sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Mais humilde (de Alma Welt)

"De livros povoada até a tampa
E os clássicos frescos na memória,
Com espaço para os mitos do meu pampa,
Saí para contar a minha história..."

Assim comecei uma entrevista
Quando, claro, ainda era bem jovem
E portanto a presunçosa e egotista
Cujos versos já não me comovem.

Mas agora, passados tantos anos,
Não tenho certamente aquela empáfia
De filha de chefão da Santa Máfia.

E, bem mais humilde considero
Procurar de novo meus decanos,
Que preciso reler Dante e Homero...

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30/09/2016

Legado de sangue (de Alma Welt)

Meus sonhos de criança ainda tenho
Como um belo tesouro bem guardado,
E que me diz quem sou e a que venho,
Que não é de ouro e prata meu legado.

Cresci em terras vastas pampianas,
Num velho casarão de farroupilhas
Amando um meio-mano e duas hermanas,
E de versos em cadernos faço pilhas.

Mas não desfiarei o meu currículo
Que a esta altura do circuito
Soaria de mim meio ridículo...

Apenas quero um pouco reiterar:
Quem não gostar de sangue, sinto muito,
Meu sangue em verso escorre sem parar...

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30/09/2016.

O Pacto (de Alma Welt)

                                         A primeira saída de Fausto com Mefistófeles - Ilustração de Eugéne Delacroix

O Pacto (de Alma Welt)

Como é belo o minuto que passa! *
E eu perderia a alma de saída
Se tivesse ousado, por desgraça,
E feito o pacto de Fausto nesta vida.

Não chegaria nem na cena da taberna *
Pois vejo em quase tudo uma beleza
Até mesmo numa cena de baderna,
Vinho vertido nos cantos pela mesa... *

Mas sairia, é claro, de fininho
Pois não me agrada a tal bestialidade
Que infelizmente existe até no vinho.

Mas a polis ideal, nela não creio. *
Mais cética que Fausto, na verdade,
Já meu coração disse a que veio...

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30/09/2016

Notas
* Como é belo o minuto que passa! - O pacto de Fausto com Mefistófeles consistia em que o velho e entediado sábio entregaria a sua alma ao diabo (o próprio Mefisto), no dia que este lhe fornecesse uma experiência ou uma visão que o fizesse dizer "ao minuto que passa": "Pára! És tão belo!"

*Não chegaria nem na cena da taberna/
*Vinho vertido nos cantos pela mesa - Na primeira saída de Fausto com Mefistófeles, este leva o até então recluso sábio a uma taberna (coisa que ele nunca tinha feito na vida) E ali, de repente o diabo diz mais ou menos isto: " Agora vais ver a bestialidade..."- e batendo com a mão, o vinho começa a jorrar pelos quatro cantos da mesa. Logo o tumulto, a algazarra e as brigas ferozes se instalam no ambiente sórdido, enquanto os dois se retiram calmamente...

"Mas a polis ideal, nela não creio - Notável, ou estranhamente, no final da monumental obra Fausto, de Goethe, o que faz Fausto dizer finalmente ao minuto que passa: "Para és tão belo!" , é a visão da Cidade Ideal do Futuro, que Mefistófeles o ajuda a edificar...Nesse momento Fausto cai morto e sua alma, que sairá como uma luzinha por sua boca, será ser disputada por Mefistófeles que como um bode lúbrico será distraído na sua captura da alma por uns serafins melífluos e sensuais que descem cantando e revoluteando em torno do cadáver e distraem a atenção do pobre diabo (que fica fascinado pelos seus belos traseiros!!!) e escamoteiam a alma de Fausto rapidamente e a levam para o céu, enquanto o diabo, enganado, pragueja inconformado. Deus ludibriou o Diabo e falseou Sua própria aposta com este. Goethe era impagável, um louco maravilhoso!

Atrasos (de Alma Welt)

Temos tanto a fazer, tempo não temos,
E como é precioso um só minuto!
Precisamos renovar salvo-conduto
A cada fim do dia, pelo menos....

De noite abrimos nossas malas
E nos submetemos à revista
Revirando na mesa nossas tralhas,
Dentro de nós o possível terrorista...

Mas acordamos, a vida decolou.
Ou às vezes perdemos nosso trem
Porque algo em nós nos atrasou.

E vemos ao longe a própria vida
Ir sem nós, que restamos na guarida
De nós mesmos numa Terra de Ninguém...

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30/09/2016

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O Espelho (de Alma Welt)

                                                O Espelho - litografia de Guilherme de Faria

O Espelho (de Alma Welt)

A cada soneto eu me edifico,
Pouca gente pode isso compreender,
E com minha própria cara fico
E isso é, sim, de surpreender...

O soneto é o meu espelho verdadeiro
Apenas bem melhor e mais polido
Reflete este meu rosto por inteiro
E estranhamente comovido

Pois é o rosto de todos mas em mim,
Que me olho c' uma espécie de ternura
Apenas como meio e não um fim.

E se falo de mim mirando o espelho
Não me vejam numa espécie de loucura,
Mas como quem procura seu conselho...

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29/09/2016

As Festas (de Alma Welt)

Um momento de alegria é uma glória
E vale mais que uma vida de tristezas.
Pobre quem não tem isso em sua história
Como um momento de beleza.

Haja festas, vinho, danças e canções
Com as donzelas de flores coroadas
Como naquelas festas de galpões
De nossas belas gerações passadas...

E eu, rodando no meio, esfuziante
Braços abertos de euforia e graça
Serei de todos, por minutos, a Amante.

Pois todo baile é sempre um tanto meu
Que os vejo como um gênio da raça
O melhor de nós, que Deus nos deu...

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29/09/2016

"O Tempo e o Vento" ou As roseiras de minha avó (de Alma Welt)

"Vivemos num mundo conturbado
Desde os velhos tempos de Babel.
O orgulho não vingou, foi constatado:
A Torre não chegou perto do céu."

"Vê, guria, como o Tempo engole tudo
Sem ouvir nossa incrível algaravia.
Ele já permanecia surdo-mudo
Enquanto a turba malta se movia..."

Assim dizia minha avó no seu jardim
Podando suas roseiras com esmero,
Separando uma e outra para mim...

A mim, que degustando um tal momento,
Quê me importava tamanho desespero
Se ali só nos chegava como vento...

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29/09/2016

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Balanço final (de Alma Welt)


                                      Retrato de Alma Welt (detalhe) - óleo s/tela de Guilherme de Faria, 1992

Balanço final (de Alma Welt)


No fim do dia recolho os meus pedaços
Das muitas emoções que tanto sinto
Por retocar a vida com meus traços,
Que, poeta, uso letras quando pinto...

Eu me gasto, sofro e me incendeio
Usando o meu corpo em combustão
Para escrever estas obras que permeio,
Pois minha vida necessita a minha mão.

Tenho, pois, que me criar o tempo todo
Para ser merecedora de estar viva,
Como alma que quis sair do lodo.

E no final me porei diante de Deus
Não como uma musa ou uma diva,
Pra prestar contas: "Senhor, são todos teus".

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28/09/2016



Retrato de Alma Welt (detalhe) - óleo s/tela de Guilherme de Faria, 1992

O idioma da Alma (de Alma Welt)

                                                 Caravela - litografia de Guilherme de Faria

O idioma da Alma (de Alma Welt)

Quando passei a postar na Internet
Alguém disse: vais bombar, mas não no Norte,
Pois certo gauchesco é o teu forte
E é muito diferente do nordeste.


