segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Brinde ao Ano Novo (de Alma Welt)



Entrar no novo ano com os amigos
É o último luxo que ainda guardo.
Mas, vêm eles de tão longe, em perigos,
Cada poeta com seu fardão ou fardo?

Proust, Valéry, Rimbaud, Verlaine,
Baudelaire trazendo cruéis flores...
Temo é que com elas me envenene
E não possam me valer velhos amores.

E então peço a Hugo que me explique
O ananque do coração humano, *
Talvez só o que a vida nos complique...

Mas cobrarei de todos eles alegria
Erguendo nossas taças pelo ano
Do qual descobriremos a poesia!

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Nota
* O ananque do coração humano - Para entender este verso,
 leiam o prefácio original de Victor Hugo para o seu romance "Os Trabalhadores do Mar".

domingo, 30 de dezembro de 2012

Soneto à moda antiga (de Alma Welt)



                 Frigga, deusa tecelã da mitologia germânica (ilustração de autor desconhecido)

Soneto à moda antiga (de Alma Welt) 

Como éramos felizes e cientes,
Fruindo o amor e a juventude
Em dias memoráveis, inocentes,
Que tentei perpetuar enquanto pude!

Mas, cruéis, alguns quiseram apartar-nos
Ou foram simplesmente os ventos
Que em duas direções logram soprar-nos
Tornando desde então meus passos lentos

Pois que minha juventude desce a rampa
Dos precoces poetas decadentes
Que afinal não são a marca deste pampa...

E eis-me agora esta perdida castelã,
De sonetos doloridos e carentes
A tecer a interminável teia vã...
 

sábado, 29 de dezembro de 2012

Sobre sonhos e carência (de Alma Welt)



 
Sobre sonhos e carência (de Alma Welt)

Quisera que meus sonhos terminassem,
Mas são eles tão mais fortes do que eu!
Uns sonhos permanecem, outros nascem
E o tempo pra cumpri-los nunca deu...

 
Sempre desejei mais de uma vida
Para botar a minha vida em ordem...
A alma é preguiçosa e dividida,
E alguns erros o calcanhar me mordem.

Mas o que me trai é a indulgência
Que sempre tenho tido pra comigo,
E por certo um tanto de carência.

Querer tanto ser amada me perdeu...
Passo a vida mirando o meu umbigo,
Que bela é esta marquinha que Deus deu!

domingo, 16 de dezembro de 2012

Onde nasce a Poesia (de Alma Welt)

                                         Poente  - de Ferdinand Georg Waldmüller



Onde nasce a Poesia (de Alma Welt)

A poesia não nasce dos ventos,
Sinto-me obrigada a lhes dizer...
Nem pensem que de amáveis sentimentos,
Mas do profundo desespero de viver,

Mas do debater-se nos horrores
Dessa atroz consciência de morrer,
Em meio a tão inúteis estertores
Depois da falta de sentido do viver.

Mas também da imensa nostalgia
Da beleza deslumbrante dos poentes
Que arrastam o olhar que se extasia

Até os pagos ignotos do Divino
Que nos deixou aqui perplexos, carentes
A perseguir a luz, um toque, um sino...

sábado, 15 de dezembro de 2012

O Iceberg (de Alma Welt)


 
O Iceberg (de Alma Welt)

Não sabemos muita coisa de nós mesmos
Pois a nossa mente é um iceberg
A vogar nos mares, nos extremos,
Sem que o nosso segredo nos entregue.

Com apenas a ponta a descoberto
Nosso mundo de sonho é bem maior
Embora o seu lastro fosse aberto
Pelo velho mergulhão desbravador,

Sigmund, o grande aventureiro
Que submerso ousou descer mais fundo
Como uma espécie rara de sendeiro

Quando só os poetas já desciam
Nesse plano oculto deste mundo,
De raízes que em poemas floresciam...
 

Jogos de Deus (de Alma Welt)


                                        Mefistófeles e Fausto- desenho de Delacroix

 Jogos de Deus (de Alma Welt) 

Tudo na nossa vida tem seu preço,
Dizem uns, embora alguém conteste.

Mas a alma imortal teve seu teste,
Não mudou, a pecadora, de endereço...

O dúbio Fausto foi salvo pelo gongo
Ou melhor: por um anjo adolescente.
Percebam que em detalhes não me alongo:
De Mefisto o olhar foi indecente...

Distraído, o demônio foi burlado
Por Deus que nem sempre joga limpo
Se de um amigo se trata do traslado.

Pois fraudar a sentença do Juízo
É coisa do colega lá do Olimpo,
Mas Deus precisa povoar o Paraíso...

A Dama na Água (de Alma Welt)



                          Fotograma do filme Lady in the Water, de M. Night Shyamalan

A Dama na Água (de Alma Welt) 

Muito pouco ao realismo me obriguei,
Que dele lancei mão como tempero,
Não tão real nem realista como o rei
E em doses controladas com esmero.

