domingo, 30 de julho de 2017

Inocência (de Alma Welt)

É tão cheia de dúvidas minha fé
Que um fiel me aponta ou me acusa
De não tê-la de modo algum, até ,
Uma vez que a fé é cega e obtusa.

Mas meu Deus tolera minha teima
Em não abandonar minha razão
Já que o fruto comi e ele me queima
Produzindo em torno este clarão.

Minha ilusão faz sorrir Deus, divertido,
E Ele parece apreciar minha poesia
Com toda essa aparência de sentido.

Então, Alma, em torno a ti a aura,
Que só a verdadeira fé restaura,
É a da tua inocência à revelia...

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30/07/2017

O brinde (de Alma Welt)

A vida como o vidro é inteiriça,
E não permite restauro se trincada;
Um terço não sabemos de sua missa,
Se continua, ou não, quando acabada.

Não sabemos do Universo o mistério
Na pergunta que mais nos interessa
E diz respeito ao depois do cemitério
Quando vamos pra casa bem depressa

Mas antes passamos nalgum bar
Para tomar um gole de consolo
Ou a patética função arrematar.

Aproveitemos então para um brinde
A este nosso crime sem o dolo
De prosseguir qual se nada nunca finde...

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30/07/2017

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Palavras ao Senhor (de Alma Welt)

Prometo, Senhor, não mais queixar-me,
E também não questionar vossos desígnios.
Fui tola, meu Senhor, pois perdoai-me,
Nem sequer sabia ler os vossos signos.

Demais já perdoaste meus agravos,
Me cobristes de não merecidas bençãos;
Aqui estou novamente a criticar-vos,
Minha boca calarei com as minhas mãos...

Quem sou eu para exibir-me como faço,
Qual fosse portadora de algum lume
Do qual pecando às vezes me desfaço?

Senhor, não passo de guria sem noção
Mas da soberba não cheguei ao cume,
Malgrado o orgulho de ser Vossa criação...

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28/07/2017

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Ariadne em Náxos II (de Alma Welt)

Solto o fio da meada todo dia,
Um pouco mais, na espera de puxá-lo.
Há um duplo de mim que em mim confia,
Quanto ao Minotauro, hei de encontrá-lo.

Serei deixada em Náxos, a tal ilha
E ficarei jogada ao Zeus dará?
Meu labirinto foi mesmo a minha coxilha
Nas trilhas que ninguém mais andará?

E se por mim mesma abandonada
Por culpa de fútil esquecimento
Ou por negra e vã vela quadrada,

Tal foi o destino, não lamento:
Viria resgatar minha poesia,
Dionisos, o humor, minha alegria...
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25/06/2017

domingo, 23 de julho de 2017

Minha terra sem palmeiras (de Alma Welt)

Escrevo pra me situar na vida,
Minha bússola apontando para o sul
Onde está o meu ponto de partida
E onde o céu, por certo, é mais azul.

Minha terra jamais teve palmeiras
E o sabiá por lá é estrangeiro;
As corujas te observam, não te esgueiras,
O descampado te expõe o corpo inteiro.

Aves gorjeiam, sim, mas mais chilreiam
Os densos véus incríveis da andorinha
Que a atmosfera límpida permeiam.

E se descansas sob o ubu pampeiro
Pousas tua vista na longínqua linha
Do horizonte, que também é teu, inteiro...

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23/07/2017

sábado, 22 de julho de 2017

Entusiasmada (Alma Welt)

Nunca esperei que os meus sonhos fossem mais
Que sonhos, sem as vazias esperanças;
Realidade, vigilante capataz,
Pertence a outros nichos, outras instâncias...

Que então queres, pobre Alma, desta vida?
Pergunta-me um amigo, um tanto pasmo.
Eu, sorrindo, como coisa resolvida
Respondo que sou feita de entusiasmo.

Sim, pasme, pela vida e seus mistérios
Que são bem maiores do que o sonho
E tem outros requisitos e critérios.

O entusiamo não é 
naïf nem bisonho,

É engolir um deus, dizia o grego,
E perder, como quem sonha, todo apego...

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22/07/2017

sexta-feira, 21 de julho de 2017

A via verdadeira (de Alma Welt)

   
                                                                                                desenho de Guilherme de Faria, 1973

A via verdadeira (de Alma Welt)

Temos sempre tanto a ver e descobrir
Que uma vida, Senhor, é pouco, perdoai.
Tendo perdido muito cedo mãe e pai
Extraviei-me procurando só partir.

