terça-feira, 30 de outubro de 2012

Minha vida virtual (de Alma Welt)




                                                          René Magritte - Le Château des Pyrénées 1959

Minha vida virtual (de Alma Welt)

O soneto desde sempre me acompanha
E não poderia mais viver sem isso,
Pois resume minha sede e minha sanha
De versejar, meu supremo compromisso.

Se deixo de escrever um dia só
Esse dia foi perdido ou dispersado
Qual se ao vento apenas fosse pó,
Como na balada gringa foi cantado. *

Sei que vivo uma vida virtual,
Dupla projeção no plano astral,
Paralela à tal vida verdadeira...

Mas eu sinto que crio um edifício
E viver fora dele é que é difícil,
Todo um rico castelo na poeira...

_____________________________

Nota
*Como na balada gringa foi cantado - Alma se refere à belíssima canção americana "Dust in the Wind" (poeira no vento) da banda Kansas, sucesso dos anos 80, e interpretada até hoje por diversas bandas. No Brasil há uma bela interpretação da Paula Fernandes (cantada em inglês mesmo).
 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ode à Alegria (de Alma Welt)



Primeira página da Ode à Alegria da Nona Sinfonia de Beethoven
 
Ode à Alegria (de Alma Welt)

Nada podemos, seres, contra a Morte.
Então tudo será fútil, ou brincadeira,
Entre as duas datas só um recorte
Se não for essa certeza da poeira


Mas se fazemos oferendas temerosas,
Com a Arte erguemos logo a testa
Com nosso descarado orgulho e rosas,
De um jeito ou de outro sempre em festa.

Então juntos cantemos uma ode
Antes que baixemos para o Hades
Que é tudo o que nossa alma pode...

E pois num coro de imensa rebeldia
Ousemos conclamar nossos confrades
À triunfal celebração da Alegria!

domingo, 28 de outubro de 2012

Testamento (de Alma Welt)

 
A levitação de Alma Welt- de Guilherme de Faria



Testamento (de Alma Welt) 

Tudo entreguei de mim ao mundo
Através dos versos que sangrei
Mas se nem sempre assim me dei
O resultado do conjunto foi fecundo.

Compuseram canções com os meus versos
Que ao ouvi-las, tão belas, mais chorei
Pois poemas até então dispersos
Formavam uma corte ou uma grei

De sons que completam a palavra
E dizem o que talvez mesmo não pude
Como se já não fossem minha lavra

Mas do nume que de mim se evola
E se vai com minha alma que decola,
Grato gênio da perdida juventude...

Fim de Ano (de Alma Welt)



                               Detalhe do Portrait de Alma Welt -  de Guilherme de Faria

Fim de Ano (de Alma Welt)

Meu orgulho, minha dor, e mais um pouco
É estar ainda aqui me construindo
Como quem impõe um sonho louco
Ao mundo a quem pareço estar sorrindo

Mas cujo tom patético inerente
À medida que caminho para o fim
Vai ficando cada vez mais evidente
E é a marca do Poeta que há em mim

E creio que há em todo ser humano
Quando cônscio de trazer o seu final,
Que sempre há de ser no fim do ano,

Pois se me vês chorar quando isto abordo
Imagina estes meus olhos no Natal
Quando mais de mim mesma me recordo...

sábado, 27 de outubro de 2012

Partituras (de Alma Welt)



 
Partituras (de Alma Welt)
 
Quê importam nossas dúvidas e medos,
Se a vida nos foi dada por igual
Entre os mais argutos e os ledos,
E a todos se furtando no final? 

E se os tormentos, dores e adeuses
Não ocorrem somente com os eleitos
Como outrora se dizia sobre os deuses
Na relação com heróis de grandes feitos?

Pois cada partitura é caprichosa.
Em momentos, calmaria e melopéia,
Em outros, sinfonia poderosa...

