terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Sonetinho de Natal (de Alma Welt)

Com Jesus estou acostumada
Desde guria com a sua cruz,
Mas que Madalena era sua amada
Confesso que até eu também supus.

Só não venham com falsas novidades
De atividade duvidosa descoberta,
De politicagens e "verdades"
Como coisa lógica e até certa...

Pra mim ele deu um salto imenso
Do Jesus Cristinho de Belém
Como nele em geral ainda penso.

Por isso amo muito seu Natal
Pois para o coração ele é neném
Com burrinho, manjedoura e coisa e tal...

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25/12/2018

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Eu, heterônimo I ( de Alma Welt)

Confesso, sonhei grande, tola eu era,
Fui em busca do meu sonho de guria,
Tão ingênua a perseguir uma quimera
Ser poeta e viver da minha poesia...

Mais tarde descobri que ser poeta
É o mais miserável dos amores,
E a triste razão de tão seleta
É que a fome é o premio dos melhores.

E claro, existem os poetas diplomatas
Que, pobres funcionários de escritório,
Não passam de modestos burocratas.

Mas na dimensão poética, só, viver
Para mim se tornou obrigatório,
Um caminho bem mais digno do ser...

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15/02/2018

domingo, 9 de setembro de 2018

O Último Soneto (de Alma Welt)

Eis-me fiel de mim, depois de tudo,
De todos os percalços desta vida,
Amando o amor claro e desnudo
Mesmo quando ao abismo me convida.

Acusada de tardio romantismo,
Submissa me mantenho ao coração
Numa era de feroz pragmatismo
Ou de escolha da política paixão...

"Volta, Alma, à tua Vinha decadente
E limita-te às sagas do teu vinho",
Dizem eles (que não na minha frente).

Se a beleza não conseguem enfrentar,
Como podem barrar o meu caminho?
Minha poesia caminha em pleno ar...

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09//09/2018

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Mudar a vida (de Alma Welt )

Quantas vezes pensei no abandono,
Não de mim, mas da Poesia, esta miragem
Que vem como o sonho dos sem sono
Ou dos que muito sonham e pouco agem.

Vontade de mudar somente a vida
(não o mundo, que este não tem jeito),
Uma mudança completa, comovida,
Como alento derradeiro do meu peito...

De que estás a falar, ó Alma Insana?
Por acaso esqueceste o Criador,
Acaso crês que está ao teu dispor?

Báh! Sei que a cauda o cão jamais abana,
E nem pretendo correr como uma lesma:
Senhor, quero mudar só a mim mesma...

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03/08/2018

domingo, 22 de julho de 2018

A melhor rosa (de Alma Welt)

Estamos vivendo a Kali Yuga,
Um velho indiano o disse a mim.
Eis que hoje a Razão está em fuga
E no princípio estamos, mas do Fim.

Visto isso, fiz as malas, fui de volta
Ao pampa e ao meu velho casarão
Onde caminho alegre e sem escolta
Ao compasso de meu próprio coração.

Quantas vezes o mundo se acabou
E renasceu de suas cinzas fumegantes
Como a Fênix que o grego imaginou...

Então voltei ao jardim da avó Frida,
Colhi a melhor rosa, como antes,
E meu mundo reiterou sua acolhida...

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22/07/2018

Nota
Tanto Oswald Spengler (1880 – 1936) em "A Decadência do Ocidente", quanto o filósofo italiano setecentista Giambattista Vico (1668 — 1744) , em "La Scienza Nuova", expuseram um ciclo da História em quatro fases (Teocracia, Aristocracia, Democracia, Caos). O ciclo quadripartido de Spengler é derivado de Goethe, como o de James Joyce provém de Vico. Tanto Goethe como Vico desenvolveram a ideia a partir da sequência das quatro Idades da mitologia grega (Idade de Ouro, de Prata, de Bronze , de Ferro), que por sua vez é a contraparte do Círculo hindu dos Quatro Yugas (Krita, Treta, Dvapara, Kali),
(Augusto e Haroldo de Campos em Panaroma do Finnegans Wake, Editora Perspectiva, 1971)

Historicamente estaríamos vivendo a Kali Yuga, ou o Caos.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Viver bem (de Alma Welt)

Viver bem é difícil, é complicado,
Mas viver mal qualquer um pode viver.
Assim, a maioria aceita o fado,
De quem não planta pra colher.

De biquinho aberto só esperando
Que a mamãe-estado traga o lanche
E já de bucho cheio protestando,
Querendo decolar baixando o manche.

Sem liberdade não há nenhuma vida,
Só um arremedo de existência,
Tampouco se terá casa e comida.

Eis tudo o que meu pai, por experiência,
Me dizia: Jamais creia nos vermelhos.
São vampiros, nem refletem nos espelhos...

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20/07/2018

Estou triste (de Alma Welt)

Estou triste, meu amor, eu sinto tanto
Não poder ostentar o meu sorriso...
Tudo vai mal no meu país e não diviso
Uma luz, nem a saída por encanto.

"Tudo vai ficar bem", repete o gringo
À exaustão em seus filmes idiotas
Tentando impingir suas lorotas
Em que não acredito nem um pingo...

Eles estão esperando ainda o Elvis
Com seu tradicional jogo de pelvis,
E os Ets, de preferência maus e feios.

Quanto a mim, espero Mozart, Beethoven
E Chopin... E de dentro dos meus seios
Um Van Gogh que agora todos louvem.

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20/07/2018

quinta-feira, 19 de julho de 2018

O Labirinto (de Alma Welt)

No labirinto do mundo das idéias
Transcorre nossa vida atarantada,
Tateando as paredes e as teias
Buscando uma saída ou escapada.

Olhar pra cima é preciso, no entanto:
A tenda azul sobre nós se estende
E nos dá asas para fuga, por encanto,
De penas que com cera a gente emende.

Sem olhar para o céu não há saída
Aprendamos a fluência com as nuvens
Que em chuva transformam sua descida.

Que o orgulho nossas asas não dissolva,
Ó Sol, que a nós, só por clemência vens
Mas não toleras o falso que te louva...

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19/07/2018

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Era uma vez (de Alma Welt)

Meus amores, quanto amor fico devendo
Neste meu egotismo empedernido,
Voltada para mim, eu mesma sendo
O centro de todo o meu sentido...

Mas que posso eu fazer, me perseguindo
Cada dia para mais me conhecer
Se me creio ao mundo todo pertencer
E estar tudo, com todos, compartindo?

Era uma vez uma pequena ninfa ruiva
Deslumbrada pelo senso de beleza
Que via ao seu redor, na natureza...

Mas Narciso com tal ninfa se encanta
E nela coube ou entrou como uma luva
E olhando pra si mesmo, o mundo canta...

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18/07/2018

terça-feira, 17 de julho de 2018

O Portal do poeta (de Alma Welt)

Viver no limiar de alguma porta,
Uma iluminação ou um portal,
A revelação que mais importa,
Como a ideal extinção de todo mal...

Eis o timbre ou tom de minha vida
Conquanto só pareça presunção
Já que sou pequena e atrevida,
Muito mais teoria e sonho, pouca ação...

Mas a Poesia é isso, reino à parte,
Onde pode o poeta quase tudo
Desde que, hábil, domine sua arte

Com o direito de chorar, também sagrado,
Nem que seja aquele pranto mudo
Que perpassa o bom poema, disfarçado...

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17/07/2018

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Esperando a Boda (de Alma Welt)

Uns querem construir uma casinha
E outros tantos uma torre de Babel.
A humanidade não quer estar sozinha *
Sendo só sete bilhões, aí ao léu...

Queremos nosso Cosmos povoado
Tão absurda é a nossa solidão,
Mas não da nossa espécie, o mesmo quadro,
Já que mal suportamos nosso irmão.

A vida é um Teatro do Absurdo,
Certo estava Ionesco ao encená-lo,
Nesta Tróia estamos todos no cavalo. *

Não adianta MacDonald ou MacMurdo, *
Acabaremos explodindo a coisa toda
Quando de Urânio chegar a nossa Boda...*

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16/07/2018
Notas
*A humanidade não quer estar sozinha - Alma se refere ao fato de não querermos estar "sozinhos" (!!!) no Universo, esperando a vinda dos ETs, esquecendo que somos sete bilhões de humanos e um sem número de espécies de animais sobre a nossa Terra...

*A vida é um Teatro do Absurdo/
Certo estava Ionesco ao encená-lo - Alma se refere ao dramaturgo franco-romeno Eugene Ionesco, que criou o Teatro do Absurdo, com peças como "Os Rinocerontes", "A Cantora Careca" e outras, que enfatizam a falta de sentido intrínseco da vida humana, isto é, o absurdo cotidiano que vivemos sem perceber...

*Nesta Tróia estamos todos no cavalo - com este engenhoso verso, Alma sugere que Tróia é o nosso planeta sitiado, e nós, humanidade, estamos dentro do traiçoeiro cavalo de madeira que o destruirá por dentro.

* MacMurdo
Early Origins of the McMurdo family
The ancient Dalriadan kingdom consisted of the Hebrides islands, and the rugged mountains of Scotland west coast. The name McMurdo began in this region; it was a nickname for a seagoing warrior. The Gaelic form of the name is Mac Mhurchaidh, which means son of the sea warrior.
The surname McMurdo was first found in Argyllshire (Gaelic erra Ghaidheal), the region of western Scotland corresponding roughly with the ancient Kingdom of Dál Riata, in the Strathclyde region of Scotland, now part of the Council Area of Argyll and Bute, where they held a family seat from early times and their first records appeared on the early census rolls taken by the early Kings of Britain to determine the rate of taxation of their subjects.

* Na verdade o nome deste clã escocês está no soneto da Alma somente para rimar com "absurdo" e enfatizá-lo. Já o MacDonald sugere a globalização que popularizou o nome de um clã escocês através de uma rede mundial de fastfood, o que por si só é também absurdo... rrrrrrsss

*Quando de Urânio chegar a nossa Boda - Alma, com este verso, dado que existem as bodas de prata, ouro, diamante, etc, sugere que quando passar um determinado tempo do nosso casamento com a bomba atômica, isto é, da nossa convivência pacífica com ela adormecida após Hiroshima, nós a explodiremos fatal e comemorativamente.

Meditação sobre o Fruto (de Alma Welt)

Um direito foi dado à Adão e Eva:
Da Vida um comodato ou usufruto
Desde aquela manhã triste e primeva
Pois o Senhor não recobrou o Fruto.