Mas a nossa língua-pátria é portuguesa,
E tenho este acento de Camões
Que casa com o pampa, com certeza,
Mas também com todo o resto dos rincões.

Bah! Como adoro este idioma!
A mais bela língua, nada inculta
E que não ficou na sua redoma...

Foi-se ao mundo, nas fortes caravelas
Cujos ventos eram sua catapulta,
E a Deus e ao Diabo suas velas...

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28/9/2016


A sabedoria de minha avó (de Alma Welt)

"A vida é surpresa após surpresas,
Mesmo que a rotina seja a regra
E tenhas de escovar as tuas presas
Pois só onça de bom hálito se integra."

"O cabelo bem penteado e perfumado,
E a roupa bem passada pra passeio.
Que não te pegue a Moira sem asseio
Ou parecendo um arenque defumado."

Assim dizia minha avó, e gargalhava
Com seus dois ou três dentes na boca
E pelancas parecidas com uma aldrava...

E eu ria, que também me divertia,
Pois se a forma era um tanto louca
O conteúdo tinha lá sabedoria....

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28/09/2016

Lições de meu pai (de Alma Welt)

"Ser feliz é só o terceiro objetivo.
O primeiro, a meu ver, é ser inteiro
Para ao Mal não dar nenhum motivo
De se dizer compadre ou companheiro".

"Ande só, não precisas de capanga",
Assim dizia meu pai, e era chefe!
Não tinha nenhum ás dentro da manga
E na vida não usava nenhum blefe.

"Se tens algo a dizer, o diga logo,
Pois o verbo é a asa e não a canga.
E quem seria eu se t'o revogo?"

"O segundo objetivo, amar, minha filha,
Sem prender ninguém nessa caçamba
Que amor não é gaiola ou armadilha..."

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28/09/2016

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Cartas ao poente (de Alma Welt)

                                                          Pampa vermelho- óleo s/ tela de Guilherme de Faria,

Cartas ao poente (de Alma Welt)

Todos nascem no seu nicho nesta vida,
E para sempre a ele pertencemos,
Às vezes nem consolo nem guarida,
Outras tantas será tudo o que temos.

Pra mim é este pampa, esta querência,
Herança dos meus avós sem medo,
Que sofreram uma espécie de descrença
Ao plantar de tantos sonhos seu vinhedo.

Quanto a mim, igualmente transplantada
Deitei raízes nesta terra abençoada,
E daqui, que já não saio senão morta,

Escrevo cartas e as envio, displicente,
Aguardando as respostas do poente
Que toda tarde vem bater na minha porta...

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27/09/2016

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Nas redes (de Alma Welt)

Nas cidades eu falava com as paredes
E tinha muitas saudades da campina, *
E procurava o meu nome nas redes, *
Encontrando até coisa que alucina: *

Vi meu nome entre os maiores deste Sul
Inclusive o do domador do vento *
Que transformava em clarineta, em solo cool, *
Com aquele seu veríssimo talento.

E eu, pobre romântica tardia
Quase à míngua numa era decadente
Só às quintas ao Quintana reverente, *

Cabe a mim restaurar brilhos antigos
Quando a nossa sala manca de poesia, *
Com uma pequena ajuda dos amigos... *

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26/09/2016

Notas
*E tinha muitas saudades da campina- Alma assim alude ao Pampa de sua criação.

* E procurava o meu nome nas redes / encontrando até coisa que alucina - Alma alude às redes sociais e ao Google, onde descobriu, com surpresa, um site que coloca o seu nome entre os grandes poetas do Rio Grande do Sul, ao lado de Érico Veríssimo e Mario Quintana, o que ela achou alucinante...

.* Inclusive o do domador do vento - alusão ao grande Érico Veríssimo , autor de O Tempo e Vento.

* Que transformava em clarineta, em solo cool - Alusão ao famoso livro de Memórias, de Érico Veríssimo, em três volumes, que se entitula "Solo de Clarineta".

* Quase à míngua numa era decadente/ Só às quintas ao Quintana reverente - referência da Alma ao grande poeta gaúcho Mario Quintana.

* Quando a nossa sala manca de poesia, - alusão à lenda "A Salamanca do Jarau", a mais famosa lenda gaúcha...

* Com uma pequena ajuda dos amigos - alusão à famosa canção dos Beatles: With a Little Help of my Friends...





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A grande cidade (de Alma Welt)

                                                                         Pintura de Edward Hopper

A grande cidade (de Alma Welt)

A cidade grande então fui ver
De tantas decantadas maravilhas
Em que as torres entre as nuvens eram ilhas,
E quase tudo era motivo de entreter...

Fui logo procurar o tal Cinema
Em que um mar de figuras se movia
Numa grande parede de luz plena
E que a gente então se comovia...

Então eu disse a mim: Não vejo flores
Onde fica o por-do-sol dos meus amores?
O meu olhar esbarra nas paredes...

E uma voz me respondeu: "És mesmo tola,
Eis o ninho dos abutres, não da rola,
Rios que correm só pra criar sedes"...

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26/09/2016

Balzac (de Alma Welt)

E cheguei àquela idade do Balzac, *
Da mulher primeira Idade da Razão,
Mas do Jogo só terceiro saque,
Ou de aceitar como as coisas mesmo são...

A beleza parecia surpreendente,
Com um leve teor de amanhecida.
Meus seios apontando para a frente,
Que ainda não olhavam a descida...

E tratei de gravar-me nos sonetos
Uma vez que para isso tinha a mão,
Trazida com os avós lá dos Sudetos.

Mas, báh! Ainda era juventude
Malgrado um toque e sabor de finitude,
Com os sonhos e a pitada de ilusão...

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25/09/2016

Nota
* E cheguei àquela idade do Balzac - Alusão ao famoso livro de Honoré de Balzac, "A Mulher de Trinta Anos", que deu origem à expressão "balzaquiana", já há tempos em desuso...

Relativo (de Alma Welt)

Razões para viver é necessário,
Embora isto muito óbvio não seja,
Pois há muitos que vivem bem no armário,
Outros tantos que não passam sem cerveja.

Tudo ao relativo é submisso
Mas não venham atribuir isso à Teoria,
Que nunca o velho Albert disse isso
E a banalização dá porcaria.

É duro viver em meio ao vulgo
Se nasceste em berço de cristal,
Numa torre de marfim e coisa e tal...

Por isso as exceções não julgo
Mas prefiro as camas mais comuns
Onde a poesia dorme e solta puns...

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24/09/2016

Homens de La Mancha (de Alma Welt)

Temos pouco tempo para escolher
Os melhores caminhos ou as rotas.
Não houve nenhum ensaio para viver
E fomos jogados entre as calotas...

Os que já nascem sabendo são bem poucos
Como se tivessem um bom roteiro.
Os outros se debatem como loucos
E apenas um ou outro sai inteiro...

A Terra já não é mais o Paraíso
Conquanto uns de nós com aquela prancha
Surfarão até no dia do Juízo...

Mas nós, que perplexos ainda estamos,
Desajeitadamente improvisamos
O nosso Don Quixote de La Mancha...

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24/09/2016

O céu que me ilumina (de Alma Welt)

                                                             Neblina da manhã - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
O céu que me ilumina (de Alma Welt)

Quando vago num trecho de campina
Me sinto num mundo de belezas
E grata a este céu que me ilumina,
A que devo todas as minhas certezas.

Que são as das coisas emanentes,
Dos seres que povoam o ar e a relva
Pequeno mundo, paraíso das sementes,
Que, de perto, constituem minha selva.