Depois perdida a ponta da meada
E estando a percorrer um labirinto
Que se apresentava como estrada,
Encontrei meu Minotauro e não minto:

Aprendi coisas então, belas demais
E também duras, da nossa natureza
Que, na verdade, Senhor, não revelais.

Recuperada a via verdadeira,
Pra voltar abro, Senhor, mão da beleza:
Tornai branca esta rubra cabeleira...

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21/07/2017


Nota
* Recuperada a via verdadeira,
  Pra voltar abro, Senhor, mão da beleza:
  Tornai branca esta rubra cabeleira... -


Neste terceto-chave está veladamente sugerida uma sutil marotice típica da Alma: Ela, para ganhar mais tempo de vida e se dizendo retornada ao caminho verdadeiro, oferece a Deus sua velhice (a cabeleira rubra que Ele lhe fez e que se tornaria branca).

A máscara do meio (de Alma Welt)

Vivemos controversas odisseias
No decurso comum de nossa sina
No plano da alma e suas idéias,
Nossa comédia, então, pouco divina,

Tragicomédia, eu diria, um tanto bufa...
Modo geral, verdadeira pantomima.
Arlequins somos nós no lufa lufa.
Plenitude? Inatingível colombina...

Palhaço triste, em geral pintura vã, *
Não irei mais uma vez corroborar,
No Inferno até Orfeu virou cancan. *

Tirado o humor sobra a tragédia
E os gregos jamais fizeram média,
Coube o patético a nós inaugurar...

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21/07/2017

Notas
*Palhaço triste, em geral pintura vã - Alma detestava essas pinturas, sempre muito ruins, de palhaços tristes, patéticos, derramando lágrimas, pela banalidade de sua concepção. Entretanto se comovia com a ária "Vesti la giubba", da ópera I Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo, que pela beleza pungente da música, conseguia transcender o patético e atingir a tragédia .

*No inferno até Orfeu virou cancan -alusão à opereta buffa "Orfeu no Inferno", de Jacques Offenbach, da qual um tema foi usado popularmente na dança do cancan, no começo do século em Paris no Moulin Rouge, e até hoje...

quarta-feira, 19 de julho de 2017

A testemunha (de Alma Welt)

Pra nós "tudo é relativo" enquanto vivos,
Mas não como o pobre Einstein entende
E ficou célebre por alguns motivos,
Sobretudo pelo que ninguém compreende.

No mundo tudo é erro e confusão
E o Caos é nossa herança registrada
Com a assinatura do nosso Pai-patrão
E uma cláusula de usufruto disfarçada

Que se refere à parte boa por um tempo,
A da nossa infância (quem supunha?)
No Jardim antes daquele contratempo.

E a quem possa interessar também assina
Um senhor que serviu de testemunha
Mas ria feio uma risada muito fina...

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19/07/2017

Minha Troia (de Alma Welt)

                                          Laocoonte - cópia romana antiga de um original grego. ( Museu do Vaticano)

Minha Troia (de Alma Welt)

Agora, neste inverno, só me ocorre
"A cruel fuga das horas" dos antigos,
Quando o dia nasce, a tarde morre,
Os anos a nos ter como inimigos...

Os espelhos, nossos falsos aliados,
Há muito se infiltraram em nossos lares
Com mentiras, lisonjas e agrados,
Cavalinhos de Troia como altares ...

E eu me insurjo apenas com palavras,
Impotente perante essa invasão
Que quer roubar e queimar as minhas lavras.

E sob poucos aplausos, umas vaias,
Ainda luto com a serpente da Razão,
Laocoonte de mim mesma, mas de saias.

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19/07/2017

Nota
Laocoonte era filho de Acoetes, irmão de Anquises; ele era um sacerdote de Apolo, mas, contra a vontade de Apolo, se casou e teve filhos, Antífantes e Timbreu. Quando Laocoonte estava fazendo um sacrifício a Netuno, Apolo enviou duas serpentes de Tênedos, que mataram o sacerdote e seus descendentes. Segundo os frígios, isto aconteceu porque Laocoonte havia arremessado sua lança contra o Cavalo de Troia.
Possivelmente a mais antiga referência ao mito seja uma tragédia perdida de Sófocles, que possuía mesmo nome. A lenda seria relembrada por Quinto de Esmirna em seu trabalho Posthomerica, uma continuação da Ilíada. No entanto, o relato é mais popularmente conhecido pela escultura que inspirou e pelo poema épico latino Eneida, de autoria de Virgílio no século I a.C.