Já o tínhamos digerido mal e mal
(a bronca nos deu certa indigestão)
Mas jamais achamos que é normal
Tanta ira, desatino e confusão.

Senhor, que Ciência é essa, Bem e Mal,
Se escolher bem ainda não sabemos,
Já que não nos vem com o manual?

Mas agradeço eu, por minha conta,
O agridoce ainda que mal dele lembremos,
Pois nossa Arte a tal sabor remonta...

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16/07/2018

Jonas, Jó e eu (de Alma Welt)

Um retorno é o que busquei na minha vida.
Não à simples infância de inocência
Mas à felicidade plena, concebida
Em momentos puros de existência

Que ainda são a base do meu canto:
Flores colhidas no jardim de minha avó
Escutando com delícia e espanto
Incríveis fábulas de Jonas e de Jó.

Nada mais apreendi, vida ou ciência,
Que não se referisse àqueles mitos
Fundadores de moral e consciência.

Não vi o ventre da baleia como Jonas,
Nem como Jó vivi no Vale dos Aflitos,
Mas meus próprios caminhos foram Romas...

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16/07/2018

domingo, 15 de julho de 2018

Aferição (depoimento) (de Alma Welt)

Quantos erros cometi na juventude!
Quantas dores inúteis, mágoas, quanta...
Causadas pela mera incompletude,
Solidão essa que a gente mesma planta.

Nasci velha e pra ser jovem demorei;
Sofria a dor da morte antecipada,
Que no pacote parecia vir, que herdei,
Meras lousas na colina, hoje nada.

Um dia afinal olhei no espelho
E vi a minha face destinada,
Além do meu cabelo tão vermelho,..

E então iria aferir, dia por dia,
Se não o sentido da jornada,
Beleza que nos passos se escondia...

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15/07/2018

sábado, 14 de julho de 2018

O ovo do poeta (de Alma Welt)

Ser poeta é pensar tudo de novo,
A história do mundo a cada verso,
É refazer o sentido do universo,
Como quem bota de pé um novo ovo.

É preciso que inventes novas flores
E até máquinas se isso, a ti, te apraz,
Mas que, inúteis, produzam novas cores
Não metáforas de guerra, mas de paz.

Como um lavrador em suas lavras
Mas no âmbito infinito das palavras
Não como faz-de-conta ou um bem-me-quer.

Pois tudo nasce primeiro de um projeto
Que vê num ovo o ser puro e completo
Acalentado num ventre de mulher...

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14/07/2018

A espada louca (de Alma Welt)

De estar no mundo, a dor imensa
Que a muitos não ocorre como a mim
Tornou a minha vida muito densa
Como se cada instante fosse o fim.

Bem, Alma... isso cheira à lenda
De Damocles, o daquela espada louca.
Mas se não tens nos olhos uma venda
Também não dormes como ele, nem de touca.

Vida e Poesia para ti é uma mistura
E já não manténs nítida a fronteira,
Estás mesmo a um passo da loucura.

E há pessoas que pensam que os versos,
No mais ingênuo e feliz dos universos
São pura e inocente brincadeira...

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14/07/2018

Sob a lua e as estrelas (de Alma Welt)

Eu vivo sob a égide da lua
Mas também das estrelas imortais,
No compasso de uma dança lenta e nua,
Ao som do coração e nada mais...

"Ora, Alma, és uma delirante antiga,
Estás fora de moda e não atinas.
Não pareces jovem, minha amiga,
Tens as maneiras demasiado finas."

E eu, poeta, eterna deslocada
Mas semi-consciente do ridículo
De me querer a sério ser levada,

Quisera andar de novo sob estrelas
Qual piá, mantendo o mesmo vínculo,
Do jeitinho que eu costumava vê-las...

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14/07/2018

Entre o amor e a ciência (de Alma Welt)

"O futuro é projeção de nossa mente,
Mero fruto da imaginação nossa,
Que modificamos lentamente
Ou nos obsessiona até a fossa..."

Assim dizia a analista, minha doutora,
Olhando o seu pulso com olhos bravos
Como quem meu tempo monitora
Em tempo real e de centavos.

"Está à tua espera um grande amor",
Dizia minha cigana impagável
Que belamente me mentia sem pudor...

E entre uma e outra eu alternava,
Já que o destino era mutável,
E eu amava tudo... e nada amava.

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14/07/2018

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Inferno, Purgatório, Paraíso (de Alma Welt)

"Inferno, Purgatório e Paraíso,
Alguns sabem: são aqui mesmo na Terra."
Assim dizia minha avó em bom juízo
E acho que a Verdade isto encerra...

O Inferno é muito fácil de encontrar,
Tanto que podemos nós mesmos fazê-lo:
Basta somente não saíres do lugar
Assistindo o injusto, ou mesmo sê-lo...

De imensas manadas território,
O Purgatório é ainda mais comum,
O encontras no lar e no escritório.

Já o Paraíso, quer pouco das retinas
Mas demanda de tua alma o modo zum
Para o veres nas coisas pequeninas...

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13/07/2018

sábado, 7 de julho de 2018

Resumo da Ópera (de Alma Welt)

Caminhar como se houvesse rota,
Uma trilha aprazível na floresta,
Eis aí o bom recurso que nos resta
Ante os males que formam nossa quota.

Boa providência é não queixar-se
Dos destinos mais duros entre nós.
Mas é comum ao homem lamentar-se
Ou rebelar-se em versos logo após...

Se tudo é em vão e a Morte é certa,
A nós cabe viver como imortais
Tal é o sonho que a vida nos desperta.

A vida é no Eterno um só mergulho
Mas que nos leva a perpetuar os ais
De nossas dores, nos versos, com orgulho...

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07/07/2018

quinta-feira, 5 de julho de 2018

O Mundo da Alma (de Alma Welt)

"Alma, não sejas, do mundo palmatória..."
(me lembro de meu pai me aconselhar)
"Afasta-te do maus e toda escória,
E não fica a lhes morder o calcanhar."

"Em polêmicas também tempo não percas.
A vida é curta para discussões mesquinhas
Mas cuida teus mourões, linhas e cercas;
Pelo cercado também zela... das galinhas."

Mas eu achava até aquilo deprimente...
Que me importava do mundo a mesquinhez,
Quem ligava pra lentilhas, se era lente?

Em disputas eu jamais iria entrar. *
A emenda de um soneto... sim, talvez,
Isso era tudo o que eu iria reformar...

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05/07/2018

Nota
Na verdade, Alma iria se meter numa imensa disputa com sua irmã mais velha Solange, pela herança de seu pai, isto é, a estância, o vinhedo e o casarão. Este é o tema do grande romance da Alma Welt intitulado A Herança, uma verdadeira saga de família, que aconselho os amigos a lerem. Está publicado em e book pela Amazon e está inteiro num dos blogs da Alma. (vide Google: romance A Herança, de Alma Welt).

terça-feira, 3 de julho de 2018

Ressurreição (de Alma Welt)

Não tinha mais por quê e nem por onde,
Não sabia mais o quando e o como,
Sem atinar por trás o que se esconde,
Enfiava a carapuça, o gorro e o domo.

As perguntas terminavam sem respostas,
E via tudo se acabar antes do fim;
Meus navios naufragavam em minhas costas,
Não encontrava mais despojos nem de mim...

Então puxei-me pela ruiva cabeleira
Como aquele barão mestre das mentiras,
Alçando-me da movediça areia.

Como milagre tudo então se refazia:
Eu que estava com o coração em tiras,
Eis que amava como quando era guria...

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03/07/2018

segunda-feira, 2 de julho de 2018

O Mistério de Caim (de Alma Welt)

Abel era pastor, Caim plantava;
Deus acolheu o sangue de um cordeiro
Mas não o que os ares perfumava:
Boas ervas e o trigo do celeiro.

Ninguém perguntou a razão disso
Já que Deus não tem o comum senso,
Co'a lógica nunca teve compromisso,
Pairando bem acima, vago, imenso...

Mas meditando encontrei a solução:
O Senhor nunca vê o ato em si,
E enxerga o profundo coração.

Deus é um cozinheiro da pesada:
A inveja de Caim, eu compreendi,
Junto com suas ervas foi plantada...

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02/07/2018

sábado, 30 de junho de 2018

Frios de Julho (de Alma Welt)

Frios antigos, de Julho, tão amados
Malgrado o meu severo minuano,
Que desde o território castelhano
Sempre vinha por aqui dar os costados...

Eu amava caminhar pelo vinhedo
Envolta no meu pala, e com luvas,
Quando eu acordava muito cedo,
Meu vaporoso hálito entre as uvas...

E emanando de uma densa cerração,
Silêncio plano, pleno, inigualável,
Com um dedo a fazer ssshhh ao coração.

Mas de repente um grito de rapina
Muito agudo, rascante e implacável,
Abrindo no meu sonho uma ravina...

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30/06/2018

sexta-feira, 29 de junho de 2018

A verdadeira vida (de Alma Welt)

Belas manhãs de inverno em nossa estância
Quando todos levantávamos cedinho
Para olhar a geada no caminho
Da escola rural da nossa infância...

Foi tantas vezes esta rota percorrida
Que, como era sempre a mesma,
Eu então me perguntava se minha vida
Deixaria só o rastro de uma lesma...

Sim, o Tempo era lento e arrastado
Pois numa esteira rolante eu me sentia
Tendo atrás cenário belo, mas pintado.

Mas ah! quando um livro eu abria
O mundo era bem mais movimentado
E a verdadeira vida aparecia...

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29/06/2018

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Cantos de amor (de Alma Welt)

"Como posso o meu amor cantar
Se tantos já o cantaram bem melhor?
Se os mais sublimes saberei de cór
Ou de imediato deles vou me apropriar?

Assim dizia por candura a minha amiga
Que pensava ao Amor algo dever
Enquanto eu a afagava sem intriga,
Pois ela já o cantava sem saber...

O coração se abre, não apreende.
Seu erro é inocente o mais das vezes,
E um tanto de beleza sempre rende.

Que mudo seja não conheço amor:
Seu canto ainda dura muitos meses
Depois que as cinzas perderem seu calor...

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28/06/208




Love Songs (by Alma Welt)
(transliteration by Lucia Welt)

"How can I my love sing smart
If so many have sung it much better?
If the most sublime I will know by heart
Or will I immediately read the letter... "

So said by candor my friend
Considering she was in debt to the love
While I stroked him without lend
Because she already sang it like a dove.

