sábado, 31 de dezembro de 2011

Saga (de Alma Welt)


Saga- Litografia de Guilherme de Faria, anos 80

Saga (de Alma Welt)

Entre os meus vivi minha grande saga
Não sem riscos no meu próprio casarão,
Pois aventura tem quem mesmo a traga
Dentro da alma e na imaginação...

Povoei o hall, o quartos e as alcovas
O escritório, a cozinha e até o sótão,
E vivi as minhas bem maiores provas
No silêncio dos serões do meu salão.

Alguns seres se mostraram perigosos
E conspiraram dentro da minha mente
Pela posse dos meus ais e dos meus gozos,

Pois que tudo nasce e morre no porão
Onde está o nosso mundo diferente,
O mundo vivo e real do coração...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Meu Sonho do Pavão Misterioso (de Alma Welt)


O Sonho da Alma Welt com o Pavão Misterioso- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2005, 100x100cm, coleção do artista

Meu Sonho do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

Sonhei comigo mesma em miniatura
Ajoelhada no meu berço voador,
E era bem outra a minha cultura
Embora de um modo encantador...

Havia uma bandinha pé-de-serra
Que tocava uma espécie de baião
Embora já não fosse aqui da terra
Mas espectros antigos do sertão.

Misterioso era o Pavão com sua cauda
De mil olhos que eram minhas estrelas
Cuja conta requeria uma lauda

Mas era eu o fruto interdito
Pudesse eu contá-las ou contê-las,
Era eu o pivô do próprio Mito...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ante a Árvore Sagrada (de Alma Welt)


A Árvore da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria,2011, 100x100cm, coleção do artista

Ante a Árvore Sagrada (de Alma Welt)

Ante a grande árvore sagrada
Postei-me e toquei-a com a mão,
Ouvia o rumor de sua ramada
E o pulsar do seu lento coração.

A tarde estava triste, muito vasta
E o horizonte a me esperar
Como alguns outros da minha casta
Que chegaram à colina pra ficar...

Então ergui os olhos e avistei
O pássaro branco do destino
E foi isso tudo o que eu pensei

Pois não havia aves nem mais nada
Além daquele som de violino
Que já era a Moira despertada...

domingo, 11 de dezembro de 2011

Iremos para casa... (de Alma Welt)


Psiqué (Alma Welt) - óleo s/tela (tondo) de Guilherme de Faria, 60cm de diâmetro, 2011, coleção do artista

Iremos para casa... (de Alma Welt)

“Iremos para casa”- disse o padre,
“Para o seio do Pai, verá, espere...”
Pena que o que penso não se enquadre
No que esse bom homem se refere...

Pois, pra mim, voltar ao lar é aqui ficar,
Ou melhor, na minha infância pampiana,
Com Rodo, as irmãs, a Açoriana,
Meu Vati, e a Matilde a me ralhar...

Reviver os lindos dias que vivia,
Uma vida quase só encantamento
Conquanto não faltasse a nostalgia

De voltar a viver cada momento
Entre os seres amados n’outro tempo,
Que a saudade de casa já existia...

09/01/2007

A Poesia da Memória (de Alma Welt)


O Rosto da Alma - Detalhe do quadro de Guilherme de Faria, O Sonho de Alma Welt com o Pavão Misterioso, 100x100cm, 2005-2011

A Poesia da Memória (de Alma Welt)

Reviver a vida toda num segundo
De síntese sonora me foi dado
Quando descobri o fim e o fundo
Do tesouro no coração guardado,

Que é o dom da alma de reter
Cada emoção vivida e seu sentido,
Se algum senso for preciso pra viver,
Já que este é puro fluxo incontido.

Como gente que cultiva o seu quintal,
Refiro-me à poesia da memória
Que desenvolvi mais que o normal.

E como as jardineiras prestimosas,
Interessadas na beleza e não na glória,
Fiz das minhas palavras minhas rosas...

08/01/2007

sábado, 10 de dezembro de 2011

Saudade de tudo... (de Alma Welt)



Saudade de tudo... (de Alma Welt)

De tudo ando morrendo de saudade
Conquanto ainda jovem, tão idosa
Como a própria a vida que se evade
Entre os dedos, tênue e vaporosa...