Uma das expressões mais importantes da Antiguidade, sobretudo do período helenístico, é a escultura que representa Laocoonte e seus filhos sendo atacados. A obra foi objeto de estudo por vários historiadores da arte após sua redescoberta no século XVI. De datação incerta, as estimativas variam entre 140 a.C. até 37 d.C., época do imperador romano Tito (a mais aceita atualmente é 40 a. C.). Winckelmann, Lessing e outros tentaram avaliar a importância da escultura na estética grega, além de considerar uma possível relação com a Eneida.
( Wikipédia)

terça-feira, 18 de julho de 2017

A Sentença (de Alma Welt)

Sob um certo viés, ponto de vista,
A vida é insensata ou mesmo fútil,
Pois a experiência humana é revista
Como Sísifo, em seu tormento inútil.


Rolamos até o cume um só rochedo
Sem sequer a um outro juntá-lo,
Rolando-o para baixo, e nunca quedo
Podemos só na morte abandoná-lo.

Trabalho forçado, eis a sentença
Dada a nós por Deus, dono do fruto
Que até hoje produz tanta desavença.

Mas não falo por mim, mesmo no mundo,
Que não posso me queixar, porque desfruto
De um regime de ócio, mais fecundo...

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18/07/2017

O conserto (de Alma Welt)

"Ó Alma inconformada!"- disse Deus-
"Não te fiz assim teimosa e escabreante!
Não me obrigues a passar-te para adiante,
Pro ferreiro que conserta os erros Meus."

E eu fiquei quietinha e entrei na fila
Procurando ser boa e obediente,
Com muito medo daquela forja quente,
Eu que não sou de ferro nem de argila.

Mas depois me aproximando bem quietinha
Disse: "Senhor meu, não mais questiono
Quem veio antes: o ovo ou a galinha..."

"Também não vou perguntar pelo conserto,
Mas, Senhor, o tal ferreiro do abandono
Devolveria-me a Vós, após o aperto? "

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18/07/2017

RIP (de Alma Welt)

A gente sofre, Senhor, bem o sabeis...
Nos destes da alegria a alternativa
E a felicidade a uns mais hábeis,
Os virtuosos que ainda a mantêm viva.

Mas para a maioria impera o medo
Por não conhecermos os destinos
Além da porta negra do Segredo
Outrora até domínio de um rei Minos.

Por quê, Senhor, esta mente tão perdida
Se já demos no fruto uma mordida
E devíamos saber de alguma coisa?

Não nos destes tempo de enxergar
O que estamos realmente a esperar,
Além do RIP gravado em nossa lousa...

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18/07/2017

O fio perdido (de Alma Welt)

Estar convosco, Senhor, eu bem queria
Ainda esta madrugada, se possível.
Ainda pouco tive um sonho horrível:
Eu perdera do meu dom a sintonia

E estava sozinha a me queixar,
Tendo perdido o fio da minha poesia
E ao Éden não pudesse mais voltar
Como se eu o fizesse todo dia.

Sem avistar, Senhor a árvore e o fruto
De que eu tinha ao menos usufruto,
Solitária, bem no meio da coxilha...

A poesia é um plano de retorno
E eu ficara tão somente a olhar em torno,
Por um nada perdera a minha trilha...

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18/07/2017

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O Livro Aberto (de Alma Welt)

Em versos minha vida é um livro
Do qual me reservei as entrelinhas
Resistentes do olhar ao mero crivo
E às questões mais óbvias, mesquinhas...

Estou naquilo tudo que eu não disse,
Tanto quanto nos versos mais diretos,
Construídos mais à custa dos afetos
Como se o puro Mal não existisse...

"Assim é fácil" -disse alguém- "reivindicar
Profundidade maior no que calaste,
Generosa e obscura como o mar..."

Mas a este respondo (ao fim de tudo)
Como o príncipe falante em seu contraste:
"O resto é silêncio"... e ficou mudo.

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17/07/2017

domingo, 16 de julho de 2017

Para escrever poesia (de Alma Welt)

Para se escrever boa poesia
É necessário se ter cara de pau
Como se antes poetas não havia
E tivesses descoberto o universal.