Somos todos um tanto aventureiros
E o percurso nosso, uma odisséia,
À espera e a varrer nossos terreiros...

Le Cauchemar (de Alma Welt)




                                             Le Cauchemar - Eugène Thivier 1845 - 1920

Le Cauchemar (de Alma Welt)

Há o Porteiro? Serei bem recebida?
A pergunta parece uma besteira,
Dirigida a mim mesma e descabida
Para quem foi rebelde a vida inteira...

A idéia de levar um novo pito
Como aquele com meu mano no pomar,
Me toma quase às raias do meu grito
No meio de um terrível “cauchemar”.

Sobre mim e minha vida insubmissa
Suspeito que me importa o tal Juízo,
A mim, que nunca fui a uma missa...

E abaixo a cabeça sob a lua
E o sol, que já viram o meu riso,
Pois percebo, agora, que estou nua...
 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Manhãs dos meus dezoito (de Alma Welt)





                                                          Adão e Eva - de Albrecht Dürer

Manhãs dos meus dezoito (de Alma Welt)

Doces manhãs dos meus dezoito,
Quando já adquirira segurança
E já não era um simples ser afoito,
Como dizia a Mutti, "na lambança",

Mas somente com quem de minha escolha,
Pois essa era a minha liberdade
Embora já topasse com a maldade
No entorno, que jamais é uma bolha.

Sim, do Éden expulsaram irmão e irmã,
Para longe da ardente macieira
E temos que plantar ou ir à feira.

Mas o momento auge, o da maçã,
Permanece em dor a vida inteira
Ou faz da nossa vida uma manhã...



 

Succès d’escandale (de Alma Welt)


                                       Manhã de Setembro- Paul Émile Chabas (1869–1937)

Succès d’escandale (de Alma Welt)

Cavalgar por aí nua na coxilha
É o prazer maior que tenho tido
Desde que adotada como filha
Desta terra de pudor reconhecido.

O Pampa acolheu meus anos oito,
Eu que vinha de um velho burgo novo
Não conhecia coito, e só biscoito,
Mais a carga romântica de um povo.

Então só me restava ser poeta
Como sempre acontece a quem amar
Sem ter sela e cabresto como meta...

E onde pura inocência nada vale
Tive o primeiro "succsès d’escandale"
Sob a antiga macieira do pomar...
 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Sibila (de Alma Welt)




                               A Sibila Líbica - Afresco de Michelangelo no teto da Capela Sistina

A Sibila (de Alma Welt)

As manhãs mal me devolvem ao real
Resgatada dos sonhos de outros mundos,
Que não dos medos o frio manancial,
A fonte de onde os meus são oriundos,

Mas de onde vaga meu espírito ao acaso
Galgando a estratosfera já sem ar
Ou então os altos montes Cáucaso
Onde todas as perguntas vão parar...

Pois quanto eu vou aí pelos espaços,
A partir do balançar em minha varanda
Ou do meu jardim em lentos passos!

E sempre de mim mesma uma sibila
Quando então meu coração desanda
Contando os versos sílaba por sílaba...
 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nem rouxinóis nem cotovias (de Alma Welt)




Nem rouxinóis nem cotovias (de Alma Welt)

Confesso minha pena de morrer
Assim como de perder meus sonhos;
Considero-me insuspeita pra sofrer
Pois meus versos não primam por bisonhos.

Mas há manhãs que acordo com meus gritos
De fazer esvoaçar as cotovias
E rouxinóis, se os houvesse, não mosquitos
E tão pouco motivo pra poesias...

E mordo até sangrar os cotovelos
Quando olho no espelho minhas olheiras
Que refletem meu penar de pesadelos...

Mas teimo em escrever contra a maré
Mesmo que então saia estas besteiras
Das quais eu me envergonho, e rio até...
 

O Coringa (de Alma Welt)


 
O Coringa (de Alma Welt) 

Quê charada imensa é a vida!
Desafio alguém a desvendá-la
A partir da História conhecida
Ou da decifração de uma mandala.