E me sinto completa e integrada
Até mesmo entre as cercas do jardim
Que alguns pensam ser fronteira com o nada...

E grata ao Ser disseminado e arcano
Que transforma o meu anseio humano
Em lindas noites perfumadas de jasmim...

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23/09/2016

Tempo de conflitos (de Alma Welt)

É chegado novo tempo de conflitos
E nós, saídos de uma dura transição
Nos vemos aturdidos pelos gritos
E as feridas sangrentas da nação.

Como é triste ver o meu país rachado
De cima a baixo como aberta cicatriz,
Embora, o rubro risco contornado,
Tenhamos todos escapado por um triz.

Mas temos a esperança, ela vigora
E sabemos que o caminho está aberto
Para a consolidação de uma vitória.

A de nós todos, gigantesca maioria
De mãos dadas afinal, retorno certo
A uma língua que supera a algaravia...

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22/09/2016



quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Princesas (de Alma Welt)

"Uns são príncipes na terra, outros, peões.
Não precisas sentir culpa, minha princesa."
Assim dizia meu pai em seus serões,
Depois de juntos comermos sobremesa...

E eu sentava no colo do meu rei
Para ouvir suas tiradas e lições
Que pareciam mesmo ter força de lei,
Um alemão falando a língua de Camões...

Mas à princesa cabe ser benevolente
E assim seria esta, vida afora,
Enquanto a vida não melhora nem piora.

Nada muda, faça tu o que fizeres
Mas fazendo tua parte, bem contente,
Salvaste a flor, poupando um mal-me-queres...

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22/09/2016

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Prêmio ou castigo (de Alma Welt)

Construímos nossa vida a duras penas
Como uma boa obra de arquiteto
Ou uma bela pintura pr'um mecenas
Que nos daria fama além de um teto.

Falo por mim, na verdade, como artista,
E nem todos são assim, provavelmente.
A Arte é para todos pra ser vista,
Mas fazê-la tem um tanto de demente...

Como é louco brincar de Criador,
Prerrogativa, afinal, de nosso Deus
Que em dobro cobrará este penhor!

E resto entre o medo e a esperança,
Castigada ou premiada em meu adeus?
E mostro a Ele meus versos de criança...

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21/09/2016

Filosofias (de Alma Welt)

                                               Alma e o anjo - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015, 100x100cm


Filosofias (de Alma Welt)

"A vida é impossível sobre a terra",
Dizia um filósofo, e provava
Com o exemplo do mal que nos aterra,
E do humano como simples fera brava.

Mas as coisas não são simples assim!
Existe o amor que move estrelas
E embora raramente um serafim,
O homem continua a esperar vê-las.

Com um mundo onde tudo se resolve
Ou o real simplesmente se dissolve,
Ele sonha! Como sonha o ser humano!

E voltamos ao reino do improvável
Em que a pura harmonia era o plano,
Mas sob oculta autoridade detestável...

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21/09/2016

Beijos roubados (de Alma Welt)

É sublime a aventura da amizade
Quando vem da infância, mais fiel,
Trazendo até memórias de uma tarde,
A forma de uma nuvem em nosso céu...

Um abraço, um beijo, até roubado,
Entre gritinhos de susto ou de pirraça,
Dependendo qual de nós o tenha ousado,
Num eterno brincar, que nunca passa.

Choro de pensar na minha infância,
Pela minha esperteza em inocência
Ou pela quietude de minha ânsia,

Não só beijos roubados num instante
Mas da malícia pura e leniência
De um pequeno seio palpitante...

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21/09/2016

O pacto (de Alma Welt)

Meus amigos se foram mundo afora
Depois de nosso pacto de sangue.
Um foi parar em Bora Bora
Outro a pegar siri num mangue.

E eu fiquei aqui, por mais um ano
A meditar sobre os caprichos do destino
E o lapso entre engano e desengano
Que faz de qualquer ato um desatino.

"Foste covarde, Alma!"- disse um deles
Ao voltar, estropiado e orgulhoso.
"Outra vez um pacto não seles....

Então eu lhe fazendo um doce afago
Disse: "Estás bem mais musculoso...
Vamos tomar juntos nosso amargo."

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21/09/2016

Motivos pra rimar (de Alma Welt)

"É preciso versejar tempo integral
E, por certo, não somente aos sábados,
Que estes só rimam com os cágados
Embora rima seja sempre opcional..."

Assim começava o meu opúsculo
Que escrevi sobre a arte do verso
Quando era guria, num crepúsculo,
Ou numa manhã. É controverso.

Estou mentindo, claro, é brincadeira...
Para mim tudo é motivo de rimar
Até mesmo descer uma ladeira,

Que por sinal, não as há aqui no pampa
E no plano não há como escorregar
Tal me ocorreu na Augusta, lá em Sampa...

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21/09/2016

Recordações da guria (de Alma Welt)

Quando guria fugi de casa, um dia,
E fui tomar o trem na estaçãozinha.
Quis comprar um bilhete e não havia,
Que o chefe falou que não mais tinha.

Tudo estava tão quieto e deserto,
Só chegou um senhor com sua família!
Eu estou sendo barrada, só, por certo,
Pensei- vou ter que andar mais uma milha...

E voltei com a minha trouxa na varinha
Esperando passar despercebida
Entrando pela porta da cozinha.

Matilde, nossa doce cozinheira
Estendeu-me a mão, enternecida:
"Alma, esqueceste a tua lancheira"...

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21/09/2016

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O quarto de despejos (de Alma Welt)

Uns aos outros, ligados estamos todos
Por mais que por vezes o neguemos
E procuremos razões, meios e modos
De provar que somos mais e outros menos.

Eis do nosso ego a prevalência
Que faz do nosso umbigo o grande centro
Ou no mínimo um polo de excelência
Em que tudo o que preste esteja dentro.

Mas que alívio quando ousamos pertencer
Não somente ao lado certo mas ao todo,
Nossa antítese à solidão do ser...

Então surge o amor que já existia
E que estava guardado nalgum cômodo
Nas tralhas dos despejos de algum dia...

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20/09/2016

A poeta feiticeira (de Alma Welt)

                                     Alma no Pampa - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

A poeta feiticeira (de Alma Welt)

Quando guria eu pensava o mundo plano
Que era o meu pampa de coxilhas,
Mar ondulado, vazio, mas humano
Com os seus peões emersos como ilhas.

Eu vagava, qual cigana ou andarilha
Mas destacava meu cabelo ruivo
Avistado pelos "gáltchos" de uma milha,
Que de longe me saudavam com um uivo.

Entretanto era seguida por um corvo
Que também consolidou a dúbia fama
De poeta feiticeira, que absorvo...

Então o povo pampiano me cultua
Como a princesa branca que ele ama
E que nas noites associa com a lua...

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20/09/2016

O barco rubro (de Alma Welt)

                                        Tempestade - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2014

O barco rubro (de Alma Welt)

"Estamos em pleno mar", diz o poeta *
No mais belo e terrível dos poemas.
Mas, creio que o mar que ele desperta
Em mim é a vida e seus dilemas.

Em pleno mar estamos, digo eu
E nosso frágil barco enfrenta as ondas
Como um rubro pequeno Prometeu
Ou com o riso da melhor das giocondas.

Nada nos adiantará no fim do dia
Estaremos todos dormindo na areia
Ou no lado escuro da poesia...