Esqueça tudo o que aprendeste
E passa a conhecer-te pelo verso
Que te revelará o que soubeste
Ou que em tua mente era disperso.

Se não ficares deveras surpreendido,
Com o queixo caído em puro pasmo
Ou não deres um grito de entusiasmo,

Chutaste para fora ou só na trave,
Não terás nem um soneto recebido,
Que te paga com o ouro de uma chave...

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16/07/2017

Há algo (de Alma Welt)

                            Ophelia - Sir John Everett Millais (Tate Gallery)

Há algo (de Alma Welt)

Tem abutres voando, há algo podre *
Nalgum lugar, por aqui, nesta comarca. *
Os peões, entres goles de um bom odre,
Desenterram um crânio e uma arca: *

Era de um humorista de outra era *
Pois seu sorriso alvar o denuncia, *
Seja ou não seja tudo uma quimera, *
E esteja eu em terras de poesia...

Meu pai morreu de olvido faz semanas *
E tenho medo de ver o seu fantasma; *
Não gostamos do meu tio, eu e as manas... *

Chamei a prima Ofélia pra ajudar *
A colher flores, mas tem crises de asma, *
Estava, coitadinha, a se afogar... *

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16/07/2017



Notas

*...há algo podre
Nalgum lugar, por aqui, nesta comarca - este verso ecoa a famosa frase "Há algo de podre no reino da Dinamarca", que abre a peça Hamlet de Shakespeare

*Desenterraram um crânio...
Era um humorista de outra era - versos alusivos à cena do coveiro e da exumação do antigo e espirituoso bobo da corte, Yorick, que Hamlet amara na infância e a cujo crânio se dirige num monólogo respeitoso.

*Seja ou não seja uma quimera. - alusão ao célebre monólogo "Ser ou não ser... " , de Hamlet.

*Pois seu sorriso alvar o denuncia - se refere ao sorriso branco da caveira.

*Meu pai morreu de olvido faz semanas - ( meu pai morreu de esquecimento) alusão em trocadilho ao assassinato do pai de Hamlet pelo seu irmão com a inoculação durante o sono de um veneno ouvido.

*E tenho medo de ver o seu fantasma - Alusão ao fantasma do pai de Hamlet, cuja cena abre a peça.

*Não gostamos do meu tio, eu e as manas - alusão ao tio de Hamlet assassino do próprio irmão para usurpar-lhe o trono e casar com a viúva sua cunhada a rainha Gertrude (as manas aqui são simplesmente as da Alma mesma, Lucia e Solange). Uma coincidência: a estância da família Welt se chama Santa Gertrude (antiga "Estância Farroupilha")

*Chamei a prima Ofélia pra ajudar
A colher flores, mas tem crises de asma,
Estava, coitadinha, a se afogar...  
  - este terceto é uma paródia da morte por afogamento, de Ofélia (noiva repudiada por Hamlet) enquanto colhia flores...

sábado, 15 de julho de 2017

O anjo no balanço (II) (de Alma Welt)

                                        Anjo no balanço - painel lateral esquerdo do Tríptico dos Anjos da Alma, de Guilherme de Faria

O anjo no balanço (II) (de Alma Welt)

De minha vida breve fiz balanço,
Mas não comum, desses contábeis ou morais,
Mas daqueles a que a cada avanço
Corresponde um mergulho para trás.

Tentei levar na minha vida tudo junto,
O passado o presente e o futuro,
Este não como uma sombra atrás do muro
Mas como o auge de um apuro...

Em resumo, num balanço sou guria
Com aquela pura razão mesma de ser,
Que confere ao balançar sua poesia...

E aquele que me ver cobrando asa
Não se espante de um dia assim me ver,
Já que a tive e a perdi longe de casa...

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15/07/2017

O Eco do Logos (de Alma Welt)

Da Poesia a sintonia fina
É difícil de manter, ou o seu foco.
Por isso mesmo eu pouco me desloco
Do centro rigoroso que a domina.

Por um quase nada ela se perde,
Ela, a palavra em sua essência,
Eco do Logos que um ou outro herde
Por dom que às vezes passa por demência.

Quando guria fiz meu primeiro verso
E como se o mostrasse ao universo,
Correndo pro meu pai eu fui mostrar

E ele sorriu, abraçou-me e me beijou.
Nada disse, mas do jeito que me olhou
Escreveria pra voltar àquele olhar...