The heart opens, does not apprehend.
His mistake is innocent most of the time,
And some beauty always stand...

I do not know a love that can not sing
His singing still lasts in ryme
After the ashes lose their heating ...

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06/28/208

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Os risos perdidos (de Alma Welt)

"Os poetas são tristonhos, Deus me livre!"
Assim se expressou a minha irmã
Quando eu era pequena, uma manhã,
E foi como um choque que então tive...

Não! Meus dias seriam muito alegres,
Escreveria uma Ode à Alegria
E gatos pretos não daria, mas só lebres,
"Não serei uma chorona", eu disse... e ria.

O tempo passou, vieram os mortos
Então voei, viajei para outros portos
E levei comigo sua lembrança...

Então voltei e me olhei no espelho,
Meu cabelo ainda era vermelho,
Mas meu riso não era o da criança...

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27/06/2018

A eterna rebelião (de Alma Welt)

Vão-se as horas e os dias como folhas
Levadas por imponderável vento,
Tornando inúteis e falsas as escolhas
Ou reduzidas a inerte pensamento.

"Tudo é inútil"... me diz a consciência,
Mas meu coração é posto em brios
Pela vaidade resistente, em calafrios
Sacudindo-me na minha desistência.

Tão desqualificado orgulho humano!
Como se erguem os fracos e vencidos
Para um novo levante ou novo engano...

Senhor, se não queríeis rebelião
Por que nos poupastes, presumidos
E tão vaidosos da Arte e da Razão?

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27/06/2018

Anti-poesia (de Alma Welt)

Minha prudente ex babá, a Matilde
Temia que eu ficasse pra titia
Com a minha mania nada humilde
De dedicar corpo e alma à Poesia....

Já contei isso mil vezes, na verdade,
Mas o faço agora pra mim mesma
Não só devido a esta saudade
Que está a tornar-me uma abantesma,

Mas porque minha saudade é o meu melhor
Já que não carreguei ressentimento,
O que por certo seria bem pior.

Me perdoem, estou a ser conceitual
Isto aqui não é poesia, é pensamento.
Quero voltar a ser poeta, meu normal...

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27/06/2018

A parábola convexa (de Alma Welt)

Sim, cada um de nós possui uma quota
De alegrias e tristezas alternadas
Para fruídas serem ou suportadas,
Exceto o homem fútil e o janota:

Estes vivem qual se fácil fosse a vida,
Risonhos cegos na beira do abismo
Ou bêbados pra quem álcool é a comida,
Ou idiotas que ainda creem no comunismo.

Assim falava meu pai, a mim, perplexa,
Que era só uma guria inocente
Querendo mais ser feliz eternamente...

E então, numa parábola convexa
Morreu meu pai e sua morte confirmou
O abismo cego, que só ele me alertou...

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27/06/2018

terça-feira, 26 de junho de 2018

As rosas no pó (de Alma Welt)

"O mistério da Razão, eis o mistério
Que desafia a própria razão nossa,
Pois ela é Deus em forma de critério
Ou o Diabo de nós fazendo troça"...

Assim dizia Frida Welt, minha avó,
Que ao podar rosas, retirando larvas
E ervas más que compartilham nosso pó,
Não eram necessárias nem palavras...

Minha avó era em si alegoria,
E eu sabia que se ela fosse muda
Suas ações teriam igual sabedoria.

Morreu Frida e eu voltei ao seu jardim
E só encontrei pó, terra desnuda;
Plantar rosas só cabia agora a mim...

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26/06/2018

sábado, 23 de junho de 2018

Em louvor de Alma Deutsher (de Alma Welt)

https://youtu.be/Nz0OAcYknyw

Em louvor de Alma Deutsher,
(prodígio musical infantil)(de Alma Welt)

Muitos de nós voamos muito raso, 
Muito já nos arrastamos sobre os pós,
Há quem não creia, pois, nos anjos entre nós
E no entanto há alguns deles ao acaso.

Alma Deutsher, eu a ti reverencio
Pois percebi tuas pequeninas asas
Invisíveis que são pro olhar vazio
Da maioria de nós em nossas casas...

Mas ao ver-te e ouvir-te ao piano
Eu caí de joelhos de imediato,
Admirada de estares neste plano.

Anjo puro de beleza e de talento
Tua origem celeste é, pois, um fato,
Tua música é Deus por um momento...

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24/06/2018

Palavras de minha avó (VIII) (de Alma Welt)

Se mantiveres o coração bondoso
Estás salva, não te corrompeste.
A bondade é ainda o maior teste
E da integridade o mais honroso.

Repara, todo desonesto é mesmo mau
Pois sabe bem que está prejudicando
E age torto como se fosse o normal,
E na ponta não estar alguém matando.

Então, minha Alma, eu bem te compreendi,
Quando tu te recusaste, eu percebi,
A brincar daquela "dança das cadeiras".

É bem possível viver sem disputar
Como também sem passar rasteiras,
Quanto mais pisar cabeças pra galgar...

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23/06/2018

Palavras de minha avó (VII) ( de Alma Welt)

Quando afinal, Alma, ao mundo fores,
E então perdida na grande multidão
Te lembrarás de mim entre estas flores,
Este jardim, a varanda, o casarão...
.
E lembrarás que eras feliz e mal sabias
Com esta tua inquietude de saber
Tudo aquilo que com olhos teus não vias
E só sabias de ouvir falar ou ler...

E por fim perceberás que não havia
Nada aqui que não fosse essencial,
Que não tivesse do mundo uma fatia.

O todo está inteiro em cada parte
Por isso é cada minuto tão fatal,
Por isso a verdadeira vida é Arte...

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23/06/2018

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Um simples resfriado (de Alma Welt)

Um simples resfriado ou dor de dente
Põem abaixo o ânimo do herói
E revela a imagem decadente
Que, inútil, nosso esforço, só, constrói.

Tal é a patética humana condição,
Que o astuto Ulisses aceitava
Em conversa com Circe meio brava
Por ele recusar sua ascensão.

Mas esse homem, frágil entre procelas,
É capaz de novamente alçar as velas
E enfrentar os deuses irritados...

O sonho de voltar, eis o segredo
De toda humana força no degredo
Deste mundo, mero campo de exilados.

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20/06/2018

terça-feira, 19 de junho de 2018

Fundamentos do absurdo (de Alma Welt)

Absurdos são a vida e o mundo
Diante da Razão que nós herdamos
Quando num impulso de um segundo
Fruímos do tal fruto que furtamos...

Nada mais fez sentido, fez-se o caos.
Muito antes da torre de Babel
Já estávamos confusos, tolos, maus;
Caim, coitado, já fizera seu papel.

Tardou-nos perceber que o Paraíso
Continuava a ser nosso cenário,
Pois formamos antagônico juízo.

À beleza que nos oprime agora
Contrapomos o nosso imaginário
Em que a inveja de Caim ainda mora...

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19/06/2018

Teoria e Técnica da invisibilidade (de Alma Welt)

Aplicada, minha mãe quis me ensinar
As estratégias pra invisível me manter,
Começando por deixar de escrever
Asas cortando-me para eu jamais voar.

Ela dizia: "Minha filha, fique quieta
E se possível muda como um peixe.
Entretanto caminhe sempre ereta
E não de lenha carregando um feixe."

"Jamais fale de si mesma ou da família.
O sofrimento esconda por indigno;
Misture-se depressa com a mobília .

"Amaldiçoa em ti tua poesia
Renunciando afinal a esse teu signo
Rebelde, que me olha com ironia..."

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19/06/2018

domingo, 17 de junho de 2018

O poder secreto da Poesia (de Alma Welt)

Às vezes penso que brincar com a Poesia,
Como lidar com a integridade de uma célula,
É confundir borboleta com libélula
E esquecer do átomo a energia.

Porque que sinto que a poesia é poderosa
Pois traz em si, secreto, algo latente
Muito além do que pode a simples prosa
Que muda um conteúdo ou continente,

Não que possa causar uma explosão
Ou o simples poder mágico de um gozo
De transfigurar a vida e o mundo,

Mas um poder de coração pra coração,
Como o boca a boca milagroso
Para quem, de si mesmo, viu o fundo...

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17/06/2018

A fonte secreta da Poesia (de Alma Welt)

Em que estás a pensar?- arguía meu pai
Como o facebook agora o faz...
E eu pensava cá comigo: Agora vai,
Vou abrir-me e talvez consiga a paz.

Mas não: meu coração tem um segredo
Que não consigo claramente exprimir,
Não por pudor, incompetência ou medo
Mas porque é denso demais pra dividir;

Ele é fonte da poesia como um surto
E que carrego qual pecado original
Ou trago comigo como herdeira,

Como a pulsão de Adão e Eva para o furto,
Anterior ao simples ato criminal
A que seguem as desgraças como esteira...

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17/06/2018

sábado, 16 de junho de 2018

O Medo (de Alma Welt)

Tenho medo da solidão da Morte,
Como o Corisco no meio da caatinga, *
Medo do frio que sobrevém ao corte,
E do silêncio que finalmente vinga.

Tenho medo do aniquilamento
Do ego longamente acalentado
Para nada, ou vislumbre de momento,
Para logo se apagar não anotado,

Duas datas somente, o tal resumo
Da ópera que foi a nossa vida,
Talvez um epitáfio como sumo.

Por isso arte, Arte, luta contra o Nada
Uma ilusão talvez, ingênua lida
Da alma eternamente inconformada...

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16/06/2018

Nota
*Tenho medo da solidão da Morte,
Como o Corisco no meio da caatinga - Alma está certamente aludindo ao belo monólogo do cangaceiro Corisco de São Jorge, o Diabo de Lampião, no filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", vivido  maravilhosamente pelo grande ator Othon Bastos,  na obra-prima de Glauber Rocha: "Tenho medo da Morte, Silvino. Tenho medo do frio e da solidão da Morte... " No filme segue-se uma maravilhosa oração de fechamento do corpo do personagem Corisco, sempre em forma de monólogo poético.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

A Divina Justiça (de Alma Welt)

Clamei: Senhor, vejo justiças desiguais:
Pois conosco foram expulsos os animais
Que sem terem provado Vosso fruto
Vagam eles na terra em estado bruto,

Lutando, sofrendo, trabalhando
Como se deles também fosse o pecado,
Somente a dura terra não lavrando,
No mais, igual pesado e duro fado...

Francamente, não entendo essa "Justiça"
Que junto com seu dono pune o cão
Assim como a gazela e o leão.