Mas quanta energia o remador!
Nada pode detê-lo, pelo amor
De alguém que o espera para a ceia...
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20/09/2016

Nota
*"Estamos em pleno mar"... - O primeiro verso do grande poema "O Navio Negreiro", de Castro Alves.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Amores enterrados (de Alma Welt)

Amores enterrados, não me voltem,
Que o fraco coração não aguenta mais.
Ao meu próprio enterro não me escoltem
Quando chegar a hora de minha paz.

Como eram nossos tempos agitados!
Quanta inquietação, desassossego,
Dos jovens corações apaixonados
Como o tal das claras águas do Mondego. *

Éramos todos pobres tolos, isso sim,
Acreditando superar a solidão
E que o amor eterno não tem fim...

Agora que afinal nos aquietamos,
Que ternura enche enfim o coração
De ver como era belo o quanto amamos...

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19/09/2016

Nota
*Como o tal das claras águas do Mondego - alusão ao famoso soneto de Camões...

Os quatro amigos (de Alma Welt)

Fomos todos ao mundo, os quatro amigos,
Cada um a buscar o seu tesouro
Que estava aqui mesmo, sem desdouro
Dos que há pelo mundo sem abrigos.

Nenhum de nós voltou de mãos vazias
Mas um tanto machucados e carentes,
Com as suas palmas bem menos macias
E por certo nunca mais aos seus pertences.

Então nos reunimos numa festa
Para brindar o estarmos todos vivos,
De alegria o mais belo dos motivos...

Rindo disse um de nós, o mais honesto:
"Para nós está aqui tudo o que presta,
Só eu que, para mim, ainda não presto..."

19/09/2016

domingo, 18 de setembro de 2016

Promenade (de Alma Welt)

Às vezes acordo Goethe, outras Pushkin.
Quando levanto outra mais modesta,
Me vejo concentrada mesma em mim
E aí outra feição a mim se empresta,

Começa a consistência verdadeira
Não de uma alma simples suburbana,
Mas vasta, coxilheira e minuana.
Que tem a solidão por companheira.

E então, com o meu vagar diário
Colhendo flores e ervas no caminho
Penso o mundo e todo o meu contrário

Pois almejo sempre o outro lado,
Aquilo que é bem mais que o raminho
De flores com que volto do meu prado...

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18/09/2016

Esquizotimia (de Alma Welt)

Tenho uma tristeza persistente
Que convive até com minha alegria.
Mas não pensem em esquizotimia
Pois ocorrem simultaneamente....

Alma, estás assim meio pedante
Com esse tom aí falso científico.
Se continuas assim não vais adiante
Como náufraga no meio do Pacífico.

Assim debates, mente minha, esquizoide,
Discutindo comigo a noite inteira
Até que felizmente eu me acorde.

E então me vejo simples, báh! que alívio!
A vida é bela e o paraíso beira,
Está não nosso ego, mas no oblívio...

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18/09/2016

Agosto (de Alma Welt)

Agosto me fazia perder sono,
Mês de cachorro louco, vejam só...
E alguns pobres cães em abandono
Eram então perseguidos de dar dó.

Eu os recolhia e dava banho no quintal
De nosso casarão em Novo Hamburgo *
Tentando salvá-los de um expurgo
Motivado por um medo universal,

O da loucura, que a todos ameaça
No fundo da nossa consciência
Coberta por telhado de vidraça.

Somos loucos, sim, mal o sabia,
Mas desbordava da minha inocência
Que só na minha alma não cabia...

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18/09/2016

Nota
 * De nosso casarão em Novo Hamburgo -   Alma, concebida em Santa Catarina,  no Vale to Itajaí, foi dada à luz numa estrada, no acostamento, a caminho de Novo Hamburgo (RGS), onde viveria até os oito anos, quando então se mudaria com seus pais para estância pampiana de seus avós, Joachim e Frieda (Frida).

Minha Aldeia (de Alma Welt)

"Prescruto o mundo desde aqui do meu jardim,
Meu periscópio está voltado para dentro
E o que eu encontro está também fora de mim,
E, sei, não gira em torno do meu centro...

"Com que direito, Alma, falas tanto
Sobre a vida, o mundo e seus mistérios,
Se de toda a Terra o vasto manto
Conheces bem a terra dos gaudérios?"

"Vives aí no fim do mundo conhecido
E pensas que a terra é toda plana,
Que o sol gira e é só ouro fundido."

E eu te direi: "Meu coração é minha aldeia,
Estava só falando dela há uma semana
E tudo virou mundo e a vida inteira...

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18/09/2016

sábado, 17 de setembro de 2016

A espada por um fio (de Alma Welt)

Viver é viver à beira-abismo,
Como diriam nossos lusitanos pais.
A felicidade é só um modismo
Cultivado hoje em dia aonde vais.

Não era assim no tempo de minha avó
Que cultivava suas rosas por pudor
Pois a mulher não deveria causar dó
Mesmo quando ao marido falta amor.

A morte nos ronda dia e noite,
Como de Damocles o fio e a espada,
Que para uns é tão somente açoite.

Longe de mim assustar qualquer pessoa.
Se me virem levantar de madrugada,
É pra ajustar o fio da espada numa boa...

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17/09/2016

O Anjo (de Alma Welt)

                              Alma e o anjo - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015, 100x100cm

O Anjo (de Alma Welt)

O lobo somos nós, disse o romano
Por isso talvez ele ainda vibre,
Mas o anjo também, se não me engano,
Embora alguns de nós sejam o tigre.

Mas quando vejo um violino virtuose
Às vezes na mão de uma criança,
Suponho que nem tudo o demo ouse
E o coração se enche de esperança...

Poderia lhes contar um episódio
Se pudesse nesse fecho ser contido,
De como superei rancor e ódio.

Contaria como vi o Anjo da Guarda
E a vida de repente fez sentido,
E um Paraíso por certo nos aguarda...

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17/09/2016

A vida... (de Alma Welt)

A vida é um horror levada a sério,
O sofrimento, a morte e as doenças,
E pra amainar o medo do mistério,
O pior: a proliferação de crenças.

É preciso uma poeta pra afirmá-lo
Já que a hipocrisia predomina,
Mas o inacreditável culto ao falo
Ainda mais persiste e contamina.

Para tornar a vida suportável
Criamos, pois, a Arte e a Poesia
Esporte? Ah! sim, recurso frágil...

Assim vamos levando... ah! o Cinema!
Até um filme americano alivia,
Mais ou menos, assim, como um enema...

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16/09/2016

A colecionadora de poentes (de Alma Welt)

Adoentada quis ver o arrebol
E levaram minha cama até a varanda.
Eu costumava não perder o por-do-sol
Pois o dia sem epílogo desanda.

Mas não perder alguns não foi possível,
E aqueles que depois fariam falta
Me seriam descontados noutro nível,
Ou no fim do desfile em minha escolta.

Bah! Mas isso são delírios de poeta!
Gosto de brincar com tais imagens
Para preencher minha carência predileta

Que é a de umas coisas pequeninas
Que fazem a delícia das bobagens
Da bela vida simples das meninas...

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16/09/2016

A Confraria (de Alma Welt)

De mais uns anos necessito pra morrer,
Pois não posso fazê-lo antes da hora.
Não é justo a gente se esconder
Antes de bater o ponto e ir embora.

É preciso terminar a que se veio,
Seja obra grande ou reforminha,
E deixar um testemunho de permeio,
Se não da Índia, a carta do Caminha.

Como pode alguém passar em brancas nuvens
E sair batendo ou não aquela porta,
Qual se só tivesse vindo pela torta?