A cartas do Tarô mais nos confundem
Como enforcado pendurado pelos pés;
As melhores ciganas nos iludem
E os filósofos viraram canapés,

Nos servimos deles em torradas
Em meio aos risos falsos dos saraus
Antes do churrasco e das saladas.

Mas de buscar sentido desistimos
Como se fora um mero dois de paus
O coringa que tiramos e nem rimos...

A pergunta (de Alma Welt)


                                  A porta do Inferno- de Auguste Rodin

A pergunta (de Alma Welt)

Quero abordar tudo nos meus versos,
Tudo que interesse nesta vida,
Conquanto alguns temas controversos
Talvez me façam perder a acolhida.

Pois se a face trágica ainda choca
Metade da platéia calorosa
Que costuma ver filme com pipoca
Sobre a nossa vida cor-de-rosa,

A vertente erótica nem se fala,
Mal defendida por uma frágil chave
Como uma pergunta que não cala:

“Queres realmente aqui entrar?”
Está na tabuleta de uma trave
De um portão de que se pode não voltar...
 

O saltimbanco (de Alma Welt)



 
O saltimbanco (de Alma Welt) 

Seremos todos felizes no final,
Nem que seja no último momento,
No alívio derradeiro e fatal
Daquele suspiro longo e lento...


Queremos crer nisso, na verdade,
Pois a vida recupera seu sentido
E passa a existir a eqüidade
E o nexo de novo garantido...

Mas se por desgraça a fé nos falta
Na lógica de tudo o que existe,
Como um saltimbanco amor nos salta

E explode nos ares de repente
Como a terna gargalhada por um chiste,
E a infância se refaz dentro da gente...

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Encontro com o Tempo (de Alma Welt)



 
Encontro com o Tempo (de Alma Welt)

Na coxilha com o Tempo me encontrei,
Muito velho a andar com firme passo
E com tanto domínio de sua lei
Que não me atrevi a dar-lhe o braço.

A barba branca até o tornozelo
Lhe dava um tal aspecto bizarro
(mas não de sujeira ou desmazelo,
que nessa bizarria não me amarro)...

Mas, confesso, um tanto temerosa
Saudei o velho andarilho com respeito
Sem saber se o fiz em verso ou prosa.

“Tão gulosa tua quota devoraste”-
Disse o velho com o dedo no meu peito-
“Que a ti mesma para trás deixaste...”

sábado, 20 de outubro de 2012

O Relógio Secreto (de Alma Welt)


O Relógio Secreto (de Alma Welt) 

Sopram os ventos do destino sobre mim,
E eu os temo, não fechei as minhas contas,
Que não estou preparada para o fim,
Ainda preferia andar às tontas

Como fazia na minha juventude
Tão ávida de amores e prazeres,
Que os tive de sobejo enquanto pude
E agora só os tenho se me leres...

Mas deixai-me, ó ventos, por aqui,
Não só espectro a estalar escadas
Mas no jardim e no pomar onde cresci

A contar as doze sílabas nos dedos
Como agora as conto em badaladas
No relógio secreto dos meus medos
...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Tristes Cantigas (de Alma Welt)







                                                          Foto de Alla Alborova

Tristes Cantigas (de Alma Welt) 

Tristes cantigas eu canto pra mim mesma

O que me faz chorar e adormecer
Quando já preenchi toda uma resma
Com a minha imensa pena de morrer

E deixar este universo tão amado
Que eu mesma construí com meus poemas
Como um cenário ideal por mim armado
Em que fui eu o pretexto dos meus temas..

Tanta autonomia, eu sei, não dura.
Ninguém pode viver de seus delírios
Por mais que sejam fruto de candura.

Mas sinto que haverei de ser chorada
Toda cercada de rosas e de círios
Por esta branca nudez desamparada...