Tenho chorado ante fotos e canções
Até de tempos outros que não meus,
De partidas de trens ou carroções
E lágrimas mais válidas de adeus...

Então o que será, ó meu momento,
Quando a partida mesma for a minha?
Poderás ser um mais real tormento?

Ah! Quero abraçar o acontecido,
Rostos, lábios, o gosto que o amor tinha,
Tudo aquilo que foi belo pois vivido...

04/01/2007

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Flamenco (de Alma Welt)


Flamenco - pintura de John Singer Sargent


Flamenco (de Alma Welt)

Tem dias que me sobe um calor grande
E tenho que dançar feito uma louca!
Soltar os meus cabelos nem me mande,
Que nunca eu os tive numa touca...

Subir num tablado ou numa mesa
A pedir palmas e o flamenco da guitarra,
A dançar como cigana, não princesa,
E fazer jus à minha fama de cigarra.

E mais! Ficar assim naquele estado
De transe, muito perto de morrer
D'estalar dedos, e mais sapateado!

Pois a chama que me toma é pela vida.
Ah! por meu fogo de amar tanto viver,
Peçam bis pr' adiar-me a despedida!...

12/01/2007

sábado, 8 de outubro de 2011

Lembranças do Jardim Paterno (de Alma Welt )


Lembranças do Jardim Paterno (de Alma Welt )
"Sul paterno giardinno scintillanti..." * ("Le Ricordanze", dos "CANTI" de Giacomo Leopardi)

O meu jardim paterno, cintilante
De fadas pirilampos e memórias
Volta à minha mente a todo instante
Nestes tempos de exílio e de histórias

Que passo a contar às minhas vizinhas
De apartamentos outros neste prédio
De vivências talvez mais comezinhas
Ou porque não têm outro remédio

Senão ouvir a gaúcha em nostalgia
A contar-lhes de coxilhas e lonjuras
Onde o vento corre e não desvia...

Mas por incrédulos sorrisos hesitantes
Eu, triste, lhes percebo as conjecturas
Que lhes negam minhas luzes cintilantes...

15/06/2001

Nota
* scintillanti- "cintilantes (no plural) referente às estrelas e não ao jardim, no poema de Leopardi que começa com o famoso verso "Vaghe stelle dell'Orsa, yo non credeva), que Luchino Visconti adotou como título de um seu maravilhoso filme em preto e branco dos anos 60, com Claudia Cardinale no seu momento de maior esplendor : Vagas Estrelas da Ursa.

Mais um soneto inédito descoberto hoje (!!) na Arca da Alma, e que pela data se refere ao tempo em que a Alma morou nos Jardins, no seu "auto-exílio" (como ela dizia) paulistano, na rua Oscar Freire, onde tinha seu ateliê e onde o pintor Guilherme de Faria a descobriu e lançou para o mundo (lucia Welt)

Náufraga (de Alma Welt)


Náufraga (de Alma Welt)

Quando guria li sobre Nemrod,
Poderoso caçador diante de Deus...
Que ingênua eu era, vê se pode:
Logo eu pensava em pai e irmão meus

Que a mim me pareciam soberanos,
Meu pai com seu piano na coxilha
E Rodo, jogador, com seus arcanos,
Eu, princesa prisioneira numa ilha

De onde enviava minhas mensagens
Como bilhetes de náufraga perdida
Em garrafas lançadas desde as margens

Para que alguém me viesse resgatar
De mim mesma para conhecer a vida,
Verdadeira, pois lá fora... e além-mar!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)


Alma e o Mar - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2003, 30X40cm

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)

E eis-me aqui em alta passarela
Onde eu posso avistar o mar sem fim
E saudar uma longínqua caravela
Que acena suas velas para mim.

Como e porquê o sei, se me pergunto,
Responderei que tudo sou só eu,
A montanha e o mar, esse conjunto
E o aceno que o mar me devolveu.

Irei de mim comigo, ou volto a mim?
Jamais se parto ou chego saberei,
Que ondas só conheço as do capim...

