já na boca o duplo cano (lembro a cena)
Apontando para um céu de altura escassa
Destampou a sua abóboda terrena...

.
28/07/2020