segunda-feira, 30 de abril de 2018

A rebelde (de Alma Welt)

Medo da vida mesma tive nunca,
Tive medo é da sua adversária,
A maldita, multiforme, triste e vária,
Embuçada ou nua, sempre adunca.

Entretanto cortês, de voz melíflua
Um tanto grave, é verdade, mas macia,
Empenhada em evitar que a vida flua,
A despejar-nos com a água da bacia...

Devemos aceitá-la, ouvi na missa:
Só estamos aqui como castigo,
Nosso Vale não imita os da Suíça.

Mesmo assim, rebelo-me, discuto;
O que houve nada tem a ver comigo,
Jamais assumo o pomo que não furto...

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30/04/2018

domingo, 29 de abril de 2018

Balanço da Alma (III) (de Alma Welt)

Quantos amores e alegrias eu vivi
Na casa grande de meus pais e meus avós!
Quantas memórias e segredos recolhi
Como base de meus textos logo após...

Nada é falso ou fictício, pois meus sonhos
Fazem parte verdadeira desta saga,
Omitidos quando toscos ou bisonhos,
Transfigurando outros, nunca amarga...

Tristezas, sim, tive algumas, passageiras
Que não pude evitar no meu percurso
Estas intrusas e noturnas companheiras...

Mas emergi como musa triunfante,
De mim mesma, retomando meu discurso,
Indiscreta, pois da Vida fui amante...

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29/04/2018

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Alma no bosque florido (de Alma Welt)

                                           Alma no bosque florido- o/s/t de Guilherme de Faria, 2018, 100x100cm

                                    Alma no bosque florido - óleo sobre tela de Guilherme de Faria, 2018, 100x100cm

Alma no bosque florido (de Alma Welt)

Chegaste, Alma, no bosque tão florido
Que será a tua casa verdadeira,
E em silêncio doce e comovido
És branca nau com flores como esteira...

No mundo toda alma tem o seu nicho
Que é como um refúgio, uma capela,
Onde sem necessidade de uma vela
O Ser se reintegra, como um bicho.

É tua casa, chegaste, é como um porto.
Para alguns é como um estaleiro,
Para outros uma vigília, como o Horto...

Sossega, se acaso inquieta estejas
Para voltar ao mundo, esse vespeiro;
Agora abelha és, e as flores beijas...

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25/04/2018

terça-feira, 24 de abril de 2018

Pique-esconde (de Alma Welt)

Eu bem quis burlar o meu destino
Tentando evitar o inevitável
Como uma brincadeira de menino
Naquele pique-esconde memorável...

Mas a Moira era com quem eu brincava
E sorria para mim o tempo todo
Tal como companheira (assim pensava),
Já tramava dar comigo nalgum lodo.

Tristes são os jogos do vivente:
Não há como escapar na brincadeira,
Somos sempre descobertos de repente.

Mas retornando em forma de poesia
Através de mil sonetos em carreira,
Eu, meu pique-esconde estenderia...

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24/04/2018

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Eu e a Poesia (de Alma Welt)

"O autêntico real absoluto
É a Poesia", Novalis já dizia...
E sou sua companheira até de luto
Quando morre à míngua, em afazia.

Mas renasce e sou fiel à renascida
Quando parece não se recordar de mim
E tenho de acenar-lhe constrangida:
Sou Alma, não te lembras? Estou aqui, sim!

Morro e reencarno em mim mesma
Me buscando onde for meu paradeiro
Mesmo quando quase uma abantesma...

Meu mundo é realidade paralela
Mas real, absoluto, verdadeiro,
Com humilde persistência de uma vela...

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23/04/2018

domingo, 22 de abril de 2018

A Dança das Cadeiras (de Alma Welt)

Ó meus amigos, que saudades tenho eu
Dos tempos de nossas brincadeiras
De salão, como a "dança das cadeiras" :
Quem não sentou, caiu, saiu, perdeu...

Depois, na vida, seguimos com o jogo,
Nunca haveria cadeira para todos
E vi de alguns amigos pranto e rogo
Já que foram dar em chão de lodos...

Há quem diga que injustiça não existe
(meu pai mesmo era desta opinião)
Mormente para quem no erro insiste,

Mas, ai, como me lembro dos caídos,
Quem nem por isso mereciam ser punidos,
Desajeitados para os jogos de salão...

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22/04/2018

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Cristo nos espelhos (de Alma Welt)

Tinha tantas providências a tomar,
Como pôr a casa em ordem, por exemplo,
Me compor como se fosse me casar
Mas fazendo do meu corpo o próprio templo.

Assim perdi meu tempo em ninharias
Sem me dar conta um só momento,
Orbitando o espelho das marias
Madalenas antes do arrependimento...