Sê bem vindo, mas dizendo a que tu vens,
Dê a senha e se junte à Confraria,
A escolha é vasta, e tem até Poesia...

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15/09/2016

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O mundo inteiro (de Alma Welt)

Interpretar em verso o mundo inteiro,
Eis meu escopo, imenso e ideal.
Projeto grandioso e verdadeiro,
Todo ele a partir do meu quintal.

"Não te enxergas", diz o Rodo, meu irmão,
Que é o único que pode rir de mim,
Pois conhece demais meu coração
E meu "blend" de narciso com jasmim. *

Com sonhos de grandeza de alexandres,
Nada mais pode deter-me, eu prometo,
Desveladora de enigmas noigandres. *

E eis-me já em meio da jornada,
Depois de cinco mil, mais um soneto,
"Mas pro céu eu vou, nem que a paulada"...*

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15/09/2016

Notas
*meu "blend" de narciso com jasmim.* - percebe-se que a Alma se refere ironicamente à mistura de sua própria vaidade, com seu perfume de mistério noturno, também verdadeiro...

* enigma noigandres - Alma se refere à palavra desconhecida, encontrada no final de um poema famoso do poeta provençal Arnaut Daniel: " y olor de noigandres", considerada um enigma pelo poeta ensaista Ezra Pound e pelos brasileiros irmãos Campos que chegaram a fundar uma revista de seu movimento concretista, de nome Noigandres. Entretanto, Alma Welt afirma ter descoberto o significado da palavra noigandres no contexto do erotismo implícito do poema de Daniel: noig andres em dialeto provençal quer dizer "semente de homem" (noig andros) portanto "sêmen" ("e cheiro de esperma" diz o verso) Me admira que os poetas citados, Pound e os Campos não tenham pensado nisso...

* "pro céu eu vou nem que a paulada" - alusão à frase do Augusto Matraga, no famoso conto "A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, em que Matraga, arrependido de seus crimes depois de uma surra de pau que quase o matou, reza cada vez mais exacerbado, disposto a conseguir sua redenção pela humildade conquistada nem que seja às custas de um auto-sacrifício violento...

A Salamanca do Jarau (de Alma Welt)

"Vê, a Terra se estende ante teus pés,
Toda ela te espera, pois nasceste.
E cabe a ti, não o comando das marés,
Mas o dos teus passos, pois cresceste,"

"Ao oeste, norte, sul, rosa dos ventos,
Até encontrares o vento cor de rosa
Prometido pelos deuses dos momentos,
Aos seus poetas do verso quase prosa..."

Assim me disse meu pai ante um umbu,
Como um druida com a barba branca
Num ritual de espantar a Salamanca,

Aquela do Jarau, chê, mito pampeiro,
Versão gaúcha de Tristão ou "l'amour fou",
Que haveria de tomar-me por inteiro...


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15/09/2016

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O espelho (de Alma Welt)

                               O Espelho - litografia de Guilherme de Faria, 48/60, 1984

O espelho (de Alma Welt)

Também tenho um fraco pelo espelho
Que de manhã é meu primeiro conselheiro
Mas de vã bajulação muito vezeiro,
A dizer que a mim mesma me assemelho...

Quem sou eu, como é a minha figura,
Se não posso confiar nesse senhor?
Dorme aprisionado em sua moldura
E certamente me deve ter rancor...

Sempre de fácil alcance à minha mão,
Lago lânguido e falso cristalino,
Outrora de Narciso a perdição...

E eu me pergunto por quê não o descarto
Se não posso confiar nem no destino,
E o inferno, de tais flores é tão farto...

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14/ 09/2016

No final (de Alma Welt)

                                       Imagem 35 - litografia de Bernardo Cid, 28/40, 1981
 
No final (de Alma Welt)

No final tudo não passa de esperneio:
Nos debatemos na vida contra a morte
Para manter a esperança em nosso seio
Muito embora conheçamos nossa sorte,

Sempre a mesma, um arremate conhecido,
Sem mudanças visíveis relevantes,
Nossos corpos como pão amanhecido
Logo rígidos e pálidos, destoantes,

Cercados de convivas tão falantes
E algumas ratazanas de velórios
Com tapinhas e consolos merencórios.

Mas só por quem nos amava sem reclamos,
Talvez seremos relembrados como antes,
Alguns que nem ao menos muito amamos...
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14/09/2016


Cine Paratodos (de Alma Welt)

Estar no mundo simplesmente desafia
Se pensarmos em mais implicações
Que o tedioso e protegido dia a dia
De que mais tarde tiraremos as lições.

Seria a vida uma saga para todos
Se a víssemos corrida ou condensada
Com os perigos e armadilhas de jornada
Das matinês do Cine Paratodos...

A memória-fantasia é como um quisto
E minha vida foi mais forte em ilusão,
Meu tesouro de condessa Monte Cristo

Ou qualquer daqueles livros de brochuras
Da Terramarear, amada coleção
Que, guria, eu colocava nas alturas...

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14/09/2016

terça-feira, 13 de setembro de 2016

No campo florido ( de Alma Welt)

                                Alma no campo florido - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

No campo florido ( de Alma Welt)

Era setembro, o campo era florido
Em mais uma gloriosa primavera
Eu andava com o passo comovido
Tal qual bela ninfa de outra era

Que reverenciasse cada flor
E mais que tudo, a árvore sagrada
Que não se erguia ali ao meu dispor,
Mas também para ser só adorada.

E voltei para casa, apaziguada...
Não precisava nunca mais temer
Ter sido do meu Éden exilada.

O Paraíso era aqui mesmo, eu sabia,
Deus estava só brincando de o esconder
Mas na nossa alma mesma, que o não via...

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13/09/2016

O Binômio de Newton (de Alma Welt)

A rigor, não tem nenhum sentido
A vida que vivemos dia a dia.
E podemos até passar batido
Se não apelarmos à Poesia...

Mas isso acho eu, que sou poeta,
Raça esquisita, de outra esfera.
A massa persegue uma outra meta
E o sonho não passa de quimera.

Pra quem tem que labutar, ganhar a vida
Os poetas são loucos varridos
Ou quando não crianças, pervertidos.

Já internaram alguns em manicômio
E alguns não tiveram outra saída
Senão acatar Newton e seu binômio...*

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12/09/2016

Nota
"* Senão acatar Newton e seu binômio - Alusão aos famoso poema de Álvaro de Campos ( Fernando Pessoa) :

O binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó...óóóóóó óó...óóóóóó óóóóóóóóó

(O vento lá fora)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A aldrava e a chave (de Alma Welt)

                                                                        Aldrava

A aldrava e a chave (de Alma Welt)

Quanto fui tola, na verdade, quando jovem,
E tão bela também, que desperdício!
Báh! Meu sonhos e anseios me comovem
Mas sonhar ainda é o meu ofício.

Escrever para ser lida por uns poucos,
Na esperança de romper a solidão
Que nos torna assim um tanto loucos,
Nossa humana e risível condição...

A certa altura comecei a perceber
Um vital novo espectro de amplitude
No mesmo mundo que pensava conhecer...

Me deste a chave e não só a aldrava,
Olhai, sobrevivi à juventude
E estou livre, Senhor, não esperava!

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11/09/2016

Cada um constrói... (de Alma Welt)

Cada um constrói seu mundo próprio,
E muitos o recriam em ódio e horror.
Só que esse não é o mundo sóbrio
Mas bebedeira seca e estupor.

Não precisamos nesse mundo acreditar;
Deixem os raivosos se morderem
No seu inferno e canil particular
Onde os vemos há séculos se perderem.