Terras do Porfim (de Alma Welt)

 
 
 
Terras do Porfim (de Alma Welt) 

As noites são longas nesta estância
Pois aqui as memórias são imensas
Entrando no jardim pleno da Infância
E chegando à Fonte das Carências.


Me leva, insônia, às terras do Porfim
Para além das franjas destes prados
Às vidas do poeta que há em mim,
Sete vidas, como um gato, sete fados...

Já conheço todas elas e as narrei
Em contos, novelas e poemas
Mas os seus sete sentidos ocultei

E sei que me tomam já por louca:
Escrevo torto com plumas de emas
E acho a eternidade meio pouca
...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Soneto da Morte Anunciada (de Alma Welt)

Foto de Jaroslaw Datta
 
 
Soneto da Morte Anunciada (de Alma Welt)
 
Quanto mais viva me sinto na poesia
Menos vida tenho fora dela

Mas não me vejo a contemplar o dia
Como tímida guria na janela.

A vida é meu poema e estou nele
Como o duplo de mim em outro plano
Mesmo que assim minha sina sele
E talvez mesmo nem passe deste ano...

Pois já sou uma morte anunciada,
Que não diria um arremate inglório
Já que a Moira visitou-me na calada

E em Visão revelou-me o meu fim
E a trágica nudez do meu velório
Inusitado e tão digno de mim...


_______________________________

Eis o soneto "Visão" a que a Alma se refere no último
terceto do soneto acima e que descreve o seu inusitado velório nu:

Visão (de Alma Welt)

Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!

Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.

Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:

Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...

03/01/2007

Nota
Dezessete dias depois deste soneto a Alma morreria, no dia 20 de Janeiro de 2007. O seu último soneto , datado de 19/03/2007, portanto na véspera de sua morte, é o famoso "A Carruagem", que o meu amigo João Roquer musicou lindamente e que constará do CD que estamos gravando...


Vejam ainda ete soneto em que a alma se refere ao seu velório nu, que ela anteviu:

Desabafo (de Alma Welt)

Eu queria não gostar tanto da vida
Pra não sofrer o fardo de morrer
E dar vexame na hora da partida
Coisa que já nem posso esconder,

Pois vivo assombrada por sinais,
Sobretudo antevisões do meu velório
Inusitadamente nu, branca e em paz
Entre as peonas e seu pranto simplório.

Tenho mesmo imensa pena de deixar
Este pampa amado e o casarão
Com tantas lembranças pra levar...

E confesso que queria a eternidade
Nem que fosse como espectro chorão
Vagando para sempre minha saudade...
 
 

domingo, 14 de outubro de 2012

Canções da Lua de Alma Welt

Guilherme de Faria e João Roquer no Estúdio Jaburu de durante as gravações das Canções da Lua de Alma Welt

 Para ouvir três das músicas do CD (letras  de Alma Welt/ duas músicas de Guilherme de Faria e uma de João Roquer):


http://br.myspace.com/my/songs

Penélope ainda (de Alma Welt)





                                         Penélope- Litografia de Guilherme de Faria

Penélope ainda (de Alma Welt) 

Esperar por alguém fazendo planos
Quando afinal nenhum de nós venceu,
Não há mais Tróia, gregos nem troianos
E Ninguém é também nosso Odisseu...

Tecer os dias aguardando na varanda
Aquele amado que foi e não voltou,
Quando por aqui tudo desanda
E o vinho nos tonéis avinagrou...

Pois nós mesmos doravante destecemos
Nossos dias, planos, sonhos, tudo,
Para sentir que ao menos não sofremos

E entramos numa espécie de apatia
Co’aquele falso canto afinal mudo
E o barco a se arrastar na calmaria..

sábado, 13 de outubro de 2012

A Chave (II) (de Alma Welt)



 
A Chave (II) (de Alma Welt)

Descobrir uma chave pra viver
É tarefa que ocupa a melhor mente
Pois não adianta apenas aprender
Aquilo que aceita toda a gente.