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15/07/207

Meus oito anos (de Alma Welt)

Me lembro de brincar na minha rua
Antes de mudar-me para a estância.
Estava no esplendor da minha infância,
Pr'um guri (eu tinha oito) fiquei nua...



Gostava dos patins de chave e roda
E dos carrinhos também, de rolimã,
Os guris os construíam, era moda,
E eles me chamavam de alemã...

E eu ali no meio deles, tão feliz,
Correndo, pegando e até brigando,
Quase perdendo a virgindade por um triz.

Meus oito anos, plenos de alegria
E do que está na raiz da minha poesia:
Um mistério de nudez, de vez em quando...

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15/07/2017

sexta-feira, 14 de julho de 2017

O Tédio e a Alegria (de Alma Welt)

"Toda alegria quer eternidade..."
Lembro bem que assim falava Zaratustra,
Mas exige outrossim simplicidade
E uma certa inocência que a ilustra.

Mas como procurar a sapiência
E ao mesmo tempo inocência resguardar?
Lá estava o Fruto da Ciência,
Lindo, rubro, capcioso, a nos tentar...

Era uma armadilha preparada
E Deus bem contava com o tédio
Que mina a ordem toda da manada...

Ele mesmo inoculou-nos a inquietude
Para a qual só a Morte é Seu remédio,
E contra o qual lutei enquanto pude...

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14/07/201

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Ó meus amados (de Alma Welt)

Ó meus amados, o que de mim esperam?
Já não tenho soluções e nem respostas,
Há muito abandonei também apostas
E nem jogo numa quina que me deram.

Conselhos? Tenho escrúpulos de dar.
Está furado o meu melhor palpite,
Vendê-los não é direito, nem pensar,
Sou barca a que falta um bom rebite...

E eu coço um pouco o cocoruto:
Então para que sirvo? (boa pergunta),
Quero dizer uma besteira mas reluto...

Amados meus, estamos todos à procura,
Quem encontrar primeiro a nós se junta
E então vamos conferir nossa loucura...

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13/07/2017

O anjo atrás do muro (de Alma Welt)




O anjo atrás do muro (de Alma Welt)

Diz a lenda: Deus um gesto fez de tédio,
E então desceu à Terra um anjo escuro
Que se esgueirou por aí atrás de muro
Buscando quem andasse sem remédio.

Solidão, este era o nome do tal anjo
Que abordava devagar algum incauto,
E se agora conto isso é porque manjo
Do assunto, pois também sofri o assalto.

Lembro de um dentre nós, um pintor ruivo
De cabelo espetado meio rente,
Que de lobo solitário tinha o uivo,

Só uma orelha, mas olhar tão apurado
Vagava em tintas por solo indiferente,
Procurando tão somente ser amado...

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13/07/2017

quarta-feira, 12 de julho de 2017

O Duelo (de Alma Welt)

Por fora, na capa, o mundo é neutro
O conteúdo? O livro está no prelo...
Mal saídos de nossa caixa de feltro
Como pistolas carregadas, de duelo,

Atiramos para o alto ou no peito?
Há momento de honra em nossa vida:
Temos de ir ao campo, não tem jeito,
Não há como fugir, não há saída.

Manhã fria, doze passos sem deslizes,
O orvalho é da relva o cobertor,
Mas faltam testemunhas e juízes...

Eis o momento, interior e crucial:
Contemplando então o frio contendor
Vemos seu rosto, que é o nosso, tal e qual...

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12/07/2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

O rio e a espada (de Alma Welt)

Nossa vida está suspensa por um fio
Embora não possamos nos dar conta.
Como é frágil nossa vida, não um rio,
Imagem que a si mesma se desmonta.

O rio que os poetas sempre elegem,
Cristalino e correndo para o mar
Levando flores ou corpos que emergem,
Que tanta água nos induz a mais chorar...

Mas a espada de Damocles, velho mito
Me parece bem mais justa e adequada,

Nem é preciso cumprir-se todo o rito.

Se por um fio a vida me pendia,

Amor me sustentava noite e dia,
E a vida assim vivi, rindo por nada...

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11/07/2017

segunda-feira, 10 de julho de 2017

A colecionadora (de Alma Welt)

Vivo cercada de quadros e poemas,
Não há mais um centímetro de parede
E o que do mundo cai na minha rede
Vira crônica, soneto, ou são só temas

Que coleciono assim, ávida, voraz,
Por não levar o mundo muito a sério
Mas com curiosidade contumaz,
Uma vez que quase tudo tem mistério.