O quê nos importa esses coitados
Que escolheram viver na podridão
Como se em terrenos adubados?

Deixem-nos cobrirem-se do estrume
Do bezerro de ouro do Sião,
Que outra é nossa fé e nosso lume...

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11/09/2016

Missa aos Domingos (de Alma Welt)

Outrora no domingo eu ia à missa
Para olhar para o teto, deslumbrada.
Da missa mesmo eu via nada
Só o pas-de-deux tédio e linguiça.

Báh! Como era chato aquilo tudo!
A mesma cantilena do tal padre
Com uma vozinha fina de veludo
De dar engulhos até na Santa Madre.

Algum tempo depois li os Evangelhos
E então me comovi intensamente,
Aquele era um Jesus bem diferente...

Se soubessem contar sua aventura,
Garanto não atingia só os velhos
Mas todo entediado que procura...

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11/09/2016

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Sobre o Amor (de Alma Welt)

No fim de tudo sobra só o amor
Ou então soçobra e nada resta
Quando o amor foi fraco e indolor
Ou o ser amado pouco presta.

Para o amor grande há que doar-se,
Coisa mais difícil a cada dia
Pelo espúrio culto do auto amar-se
No doce inferno de nossa egolatria...

Mas como julgar o amor de outrem
Se não temos os parâmetros cabais
E também já perdemos esse trem?

Amor é sempre novo, não o sabemos.
Não há como consultá-lo em seus anais
Para saber se já não o perdemos...

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09/09/2016

À beleza deste mundo (de Alma Welt)



                    Crepúsculo rosado- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2014


À beleza deste mundo (de Alma Welt)

À beleza deste mundo, eu, pois, me rendo
E inverto o verso pra não rimar profundo;
Me levo aonde antes só fui lendo
E de mares e marés então me inundo;

Montanhas e platôs sobre planícies
E vales de verdura inconcebível;
Terrenos de acessos tão difíceis
E nuvens discutindo em alto nível

Depois logo desabando em chuva fina
Ou grossa encharcando as ervas secas
Para buscar a melhor cor da turmalina;

Desertos de areia cor de areia
A me levar com eles pr'outras Mecas
Onde meu coração lá se incendeia...

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09/09/2016

Parabellum (de Alma Welt)


Parabellum (de Alma Welt)

Custei a entender, levei um ano,
O mundo em que eu vivia e me cercava
Que parecia somente belo e plano
E dar a impressão que não acabava.

Tudo era muito harmônico e até belo
E não como os conflitos dos romances
Que eu escolhia e pegava nas estantes,
Até um dia encontrar o "parabelo"...

A pistola do meu pai, atrás de livros
O que me provocou um calafrio
E me jogou na vida, de repente,

E eu entendi de súbito e a frio
A lei que rege todos os seres vivos,
Sua ameaça e seu terror latente...

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09/09/2016

Rio Louco (de Alma Welt)

Nosso mundo é um perpétuo paradoxo:
O bem e o mal separados andam junto,
Enquanto pretensiosos ortodoxos
Acreditam distingui-los no conjunto.

Somente o nosso coração pode julgar,
E assim mesmo só se fora da paixão
Que nubla o pensamento, como o olhar
Que cria um virtuoso... de um vilão.

Terreno pantanoso onde vivemos
Como obscuras e toscas criaturas
Buscando as verdades nas alturas,

Fazendo leis como se antivenenos
Contra a nossa própria natureza,
Rio louco a inverter sua correnteza...

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9/09/2016

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Meus mortos (de Alma Welt)

                            Alma Welt na Colina dos Mortos -  óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2012

Meus mortos (de Alma Welt)

Meus mortos dormem todos na colina,
Ninguém quis virar pó solto no vento
Por preferirem a grama muito fina...
Ou as ervas, resistente monumento.

Uma lápide singela, só seus nomes
E as duas datas, uns algarismos, meros,
Mas que servem melhor que sobrenomes
Pra nos lembrar do quão somos efêmeros...

Vivos na lembrança, tavez de dois ou três:
Matilde a fiel, esta Alma aqui, Rodo, o cortez,
Ah! Lucia, minha irmã triste e amada...

Mas que melhor eternidade que um segundo
Gravado na memória liberada
De uma Alma apaixonada pelo mundo?

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6/09/2016

Sem teto (de Alma Welt)

Quando o céu está assim, de chumbo e baixo,
Uma tristeza também logo me domina
E não vejo o nicho em que me encaixo
Pra ser aquela que a si mesma se ilumina.

E como um mulambo esfarrapado
De minha própria alma, eu me arrasto
Por esse jardim triste ou esse pasto,
E só meu cão fiel segue ao meu lado...

Ah! por quê ser assim tão vulnerável
Às mudanças do tempo caprichosas
E ser à essa inconstância permeável?

E exausta de facetas vaporosas,
Queria minha alma mais estável
E não como essas nuvens dolorosas...

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06/09/2016

Mudar a vida (de Alma Welt)

Mudar a vida, recorrente fantasia
Que a muitos ocorre meio oculta;
Confesso que a mim desde guria,...
Criada em família muito culta.

Ninguém é satisfeito, ou muito poucos
E sonhamos voar pra outros pagos
Ou morar no hospício com os loucos
Desde que esses loucos sejam magos

E transformem a vida como um sonho
Onde possamos tudo, e até o amor,
Coisa que inutilmente mais disponho.

Mas não mudamos a sentença do Juízo,
Com o Anátema restou um estupor
E nada mais será o Paraíso...

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06/09/2016

Negociando com o Chefe (de Alma Welt)

Pouca coisa choca mais que a maldade,
Mas talvez o suicídio a supere,
A morte escolhida por vontade,...
O fato de que alguém se desespere.

A suprema revolta contra o fado
Que nem mesmo Lucifer escolheu
Tendo aceito o reino que lhe deu
Um chefe traído e abandonado.

Mas reinar num reino feio e triste
Não é consolo verdadeiro pra ninguém
E só pode ser do Chefe um chiste.

Deus, se não mais toleras tua guria,
Me atira neste meu jardim ou pouco além,
Que me erguerei gritando de alegria!...

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06/09/2016

Alma humilde (de Alma Welt)

Compartilhar o meu pequeno mundo
Foi meu propósito desde o início
Para torná-lo maior e mais fecundo...
E não de uma guria o estrupício.

Terei eu conseguido? Sou insistente
E contei quase tudo sem pudor
Embora, como outros, simplesmente
Um exercício desastrado só de amor.

Sabedoria? Ingênuos m'a imputam
Só por causa das riquíssimas palavras
Quer herdei e comigo mesmo lutam...

Que sei eu, uma guria pretensiosa,
Poetisa rural de pobres lavras,
Batatas a plantar em verso e prosa?

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06/09/2016

Meus mortos (de Alma Welt)

                            Alma Welt na Colina dos Mortos - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2012

Meus mortos (de Alma Welt)

Meus mortos dormem todos na colina,
Ninguém quis virar pó solto no vento
Por preferirem a grama muito fina...
Ou as ervas, resistente monumento.

Uma lápide singela, só seus nomes
E as duas datas, uns algarismos, meros,
Mas que servem melhor que sobrenomes
Pra nos lembrar do quão somos efêmeros...

Vivos na lembrança, tavez de dois ou três:
Matilde a fiel, esta Alma aqui, Rodo, o cortez,
Ah! Lucia, minha irmã triste e amada...

Mas que melhor eternidade que um segundo
Gravado na memória liberada
De uma Alma apaixonada pelo mundo?