Mas eis que vi um quadro do Van Gogh
Um belo autorretrato tão intenso
Que por um instante fiquei grogue

E vi que ele era o Cristo dos espelhos
Como em todos nós, mas nele imenso,
E me pus diante da Arte, de joelhos...

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20/04/2018

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Como posei para o pintor (de Alma Welt)

Pois ali estava eu frente ao pintor
Diante da tela no seu grande cavalete,
E sem ordem e o mais leve rumor
Fiquei nua sem ajuda de um valete

Ao deixar cair ao chão o meu vestido
Diante do surpreso olhar do artista
Que nem sequer fizera um tal pedido
E logo, de imediato, a tela risca...

Foi assim, mas não me alongarei
Pois jamais entro nos "sórdidos detalhes"
Que, tão lindos na verdade, ocultarei.

E emergi em pintura gloriosa
Como se fosse a rainha de Versalhes
E não esta tão inquieta que mal posa...

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19/04/2018

segunda-feira, 16 de abril de 2018

O eterno retorno (IV) (de Alma Welt)




O eterno retorno (IV) (de Alma Welt)


Memórias, pensamentos, devaneios,
Com que ricos povoo estes meus dias
Que por certo não o são por outros meios,
Rica de mim, pobre de mim se não me lias

Tu leitor e face-amigo, passo a passo,  *
O melhor que posso, sim, diariamente,
Logo eu, que na verdade nada faço,
E tudo em mim se passa só na mente...

Mas o que é o corpo, não é verdade?
Este se vai como a canção do pó no vento *
E só resta de alguns poucos a saudade...

Quero, pois, estar contigo como agora
Já que fui só um ou outro pensamento
Que retorne de mim se eu for embora...

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16/04/2018


Notas
*... face-amigo - A Alma Welt,  após sua morte em 2007, passou a se apresentar ao artista Guilherme de Faria, desde 2008 na página dele no facebook, diariamente, seus sonetos e pensamentos digitados ali diretamente no Status, e datados na hora. Iniciados em 2001, seus sonetos já beiram os 5.000 (!!!). Somente neste blog, um dos mais de 60 da poetisa,  são, até este momento, cerca de 1.405.

* canção do pó no vento - Alma certamente se refere à belíssima e pessimista canção "Dust in the Wind", sucesso dos anos 80 da banda de rock americana Kansas.

sábado, 14 de abril de 2018

Pecado Original (de Alma Welt)

                                      Adão e Eva no Paraiso - curiosa pintura a quatro mãos, de Rubens e Jan Brueghel. 
                                                   Rubens pintou o casal e Brueghel a paisagem e os animais..

Pecado Original (de Alma Welt)

"Minha Alma, cabe a ti vencer o Mal
Que herdaste ao nascer, o tal pecado
Original, de fato assim chamado
E que faz de ti um ser mortal..."

Assim disse meu pai, quando eu guria
Lhe perguntei o porquê da confissão,
Que tão inútil então me parecia
Porque não tinha nenhum mal no coração.

Olhou nos olhos meus meu lindo pai,
Deu um suspiro e disse: "Vai brincar
No Jardim com teu irmão. Sossega e vai..."

Então voltamos, eu e Rodo, às maçãs
E até hoje não sei o que é pecar
Ao brincar nua no pomar pelas manhãs...

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14/04/2018

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Autocrítica (de Alma Welt)

Representação artística alemã de um aparato para destilação da Aqua vitae (em italiano "Aqua de Vita") o ethanol, do Liber de arte Distillandi, de Hieronymus Brunschwig, 1512.
Entretanto Aqua de Vita, era também conhecida como a mítica Fonte da Juventude, procurada e supostamente encontrada na Flórida pelo espanhol Juan Ponce de León 1460-152


Autocrítica (de Alma Welt)

Não costumo dizer "nós" no meu soneto,
Não sou ego-centrada o suficiente.
O que há comigo, erro ou acerto,
Por certo não atribuo à toda gente...

Individualista empedernida,
Quem quiser que se veja ou se reflita...
Estou a falar da minha vida,
Sou fonte mas não sou "aqua de vita". *

"Egotista sublime", disse um crítico, *
Dos de minha espécie, ou parecido,
Faço do meu centro um polo mítico.

Como se fora um humano querubim
Mas sem me atribuir geral sentido,
Tenho a desculpa de só falar de mim...