E Deus me disse: "Ó Alma insubmissa,
Espera que tua batata está assando!
Está boa, Eu Mesmo andei provando"...

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15/06/2018

Sem conselhos (de Alma Welt)

Na vida sempre evitei aconselhar,
Nunca me verão dar um conselho,
Mas meus pecados me veem até rolar
Como bola de estrume o escaravelho.

Ousar ditar regras não é comigo,
Talvez seja centrada em meu umbigo
E assim sou exemplo de não ser;
Disponham, não precisam agradecer.

Me disseram porém que causo inveja
E fiquei perplexa com a notícia:
Comemorei com rima falsa de cerveja.

Enxergo a nudez nossa sem malícia,
Não como à roupa daquele pobre rei,
Que às vezes me dou conta de que a herdei...
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15/06/2018

Minha bela Moira (de Alma Welt)

De tempos em tempos dou com ela,
A Moira, que parece me gostar
E me aborda com um olhar que mela
E um sorriso lindo, de encantar.

Mas, Alma, não é assim que a Moira é vista!
A julgar pelo que lemos nos compêndios
A aparência dela é mais sinistra,
Mais como mendiga em seus remendos...

Com um chapéu de plumas demodé
A convidar-nos para a acompanhar no "thé",
Outros mesmo a veem como Madame.

Mas minha Moira é jovem e sedutora:
Me dá vontade de com ela ir embora
Desta minha bela ópera de arame...
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15/06/2018

O Trato (de Alma Welt)

A vida exige certo afastamento
Para ser plenamente aproveitada.
Demasiado envolvidos no momento
Não enxergamos do todo quase nada.

"Mas, Alma, não propões o "aqui e agora"?
Não consiste nisso a tua doutrina?"
Ora, amigos, isso apenas foi outrora,
Joguei tal filosofia na latrina...

Para fruir da vida o puro extrato
Fiz com o meu anjo um simples trato:
Que me deixasse preservar minha criança.

E assim vivo agora duas vezes:
Emendando meus sonetos de revezes
Com as minhas memórias de abundância...

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15/06/2018

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quinta-feira, 14 de junho de 2018

Francamente ... ou Os Pelicanos (de Alma Welt)

Vivo às custas de pintura e de poesia,
Ballet, cinema, ópera e até drama,
Somente isso o fardo me alivia
Sem o que nem sairia da minha cama.

Sem Arte a vida é idiota, francamente,
Me perdoe dizer isso, meu Senhor...
É verdade que contamos com o Amor,
Também Arte, ele, pura e simplesmente.

Reparem que sem esse recurso
O que vemos é um simples debater-se,
Ou da insensata nau diário curso.

Talvez mero ir e vir do mercadinho,
Com sacolas cheias a romper-se,
Pelicanos voltando para o ninho...

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14/06/2018

quarta-feira, 13 de junho de 2018

O Camaleão (de Alma Welt)

Ver o mundo pelo prisma da poesia
Não é de modo algum dourar a pílula.
O poeta, sim, delira ou se extasia,
Sem do mundo mudar nem uma vírgula.

Também não é pura aceitação,
Não, de puro conformismo não se trata
Descobrir a beleza ao rés do chão
Quando, de quatro, seus próprios cacos cata.

Fidelidade não se julga, puro fato,
Nasce como as cores de uma flor
E determina não destino, mas pendor.

O poeta é multicor camaleão:
Me é difícil apontar predileção
Ao tornar-me tudo aquilo com que trato.

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13/06/2018

terça-feira, 12 de junho de 2018

Não me cobrem (de Alma Welt)

Vim ao mundo para dar minha poesia,
Não me cobrem senão o gênio ou quase,
Não queiram que eu trabalhe ou case,
Só um pouco de beleza a cada dia.

"Saí de casa, só com massa e pita".
Lembram do pequeno Malazarte?
Sou a última talvez que ainda o cita,
Exemplo de matreiro engenho e arte.

Minha beleza ajuda, é verdade...
Não falo isso, bem sabem, por vaidade
Quanto a isso não posso fazer nada.

Este meu fardo, bem sei, parece leve:
A solidão é uma tara não notada
Ao pesar-se na balança o que se deve...

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12/06/2018

As rosas de minha avó (V) (de Alma Welt)

"De lágrimas este mundo é mesmo o Vale,
Todavia embelezá-lo nós podemos,
Ou pelo menos deixá-lo "meno male",
Dificultando as coisas para os demos."

Minha avó alsaciana assim dizia,
Já por conta cultivando suas rosas
Que eram suas dádivas honrosas
Nesse processo simples de poesia

Que era não somente em si a flor,
(que esta vem na conta do Senhor)
Mas na sua relação tão paciente.

E eu ficava observando a velha dama
Que mudava o mundo em sua mente,
Sortilégio de quem quase tudo ama...

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12/06/2018

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Tributo (de Alma Welt)

Disse o bom padre: "A vida é para dar, *
Não para receber". Foi o que disse
Ajuntando, ao que Valjean ia roubar,
Um castiçal pra que partisse....

Nunca me esqueço do episódio
Fundamental daquele grande livro
Que li quando meu pai era ainda vivo
E que me eliminou da vida o ódio.

Fui viver a minha vida em plenitude
Norteada, pois, por tal sabedoria,
Entregando de mim tudo o que pude.

Se não esperas receber, então és livre
Entre aqueles a quem falta a Poesia,
A miséria é só pedir,  mal sobrevive...

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11/06/2018

Nota
*"A vida é para dar, não para receber."Frase fundamental, que muda a trajetória e o destino do personagem Jean Valjean no monumental romance Les Misérables, de Victor Hugo.

domingo, 10 de junho de 2018

O artista e sua lenda (de Alma Welt)

Indo ao mundo, saindo de minha cama,
Não demorei a perceber certo desprezo
Que mundo revelava, frio e teso,
Pelo artista genial antes da fama.

E meditando sobre isso, percebi
Que do soneto mesmo vale a emenda,
E o mundo aprecia mais a lenda
Que a própria criação, a obra em si.

Pensei até cortar-me uma orelha:
(não era mais, felizmente, original)
E ainda aprecio demais meu visual...

A sofrer muito, também, embebedar-me
Sem necessitar tal fogo, na centelha,
Preferi a alma nua: o desvelar-me.

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10/06/2018

Últimos conselhos de meu pai (de Alma Welt)

"Já não és, Alma, guria como antes
E estás prestes a voar, a ir ao mundo...
Eis um conselho útil: sim, vá fundo,
Mas cuidado com os "insinuantes"!

"Quem são eles? São aqueles prestativos
Demasiado sorridentes e gentis,
Charmosos demais, demais ativos
Naquelas vênias e obséquios servis".

Sombras saídas das literaturas
Eu ouvia meu pai atentamente
Tentando imaginar essas figuras...

Já não crendo no mundo, no seu gozo,
O desencanto emanava de sua mente
E eu olhei meu belo pai: estava idoso...

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10/06/2018

sábado, 9 de junho de 2018

O Primado da Inocência (de Alma Welt)

Quisera ser alegre, ó meus amigos,
Rir à toa como em tempo de criança,
Correr por correr em meio aos trigos,
Nos cabelos uma flor ou uma trança;

Olhar todas as pessoas com olhos bons
Exceto quando torvas suas feições,
Porque quem vê da cara os meios tons
Vê por certo, com acerto, os corações.

Acreditar que a vida é uma aventura
Excitante, sempre rica de vivência,
Por dela enxergar a essência pura;

Reconquistar, não qualquer sabedoria,
Mas aquela do primado da Inocência,
Que por pouco a gente não perdia...

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09/06/2018

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Spengleriana * (de Alma Welt)

Tudo está perdido e então vivemos
Nossas "possibilidades extensivas";
A descida é longa, então rememos
Contracorrente como sombras vivas.

De quê falas, Alma? Sê mais clara,
Estás a falar como as esfinges...
Essa prosa enigmática mascara
Uma desesperança que mal tinges?

Então concordas que o barroco
Foi auge da cultura do ocidente?
Crês que o Van Gogh foi um louco?

A decadência é longa e agonizante,
Nosso Poente mergulha lentamente
Em miséria cultural apavorante...

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08/06/2018

Nota
*Spengleriana - relativo à Oswald Spengler (1880 –1936) historiador e filósofo alemão que escreveu "A Decadência do Ocidente" em dois tomos, que parece, a julgar por este soneto, ter impressionado a Alma Welt. Segundo Spengler, o período barroco foi o auge da Civilização Ocidental, na pintura mural, por exemplo, culminando com a arte de Tiepolo (!!). Por sua teoria, do século XIX em diante, grande obras de arte que porventura surgiram e ainda surjam, são apenas "possibilidades extensivas" (expressão criada por ele), já que a decadência de uma civilização sempre se arrasta por séculos. Seu livro causou grandes controvérsias. Nota: Spengler não foi nazista e se opôs à teoria da superioridade racial e por isso foi expulso da Alemanha.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Profecia de cigana (de Alma Welt)

É difícil sabermos onde estamos
Nessa nossa estranha trajetória,
Pois com a sorte mesmo não contamos
Nesse mapa que é, às vezes, palmatória.

Sempre tive um certo fraco por cigana,
Quanto mais brega, cafona, charlatã.
Um tanto sinistra, quase insana,
Uma delas descreveu meu amanhã:

"Alma",- disse- "serás lida pelo mundo,
Não só por teus cabelos vão amar-te,
Mas já estarás num sono bem profundo.

E eu saí daquela tenda aliviada:
Póstuma sempre é a verdadeira arte,
Nada de novo que eu não soubesse... nada.

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06/06/2018

segunda-feira, 4 de junho de 2018

O Segredo do Soneto (de Alma Welt)

O grande segredo do soneto
Consiste nele se escrever sozinho
Bastando um mote ou moteto,
Um teclado, uma tela e um ratinho.

Mas sem a inspiração, o que nos resta?
Pergunta quem acha isso um mistério...
Eu respondo: na verdade é o critério
Que não deixa passar o que não presta.

Ora, Alma, isso é puro Descartes,
Sem o anjo que sopra somos nada,
E o poema mero fruto de descartes...


Bem... concordo, meu anjo paira e zela
Pela última sílaba lançada
Para só então soprar a minha vela.

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04/06/2018

O primeiro contato (de Alma Welt)

Tenho saudades, o tempo todo quase,
De mim, de minha pureza e inocência
Perdidas pelo fruto da ciência
Que busquei a partir de certa fase.