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6/09/2016

Queria estar com eles (de Alma Welt)

Queria estar com eles, novamente,
Os mortos de minha vida e alma,
Que passaram por mim e minha mente...
Nem sempre de maneira doce e calma.

Foi-se um, bastante atormentado,
Outro com um olhar pra fora, digno
Não só por estar em mim pousado,
Meu pai por seu carinho fidedigno.

Avô Joachim, avó Frida; a Açoriana
Minha mãe, que eu não pude compreender
A ponto de esquecer seu nome Ana...

E nada anjo, minha pobre irmã Solange, *
Nosso embate que eu devia esquecer,
E ter contado a história me constrange... *

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06/09/2016

Nota
* A história do "embate" entre as duas irmãs, Alma e Solange, que se tornaram inimigas em função de uma intensa disputa pela herança do pai e dos avós, a estância pampiana, o casarão e o vinhedo, está contada no romance A Herança, de Alma Welt, primeiro volume da trilogia A Ara dos Pampas, que já pode ser lida em E.books da Kindle books, da Amazon. Trata-se de uma saga cheia de emoção, mistério e suspense terminando com um empolgante julgamento da própria Alma em tribunal de Juri, com um final surpreendente.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Mensagem aos pintores (de Alma Welt)

Nada é indissolúvel nesta vida
Somente o casamento com a Arte,
Uma vez que dela fazes parte
Ou esteja no teu sangue dissolvida.

Blasfemes à vontade se és artista,
Deus mesmo achará uma certa graça.
Mas se Arte não te paga, nela insista,
Se a renegas será tua desgraça.

Não cuspas no prato que devores
Mesmo se ele a ti venha vazio
Se acaso com pintura o decores...

Que queres? Se querias bom dinheiro
Era melhor sentar no meio-fio
Ou então seres um gordo salsicheiro...
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05/09/2016

Solidão (de Alma Welt)



Solidão (de Alma Welt)

A solidão, já muito a detratei,
Caso para mim de amor e ódio,
Mas viver sem ela é que não sei
Pois nasci apenas para o pódio.

Em coluna solitária de estilita
Minha alma se compraz em suas ideias
E do jardim interno em que habita
Tirando seu sustento das colmeias.

"Então és tu completa alienada?"
Diz a oposição que ainda não tenho,
Mas que não me importaria nada nada...

Vê, nisso consiste a ambiguidade
Do meu rosto que sorri e franze o cenho
Numa máscara de horror e de saudade...

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05/09/2016

A viajante (de Alma Welt)

Em poesia percorri os universos,
(não ao imaginário me refiro)
Mas sim ao sabor dos próprios versos
Porque eles acertam o que nem miro.

Os países viajei sem passaporte,
Perambulei nas velhas capitais
Com os seus escritores geniais,
Também com os reis e sua corte...

Não me venham falar de aeroportos
Com balcões, revistas e terrores,
Nem desse turismo de olhos mortos

Tenho horror desses tours de hoje em dia,
Sua mercenária fonte dos amores,
Sem verdade, sem grandeza, sem poesia...

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05/09/2016

Balanço da história (de Alma Welt)

Vivemos num mundo conturbado
Mas isso, lembremos, não é de agora.
Já era assim num remoto passado
Quando viemos de longe e lá de fora. *

Não houve na História um só momento
Que não fosse de caos e iniquidade.
Viver no mundo é aceitar viver no vento
De dolorosa e vã mobilidade.

Deitados nus na areia à beira-mar
Para nós não há descanso nesta vida,
Conquanto aproveitemos um verão

A alma quer cobrar antiga dívida
De Deus ao cruelmente nos largar
No olho de um perpétuo furacão...

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05/09/2016

Nota
*Quando viemos de longe e lá de fora - Com este verso Alma parece compartilhar da teoria dos "deuses astronautas", ou de que a nossa raça humana tem origem alienígena. Viemos de um outro planeta, e isso explicaria muita coisa...

domingo, 4 de setembro de 2016

O sentido da vida (de Alma Welt)

                                                      Adão e Eva - de Henry Fuselli

O sentido da vida (de Alma Welt)

Questionar um sentido para a vida,
Minha primeira façanha de guria,
Minha mãe tratou como atrevida,
Mas o riso de meu pai me absolvia.

Então disse: "Filha, esse sentido
É o que a humanidade perguntou
Desde que um homem ressentido
Com sua companheira se juntou"

"Para então enfrentarem o exílio
Que lhes coube depois de um malfeito
Que resultou no seu primeiro filho."

-Despejar da casa um bom casal,
Paizinho?!"- eu disse - Não tem jeito
De eu acreditar que Deus é mau!..."

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04/09/2016

A Pinguela ( de Alma Welt)

                                  A pinguela da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

A Pinguela ( de Alma Welt)

Temos que cumprir nosso destino
Embora seja uma missão às cegas,
E não termos de um cão o faro fino
Nem os endereços das entregas.

Nada, só caímos na esparrela,
Jogo infantil de esconde-esconde
Ou só de atravessar um pinguela
Sem saber a que vem e para onde.

Mas o homem nasce aventureiro,
A compensação é essa então, divina,
De inventar seu próprio paradeiro.

E poder contar proezas pr'uma tia
Sem que ela entenda patavina,
Voltando ao nosso lar, acaso, um dia...

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04/09/2016

O Presente (de Alma Welt)

Passei a vida a repassar memórias
Querendo tudo comigo levar junto:
Os dias passados, suas glórias,
Formando com os fracassos um conjunto.

Mas o presente mesmo nunca vi,
Olhei e estava longe, com o vento,
E há quem diga que por isso não vivi
E talvez deva comprar um cata-vento.

Não, caros amigos, a memória
É o nosso bem maior da humanidade
Sem ela não há vida nem História.

E se me perguntares do Presente:
Báh! sim, foi dar um pulo na cidade
E quando diz que volta, ele não mente...

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04/09/2016

Sem injustiça (de Alma Welt)

"Na vida a gente tem o que merece,
Não te iludas, é rara a injustiça.
Achas que Deus alguma coisa esquece?
Ele amarra cachorro com linguiça?"

Assim dizia sempre minha avó Frida
E eu achava uma graça imensa
Porquanto ela não era muito lida,
Sem biblioteca e só a despensa.

Demorei para curvar-me à sapiência
Popular, que minha avó encarnava,
Embora inimiga da Ciência.

E afinal, quando a vida me tirou
Tanta coisa e gente que eu amava
Só o "cachorro com linguiça" me voltou...

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04/09/2016

Percalços da guria (de Alma Welt)

Se via gente, quando eu era bem guria,
Eu depressa acreditava na pessoa:
Mas andando sem saber por onde ia
Me vi perdida na planura, assim, à toa.

Então achegou-se um peão montado
E disse: "Ó prenda, parece estar perdida
Com perdão, vou ali pra aquele lado
E posso "le" levar a uma guarida."

"Hay por aqui uma viúva mui solita
Que le fará um forte chimarrão
E le porá a dormir numa camita."

Nesse instante chegou o meu Galdério
E com a garrucha armada em sua mão
Gritou: "Passa, cão, ou vais pro cemitério!"

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03/09/2016

O Riso (de Alma Welt)

Sem só sermos seres sérios e serenos,
Mas cínicos às vezes, debochados,
Nos tornamos mais humanos, não pequenos,
Pois só ri quem olha sempre pros dois lados.

Compartilhamos o riso com as hienas,
E silencioso, também com os jacarés,
Portanto não é coisa humana apenas
Mas encontrada beira rio e igarapés.