Mas não pensem que não sou uma pecadora
Não me envolvo de verdade com o humano,
Que não passo de uma colecionadora...

Tenho um sonho recorrente: era vadia,
Pouco pano e na vida a todo pano,
Justamente porque isso mais doía...

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10/07/2017

A pomba o corvo (de Alma Welt)

Errar é o que produz nossos enredos
E o erro, mais história que os acertos.
Nossa vida é uma crônica de medos
Com momentos de ar entre os apertos.

Báh! Alma, incorrigível pessimista!
Dizem os que ainda esperam a pomba
Chegar com o tal raminho como pista
De que não cairá uma nova tromba...

Mas eu que não esqueço o velho corvo,
Penso que ele está aí no mundo
Mais à cata do que produzindo estorvo.

E me lembro de quanto eu o prezava
Com aquele seu negror profundo,
De como ele "jamais" me enganava...

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10/07/2017

domingo, 9 de julho de 2017

Juízes (de Alma Welt)

Me prometi não julgar outros humanos,
Permanecendo neutra e compassiva.
Mas, Deus meu, como é difícil ser passiva,
E embrulhar a vida em quentes panos!

Se vejo o mal no homem, sem remédio,
Tanto mais fico tentada a condenar,
Como se Deus precisasse de intermédio
Já que tem muito mais pra se ocupar.

Mas me dou conta que isso tudo é Tentação
E o Canhoto quer nos ver como juízes
Pois bem nos sabe o custo da Razão...

Mas como não condenar aquele bando
Que vem os frutos do trabalho nos roubando,
Já que, Senhor,  por um fruto nos maldizes?
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09/07/2017

sábado, 8 de julho de 2017

Belas manhãs de inverno (de Alma Welt)

Belas manhãs de inverno, de sol frio,
Com geada sobre a relva da coxilha...
Saudar a natureza era meu brio
A caminhar, passos largos pela trilha.

Ainda o faço, na verdade, enregelada,
Mas aquelas manhãs me voltam logo,
Em que eu era feliz, tão encantada
Como voltar a se-lo às vezes rogo...

Mas me parece carregar um peso a mais
Que não do corpo esbelto e flexível,
Mas sim do que na mente a gente trás:

Carga de novos pensamentos e a lembrança
Que certo eco devolve em outro nível,
Não o mesmo daquela pura infância...

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08/07/2017

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Oração perplexa (de Alma Welt)

Sabermos tão pouco na vida, do bom Deus,
Tanto mais nos arrogando teologias:
Coisa de rir, como a certeza dos ateus
Ou a crença material das utopias...

Perdoai-me, Senhor Deus desconhecido,
Não ouso nem dizer que Vos conheço;
Pouco sei de onde estou, do acontecido,
Ainda menos de onde vim ou meu começo...

Perplexa numa terra de aventura
Como cega tateando em tiroteio,
Nau faminta, deito sortes à ventura...

Mas, ó Senhor, meu coração se inclina
Pro Vosso lado, jamais me pus no meio,
Sobre o muro, sei, está a pior sina...

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07/07/2017

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O tabuleiro (de Alma Welt)

Lentamente preparados para a vida,
Ou jogados no campo de batalha,
Somos seres de dor ou acolhida,
Mas colhidos, afinal, na fina malha.

Então lá vamos nós com toda a armada
Àquele campo onde ovelha vira lobo...
A vida é uma tragédia anunciada
E o mais feliz da Corte é sempre o Bobo.

Ponham cartas, senhores, peças movam,
Tabuleiro é melhor, quadriculado,
Ora no bem, ora no mal, alguns só louvam.

Mas no jogo de xadrez falta o coringa
Pois ele habita as margens, na restinga,
E ri de nós qual seja o resultado...
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06/07/2017

terça-feira, 4 de julho de 2017

A Porta e a fila (de Alma Welt)

Nosso Deus nos mantém na ignorância
Do que verdadeiramente nos importa.
Ele bem conhece a nossa ânsia,
Na fila de entrada ao pé da Porta.

Seguir missa eu tentava no domingo,
Mas já me contorcia em agonia
Pensando mais no tal "pé de cachimbo"
E na sua importância pra a Poesia...