Eu quis saber do mundo pelos livros,
Depois in loco, aí, pelas estradas,
Mas fatos e pessoas eram mais vivos
Nas páginas escritas e ilustradas.

Meio abúlica pareceu-me a humanidade
Que pensei em despertar meio tossindo,
Tal era a minha, sim, curiosidade...

Só me lembro de gente indo e vindo
E de alguém que me olhou e ficou rindo.
Qual se eu é que não fosse de verdade...

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04/06/2018

domingo, 3 de junho de 2018

Ideal (de Alma Welt)

Para elevar o mundo a um ideal
Não temos base para a comparação;
O que vem de nosso âmbito mental
A marca leva, já, da imperfeição.

Do ideal, portanto, eu tenho medo
Pois é dele que deriva a derrocada,
Depois da opressão (parte do enredo),
O naufrágio, o fracasso da empreitada.

Alma poeta, não és idealista?
Como pode não sê-lo, uma artista...
Bem melhor o mundo quem não quer?

Estava escrito: "Ideal" (mote do orgulho),
Estandarte na mão do próprio Lucifer,
Antes da guerra, da queda, do mergulho...

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03/06/2018

sábado, 2 de junho de 2018

O Medo (de Alma Welt)

Deus não falou no "medo", em seu furor,
Limitando-se a citar suor e pão
E também ao terrível parto em dor,
Estes anátemas cruéis da expulsão.

Mas o medo... báh! o medo os supera
Como perfeita maldição a qualquer um,
Pois se a morte incontornável nos espera
Bem podia ser banal, sem dor, comum...

Mas não! Esse fantasma nos assombra
Pois de um minuto vivido, salvo e são,
Era do minuto a própria sombra.

Medo: lado mais mesquinho do castigo,
Nos retira o sabor do próprio pão
E duplica a dor que o parto traz consigo.

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02/06/2018

sexta-feira, 1 de junho de 2018

O poeta sorri (de Alma Welt)

Muita gente tateia como cega
Num mundo de teor indefinível.
O poeta, rebelde, não se entrega
Ao nível mais rasteiro do visível.

Visionário? Talvez... mas do real
Em sua forma mais perfeita
A que alguns chamam de Ideal
E pensam que se trata de receita...

O olhar desvelador é privilégio; 
Para alguns talvez cause receio
Para outros, supremo poder régio.

O poeta tateia em outro nível,
Como cego em meio ao tiroteio
Sorri, pois como corpo, é invisível.

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01/06/2018

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Contra a falta de sentido deste mundo (de Alma Welt)

Contra a falta de sentido deste mundo
Propor a Arte, um gosto, um ideal
É o que faz o homem mais fecundo
Apesar da sujeira em seu quintal.

Vamos pintar como Hokusai a Onda,
Como Van Gogh a noite só de estrelas,
Ou como o Da Vinci a Gioconda,
Se na vida não pudermos mesmo tê-las.

Quê me importa a falta de sentido
Se num momento, um lapso, um latido
Refaz o cão que nem pude mesmo ver?

É sempre algo que tenho ao bel prazer
Pois, na verdade, para ver basta-nos crer
E o mundo é meu para só ser construído...

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31/05/208

quarta-feira, 30 de maio de 2018

A saga da Alma (de Alma Welt)

Para ti mesma, quanto, Alma, prometeste
Desde muito cedo em tua vida!
Cumpriste as tuas juras, escreveste,
Foste tu a tua Terra Prometida?

Fiaste a bela teia de sonetos
Que era o teu sonho de guria;
Sempre duas quadras, dois tercetos,
A cercear só a quem os desafia.

Desfiando o que em ti já era belo,
Aguardavas sob este mesmo teto
Uma transfiguração de teu castelo.

Conquanto nunca a paz isso te traga,
Eternizaste a verdadeira saga
Desse teu coração puro e inquieto...

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30/05/2018

domingo, 27 de maio de 2018

A Princesa (de Alma Welt)

                                              Alma no balanço - o/s/t de Guilherme de Faria, 2018, 100x100cm

A Princesa (de Alma Welt)

"Gente é pra brilhar" disse um poeta, *
E dizem outros que viemos pra sofrer.
Entre a hedonista e a asceta
Eu procurei uma maneira de viver...

"Minha guria, voar tanto é o teu mal"
Diz Matilde, fiel dama (minha ex bá)
Numa corte meio implícita e geral
Que sempre rodeou esta de cá...

Que posso eu fazer? Não tenho culpa
De ter nascido em meio a privilégios:
A borboleta não fica só na pupa.

Inebriada mas sóbria (nem cerveja),
Submissa aos (de Deus) poderes régios
Eu aceitei com modéstia ser princesa...

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27/05/2018

Nota
* "Gente é pra brilhar" - verso famoso de um longo poema de Wladimir Maiakóvski:

A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha

A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
¿Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!

E grito ao sol:
¿Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
¿Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostra medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
¿Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:
¿Pois bem,
sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta²,
etc.
E o sol:
¿Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!¿
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
¿Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.

¿O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar
que tudo o mais vá prá o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

Vladimir Maiakóvski

sábado, 26 de maio de 2018

Alma e o Lobo (III) (de Alma Welt)

                        Alma e o lobo - o/s/t de Guilherme de Faria, 2012, 150x150cm

Alma e o Lobo (III) (de Alma Welt)

Uma vez eu estava na coxilha
À procura daquele meu guará
E encontrara suas pegadas numa trilha
Quando chegou Matilde, minha bá.

Ela zombou:"Com esse teu cabelo ruivo,
Estás a Chapeuzinho, tal e qual,
A perseguir o Lobo com teu uivo
Porque és avessa a todo o natural."

"Vem para casa, ó guria, deixa em paz
O teu lobo, que está dentro de ti
Solitário, arredio e contumaz..."

Eu a acompanhei no seu retorno
E no vetusto casarão logo me vi
Com Frida minha avó, e um banho morno...

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26/05/2018

Sossega, minha alma ou A Penélope de Deus (de Alma Welt)

Sossega, minha alma, o tempo rende,
E a medida nos foi dada com critério.
O soneto não é preciso que se emende,
Mas a métrica de Deus é um mistério.

Sim, há vidas que aparentam pé quebrado,
Falta-lhes uma ou duas silabas no verso
E o seu ritmo parece sincopado,
Logo ao vento seu balbuciar disperso.

Mas se és poeta verdadeiro
O Senhor preservará tua harmonia
Como repõe a tinta em teu tinteiro.

E em teu pequeno reino permaneces
Se o versejar de tua poesia
É só a teia que esperançosa teces...

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26/05/2018

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O idiota universal (de Alma Welt)

"Precavei-vos, minha Alma", diz meu pai
Nesse tão deliberado tom solene
"Contra o orgulhoso que não cai
Ou o simples idiota que é perene."

E eu ria que ria achando graça,
Ou simplesmente "de nervoso"
Já que só lhe notava o tom verboso
Pois o mundo estava atrás de uma vidraça.

Foi preciso crescer e ver o mundo
Com meu próprios olhos pra entender
Que a idiotice é um mal profundo.

O idiota é o mau inconsciente
Que causa tanto dano a toda gente,
E é quase sempre o último a saber...

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24/05/2018

terça-feira, 22 de maio de 2018

Puro cantar (de Alma Welt)

"Como depois de mil sonetos pode alguém
Ter ainda alguma coisa pra dizer?
Pergunta feita mais por mal do que por bem,
Que no entanto me foi fácil responder:

A poesia é uma espécie de cantar,
E como canta o mavioso rouxinol
Mas somente após cair o sol,
A cotovia canta o nosso despertar, *

Assim também o poeta verdadeiro
Abre o bico e canta pura e simplesmente,
Não só canto de cisne, derradeiro... *

Veja, a inspiração não nos pertence,
Está no ar, vem de cima, é um presente
Para quem com seu ego luta e vence.


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23/05/2018


Notas
*E como canta o mavioso rouxinol
Mas somente após cair o sol,
A cotovia canta o nosso despertar - Alma alude sutilmente à famosa cena do despertar da noite de núpcias de Romeu e Julieta, de Shakespeare.

*Não só canto de cisne, derradeiro... * - alusão à lenda de que o cisne, um animal mudo por toda a vida, lança um longo e doloroso canto quando sente que vai morrer. Tal fato (ou lenda) gerou a expressão popular "o canto do cisne (de fulano)" para a última manifestação ou despedida de um artista. A origem dessa lenda, está contida no episódio da escolha após a morte (metempsicose) do Poeta e cantor Orfeu de uma nova vida no corpo de um cisne, animal (o derradeiro canto de um cisne seria a manifestação paroxística da alma de Orfeu reencarnado), Esta estranha escolha do grande poeta morto pelas mulheres da Lídia, decorreu do fato do poeta traumatizado não querer mais "renascer do ventre de mulher", descrito no chamado "Mito de Er, o Panfílio (armênio)", nas últimas páginas do diálogo "A República", de Platão (em que está a maravilhosa descrição minuciosa e esotérica do Fuso de Ananke, de complexo sentido iniciático (vide Mistérios de Elêusis).
(Guilherme de Faria)

domingo, 20 de maio de 2018

O Mal está feito (de Alma Welt)

Que sabemos nós de Deus e desta Vida,
Seus insondáveis inúmeros mistérios?
Uma pedra imensa e esculpida
Já nos põe boquiabertos e aéreos...

Nossa memória é curta, não vai longe,
Na Terra de Caim já havia o Mal
E se o Dilúvio não vem e não esponje,
Tudo estaria como hoje, tal e qual.

Também Jesus morreu pra nos salvar
Mas ninguém infelizmente se salvou
E estamos todos no mesmíssimo lugar...

Não tem jeito, o homem veio com defeito
Reclamar pra Quem? Quem nos criou?
Não há devolução, o Mal está feito...

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20/05/2018

Correr Mundo ( de Alma Welt)

"Não penses, Alma, que o mundo é teu amigo:
Mal nascemos já estamos em perigo."
Assim dizia a minha bá Matilde
Que era tão prudente quanto humilde.

"Fica em casa a coser, ler, e a bordar.
De onde vem essa tua inquietação?
Os livros de teu pai deviam bastar,
Ali tem livro para encher uma estação..."

Eu ria e afagava o rosto dela,
A minha pobre ama-seca tão fiel
E que só não me queria aí, ao léu.