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13/04/2018

Notas

* "Egotista sublime" ´Expressão criada pelo crítico inglês Herbert Reed, que assim classificava o mais alto tipo de poeta (a seu ver), que aparentemente falando somente de si mesmo, falava de toda humanidade. Como exemplo disso "rendia todos os dias" graças a Shakespeare, "um poeta que não era nem um filósofo nem um moralista, e que vivia ao sabor do cristal terrível de uma mente intuitiva." Reed cita o poeta John Keats, um grande admirador de Shakespeare, que em uma famosa carta a Richard Woodhouse, contrasta Imogen com um dos personagens mais notoriamente imorais de Shakespeare, Iago, a fim de descrever o caráter do poeta: "O caráter poético não tem personalidade própria", tudo e nada - não tem caráter e goza de luz e sombra, vive com prazer, seja mau ou justo, alto ou baixo, rico ou pobre, mesquinho ou elevado - tem tanto prazer em conceber um Iago quanto um Imogen. O que choca o filósofo virtuoso encanta o camaleão poeta... Um poeta é o menos poético de tudo o que existe já que não tem identidade, e está continuamente preenchendo o corpo de outrem.
(Pesquisa de Guilherme de Faria)
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Nota (2)
* Aqua de Vita (em italiano) ou Aqua Vitae (em latim ) - Água da Vida, mais conhecida como Fonte da Juventude:
1. Em 1493, Juan Ponce de León sai da Espanha rumo à América, acompanhando Cristóvão Colombo em sua segunda expedição – financiada pelos reis Fernando e Isabel. Desembarca na ilha de Hispaniola (atual ilha de São Domingos), colonizando o território

2. Com o objetivo de explorar novas terras, Ponce de León chega a Porto Rico, onde é nomeado governador, em 1508. Por meio dos nativos, teria descoberto a existência de uma fonte da juventude, que ficaria ao norte de Cuba, em uma ilha chamada Bimini

3. Em 1513, sai em busca das águas rejuvenescedoras. Como a lenda dizia que a fonte ficava em um ambiente paradisíaco (onde também estaria o jardim do Éden), qualquer ilha tropical era digna de ser investigada

4. No domingo de Páscoa do mesmo ano, Ponce de León chega a uma costa, que nomeia de “La Florida” – que significa “A Florida”. Durante a expedição, é ferido gravemente por índios, sendo levado a Cuba, onde não resiste e morre

5. Muitos acreditam que o explorador tenha encontrado a fonte na Flórida – região rica em águas minerais. Em sua homenagem, foi criado o Parque Nacional da Fonte da Juventude, em Saint Augustine – cidade situada na primeira costa a ser colonizada por europeus


(Fonte Claudio Carlan, professor de história antiga da Universidade Federal de Alfenas, MG)



quarta-feira, 11 de abril de 2018

A Esperança (de Alma Welt)

Das intempéries estamos à mercê
Na frágil embarcação fazendo água,
E a lançar sinais no ar, que ninguém vê,
A trocar a nossa fé por pura mágoa.

"O quê que é isso, Alma? Não blasfemes!
A perda da esperança leva à morte,
Não da carne mesma, se é o que temes
Mas da alma, condenando a sua sorte"...

Assim disse meu anjo de asas brancas,
Imenso e claro velando sobre mim
Quando eu já tinha a água pelas ancas.

Então logo sacudi meu desespero
Como um cão, do focinho ao duplo rim,
Pois sobrava da vaidade aquele esmero...

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11/04/2018

segunda-feira, 2 de abril de 2018

O Último Baile (de Alma Welt)

Como é bom estar aqui entre vocês,
Amigos meus, reunidos pela face *
Melhor que temos, afinal, a cada vez,
Pra não mostrar somente o que se passe.

Porque se mostro sempre o meu melhor
Para estar entre vocês em plena sala,
Quero dizer que me visto, assim, de gala
Para as nossas reuniões, em tom maior...

Houve um baile, uma vez, na Ilha Fiscal
Onde a Corte reuniu-se em saideira,
Sem nem sequer desconfiar do Marechal...

Amigos, como então naquele Rio,
Dancemos nossa valsa, a derradeira,
Que a Liberdade está apenas por um fio...

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02/04/2018


Nota
*Amigos meus, reunidos pela face - subentende-se: pelo facebook...

domingo, 1 de abril de 2018

Páscoa de Chocolates (de Alma Welt)

Na Páscoa a gente ia para Gramado
Atrás de chocolate e até de neve,
E então, por um momento breve
Me sentia na Europa em meu Estado.

Imersa em um mar de chocolate
E cercada de pinheiros e de hortênsia
Eu vivia uma outra existência
Em que faltava o nosso charque e o mate.

Mas essas lembranças são inúteis
Não fazem parte do corpo de memória
Que compõem de fato a minha história.

Como postais são belas mas são fúteis,
Só meu pampa me contém, é plano e largo,
Ó coração de chocolate meio-amargo!...

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01/03/2018