Mas rir rolando, gargalhar e engrolar
Para em ruínas derrotar as derrocadas
É o único que cura a dor de amar

Pois só com o riso roto sem rancor
Podemos conquistar novas amadas,
Que ninguém quer saber de mau humor...

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03/09/2016

O estudante de Livramento (de Alma Welt)

                                          La Maison du Pendu - de Paul Cézanne

O estudante de Livramento (de Alma Welt)

Havia aqui na estância um agregado
De meu pai, que o criou desde guri
E que também cresceu tendo estudado
E estava sempre a me olhar, eu percebi.

Pobre rapaz, ele me amava em silêncio
Mas não ousava expressar o seu amor
Senão por um olhar cheio de dor
De um crescente sofrimento já imenso.

Eu não podia retribuir tal sentimento
E pedi ao meu pai que o salvasse
Enviando-o pra estudar em Livramento.

Então veio a notícia que eu temia,
Enforcou-se de noite em sua classe,
E a giz na lousa: "A todos um bom dia!"

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03/09/2016

Fogo Fátuo (de Alma Welt)

                                               Cena do filme de animação "Valente"

Fogo Fátuo (de Alma Welt)

Na madrugada acordei, fui caminhar
E vi os fogos fátuos na coxilha,
Que o povo diz que são almas a penar
Mas eu achava uma simples maravilha.

Outros dizem: brincadeiras de demônios!
E quase não os posso descartar
Pois o mistério domina este lugar
Repleto de invisíveis feromônios.

Mas me conduziram ao cemitério
Onde estão minha mãe e meus avós
A dormir um sono muito sério...

Então vi que são as almas que nos chamam
Saudosas esperando só por nós,
E seus ardentes corações ainda inflamam...

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03/09/2016

O Cavaleiro Monge (de Alma Welt)

"Só precisamos de coragem pra viver",
Dizia o meu pai entusiasmado
Porque ele a tinha de sobra, pra valer
E queria me passar esse legado...

Por isso ele deixava que eu saísse
A andar bela e sozinha na coxilha
Como se não fosse eu a sua filha
E uma frágil guria ele não visse.

Mas ao meu primeiro apuro ou percalço
Percebi que ele mandava um seu peão
Para me acompanhar meio de longe

E nunca parecia em meu encalço
Mas um tal montado e estranho monge
Que à distância abençoava-me com a mão...

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03/09/2016

Sobre a solidão (de Alma Welt)

A solidão é o que nos apavora,
Por ser a própria face da verdade.
A vida é um pleno aqui agora
Mas estar sozinho é só a metade...

Como é triste não poder compartilhar
O bem, o nada bom, e mesmo a solidão
Para que fique mais leve o caminhar
Na selva escura que é nossa condição...

Dizemos que em verdade é bem melhor
Estar sozinho que mal acompanhado
Já que o Inferno pode estar ali ao lado,

Mas com a fala que sabemos já de cor,
Um rosto amigo e compassivo para olhar
É todo o bem que daqui vamos levar...

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03/09/2016

É bom crer (de Alma Wel

É bom crer, acreditar, ter muita fé
Pois parece aliviar o nosso medo,
E enquanto a água não toca o nosso pé.
Podemos conservar o engano ledo.

Mas quando chega a hora do acerto
Ou simplesmente de largar e ir embora
Para aquela região que se ignora
Ou da cova somente aquele aperto,

Então é choro, queixas e lamúria,
Uma imenso desconsolo e até revolta
Que ecoam daqui até a Manchúria

Como é penoso ser simples mortal,
Numa saga de Odisseu em sua volta
Mas sem aquela astúcia sem igual...

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02/09/2016

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Vida de Sapo (de Alma Welt)


Vida de Sapo (de Alma Welt)

A maioria está aqui pra engolir sapos,
Algumas moças chegam a beijá-los;
Alguns ficam de fora, a bater papos;
Escorpiões, não ousamos carregá-los... *

Os políticos nos põem a competir.
Como rãs em Calaveras, o condado, *
Engolimos o chumbo que há de vir
Após o sapo do vizinho ter saltado.

Esta é a vida, amigo, paciência.
Precisamos estudar muito e a fundo
Para sobre os sapos ter ciência...

Viveremos sapeando a vida alheia,
Como se isso fosse a lei do mundo
Ou cantando na lagoa à lua cheia?

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01/08/2016


Notas
*Escorpiões, não ousamos carregá-los - alusão à famosa fábula do Sapo e o Escorpião.

*Como rãs em Calaveras, o condado - alusão ao famoso e hilariante conto de Mark Twain, "A Célebre Rã Saltadora do Condado de Calaveras", em que numa pequena aldeia do Sul dos Estados Unidos, no século XIX, numa competição de rãs saltadoras um caipira sabota a rã de seu competidor fazendo-a engolir chumbinhos.

A Espera (de Alma Welt)

                                                Pintura de Salvador Dalí

A Espera (de Alma Welt)

Quase tudo o que queremos é agora
E todavia temos sempre que esperar...
É preciso paciência, minha senhora,
O velho Tempo aprecia torturar.

Vão se os dias, as semanas e os meses,
Os invernos a nevar nossos cabelos;
As manadas vão parindo novas reses,
O Desejo vai gerando outros apelos.

Mas permanecemos esperando...
Nada vem num passe ou sortilégio
E vivemos não o hoje mas o "quando".
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E quando finalmente as coisas são,
Agora já não mais um prêmio régio,
Mas migalhas do nosso duro pão...

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31/08/2016

O reflexo do herói (de Alma Welt)

Quase tudo é fútil e vão na nossa vida,
Pelo menos nas nossas mais humildes
Excetuada uma ou outra em fortes lides
Que por certo merecem nossa dívida.

Entretanto, é bom que assim seja
Pois esquecer de nós então podemos,
À deriva, levantando nossos remos
Pra deslizar como o coração deseja.

No entanto vivemos um dilema
E deixamos de lado nosso esquema
Quando o coração batendo dói

Pelo perdido sonho na distância
Do nosso próprio reflexo do herói
Que deixamos lá atrás na nossa infância...

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01/09/2016

No deserto das horas (de Alma Welt)

Não sabemos o dia de amanhã,
Na verdade não sabemos o de hoje.
O minuto seguinte, a hora vã,
Que como a brisa louca já nos foge...

Vivemos imersos no segredo
De nossas vidas insondáveis
Passadas em regime de degredo
Mesmo nas horas mais amáveis.

Sei que há quem não queira isso dizer:
Expulsos de nossa bela infância
Só podemos calar e envelhecer

Ou encontrar novo tempo de alegrias,
No oásis miragem da Esperança,
No deserto das horas e dos dias...

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31/08/2016

Os homens e os deuses (de Alma Welt)

                                   Ulisses e o canto das sereias, xilogravura de Axel Leskochek

Os homens e os deuses (de Alma Welt)

Aos deuses não importa os sofrimentos
Dos homens e mulheres nesta vida.
Estamos ao sabor dos oito ventos,
Nosso destino é coisa resolvida.

Como brincam os deuses, e celebram
Com o nosso sangue em suas taças
Que em seguida, esvaziadas quebram
Entre risos, pilhérias e pirraças!...

Cabe ao homem honrar os seus sentidos
Para não se atirar pela amurada
Sem encher de cera os seus ouvidos

Ó Morte, viver como se não existisses,
Como se sofrer não fosse nada
Como o bravo ou só astuto Ulisses...

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30/08/2016