Foi preciso correr o mundo inteiro
Somente pra voltar pra esta janela
Onde o mundo vem na brisa como cheiro...


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20/05/2018

sábado, 19 de maio de 2018

Sonetos de Amor (de Alma Welt)

Por que quase não escreves sobre amor
Já que o soneto para isso foi criado?
Me perguntou, meio despreocupado,
Mas, a propósito, um certo bom leitor.

Como?- repliquei- "Tudo o que escrevo
Do amor está sempre sob o signo,
Por isso, de ser lido, mesmo, é digno...
Não me cobres jamais o que não devo."

Ocuparmo-nos das coisas deste mundo
Só é possível se pudermos transcender
A ironia, e o desprezo que há no fundo...

Quanto de amor é necessário adcionar
A tudo e a quase todos pra escrever!
Mas o açúcar?... convenhamos evitar.
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19/05/208

A Andarilha (de Alma Welt)

Fiel àquele mundo imaginário
Bem próprio de minha infância bela,
Mas agora com um pé no ordinário
Me vi pronta para desfraldar a vela.

"Sou poeta", eu disse, "não me pegam,
A mim, assim, não farão bem comportada;
A pele da alma não me esfregam,
Nem deixarão limpinha minha fachada..."

"Nem serei a poetisa sazonal
De um poema prodigioso e anual,
A poesia será meu cotidiano..."

E me tornei esta alma andarilha
Já que cessou o mundo de ser plano,
Mas em mim mesma criando a minha trilha...

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19/05/2018

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Minhas rusgas com Deus (de Alma Welt)

A vida é bem cruel no mais das vezes,
E me faz mesmo questionar o Criador.
Não gosto da injustiça e desamor
Com que trata umas crianças e as reses...

Ele diz que somos nós que o fazemos,
Mas Sua omissão é que me choca,
E um berreiro faço até, dos demos,
Que nos ouvidos Deus as mãos coloca.

"Cala-te, fedelha! Tu me intrigas...
O que tu pensas, ó tola peralvilha?"
(Deus fala assim, meio às antigas)

"De alguns por mais cruel que seja a sorte,
Para todos eu criei a maravilha
Do pleno esquecimento, que é a Morte..."

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18/05/2018

A viagem (de Alma Welt)

Minha avó diz que temos que correr,
Será preciso viajar, tudo é destino.
O trem partiu da estação ao sol nascer
E já temos sobre nós o sol a pino.

Se o embalo te deixa sonolenta,
Corra entre os vagões feito criança.
Para alguns a viagem é pasmacenta,
E o bilheteiro picota e não se cansa.

O apito, este sim, é auspicioso
Aos nossos sonhos e ouvidos pueris:
Faz crer que o maquinista é glorioso.

A estação final ninguém conhece,
Ouvi dizer que o nome é curto e lhe condiz,
A gente chega, lê, e tudo esquece...

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18/05/2018

quinta-feira, 17 de maio de 2018

O pão, o sal e o vinho... (palavras de minha avó) (de Alma Welt)

Não te mistures muito, minha guria,
Se acaso fores às vilas e cidades;
O povo necessita de poesia
Mas tem muito mais necessidades.

Se não és uma enfermeira pouco podes,
Ou uma médica, vocação sublime...
Mas não pedirei que te acomodes
Se és somente alguém que tudo rime.

Vai como menestrel por entre as gentes
E virás a conhecer o Bem e o Mal
Nos humanos corações e suas mentes.

Finda a função, declina dos convites,
Pra com eles dividir o pão e o sal
Porque o vinho que então vem não tem limites...

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17/05/2018

terça-feira, 15 de maio de 2018

Diogenes (de Alma Welt)

Diogenes - pintura de Jean-Léon Gerôme, 1860

Diogenes (de Alma Welt)

A vida é permanente luta interna
Ou ao menos procura obstinada
Como a daquele louco da lanterna,
Por oculta hombridade ou disfarçada,

Passeando com seu galo depenado,
Diogenes, de Sinope para o mundo,
Ao sol, no seu tonel sem fundo,
Pediu sair da frente um potentado.

De nossa procura verdadeira
Os políticos somente nos desviam,
Querendo nossa atenção a vida inteira...

Mas aqueles cujas sombras promoviam,
Da frente do meu sol eu expulsei...
Pleno de vinho é meu tonel, então, bebei!

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15/05/2018

A Banalidade do Mal (de Alma Welt)

"O grande problema da existência
É sabermos separar o Bem do Mal,
Pois estão misturados, com frequência,
E mesmo os tens bem aí no teu quintal..."

Meu pai dizia, fumando o seu cachimbo,
Ou num gesto banal para limpá-lo,
E o fazia somente no domingo
Com toda a semana de intervalo.

"Mas o perigo é uma fatal banalidade
Na qual o Mal entre nós se transfigura
Pra com ele nos sentirmos à vontade..."

Assim, meu pai me pôs bem alertada
Pois o Mal já se propôs imagem pura,
Que afirmava existir, não misturada...

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15/05/2018



Nota

Sobre "a banalidade do mal"
Por Felipe Tessarolo em 19/01/2016

Hannah Arendt (1906-1975) foi uma teórica política alemã, de origem judaica, que atuou também como jornalista e professora universitária. Escreveu livros como As origens do totalitarismo (1951), A condição humana (1958), Homens em tempos sombrios (1968) e Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal (1963) e é considerada uma das pessoas mais influentes do século 20.

Este artigo pretende fazer uma analogia entre as ideias expressas por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém, o conceito sobre a banalidade do mal e o comportamento dos indivíduos nas redes sociais, que de certa forma replicam as análises desenvolvidas pela autora.

Adolf Eichmann foi um oficial da Gestapo nazista responsabilizado pela logística de extermínio de milhões de pessoas. Foi capturado na Argentina e julgado em Jerusalém no ano de 1961. Hannah Arendt foi enviada como correspondente pela revista The New Yorker para cobrir as sessões do julgamento tornadas públicas pelo governo israelense. Em 1963, com base nos artigos publicados pela The New Yorker, a autora publicou um livro sobre o julgamento e nele desenvolveu uma análise sobre Eichmann.

Um dos pontos polêmicos do livro é a maneira como a autora interpreta o comportamento de Eichmann, pois além de cobrir todo o processo do julgamento, ela ainda entrevistou pessoalmente o acusado. Segundo Hannah Arendt, Adolf Eichmann não era um monstro, alguém com um espírito demoníaco e antissemita. Ela o identificou como um burocrata, um sujeito medíocre, que de certa forma renunciou a pensar nas consequências que os seus atos poderiam ter. “Embora as atrocidades por ele conduzidas tivessem sido de uma crueldade inimaginável, ‘o executante era ordinário, comum, nem demoníaco, nem monstruoso’. Eichmann revelou-se, durante todo o processo, até os dias que antecederam sua morte por enforcamento, como uma pessoa incapaz de exercer a atividade de pensar e elaborar um juízo critico e reflexivo” (SIQUEIRA, 2011).

Mas é preciso dizer que os judeus no mundo todo ficaram indignados com a tese de Hannah Arendt, que consideraram uma judia renegada, e que ela, sim, é que estava banalizando o Mal. O Mal para os judeus é torpe e demoníaco ao extremo, e os nazistas estão associados a Satã sobre a Terra. Eu também assim acredito. A aparente banalidade do Mal no nosso cotidiano, é justamente uma das maiores perfídias do demônio.
(Guilherme de Faria)

Ervas Daninhas (de Alma Welt)

"Nesta vida, somente Amor e Arte
Têm algum sentido transcendente
Pois a Fé deles deriva ou faz parte
Que sem ela o Ser vive mas não sente."

Minha avó assim dizia em seu jardim
Protegendo suas flores de umas ervas
Que com o dedo apontava para mim:
"Daninhas e mortais se as conservas..."

Mas nenhuma diferença eu via, ou pouca,
De outras ervas com que fazia os chás,
E eu achava minha avó um pouco louca.

"As pessoas ervas são, minha querida,
E tu precisas distinguir quando são más,
Entre as boas no Jardim de tua vida..."

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15/05/2018

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A Poesia e a Pintura (de Alma Welt)

A Poesia é irmã gêmea da Pintura
Mas não univitelina, na verdade;
E suas diferenças de estrutura
Têm a mesma meta e liberdade.

Por isso tantos poetas são pintores
(não só como Rimbaud com suas vogais)*
E encontram nas palavras suas cores
Buscando uma fusão que as liquefaz.

Dante, se não o Alighieri, mas Rosseti,
Logrou exercer magistralmente
Esse duplo mister que nos compete:

Plasmar do mundo o dom poético na tela
Assim como as cores de sua mente
Colorem cada palavra que a revela...

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14/05/2018

Notas
*não só como Rimbaud com suas vogais- O grande poeta Arthur Rimbaud
tem um famoso poeminha denominado "Les couleurs des voyelles".

*Dante, se não o Alighieri, mas Rosseti - Dante Gabriel Rossetti (Londres, 12 de maio de 1828 — Birchington-on-Sea, 10 de abril de 1882), originalmente Gabriel Charles Dante Rossetti, foi um poeta, ilustrador e pintor inglês de origem italiana. Devido à sua preferência pela poesia medieval e em especial pela obra de Dante, Rossetti muda a ordem dos seus nomes e passa a usar Dante em primeiro lugar. Fundou, juntamente com John Everett Millais e William Holman Hunt, em 1848, a Irmandade Pré-Rafaelita, um grupo artístico entre o espírito revivalista do romantismo e as novas vanguardas do século XX. Rosseti era tão grande poeta quanto pintor.

domingo, 13 de maio de 2018

O segredo do Humor (de Alma Welt)

"Sobretudo é necessário ter humor
Para viver, amar e fazer arte.
Humor não é algo pronto a se dispor,
É colocar-se a si acima e à parte..."

E contestei meu pai: "Como? O que dizes?
Quando íamos caçar naqueles dias
Comparaste-nos ao voo das perdizes,
Pobres humanos que voamos raso, e rias..".

E respondeu meu pai: "Vencer o medo
Para olhar-nos um pouco lá de cima:
Tolos, agachados, mãos na carabina..."

"Enxergar-nos do alto de um rochedo
Como talvez Deus nos veja: aparvalhados,
Ainda "gauches" nos sentindo, e pelados..."

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13/05/2018

quinta-feira, 10 de maio de 2018

A Obra Aberta (de Alma Welt)

"Não estamos nunca prontos, acabados,
E somos obra aberta pra retoques",
Dizia, remexendo os seus guardados,
Minha avó nos seus típicos enfoques.

