sábado, 25 de abril de 2020

Como minha saga começou (de Alma Welt)

Uma oportunidade a cada dia...
Eu diria, muito mais: revelação!
Eis o segredo com fundo de poesia,
A nós dado no momento da expulsão.

Vão pro mundo!"- O Anjo então diria...
"Mimados pelo Pai em demasia,
Agora quero vê-los ir à luta.
A Terra está a premio, e em disputa!"

Assim a saga começou num sonho meu,
Quando tive que lutar pelo meu chão,
Lembrando do que o Anjo prometeu.

E de simples costelinha sem juízo,
Transformada quase em fúria de vulcão,
Fui então reconquistar meu paraíso...


quinta-feira, 23 de abril de 2020

A beleza da Vida (de Alma Welt)

A beleza da Vida é inegável
Malgrado seu teor de crueldade.
O Ser que nos criou é Inefável,
Qualquer crítica é tola veleidade...

Entretanto Ele sorri pela manhã,
Quase sempre com sorriso luminoso
Como que passando mel em sua maçã,
Disfarçando o Seu fruto venenoso.

Como bondoso se diverte o nosso Deus!
Afirmo isso com o maior respeito,
Longe de mim ironia e desrespeito...

Pois Nosso Pai não cessa de enviar
Bebês fofos, tão lindos, pra ocupar
Vagas abertas pelo último adeus...

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23/04/2020

O Segredo da Alma (de Alma Welt)

O mundo é misterioso por demais...
Me refiro ao mundo humano, mais que tudo.
Certas ruínas só nos falam por sinais,
Como se fossem um defunto surdo-mudo.

Muito pouco sabemos de nós mesmos
Mas eu conto tudinho, mais e mais,
Exceto, claro, se como com torresmos,
Já que sou do Sul, não das Gerais...

Perdão, quero dizer, o meu mistério
É justamente abrir o peito como poucas,
Pois brincando em serviço falo sério.

Meu segredo? Anima Mundi, assim com i
Sou mais você e eu, todas as loucas,
E até um poeta, com quem me confundi...

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23/04/2020

O fio da salvação (de Alma Welt)

Meus amigos, se não fora sua presença
Em meus dias ricos e fecundos,
Seriam eles, em completa diferença,
Um deserto e o mais triste dos mundos...

"Queres nos subornar... é tudo fake!"
E eu replico: Quem ousa dizer isso?
"Sou um rio pro meu povo!"- grita o sheik *
Como eu, com o mesmo compromisso.

Nada peço, nem sequer passo o chapéu!
Se sonetos dou até em profusão,
São camelos pela agulha, em tropel...

Eis minha missão, embora estranha,
E pra mim é aquele fio da salvação *
Que era tão somente um fio de aranha...

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23/04/2020

Notas
* "Sou um rio para o meu povo!" - alusão à bela fala do sheik, aclamado pelo seu povo nômade em frente à sua tenda, interpretado por Antony Quinn no grandioso filme "Laurence da Arábia".

*... aquele fio da salvação- alusão ao maravilhoso conto "O Fio da Salvação", do livro Contos e Lendas do Deserto, de Malba Tahan, cujo sentido tem tudo a ver com este soneto da Alma.

Outra oração da Alma (de Alma Welt)

Quanto me destes, Senhor, de ter saudades...
Quase tudo eu gostaria de rever.
Menos, claro, umas pequenas, sim, maldades
Das quais muitas me envergonho, de doer.

Conheceis-me, Senhor, má eu não era
E sabeis que tenho puro o coração
Com manchinhas que saem com sabão,
Com muita esperança e pouca espera...

Sim, sou jovem, meu Senhor, mas mal o sinto
Com esta nostalgia de Infinito
Que com meus parcos anos não condiz.

E meus olhos, que me dais, azuis celestes,
Não se ajustam a este voo de perdiz
Para o tanto de céu que já me destes...

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23/04/2020

Arcobaleno (de Alma Welt)

Persisto na jornada toda em versos
Quatorze cada vez e aos pulinhos
Rimando dois a dois pouco dispersos
Ou logo em seguida, mais juntinhos...

Bah! Se fosse assim tão fácil, só de regras...
É necessário muito ter o que dizer,
E se com o dizer tu não te alegras
E bem melhor tu te calares ou morrer.

Tudo consiste numa espécie de prazer
Que move o poeta, quase um vício
Prazeroso, que não poupa sacrifício.

Mas que delícia, que veneno, é um tesouro
No final do "arcobaleno", pra valer,
Numa chave de rima e puro ouro...