Também me reconheço solitária
Como loba longe da alcatéia
Uivando para a lua a minha ária
E nunca uma rainha de colméia.

Pouco me faltou pra ser maldita
E escapei por pouco dessa sina
Embora quatro vezes interdita.

E no final me vejo assombrada,
Como uma dama da água de piscina
Ruiva e branca, triste e desnudada...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Os Cronistas (de Alma Welt)


 
Os Cronistas (de Alma Welt)

Observamos a vida no detalhe
E nada nos escapa, ao nosso crivo.
Inventamos tudo aquilo que nos calhe
Para o quadro completar, louco mas vivo.
 
Não se trata de crítica, ao contrário,
Aceitamos quase tudo como é,
Mais como uma crônica ou diário
Em que o Cristo até abraça o Maomé.

Mas nunca pensem em nós como piegas,
Longe disso, somos puros, mas sagazes
Para jamais tatear aí às cegas...

E no final temos retrato acurado
Um pouco mais real em certas fases
Noutra, os olhos, dois do mesmo lado...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Os aventureiros (de Alma Welt)



 
Os aventureiros (de Alma Welt)

Flertamos amiúde com a loucura,
Nós aventureiros do entorno,
Que pra muitos isso não tem cura,
Despenhamos num abismo sem retorno.



Para nós o horizonte é desafio,
Pois a vida será sempre além dos montes,
E a nossa passarela é mesmo um fio
Que jamais reconhecemos outras pontes.

Nós que amamos, não a dor, mas o perigo,
Queremos atingir pontos mais ermos,
Muito, muito além do nosso umbigo.

Pois não há prisão mais dura que o ego,
“Nosso eu”, contradição em termos,
Pois o rei caolho é o maior cego...

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Imagem tradicional alterada por Guilherme de Faria
 

A todo custo (de Alma Welt)


                                                   Detalhe do Juizo Final de Michelangelo na Capela Sistina.

A todo custo (de Alma Welt)

Como é fina e frágil a razão nossa!
Uma tênue fronteira do delírio;
Um passo em falso e eis a fossa,
Ou já temos entre as mãos aquele círio.

Agarramos a vida a todo custo
Mesmo que a tal loucura nos aposse
E mal durmamos num Leito de Procusto
Para acordar só com uma tosse

E não encarando o nosso medo
Como erva daninha que em nós medra
E que não nos deixará livres tão cedo...

Mas, queremos mesmo a vida como é:
Um pé sobre o outro numa pedra
E água suja subindo com a maré...
 

Alexandrinos de bico (de Alma Welt)

                                                                                  
                     Trigal no Pampa- óleo s/ tela de Guilherme de Faria 2012, 30x40cm

Alexandrinos de bico (de Alma Welt)

Busquei fazer as coisas habilmente
Sem esforço, sob formas despojadas.
Isso é claro, desagrada a certa gente,
As formigas diligentes, esforçadas.

Embora observe alexandrinos
Me sai como pássaro abre o bico
Para gáudio dos gaudérios pouco finos,
Primeiro aqui na estância onde fico.

É verdade que nem sempre os submeto
Pois tenho confiança no meu taco,
E meu território é o soneto...

Mas se ao observá-lo vou mais fundo,
Ao vagar por ele não empaco
Pois sempre caminhei no fim do mundo...

domingo, 9 de dezembro de 2012

Spleen (de Alma Welt)

Charles Baudelaire- por Gustave Courbet
 
Spleen (de Alma Welt) 

Tudo o que é humano compartilho,

Então confesso o tédio vez por outra
Embora ao fazê-lo até me humilho,
Pois pra isso desculpa não se encontra.

O tédio é o pendor dos fúteis, sim,
Conquanto já afetasse o Baudelaire
Sob o vago e estranho termo spleen,
E ao que consta não foi falta de mulher.

Joguemo-lo na conta de uma febre
Que produz, assim, na alma, desencanto
De quem soube que comeu gato por lebre...

Pois a vida nos mantém apenas vivos,
A noite não nos cobre com seu manto
E não “era uma vez” como nos livros...

sábado, 8 de dezembro de 2012

Espelho meu (de Alma Welt)


 
 
Espelho meu (de Alma Welt)

Diva e musa de mim mesma me tornei,
Não se espantem disso assim eu declarar
Com essa grande imodéstia meio gay,
Porque essa é a essência do cantar...

Cantar o mundo como a vida do poeta,
Ciente de que o mundo dorme em mim
E que minha visão é que o desperta,
Como a noite o aroma do jasmim...

“Não terás vergonha?”- diz-me o amigo-
“Estás em vias de virar a outra flor,
Que se mira não na água mas no umbigo.”

Mas eu, me olhando assim no verso,
Vejo o mundo e não meu ser perverso,
No espelho meu polido até à dor...