E eu ficava imaginando o meu pintor
A pintar-me numa tela com esmero
Sem atingir o fim, e em desespero
Destruindo-me afinal por puro amor.

E dei-me conta de que Deus é o Artista
Que envelhece e mata por capricho
O modelo, quanto mais Sua mão insista.

E sorri, como a própria Monalisa
Cujo sorriso era tão somente o início
Da gargalhada a vir, e que ela avisa...

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10/05/2018

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"Por quem os sinos dobram" (de Alma Welt)

Eu gostaria de ter sido só amor,
Sem dor, ressentimentos e ironia
Que se estes marcaram minha poesia,
Revistos quase ferem meu pudor.

O espelho da poesia não é qualquer,
Muito menos como um espelho de cristal
Lisonjeiro que devolve o que se quer,
Mas terrível, zombeteiro e quase mau.

A poesia é esse dom de solidão
E por nós os amigos vestem luto
Ou nos dão essa precoce sensação...

Pois os versos seu pacto nos cobram
Como ao Fausto a beleza do minuto
E somos vivos "por quem os sinos dobram"...

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09/05/2018

Notas
* "Por quem os sinos dobram"- Este verso célebre ( ...for whom the bells tolls...) são do poeta inglês elisabethano, John Donne (contemporâneo de Shakespeare) O poema a que ele pertence, começa assim: "No man is an island.."" Nenhum homem é uma ilha, somos todos parte do continente)...e termina : "Por isso não pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti."

*...seu pacto nos cobram/como ao Fausto a beleza do minuto - alusão ao pacto que o insatisfeito e entediado Fausto ( no grande poema dramático de Goethe) faz com Mefistófeles (encarnação do Diabo), segundo o qual se através das dádivas e poderes que o demônio lhe proporcionasse, num momento de satisfação e deslumbramento dissesse afinal "ao minuto que passa" : "Pára! És tão belo! ", o pacto cessaria, e pelo contrato ele morreria e a sua alma seria levada por Mefistófeles. Mas no final, inusitadamente Deus caloteia o Diabo (tratava-se de uma aposta de Deus com o Diabo pela alma do sábio recluso) e manda um anjo serafim sedutor em evoluções e meneios despertar a luxúria do diabo na hora da saída da Alma do corpo de Fausto, distraindo-o com sua beleza adolescente e tentadora, O serafim se aproveita da distração e escamoteia a Alma de Fausto levando-a para o céu. Deus, que perdera a aposta... ludibria o Demônio.

Autocrítica (quase pedante) (de Alma Welt)

Bem cedo com a beleza fiz um pacto
E dela eu seria uma devota,
"Data venia, latu sensu, ipso facto",
Preservando sua essência e sua nota.

Quero dizer com isso que elegi
A estética e o rigor greco-romano
Em que pese o beco em que me vi
Sem saída, passadista, quase insano.

Mas tal clássico modelo restringi
Tão somente à forma da expressão
Pois no conteúdo eu me expandi.

E do soneto eu seria esta guria
Cheia dos caprichos da Invenção,
Que são meu núcleo denso de Poesia...

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09/05/2018

terça-feira, 8 de maio de 2018

O Esquecimento (de Alma Welt)

Nada é mais triste que esquecer...
O esquecimento é o maior castigo
Que não desejo nem para o inimigo
Porque é a pura essência do morrer.

Me refiro só ao meu esquecimento
De mim em mim mesma, e não no outro.
A memória é o destino do momento,
Lembrar é ter consigo novo encontro.

Senhor, leva contigo a minha vida
Mas, rogo, não me tires a memória,
Tudo o que tenho é a minha história...

Que me importa uma alma sem lembrança!
Se toda esta bagagem é esquecida
Porque tanto a carreguei como fiança?

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08/05/2018

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Filosofia simples (de Alma Welt)


Pelo amor vivi a vida inteira,
Mormente o amor do ser humano,
E de tudo que existe na tal Feira
Das Vaidades, que pra manga dão o pano.

Tudo o que é humano me concerne
E até os pecadilhos me são gratos;
Na verdade, desta vida são o cerne,
Só não suporto os maus e os ingratos.

Há aqueles que nos desqualificam
Reafirmando o Mal em nossa vida,
E na escolha mesma com ele ficam...

Quero crer: o Mal não é a medida,
Só nos coloca fora de um sistema,
Pois é a falsa clara e não a gema...

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07/05/2018

domingo, 6 de maio de 2018

A queda (de Alma Welt)

"O mundo é falso, mas como tentação
O pomo continua em toda parte,
E o Jardim, com sua árvore de exceção,
Há muito virou lote de descarte..."

Assim dizia um velho professor
Quando eu estava na escolinha,
E eu ficava impressionada, com horror
Pois que o Éden no coração eu tinha.

Mas percebi o laivo de amargura
Mascarada de humor, daquele Mestre
Que perdera a mulher em queda equestre.

Ele mesmo é que caíra do cavalo:
Ela levada por bem melhor figura
Descobrira o Paraíso, sem amá-lo...

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06/05/2018

sábado, 5 de maio de 2018

O Mestre da Montanha (de Alma Welt)

"Se queres ser poeta muito leias,
Não sejas mera fazedora de versinhos.
Como os ninhos, os casulos e as teias,
A poesia faz-se à margem dos caminhos."

"Deverás sair da trilha das estradas
E abrir mil picadas a machete
Evitando as áreas desbravadas,
Somente nova trilha te compete..."

Assim dizia um mestre que sonhei
E que vivia no alto da montanha
Bem longe da cidade e sua sanha.

Mas de repente, foi-se o sonho, acordei
Na planura, e do soneto até a ode
O Poeta é o que faz só o que pode...


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05/05/2018

Teu é o Mundo (de Alma Welt)

"Teu é o mundo, filha, por princípio,
Pois, como todos nós, nele vieste.
Não o vejas como algo vão ou ímpio,
Ou do Eden uma fuga para o Leste..."

"Não matarás nunca um teu irmão
Nem roubarás o fruto do vizinho
De quem respeitarás a opinião
E mesmo um palpite comezinho."

"Frua o mundo, sem culpa, com respeito,
E o mundo te abrirá o seu segredo
Se provares te-lo antes no teu peito."

Assim disse meu pai quando nasci,
E por isso cresci quase sem medo,
Mas também por este "quase" eu me perdi...

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05/05/2018

segunda-feira, 30 de abril de 2018

A rebelde (de Alma Welt)

Medo da vida mesma tive nunca,
Tive medo é da sua adversária,
A maldita, multiforme, triste e vária,
Embuçada ou nua, sempre adunca.

Entretanto cortês, de voz melíflua
Um tanto grave, é verdade, mas macia,
Empenhada em evitar que a vida flua,
A despejar-nos com a água da bacia...

Devemos aceitá-la, ouvi na missa:
Só estamos aqui como castigo,
Nosso Vale não imita os da Suíça.

Mesmo assim, rebelo-me, discuto;
O que houve nada tem a ver comigo,
Jamais assumo o pomo que não furto...

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30/04/2018

domingo, 29 de abril de 2018

Balanço da Alma (III) (de Alma Welt)

Quantos amores e alegrias eu vivi
Na casa grande de meus pais e meus avós!
Quantas memórias e segredos recolhi
Como base de meus textos logo após...

Nada é falso ou fictício, pois meus sonhos
Fazem parte verdadeira desta saga,
Omitidos quando toscos ou bisonhos,
Transfigurando outros, nunca amarga...

Tristezas, sim, tive algumas, passageiras
Que não pude evitar no meu percurso
Estas intrusas e noturnas companheiras...

Mas emergi como musa triunfante,
De mim mesma, retomando meu discurso,
Indiscreta, pois da Vida fui amante...

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29/04/2018

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Alma no bosque florido (de Alma Welt)

                                           Alma no bosque florido- o/s/t de Guilherme de Faria, 2018, 100x100cm

                                    Alma no bosque florido - óleo sobre tela de Guilherme de Faria, 2018, 100x100cm

Alma no bosque florido (de Alma Welt)

Chegaste, Alma, no bosque tão florido
Que será a tua casa verdadeira,
E em silêncio doce e comovido
És branca nau com flores como esteira...

No mundo toda alma tem o seu nicho
Que é como um refúgio, uma capela,
Onde sem necessidade de uma vela
O Ser se reintegra, como um bicho.

É tua casa, chegaste, é como um porto.
Para alguns é como um estaleiro,
Para outros uma vigília, como o Horto...

Sossega, se acaso inquieta estejas
Para voltar ao mundo, esse vespeiro;
Agora abelha és, e as flores beijas...

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25/04/2018

terça-feira, 24 de abril de 2018

Pique-esconde (de Alma Welt)

Eu bem quis burlar o meu destino
Tentando evitar o inevitável
Como uma brincadeira de menino
Naquele pique-esconde memorável...

Mas a Moira era com quem eu brincava
E sorria para mim o tempo todo
Tal como companheira (assim pensava),
Já tramava dar comigo nalgum lodo.

Tristes são os jogos do vivente:
Não há como escapar na brincadeira,
Somos sempre descobertos de repente.

Mas retornando em forma de poesia
Através de mil sonetos em carreira,
Eu, meu pique-esconde estenderia...

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24/04/2018

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Eu e a Poesia (de Alma Welt)

"O autêntico real absoluto
É a Poesia", Novalis já dizia...
E sou sua companheira até de luto
Quando morre à míngua, em afazia.

Mas renasce e sou fiel à renascida
Quando parece não se recordar de mim
E tenho de acenar-lhe constrangida:
Sou Alma, não te lembras? Estou aqui, sim!

Morro e reencarno em mim mesma
Me buscando onde for meu paradeiro
Mesmo quando quase uma abantesma...

Meu mundo é realidade paralela
Mas real, absoluto, verdadeiro,
Com humilde persistência de uma vela...

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23/04/2018

domingo, 22 de abril de 2018

A Dança das Cadeiras (de Alma Welt)

Ó meus amigos, que saudades tenho eu
Dos tempos de nossas brincadeiras
De salão, como a "dança das cadeiras" :
Quem não sentou, caiu, saiu, perdeu...

Depois, na vida, seguimos com o jogo,
Nunca haveria cadeira para todos
E vi de alguns amigos pranto e rogo
Já que foram dar em chão de lodos...