Entranhada marinha em que me vejo
Nesta rubra montanha em que me sei
Tão somente a Alma e meu Desejo!...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Carta (de Alma Welt)


A Carta- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100X80cm, coleção particular, São Paulo

A Carta (de Alma Welt)

Me recordo do ângulo em que eu via
Aquela carta que chegou com um buquê,
Cujas cores e o perfume que eu sentia
E que um puro coração ainda vê

Era, sim, todo o sentido que restou
Embora eu me lembre de seus dedos
E como a bela mão manipulou
As contas de um colar, como brinquedos.

E na alma da poeta que eu seria,
Perdoem se pareço pouco humilde,
Romântico enredo se fazia.

Mas hoje vem à mente um outro lance:
O olhar de censura da Matilde
Que me ficou gravado num relance...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor e Arte (de Alma Welt)

Quê esperei da vida senão Arte
E amor, para mim a mesma coisa?
Deus em mim, em nós e em toda parte:
Welt, Mundo, Santos, Souza, Soiza.

Tudo a respirar o mesmo amor!
Que é a única razão de haver vida,
Que sem ele é só luta e dissabor
E um penar de dor e pura lida...

Então não perdi tempo no lazer
Nem procurei jamais me divertir,
Que é sentido menor de se viver.

Mas êxtase, desejo, até delírios,
Ardência do agora, não porvir,
E os beijos da alma, como lírios...

sábado, 11 de junho de 2011

A Árvore da Inocência (de Alma Welt)

Não me fiz de rogada ao meu amor,
Que hipócrita não fui jamais na vida.
Junto à árvore encontrei-o com ardor
No pomar de nossa infância decidida...

Todavia não descarto a inocência
De tão extremo gesto, e de tão puro.
Não aceitei jamais o dedo duro
Que nos apontaram sem clemência.

Do pomo não sentimos nem o cheiro
Pois dele não havia ainda a semente
Como àquele par de irmãos primeiro

No horto ancestral da Mãe Natura
Que não precisaria da serpente:
Amor ali havia em forma pura...

sábado, 4 de junho de 2011

O Ramalhete (de Alma Welt)

Como um grande buquê ou ramalhete
A primavera não nos vem por certo
Com lisonjas d’um cartão ou só bilhete...
Mas que admirador, temos, secreto!

Cada dia vivido é um presente
E é mais fácil nos pegar surpresos
Sem mesmo merecê-lo, simplesmente,
Nós que temos mesmo rabos presos...

Quanto a mim, pra não restar suspeita,
Recebo do dia a honraria
Como se tivera eu boa receita

Do melhor viver, correto e digno
E com falsa modéstia me persigno
Quando aquele aplauso me anuncia...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Para Onde? (de Alma Welt)


Para Onde? (de Alma Welt)

Para onde terá ido o realejo
Que nostalgizava minhas ruas?
Já faz tanto tempo... não o vejo
E isso envelhece minhas luas...

E o firinfimfim do amolador?
A gaitinha de pã tão pobrezinha,
Cujo som, por si só encantador,
Afiava as facas todas da cozinha...

E o rententém, então, do paneleiro
Que chamava nossos apegados tachos
E panelas já tão gastas no braseiro?

O tequetéque dos bijus, estranho solo,
Matraca que atraía até os machos
E tirados de um latão a tiracolo...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Entre a lápide e as cinzas (de Alma Welt)


Crepúsculo no Pampa (cemitério na colina) -óleo s/ tela de Guilherme de Faria 20x50cm, coleção Giovanni Meirelles, São Paulo

Entre a lápide e as cinzas (de Alma Welt)

Meus queridos já dormem na coxilha
À sombra de um umbu também querido,
E eu hesito entre o que é pequena ilha
E o nosso vasto mar do olhar perdido,

Que é, sim, esta planura ondulada
Onde a poeira de meu corpo voaria
Fecundando a vastidão amada
Como o próprio pólen da Poesia.

E entre as flores da lápide sombria
E aquelas do meu campo em primavera
Meu coração balança em agonia.

Tão belo o epitáfio que me fiz!
Eu que tive palmas, quero bis
Para o último verso que me espera...


12/01/2007

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Traum * (de Alma Welt)

Não levantei meu punho contra a vida
Por um certo momento de desgraça
Que não revelarei, por comovida,
Ou porque até mesmo um trauma passa.