A Cigarra e a Formiga (de Alma Welt)



                                    Ilustração de Gustave Doré para a fábula de La Fontaine.

 A Cigarra e a Formiga (de Alma Welt)

“Não sei pra onde me leva tudo isto:
Esta mania de o poema trabalhar
Operando o verso como um quisto,
Esta dor que insisto em carregar...”

Assim dizia uma poeta amiga,
Muito, muito diferente desta Alma,
E que parecia uma formiga
Muito laboriosa e nada calma...

Mas eu que sou cigarra inveterada
E levo a vida bem mais leve,
Só sofro por amor... e quase nada.

Que digo?! (Abraço-a). Estou mentindo!
Dói-me tanto que a vida seja breve
Que passo a vida inteira me parindo...s
 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sonhos, não projetos (de Alma Welt)

                           Alma Welt - óleo s/ tela de Guilherme de Faria 2012, 30x40cm

Sonhos, não projetos (de Alma Welt)

Sonhos, não projetos, acalento,
Que não tenho energia para tanto,
Além do versejar que é meu talento
A vagar pela coxilha, meu encanto.

Creio que a Poesia é ociosa,
Nada tem a haver com o trabalho
E planos materiais próprios da prosa,
E sim com malmequeres ou baralho,

Pois o verso é um eterno deitar sortes,
E surpresas com o jogo dos arcanos
Ou naipes que nos caibam após os cortes.

E para ser poeta é só preciso
Nada esperar dos nossos verdes anos
Além do amor, suas dores, algum riso...

Pequeno auto-retrato (de Alma Welt)


 
 Pequeno auto-retrato (de Alma Welt) 

Sou fiel a estes campos de amplidão
Que moldaram minha alma de guria,
E se hoje tenho larga a minha visão
Devo a esta especial topografia...

Mas muitos objetam: não sou prenda
E não abaixo os olhos ante os machos;
Não aceito que um antigo me repreenda
Por nunca ostentar fitas nos cachos.

Entretanto não confirmarei o boato
De que nua desço ao fundo das cisternas
Por um obscuro e espúrio pacto...

Mas se correndo arrepanho minha saia
Ofereço o pudor das minhas pernas
Da cor de uma donzela que desmaia...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Dia a dia (de Alma Welt)

                                      Desenho de Guilherme de Faria 2011, 75x52cm

 
Dia a dia (de Alma Welt)

Desde aqui desta janela do nascente
Medito a vida e o mundo ao levantar,
Por um minuto vago, quase ausente
Antes da alma e o pé no chão pousar.
 
Depois de longo e talvez feio bocejo,
E mais comprido e menos feio espreguiçar,
Vou ao copo d’água e o gargarejo
Como quem daqui pra diante vai cantar...

Mas, sim, meu corpo canta o dia inteiro
Da enorme alegria de ser bela
E de haver tantas flores no canteiro.

Escrever... báh! é outro canto...
Que não sou senão pequena vela
A iluminar de noite o meu espanto...

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Círculo das Horas (de Alma Welt






Pampa- foto de Edelweiss Bassis
 
O Círculo das Horas (de Alma Welt)

Quê mal se foi o vinho pro vinagre
E que nossos leitores foram poucos,
Se um círculo de doze nos consagre
Com o obstinado amor dos loucos?

Mesmo se eles foram apenas horas
Que nos acompanharam persistentes...
Já no berço debruçam estas senhoras
Com os esgares de seus tics dementes.

E nos levam na vida estas madrinhas
Num galgar renitente, quase aflitos,
Como a hera lança suas gavinhas...

E se por fim adentramos o portal
Que não nos seja cheio de mosquitos *
E enfrentemos o funil até o final...


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Notas:
* que não nos seja cheio de mosquito- Logo que Dante convidado pelo poeta romano Virgilio adentra o portal do Inferno, ele vê uma multidão de almas atormentada por um enxame de moscas e que se debatia eternamente naquele vestíbulo. Dante pergunta a Virgílio: "Quem são estes?" E o poeta-guia responde: "Estes são os covardes. Olha e passa."


A Noiva do Capitão (de Alma Welt)

A Mulher do Capitão- litografia de Guilherme de Faria
 
 
A Noiva do Capitão (de Alma Welt)

Do capitão a noiva, sempre à espera,
Saudosa e com pudor de sua sede,
Ficava a contemplar sua galera
Como desenho pendurado na parede...

Báh! Como esperavam essas mulheres!
Aos ventos e poentes de esperanças
De eternos doces mal-me-queres
E de antigas primeiras contradanças...

Foram-se os tempos, já pouco esperamos
E lançamos nós aos mares nossas velas,
Que só a ver navios não mais ficamos...

Quanto a mim, mulher-poeta vou ao mundo
Mas carregando comigo todas elas,
Inclusive as que no porto vão ao fundo...