sábado, 30 de dezembro de 2017

O Lobo no armário (de Alma Welt)

O poeta é um enganador quase perverso,
Reverte suas pegadas de tal sorte
Que como um perseguido, faz o inverso:
Indo ao sul mais parece ir ao norte.

As palavras são essas impressões,
Deixadas no musgo das florestas
Apontando à ilusórias direções,
Enquanto escapamos pelas frestas.

Nunca vá para onde aponta o teu poeta,
O seu recado é pra ser lido ao contrário
Como um espelho, não como uma seta,


E a cada olhar veremos nova ruga.
Afinal se trata sempre de uma fuga

Da Morte, ancestral lobo no armário...
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30/12/2017

sábado, 23 de dezembro de 2017

A Gargalhada (de Alma Welt)

                                 A Gargalhada- desenho de Guilherme de Faria, 1967

A Gargalhada (de Alma Welt)

E vi aquela imensa gargalhada
Vir rolando como onda pela sala
Até formar espuma concentrada
E morrer com um vazio que não cala.

Eram os homens fúteis e eu os via
Loucos para rir a qualquer hora
Já que a estupidez os denuncia
E seu riso sem sentido corrobora.

Não rirei convosco, ó gargalhantes,
Nem mesmo que a piada seja boa,
Que alegria verdadeira assim não soa.

Um som de cristal, um brilho vago
De dentes modestos, hesitantes,
Eis o riso da alma que em mim trago...

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23/12/2017


Nota
A Gargalhada- desenho de Guilherme de Faria, 1967 coleção do MAM de São Paulo (este desenho em forma de vinheta, a pincel, foi feito como ilustração para o conto " A Gargalhada " de Luigi Pirandello, em tradução primorosa do Alfredo Bosi, publicado no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, em 1967, e décadas depois doado por aquele jornal ao MAM em cujo acervo agora se encontra junto com outras obras do artista.


quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Retorno a Wuthering Heights (de Alma Welt)

Retorno ao meu Morro dos Ventos
Conquanto não haja morro mas planura.
Uivantes minuanos de meus tempos
Esperavam por mim, que volto pura.

Sou a Cathy desta terra do meu pampa
E como ela, volto ao que se adora
De tanto amor cheia até a tampa
E aberta como caixa de Pandora...

E te adentro, ó casarão velho que estalas
Aos meus leves passos como outrora
E levantas teus espectros das valas...

Eu, Anita e Giuseppe, entrelaçados,
Nos abraçamos no turbilhão de agora:
Nossos cumes estão longe de alcançados...

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21/12/2017


Nota
*Wuthering Heigths - titulo original do maravilhoso romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë (era o nome da propriedade da família de Cathy Earneshaw, depois Cathy Linton, a heroína do romance, amada por Heathcliff...

(Nos anos 90 eu fiz uma litografia com esse título: "Retorno a Wuthering Heights". Mas infelizmente não fiquei com nenhum exemplar para postar agora como ilustração a este soneto da Alma). (Guilherme de Faria)

O bem vivido (de Alma Welt)

Não nos desejo muito para a frente
Mas que tenhamos muito bem vivido,
Aproveitado ao máximo o presente
E não só "o que queríamos ter sido".

Foste feliz, meu amigo, te cumpriste?
A vida nos devolve um bom passado
Para degustarmos como alpiste
Na pequena gaiola de alambrado...

Olha, a vida é o que foi, não que será,
O futuro é uma cigana charlatã
Que as cartas corta, lança e Deus dá"...

Se não soubeste viver, agora é tarde,
Nem sequer desejarei-te um amanhã,
Que desperdiçarás como um covarde...

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21/12/2017

Velhos amigos (de Alma Welt)

Vejo alguns velhos amigos se acabarem
Derrotados por um sonho que os ilude,
Batendo as teclas até se esfacelarem
Dos equívocos de nossa juventude...

Quanta coisa já não é mais o que era
Ou perdeu o sentido com o vento
Por sua natureza de quimera
E seu canto de sereia longo e lento...

E eu baixo os olhos constrangida
Com imensa pena dos amigos,
Alguns quase reduzidos a mendigos.

Quisera reuni-los, e sem mágoa
(todos demos com os nossos burros n'água)
Combinar com os amigos nova vida...

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21/12/2017

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

(O Jardim das Aflições" (de Alma Welt) Para o Mestre Olavo de Carvalho (republicando)

Estamos à deriva em meio a brumas,
Se perderam nossos sonhos superiores;
Nosso barco é um circo dos horrores,
As melhores ilusões viram espumas...

Marujada, quem quer ser o capitão?
Nosso último se foi pela amurada
E só de noite aparece no porão,
Onde os ratos construíram sua morada...

Contra-mestre, avisto terra no horizonte!
Só pode ser a tal Ilha dos Conflitos,
Onde dizem que nem com Deus não conte.

Vamos lá, ao Jardim das Aflições!
Beber da água amarga dos aflitos,
Sem um consolo mas repleta de lições...

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19/11/2017

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Meu Natal da Infância (de Alma Welt)

Depois de saber de tudo um pouco,
Buscando a compreensão universal,
E mesmo tendo lido como um louco
Ainda ingenua esperar pelo Natal...

Voltar ao lar, que nem "devera" ter saído,
Com aquela imagem de guria
De pé diante da leda maravilha
Que é aquele pinheirinho revestido

Com a estrela no topo, a de Belém,
E aqueles mil presentes em pacotes,
Que ainda nem sabemos para quem...

Destruir o que a memória ainda tece,
Os anos não puderam, nem as mortes:
O meu Natal da infância permanece...

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06/12/2017

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O sonho do real (de Alma Welt)

Sonhar com o real é meu ofício,
Não propriamente os "Sonhos da Razão",*
Que estes produzem um malefício,
Como queria o grande Surdo da Mansão. *

Meus sonhos são singelos, literários,
Não lembram os anseios de homens fortes,
Rotas falsas, logo seus itinerários
Ou seus amores francos, sem "transportes".*

A Arte é mais real que a realidade,
Foi por isso que a concebeu o homem,
E pra ter algum controle da maldade...

Quanto a mim sonho a beleza com humor,
Ainda mesmo que por cínica me tomem
Brinco de amar meu verdadeiro amor...

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01/10/2017

Nota
*...o grande surdo da mansão - Alma se refere ao grande pintor espanhol Francisco de Goya y Lucientes, que vivia na chamada "Mansón del Sordo" (por ter ficado surdo na velhice) cujas paredes encheu de seus quadros da "Fase Negra", com temas escabrosos de feitiçaria e até o horrendo canibalismo de Cronos. Quanto aos * "Sonhos da Razão", é alusão à gravura de Goya que ostenta a famosa frase: "El sueño de la razón produces monstruos".

*..."sem "transportes". - antigamente, em linguagem poética se falava em "transportes de amor", os arroubos dos apaixonados...

A Lição (de Alma Welt)

Pensei ter obtido o dom das fadas
Por ter nascido em berço esplêndido
E muito bela também, ruiva sem sardas,
Pecando cedo sem ter me arrependido.

Com tal orgulho ingênuo fui crescendo
Perdoada de antemão pelo bom Deus,
Pois as bençãos sobre mim e sobre os meus,
Visíveis, eu sabia e ia vendo...

Mas o Senhor quis dar-me uma lição
E fez-me uma sonetista desde cedo,
Incapaz para qualquer uma outra ação,

Só contar sílabas, colher flores no jardim,
Como se o mundo fosse bom e ledo,
Porquanto dói, que assim o é só para mim...

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01/12/2017