Traum, essa palavra é só um sonho
Na língua de meu avô germânico
Que um olhar legou-me assim bisonho
Que me tem evitado maior pânico.

Então sonharei, eis minha proposta,
Tudo é sonho mesmo... O que é real?
Meu próprio corpo branco é a resposta

Malgrado dores e roxa e triste mancha
Que também se apagará, creio, afinal,
Coberta d’ouro e prata, dona Sancha... *


Nota
* Traum- "sonho" em alemão e "trauma" em português, ambos os termos derivam do grego Traûma= ferida
Suponho que Alma se refere, com esse soneto, a um estupro que sofreu...

* Coberta d’ouro e prata, dona Sancha...- Alusão à antiga cantiga de roda infantil: Senhora dona Sancha, coberta de ouro e prata / Descubra seu rosto, queremos ver sua cara...

domingo, 15 de maio de 2011

O Último Verão (de Alma Welt)

Não pedirei mais que este verão
Às forças que decretam meu destino
Mas pretendo estar a postos no portão
Quando ouvir o som do violino

Aquele de soluços, de Verlaine
Que anuncia a chegada do Outono,
Já pedindo à alma que hiberne,
Quase pedindo já meu abandono.

Mas muitos me verão cantar, dançar,
Subir à mesa e pôr a saia na cabeça,
Tão certo que me venha a envergonhar...

E se não tomar um porre santo
É para que a alma não se esqueça
Do quanto amei a vida... quanto, quanto!


Nota
"Aquele de soluços de Verlaine"- Alma se refere ao poema de Paul Verlaine que começa assim: "Les sanglots longs des violons de l'automne / Blessent mon coeur d'une langueur monotone..."

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Póstuma (de Alma Welt)

Não saber o que será feito de mim
É uma dúvida voraz que me consome,
Pois em arte não vivi senão na fome,
Saciada serei eu depois do fim?

Dizem que a poesia em si se basta,
Que mais quer o jogral ou menestrel?
Manter a alma jovem e sempre casta,
Cantar como cigarra... no papel.

Mas bá! vaidade, orgulho, natureza!
Queria olhar um povo de leitores
Suspirando de pena ou de beleza

Pela musa fiel que houvera sido,
Patética, febril, cheia de dores
Por votada ao Verso ter nascido...

domingo, 1 de maio de 2011

A Mendiga (de Alma Welt)

Quero morrer encostada num barranco
Feito a mendiga de uma estória,
Com o olho arregalado muito branco,
O constelado céu olhando, em glória.

Se tiver neve, melhor, se não, lama.
Melhor relva e flores pequeninas;
O barranco, espaldar da minha cama,
E a colcha só de cardos e boninas.

Incorrigível fantasista do singelo,
No fundo espero só o merecido:
Um horizonte de livros meus no prelo.

E o sonho de que ao divisar meu rosto
Um viandante se ponha comovido
Antes que o nosso sol se tenha posto...

domingo, 24 de abril de 2011

Forever Young (de Alma Welt)

Não me verei envelhecida no cristal
De um espelho cruel ou lisonjeiro,
As faces consumidas por inteiro
Ou com leve rubor, mas desigual,

Manchada pelo tempo ou derretida
Como cera de uma derradeira vela
A mal tremeluzir-me estarrecida,
Vendo a vida já passada na janela

Como vulto patético de outrora,
Um pensamento, um sonho desmentido
Ou que somente chegou fora de hora.

Não, não me verei senão assim:
Jovem para sempre, o prometido
Pelo qual pagarei com o meu fim...

sábado, 23 de abril de 2011

O Tempo das Cegonhas (de Alma Welt)

Agradecida às vezes me dou conta
Do imenso privilégio da Poesia,
Da dádiva de estar tão cedo pronta
Para contar tudo o que eu vivia

E fazer do soneto o meu Diário
Sabendo que cada santo dia
Era único e extraordinário
Mormente pelo modo que eu sentia

A vida qual mistério irrevelado
Com surpresas como chuva de granizo
A tamborilar no meu telhado...

E que percalços, dores e vergonhas
Seriam sempre entremeados pelo riso
Como eram no tempo das cegonhas...

(sem data)