É preciso encontrar aquelas sendas
Que levam a bem mais altos patamares
Do pensar e viver como nas lendas
Daqueles que corriam os sete mares...

“És só criança”- me direis- “Que pueril!”
“A última a acreditar em mitos...
Acaso sonhas que navegas num barril?”

Não tonel, casca de noz é a nossa nave
Em meio a um universo de conflitos.
Eis, não a resposta, mas a chave...
 

Velhos serões (de Alma Welt)


 
Velhos serões (de Alma Welt)

Se não passei a minha vida na janela
Foi só pra não encardir os cotovelos
Como alertava a minha tia Adela,
Que vivia a enrolar fúteis novelos...

No entanto cadeirei a de balanço
Na minha velha varanda dos poentes
Que de outros ocasos tem um ranço
Pois minha avó aqui perdeu os dentes

Tricotando a balançar os seus serões
Enquanto eu enrodilhada a seus pés
Ouvia arcaicas picardias de barões

Que lembro, ela narrando casquinava
Quando ocorria um pícaro revés,
Sobre o qual, inocente, eu meditava...
 

A prenda rubia (de Alma Welt)

                              O rosto de Alma Welt- detalhe da tela Alma Welt e Jonas no ateliê, de Guilherme de Faria 

 
A prenda rubia (de Alma Welt)

Quase nada me faltou pra pertencer

E ser completa nestes campos de coxilha
Onde os gáltchos põem água pra ferver
E derramam sobre o amargo que fervilha

E montados continuam pelos longes
Com seus ponchos sob frio de granizo
Como se ainda fossem ledos monges
Que cavalgam além do Dia do Juízo

No fim do fim do mundo infinito
Onde corre o gelado Minuano
Que há quem ainda pense ser um mito

Como esta “prenda rubia”, que sou eu,
Com forte teor luso açoriano
E poeta porque o Pampa me acolheu...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Pentimento (de Alma Welt)

 


                                                    "Pentimento"- de Nicolas Uribe

Pentimento (de Alma Welt)
 
Procurem-me aqui neste casarão
Quando tudo estiver quieto finalmente
E o vinhedo, o jardim, até o porão
For aberto, afinal, pra toda a gente.

E verão este meu quarto singelo
Com a escrivaninha dos poemas
E as cadernetas já no prelo
Abandonados o tinteiro e as penas...

E na varanda a cadeira de balanço
Onde eu restava a mirar longe
Os poentes do sol ficando manso...

E como eu, sentirão pena danada
Que do Artista o "pentimento" esponje
Nossa vida tão apenas esboçada...
 

Meus dias (de Alma Welt)



        

 Meus dias (de Alma Welt)

Os meus dias foram belos, não me queixo,
Aqui neste jardim em pleno pampa
Que pra mim é a erva, o ar o céu e o seixo
E de Pandora o vento sem a tampa

Que é o Minuano que nos coube,
A nós gáltchos, repartidos bem e mal
No começo do mundo, como eu soube
Ainda bem guria em meu quintal...

E os entes que povoam estes campos,
O pomar, o casarão e meu jardim
Salpicado pela luz dos pirilampos,

São meus amigos, e alguns até meus guias
Nas sendas que percorro dentro em mim
Para achar-me, a meta dos meus dias...

Anti-definição (de Alma Welt)


 
 EX LIBRIS ALMA WELT
 
Anti-definição (de Alma Welt)

O poema é um filho que acalma
Vindo pra salvar o casamento
Do poeta com sua própria alma,
E não um impulso de momento.

Pois a Poesia é anterior ao verso
E dele prescinde, na verdade.
Embora isto seja controverso
Há quem considere obviedade...

Traída a intimidade do seu ser,
Ao contrário dos maridos da cidade,
O poeta é o primeiro a saber...

Então, o que é, pois, a Poesia,
Já que pra uns é o culto da saudade
E pra outros só a contramão da via?
 