Senhor Deus, perdoai a minha mente
Que só guarda da oração aquela parte
Que fala do que a pobre gente sente,

Nas lágrimas do vale e desta vila,
Que não dá pra eu pensar senão na Arte
E de como ela nos faz furar a fila...

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04/07/2017

O arrebol ou Um grão dos milhos (de Alma Welt)

Ah! meus amigos, que enrascada,
Em que fomos nos meter por esta vida!
Quantos perigos, uns de emboscada,
No meio da floresta anoitecida

Que é a nossa vida surpreendente
Por ser somente, assim, desconhecida,
E que foi jogada qual semente
Do claro para o escuro, e desabrida

De novo à essa luz que nos ofusca...
Não podemos, reparem, olhar o sol
Quando a luz é tudo que o olhar busca.

Deus brilha demais, mas nos deu cílios
Para filtrar a Sua luz, e o arrebol
Que é uma palhinha só, seu grão dos milhos...

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04/07/2017

Os amigos se vão (de Alma Welt)

(para Celina Lima Verde, in memoriam)

Os amigos estão indo, eles se vão,
E não nos pedem licença, simplesmente,
Num piscar de olhos, deixam-nos na mão,
Desaparecem, sem mais, na nossa frente.

Abandonam-nos, os amigos tão queridos,
Como se fosse, assim, algo possível,
Sem saberem que guardamos comovidos
A imagem sempre viva, imperecível

De sua passagem adorável e dos dias
Em que fomos tão felizes, ou nem tanto,
Mas rindo à beça ao escapar das frias...

Já os guris se vão, como se afoitos,
Aventureiros, por quê pro mesmo canto?
Deve haver algo lá mais que biscoitos...

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04/07/2017

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Dentro e fora (de Alma Welt)

Temos muito que fazer, limpar a casa,
Varrer, bater os bons tapetes nos varais,
Espanar, lustrar, lavar, polir os metais,
Cuidar daquele cano que ainda vaza...

Prendas domésticas, Alma, a esta altura?
Bem, desculpem, não me peguem no concreto;
Falo sempre de dentro, ou na mistura
Da alma com a matéria, pra dar certo.

Dentro e fora, a vida é dupla ou dúbia
E vivemos nos dois reinos, na fronteira
Um pé em cada lado, Egito e Núbia.

De um lado, o antigo e grandioso,
Do outro, negro, igualmente belicoso,
Enquanto te preparas pra ir à feira...

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03/07/2017

domingo, 2 de julho de 2017

Não dá assunto (de Alma Welt)

Malgrado de alegria uma vontade,
Báh! Como é triste, senhores, o destino
Comunal de toda a humanidade
Regida pelas regras do intestino...

Animaizinhos somos, e engraçados,
Correndo amiúde ao WC,
Os ricos tanto quanto os despojados,
A realeza tanto quanto eu e você.

"Minha filha,"- meu pai disse-"sinto muito,
Não fale jamais do baixo ventre,
Te asseguro que não deve dar assunto"...

"A nós foi dada também dignidade,
Uma aura a cada um que chegue e entre,
O resto todo é tão só necessidade"...
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02/07/2017

Sem Razão (de Alma Welt)

"No Céu querer entrar, às custas da razão
É como apresentar fruto roubado
Ao proprietário o hóspede ladrão
Como um tolo ainda disfarçado..."

O padre no domingo assim pregava
Na nossa capela lá na estância,
E eu guria, perplexa e em ânsia:
"Como faço para entrar?"( assim pensava).

Então diante do padre me ajoelhei
No confessionário um certo dia.
Candidamente, muito séria, perguntei:

"Senhor padre, eu não mais quero ter razão,
Como faço pra escrever minha poesia
Sem palavras, e tão só com o coração?

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02/07/2017

sábado, 1 de julho de 2017

Palavras ao Senhor (de Alma Welt)

Finalmente haverá segunda chance
E teremos afinal paz alcançado?
Teremos dobrado o nosso alcance,
Entenderemos um pouco do riscado?

Ao Vosso lado finalmente sentarei
À mesa de um banquete. Sóbrio ou lauto?
Minha fome de saber terá cessado?
O banquete é interrompido pelo arauto?

Saberemos afinal a que vem tudo?
Cessará toda a minha inquietação?
Finalmente o coração estará mudo?

Senhor, falo demais, sou falastrona!
Boa fé faz outro tipo de oração?
Mas pelo menos, Senhor, não sou chorona...

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01/07/2017