Há quem diga que injustiça não existe
(meu pai mesmo era desta opinião)
Mormente para quem no erro insiste,

Mas, ai, como me lembro dos caídos,
Quem nem por isso mereciam ser punidos,
Desajeitados para os jogos de salão...

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22/04/2018

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Cristo nos espelhos (de Alma Welt)

Tinha tantas providências a tomar,
Como pôr a casa em ordem, por exemplo,
Me compor como se fosse me casar
Mas fazendo do meu corpo o próprio templo.

Assim perdi meu tempo em ninharias
Sem me dar conta um só momento,
Orbitando o espelho das marias
Madalenas antes do arrependimento...

Mas eis que vi um quadro do Van Gogh
Um belo autorretrato tão intenso
Que por um instante fiquei grogue

E vi que ele era o Cristo dos espelhos
Como em todos nós, mas nele imenso,
E me pus diante da Arte, de joelhos...

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20/04/2018

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Como posei para o pintor (de Alma Welt)

Pois ali estava eu frente ao pintor
Diante da tela no seu grande cavalete,
E sem ordem e o mais leve rumor
Fiquei nua sem ajuda de um valete

Ao deixar cair ao chão o meu vestido
Diante do surpreso olhar do artista
Que nem sequer fizera um tal pedido
E logo, de imediato, a tela risca...

Foi assim, mas não me alongarei
Pois jamais entro nos "sórdidos detalhes"
Que, tão lindos na verdade, ocultarei.

E emergi em pintura gloriosa
Como se fosse a rainha de Versalhes
E não esta tão inquieta que mal posa...

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19/04/2018

segunda-feira, 16 de abril de 2018

O eterno retorno (IV) (de Alma Welt)




O eterno retorno (IV) (de Alma Welt)


Memórias, pensamentos, devaneios,
Com que ricos povoo estes meus dias
Que por certo não o são por outros meios,
Rica de mim, pobre de mim se não me lias

Tu leitor e face-amigo, passo a passo,  *
O melhor que posso, sim, diariamente,
Logo eu, que na verdade nada faço,
E tudo em mim se passa só na mente...

Mas o que é o corpo, não é verdade?
Este se vai como a canção do pó no vento *
E só resta de alguns poucos a saudade...

Quero, pois, estar contigo como agora
Já que fui só um ou outro pensamento
Que retorne de mim se eu for embora...

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16/04/2018


Notas
*... face-amigo - A Alma Welt,  após sua morte em 2007, passou a se apresentar ao artista Guilherme de Faria, desde 2008 na página dele no facebook, diariamente, seus sonetos e pensamentos digitados ali diretamente no Status, e datados na hora. Iniciados em 2001, seus sonetos já beiram os 5.000 (!!!). Somente neste blog, um dos mais de 60 da poetisa,  são, até este momento, cerca de 1.405.

* canção do pó no vento - Alma certamente se refere à belíssima e pessimista canção "Dust in the Wind", sucesso dos anos 80 da banda de rock americana Kansas.

sábado, 14 de abril de 2018

Pecado Original (de Alma Welt)

                                      Adão e Eva no Paraiso - curiosa pintura a quatro mãos, de Rubens e Jan Brueghel. 
                                                   Rubens pintou o casal e Brueghel a paisagem e os animais..

Pecado Original (de Alma Welt)

"Minha Alma, cabe a ti vencer o Mal
Que herdaste ao nascer, o tal pecado
Original, de fato assim chamado
E que faz de ti um ser mortal..."

Assim disse meu pai, quando eu guria
Lhe perguntei o porquê da confissão,
Que tão inútil então me parecia
Porque não tinha nenhum mal no coração.

Olhou nos olhos meus meu lindo pai,
Deu um suspiro e disse: "Vai brincar
No Jardim com teu irmão. Sossega e vai..."

Então voltamos, eu e Rodo, às maçãs
E até hoje não sei o que é pecar
Ao brincar nua no pomar pelas manhãs...

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14/04/2018

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Autocrítica (de Alma Welt)

Representação artística alemã de um aparato para destilação da Aqua vitae (em italiano "Aqua de Vita") o ethanol, do Liber de arte Distillandi, de Hieronymus Brunschwig, 1512.
Entretanto Aqua de Vita, era também conhecida como a mítica Fonte da Juventude, procurada e supostamente encontrada na Flórida pelo espanhol Juan Ponce de León 1460-152


Autocrítica (de Alma Welt)

Não costumo dizer "nós" no meu soneto,
Não sou ego-centrada o suficiente.
O que há comigo, erro ou acerto,
Por certo não atribuo à toda gente...

Individualista empedernida,
Quem quiser que se veja ou se reflita...
Estou a falar da minha vida,
Sou fonte mas não sou "aqua de vita". *

"Egotista sublime", disse um crítico, *
Dos de minha espécie, ou parecido,
Faço do meu centro um polo mítico.

Como se fora um humano querubim
Mas sem me atribuir geral sentido,
Tenho a desculpa de só falar de mim...

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13/04/2018

Notas

* "Egotista sublime" ´Expressão criada pelo crítico inglês Herbert Reed, que assim classificava o mais alto tipo de poeta (a seu ver), que aparentemente falando somente de si mesmo, falava de toda humanidade. Como exemplo disso "rendia todos os dias" graças a Shakespeare, "um poeta que não era nem um filósofo nem um moralista, e que vivia ao sabor do cristal terrível de uma mente intuitiva." Reed cita o poeta John Keats, um grande admirador de Shakespeare, que em uma famosa carta a Richard Woodhouse, contrasta Imogen com um dos personagens mais notoriamente imorais de Shakespeare, Iago, a fim de descrever o caráter do poeta: "O caráter poético não tem personalidade própria", tudo e nada - não tem caráter e goza de luz e sombra, vive com prazer, seja mau ou justo, alto ou baixo, rico ou pobre, mesquinho ou elevado - tem tanto prazer em conceber um Iago quanto um Imogen. O que choca o filósofo virtuoso encanta o camaleão poeta... Um poeta é o menos poético de tudo o que existe já que não tem identidade, e está continuamente preenchendo o corpo de outrem.
(Pesquisa de Guilherme de Faria)
___________________________

Nota (2)
* Aqua de Vita (em italiano) ou Aqua Vitae (em latim ) - Água da Vida, mais conhecida como Fonte da Juventude:
1. Em 1493, Juan Ponce de León sai da Espanha rumo à América, acompanhando Cristóvão Colombo em sua segunda expedição – financiada pelos reis Fernando e Isabel. Desembarca na ilha de Hispaniola (atual ilha de São Domingos), colonizando o território

2. Com o objetivo de explorar novas terras, Ponce de León chega a Porto Rico, onde é nomeado governador, em 1508. Por meio dos nativos, teria descoberto a existência de uma fonte da juventude, que ficaria ao norte de Cuba, em uma ilha chamada Bimini

3. Em 1513, sai em busca das águas rejuvenescedoras. Como a lenda dizia que a fonte ficava em um ambiente paradisíaco (onde também estaria o jardim do Éden), qualquer ilha tropical era digna de ser investigada

4. No domingo de Páscoa do mesmo ano, Ponce de León chega a uma costa, que nomeia de “La Florida” – que significa “A Florida”. Durante a expedição, é ferido gravemente por índios, sendo levado a Cuba, onde não resiste e morre

5. Muitos acreditam que o explorador tenha encontrado a fonte na Flórida – região rica em águas minerais. Em sua homenagem, foi criado o Parque Nacional da Fonte da Juventude, em Saint Augustine – cidade situada na primeira costa a ser colonizada por europeus


(Fonte Claudio Carlan, professor de história antiga da Universidade Federal de Alfenas, MG)



quarta-feira, 11 de abril de 2018

A Esperança (de Alma Welt)

Das intempéries estamos à mercê
Na frágil embarcação fazendo água,
E a lançar sinais no ar, que ninguém vê,
A trocar a nossa fé por pura mágoa.

"O quê que é isso, Alma? Não blasfemes!
A perda da esperança leva à morte,
Não da carne mesma, se é o que temes
Mas da alma, condenando a sua sorte"...

Assim disse meu anjo de asas brancas,
Imenso e claro velando sobre mim
Quando eu já tinha a água pelas ancas.

Então logo sacudi meu desespero
Como um cão, do focinho ao duplo rim,
Pois sobrava da vaidade aquele esmero...

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11/04/2018

segunda-feira, 2 de abril de 2018

O Último Baile (de Alma Welt)

Como é bom estar aqui entre vocês,
Amigos meus, reunidos pela face *
Melhor que temos, afinal, a cada vez,
Pra não mostrar somente o que se passe.

Porque se mostro sempre o meu melhor
Para estar entre vocês em plena sala,
Quero dizer que me visto, assim, de gala
Para as nossas reuniões, em tom maior...

Houve um baile, uma vez, na Ilha Fiscal
Onde a Corte reuniu-se em saideira,
Sem nem sequer desconfiar do Marechal...

Amigos, como então naquele Rio,
Dancemos nossa valsa, a derradeira,
Que a Liberdade está apenas por um fio...

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02/04/2018


Nota
*Amigos meus, reunidos pela face - subentende-se: pelo facebook...

domingo, 1 de abril de 2018

Páscoa de Chocolates (de Alma Welt)

Na Páscoa a gente ia para Gramado
Atrás de chocolate e até de neve,
E então, por um momento breve
Me sentia na Europa em meu Estado.

Imersa em um mar de chocolate
E cercada de pinheiros e de hortênsia
Eu vivia uma outra existência
Em que faltava o nosso charque e o mate.

Mas essas lembranças são inúteis
Não fazem parte do corpo de memória
Que compõem de fato a minha história.

Como postais são belas mas são fúteis,
Só meu pampa me contém, é plano e largo,
Ó coração de chocolate meio-amargo!...

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01/03/2018

sábado, 31 de março de 2018

O véu rubro (de Alma Welt)

Às vezes, me perdoem, eu quero ir-me.
Quantas vezes, ai! quero partir,
Com esta "dor de pátria" a afligir-me
E não tendo mais pra onde fugir...

Minha nação envenenada, agonizante,
Os lábios distorcidos em agonias;
Dois punhais de fogo temos diante,
Mas, há muito, povo nosso, já não rias...

Não quero mais ver isto, e ir embora
Tornou-se-me desejo imperativo
Conquanto nada exista pra mim fora.

Ó véu rubro que assomas como nuvens,
Não há nada de bom de onde tu vens,
Nem mais o doce gosto de estar vivo...

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31/03/2018