 
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

De não ouvir estrelas (Alma Welt)




 
De não ouvir estrelas (Alma Welt)

De manhã nascem os mais belos poemas,
Talvez só porque a vida se renove
E de tarde amadurece a duras penas
E à noitinha, é tristeza até as nove.

Mas à noite, profunda, dos amantes,
Tudo é sonho ou delírio, desvario,
E as estrelas, amigas inconstantes
São as conselheiras do desvio...

Não as ouçam, sob pena de loucura
Pois se esmeram em dar dúbios conselhos
Àquele duo que só amor procura.

Foi assim que os amantes de Verona
Tentaram o mergulho nos espelhos
De onde só a Morte vem à tona...
  

Anti-sereias (de Alma Welt)



Anti-sereias (de Alma Welt) 

Como é bela a vida, todos sabem,
Mesmo aqueles de vã filosofia,
Mas que na boa métrica não cabem
Ou aqueles cuja rima se atrofia,

Niilistas de plantão e contumazes
Negativos racionais empedernidos
Que dos velhos sofismas são capazes
Pra nos encher de dúvida os ouvidos

Pois seu zumbido é grato às orelhas
Mas somente como canto anti-sereias,
Que também requer cera de abelhas

E remar fazendo ouvidos moucos
Às palavras de negação tão cheias
A propor que os poetas estão loucos...

Os Retornos (IV) (de Alma Welt)



                                           Summer Fantasy - George Bellows 1882 - 1925

Os Retornos (IV) (de Alma Welt)

Ergamos nossos olhos para os longes,
Um poente vale mais que mil palavras,
Já o sabiam, não profetas, mas os monges,
Bem mais sábios e sem visões macabras.

Os serenos, os mansos e os humildes
Que ficam no jardim a regar flores
Ou a cuidar com Terezas e Matildes
Que da cozinha se elevem bons odores.

E destilem extratos e licores,
Bálsamos também, que tantos pedem,
Pra que a Vida se lembre dos amores

E num mundo triste e conturbado,
Os pequenos passos rumo ao Éden
Chamem mais humanidade pr’esse lado...
 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Tesouro (de Alma Welt)




Foto: a famosa Arca da Alma, fotografada por Lucia Welt quando foi descoberta no sótão do casarão da estância Sta Gertudes, da família Welt...


O Tesouro (de Alma Welt) 


Procurei-me dia e noite todo dia
Durante a vida inteira, é o que fiz.
E é verdade que o foi pela poesia
Não de vôo condoreiro nem perdiz

Como essas de vôo baixo e curto
Sujeito a tiros ou ao puro latido...
Mas perene pelo menos e não surto,
Eu, que tanta persistência tenho tido,

Pois agora a bagagem é já tamanha
Que não pode passar despercebida
Já que é grande a arca, não tacanha.

E diverte-me a idéia de um tesouro
Que eu possa ter deixado nesta vida
Pois uma alma em verso é puro ouro...

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Capitã Afunda (de Alma Welt)



Naufrágio ao luar, de Caspar David Friedrich

A Capitã Afunda (de Alma Welt)

Tenho a tentação de entregar-me
À melancolia, essa invencível
Que ora me assedia, milenar,
Com o fito de tornar-me mais sensível.

A quem quero enganar? Estou perdida.
Algo se me quebrou no coração
E falta-me aquele élan de vida
Que era a minha mágica e condão...

E este casarão vê arrastar-me
Pelas jornadas nostálgicas e frias
Que os anos trataram de deixar-me.

E agora sou uma triste capitã
Que afunda com a nave de poesias
Nesta louca travessia agora vã...
 

Balanço de Naufrágio (de Alma Welt)


 
Balanço de Naufrágio (de Alma Welt)

Não tenho mais a desculpa da saudade
E esta tristeza já me denuncia.
Fracassei em quase tudo, na verdade,
E o que restou é só Poesia...