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23/04/2020

Mão pro sal (de Alma Welt)

Deus me deu a mão para o soneto
E muitas vezes não paro de pari-los
A ponto (já que não me submeto)
Quererem-me abatida, sim, a tiros.

Mas que posso eu fazer? É mão pro sal
Se eu fosse dessas boas cozinheiras
Que, loucas, na cozinha, em frigideiras
Fazem quitutes pra recruta e marechal.

Depois, quem vai calar um estro desse?
Não devo nada a não ser ao Pai do Logos,
Que, se não me aplaude e solta fogos

Também não empata os meus sonetos
E nem disse, a quem cozinho, que comesse,
Deixando-me ao sabor dos meu galetos...

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23/04/2020

O toque divino ( de Alma Welt)

Cada um sabe de si, e Deus por todos...
Não aconselhe, vê, brioche não é pão.
Se fores dar severo toque ou empurrão,
Se não puder cercar, evite os lodos...

Cá estou eu de novo a aconselhar...
Se nem para terapeuta tenho jeito,
Nunca tive qualquer coisa a declarar
Mas declaro mais a torto que a direito.

"Cala-te boca!" amiúde me repito...
Ah! Se eu tivesse um coração mais sábio
Talvez se calasse ao próprio pito.

Preciso me lembrar da depressão
Deste toque divino sobre o lábio
Para calar o homem, embora em vão...

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23/04/2020


Nota
*Deste toque divino sobre o lábio -
Conforme uma "anedota" ou adendo ao episódio do Genesis
da Bíblia, mas contada no Talmude, Deus moldou o homem no barro e inspirou-lhe no rosto o sopro divino. Então meditando que isso faria o homem ter o domínio verbal do Logos, para limitar sua palavra já que a argila ainda estava mole pressionou seu lábio superior com o polegar produzindo esta pequena depressão vertical sob o nosso nariz, para selar nossos lábios quanto à Verdade que compartilhamos sem poder expressar...
O próprio Cristo, feito homem tinha essa marca sobre os lábios e como tal se calou ante a pergunta de Poncius Pilatus: "O que é a Verdade?"



O segredo do hospício (de Alma Welt)

Sei que a nós foi permitido retornar
À infância, nosso estado original
Antes do anjo-segurança expulsar
Por mal comportamento o tal casal.

Na verdade ninguém retorna adulto,
Pois por dentro somos todos só infante.
Quem chegar adulto perde o indulto,
E vai parar no Inferno como Dante.

Assim é o Paraíso... até naïf
Com perdão do galicismo, mero vício
De quem como outros gringos come beef.

Se me ponho a divagar como uma louca
É pra passar o segredo deste hospício:
Ninguém sai daqui com a mesma roupa...

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23/04/2020

Razões do Claustro (de AlmaWelt)

Deus recomendou-nos este claustro
Não foi o Mefistófeles, podes crer,
Pois este induzia um certo Fausto
À esbornia, ao delito e ao prazer.

E se te desagrada a quarentena
É porque nunca tu paraste pra pensar.
Se bem que pensar só concatena
Com quem já tem bife pro jantar....

Então voltamos ao estado original:
Se sais da toca e vais caçar talvez te salves.
Sempre um leão por dia ou um chacal...

A vida é luta, já dizia o índio velho
No Y-Juca-Pirama do Gonçalves. *
Tanta sabedoria, e mal me espelho...

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23/04/2020

Nota
*Y-Juca-Pirama do Gonçalves-
No outrora famoso poema Y-Juca-Pirama, de 1851, do poeta romântico indianista Gonçalves Dias, o velho cacique diz:


Não chores, meu filho
que a vida
é luta renhida
viver é lutar.

A vida é combate
que aos fracos abate
E aos fortes,
aos bravos,
só pode exaltar.

O Trem mambembe (de Alma Welt)

O Trem mambembe (de Alma Welt)

Neste mambembe trem de nossa vida
(para alguns poucos o trem é luxuoso)
A passagem não é graça, é só de ida,
E o bilheteiro tem um porte insultuoso:

Sorri o tempo todo o bilheteiro...
Alguns acham-no um tanto descarnado
E até se incomodam com seu cheiro,
Pobre ser subalterno e humilhado...

Tenha ou não o bilhete-moratória,
A Companhia o paga só pra retirar
Os passageiros de maneira aleatória.

Mesmo assim aproveitamos a viagem,
Nas janelas olhando a vã paisagem.
Como é belo o nosso triste viajar!...

