quarta-feira, 23 de julho de 2014

“Forever Young” (de Alma Welt)

Pintura de Georges de La Tour

“Forever Young” (de Alma Welt)

Estamos todos em tela a nos pintar,
Sim, nosso autorretrato convincente,
Querendo ou não nosso rosto fixar
De modo afinal mais consistente...

Não há, pois, meios de falsificarmo-nos,
Que, se inepta, a pintura nos revela
Tão bem ou mal quanto as daqueles monos
A quem damos pincel, tintas e uma tela.

Mas vede como a carne se derrete
Como vela de cera num serão
Que é a vida que tanto só promete

E faz crer que amanhã é novo dia
Na vã vigília do insone coração
Que pintava enquanto a cera derretia...




segunda-feira, 21 de julho de 2014

Filosofia de ateliê (de Alma Welt)


Pro Destino o desejo pouco conta,
A mais louca ambição só o diverte.
Só nossa grande arte lhe é afronta
E nos cobrará logo e solerte:

Uma bala no peito, um avecê
Um enfarte ou envenenamento;
Um avião que cai, não com você 

Mas com toda sua obra, num momento...

Que tola conclusão me coube agora!
É somente a condição humana:
Se viemos também temos de ir embora...

Mas nos resta o prazer da pincelada,
Ou de tudo o que na vida nos irmana,
O resto é silêncio... não é nada...


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Notas
* ...ou envenenamento - Alma parece aludir à morte do nosso grande pintor Portinari, que morreu envenenado pelas tintas...

*Um avião que cai, não com você / Mas com toda sua obra... - Alma parece estar se referindo ao episódio acontecido com parte da obra do grande pintor Manabu Mabe, que voltava de uma retrospectiva e se perdeu num desastre aéreo, em que o pintor pessoalmente não se encontrava a bordo...



 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Não mais miro poentes (de Alma Welt)


Não mais miro os poentes reclinada
Na cadeira de balanço da varanda,
Nem passeio a esmo pela estrada
Onde a memória viva ainda anda;

Não mais na coxilha escrevo versos
A saltar pequenas poças de manhã
Onde nascem os sonetos controversos,
Testemunhos finais de meu afã;

Não mais tenho estes meus cabelos louros
Longos, ruivos ou dourados, nunca soube,
Despertando olhares vivos entre os mouros;

E eis-me triste e velha dama espectral
De vasta e branca cabeleira que me coube
Quando as flores desertaram meu quintal...

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Fronteira (de Alma Welt)


 No amargo fim chegar sem dissolver-se,
Sem sequer desintegrar-se ou derreter,
Eis pra nós o mais difícil de obter-se,
Já que o fim nosso é só morrer

Que é o ponto final comum a todos,
Que nos chama, nivela e absolve
Pois havemos de voltar aos mesmos lodos,
Que desde sempre a terra nos envolve...

Mas à beira do abismo do universo
Chegar naquele ponto fronteiriço
Onde os astros experimentam seu reverso

E dizer: “Eis-me, estou pronto: bem vivi!
Cansei até... já posso dar sumiço,
Fui sempre o herói de mim e não fugi!”