Poesia a encher arcas e estantes
Como um tesouro naufragado
Ou como o segredo dos amantes
Que no fundo o sonham revelado...

Poesia que é o fica para trás
Quando nada mais pode dar certo
E o nosso desajuste é contumaz,

E sonha com bilhete, corda e banco
Ao descer da cama, mal desperto,
Antes do coração pegar no tranco...
 

domingo, 7 de outubro de 2012

Nocaute (de Alma Welt)


                                        A Stag at Sharkey’s, 1917 -  litho de George Bellows

Nocaute (de Alma Welt)

A gente se aborrece, eis a verdade,
Por mais que a alegria procuremos,
E com ela a tal graça da bondade...
O fato é que do rumo nos perdemos.

Ninguém é de ferro, é muito chato
Ser lúcido integral e nunca bobo.
Os instintos afloram, isto é fato,
E rilhamos os dentes como um lobo.

E se não podemos dar tabefe
Vamos ver nos ringues o nocaute
De um peso pesado ou mequetrefe.

E torcemos, báh, como torcemos!
Para que a gana não nos falte
Para virar o jogo que perdemos...
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Premissa (de Alma Welt)



Desenho de Guilherme de Faria
 
Premissa (de Alma Welt) 

Escrevemos primeiro para nós mesmos
E do que foi escrito, sem reserva,
Isto é certo, é preciso que gostemos
E que nosso seja o voto de Minerva...

Pois somos mesmo nós que decidimos
Se o nosso escrito é competente,
Se foi legítimo ou se talvez fingimos
E estávamos logrando a boa gente...

Ai do artista que perguntar a alguém:
“É bom isto que fiz? O que é que achou?”
E ainda esperando pelo Amém...

Pois Arte é certeza, é segurança,
E mostrar tudo aquilo que encontrou
Qual se fosse fácil o que se alcança...

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ars Longa, Vita Brevis (de Alma Welt)



 
Ars Longa, Vita Brevis (de Alma Welt)

Que imensa valentia todos temos
Tão somente por viver e insistirmos
Apesar do muito que perdemos
Ao longo de tremores como sismos

Que acometem a vida mais banal,
Aparentemente a mais segura
Mas que contém também o tom fatal
Já que quase nada em nós perdura.

Mas se deixas uma obra ou um filho
Tens a chance de um pouco mais durar
Na memória de um justo ou peralvilho...

E afinal, quê mais podes querer?
Viver na tela, no papel, na relva ou ar,
Se temes tanto o mundo te esquecer...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Minha Saga (de Alma Welt)



                                 Retrato de Anita Garibaldi

Minha Saga (de Alma Welt)

De minha janela para a vida
Foi-me dado visitar todos os vultos
Da História em mim mesma refletida,
E eu fazendo parte dos tumultos.

Estive na guerra farroupilha
Ao lado de Anita e do italiano
Quando este doido fez o plano
De arrastar navios pela coxilha...

Mas vivandeira férrea de mim mesma
Corro atrás dos meus sonhos nesta luta
Que é preencher papel resma por resma

De meu grande arquivo de memória
De guerreira, poeta e semi-puta
Na minha própria saga transitória...
 

À Margem (de Alma Welt)


Going West - de Jackson Pollok c.1934-1935

À Margem (de Alma Welt) 

Construir um mundo em mim por dentro,
Sim, foi possível, e isso é tanto!
Afinal cada um de nós é o centro
Do mundo, para si, eis o encanto

De viver, que é pura liberdade,
Mas que somente o é se consciente,
No exercício de ser humanidade
Não na norma mas só contra-corrente...

Quanto a mim, dediquei-me a construí-lo,
Meu profícuo mundo afeito às margens
Como aquela dádiva do Nilo...

Pois aqui, da minha varanda sobre o nada
Eu me debruço sobre versos e aragens
E minha terra prometida é alcançada...