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23/04/2020

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Cheiro de Mãe (de Alma Welt)

Cheiro de Mãe (de Alma Welt)

Viemos desarmados para a vida,
Sem garras, sem um dente e sem chifrinho
(alguns os desenvolvem de saída),
Dependentes... fora tetas, leite Ninho.

Mas como alto berramos, exigentes,
Mini-déspotas que somos ao nascer,
Sugando as energias e as mentes
Daquelas nossas pobres mães até morrer.

Mas como, de repente, com um cheiro
O senso se refaz, tudo é perfeito,
E o milagre se apresenta corriqueiro...

São essas madelaines da memória *
Em que o cheiro de mãe, o de seu peito,
Transforma o mal do mundo em pura glória.

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21/04/2020
Nota
*São essas madelaines da memória - Alusão ao célebre episódio das "madelaines" (um tipo francês de pãozinho doce) do primeiro volume de "A la Recherche du Temps Perdu" (obra-prima de Marcel Proust) em que o personagem narrador, adulto, refaz de súbito uma memória de infância, por um cheiro familiar.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Manhãs ensolaradas (de Alma Welt)

Manhãs ensolaradas (de Alma Welt)

Só preciso de manhãs ensolaradas
Pra delicada minha alma florescer,
Ainda que o chão brilhe de geadas
E pouco a terra tenha a oferecer.

Só não me dês, Senhor, névoas sombrias
Que me façam recordar a dor de ser
Ou viver como culpada, sem saber,
Por um fruto de promessas tão vazias.

Nem que isso soe mal, como descrença,
Senhor, minha alma é pura, eu reivindico
Pureza e inocência de nascença

Mesmo sabendo que hei de parir com dor
Sem que a terra tenha o meu próprio suor,
Vede com quão pouco alegre eu fico...

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21/04/2020

A vida é sonho dúbio (de Alma Welt)


A vida é sonho dúbio (de Alma Welt)

"A vida é sonho dúbio, meu amigo,
Às vezes cruza a linha, é pesadelo,
E se tens um ideal, um sonho antigo,
Francamente, bem farias em não tê-lo.

"Assim se expressava um meu colega
Lá na Universidade de Munique
Antes da ascensão da massa cega... "
E eu guria, escutava achando chic

As memórias de meu pai, de um outro mundo,
Que sendo eu tão apenas meninota
Queria mais ouvir, e ir mais fundo.

Mas pálido como quem de si desbota
Então dizia: "Vai correr pela coxilha!
Tens essa amplidão toda, vai, minha filha..." *

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21/04/2020

Nota
*Tens essa amplidão toda, vai, minha filha...  - O pai da Alma, Werner Friedrich Welt, que ela e seus irmão chamavam de Vati ( pr. Fáti = papai em alemão) estudou medicina na Universidade de Munique pouco antes da ascensão do nazismo, do qual fugiu, ao que tudo indica não sem antes de experimentar um período de cadeia. Por isso empalidecia quando começava a narrar suas memórias à sua filha predileta, que ele incentiva a desfrutar a amplidão de espaço da estância de seu pai, o avô da Alma, vinhateiro no pampa gaúcho.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Pequena paz no caos do mundo (de Alma Welt)

                                      Pequena paz no caos do mundo - ost de Guilherme de Faria, 2017, 30x40cm

Pequena paz no caos do mundo (de Alma Welt)

Fui lenta a perceber o caos do mundo
Pois na infância eu vivia em paraíso
Que é sempre a superfície nunca o fundo
E a verdade sempre chega sem aviso.

Mas eis que eu me defronto com a Morte
Quando ainda era uma guria
De pé diante de um rosto outrora forte
Então transfigurado em cera fria.

Mas foi preciso conhecer a outra face
Que é aquela da boca retorcida *
Onde chega toda a trama num impasse.

E entre as duas máscaras extremas *
Num processo lento e sem sistemas
Minha pequena paz foi a escolhida...

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20/04/2020

Notas


*Mas foi preciso conhecer a outra face
Que é aquela da boca retorcida

Onde chega toda a trama num impasse
(Alma se refere à máscara grega da tragédia,que na verdade é a verdadeira face do mundo.)

*E entre as duas máscaras extremas
Num processo lento e sem sistemas
Minha pequena paz foi a escolhida.
(Com este terceto a Alma está dizendo que entre as máscaras da tragédia e da comédia, ela encontrou uma intermediária a que se chega sem um sistema, mas por pura escolha, que é a máscara da "pequena paz...")