quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sagrada Família (de Alma Welt)


Sagrada Família - óleo s /tela de Guilherme de Faria, 1990, 140x120cm, coleção particular, Santo André, SP

Sagrada Família (de Alma Welt)

Sagrada é a família em sua constância,
Toda e qualquer que se respeite
E que não escandalize nossa infância
E não tenha nos negado o pão e o leite.

Se o germe da discórdia se encontrar
No bojo deste delicado vaso
De equilíbrio precário por azar
Ou se de maldade for o caso

Então toda a Natureza se rebela
E vemos seu protesto ou sua ira,
Que de algum modo por nós ainda vela

Pelos pobres botões ainda fechados
Por todo que ao nascer ela confira
Por todos nós que estamos já contados...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Teatro de Sombras (de Alma Welt)


Teatro de Sombras (de Alma Welt)

Vou tentando descobrir o teu segredo,
Ó Morte, com as chaves que mal conto:
Razão e raciocínio... engano ledo;
Memória e intuição, avanço um ponto.

No coração, lá seja o que isto for,
Hei de descobrir o que é isso,
Para livrar-me a mim de tanto horror
E aceitar o Nada mesmo, se preciso...

Pois não é provável tanto escuro
Sem luz clara projetada na parede
Em que as sombras distorçam um futuro.

E se ao homem não é dado se saber,
Renego minha carne e minha sede
E já prefiro só na alma me caber...

A Donzela do Trigal (de Alma Welt)


A Donzela do Trigal (de Alma Welt)

Singrar meu corpo branco e irreal
Por entre espigas loiras como eu
Foi grande prazer meu quase fatal
Pois foi quando Amor arremeteu

Surpreendida fui naquelas ondas
Que o vento fazia encapelar
E que me encantavam vendo as sombras
Que macias as fazia como um mar.

E jogada entre os talos das espigas
Não puderam ver o bruto me assaltar
E ali fiquei deitada, sem amigas,

Que quando chegaram fui levada
Entre o ouro e o rubro, esfarrapada,
E perdida demais para chorar...

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Indiferente (de Alma Welt)


O Indiferente (caricatura)-desenho atípico de Guilherme de Faria, anos 70

O Indiferente (de Alma Welt)

Conheci um homem indiferente
Alheio a quase tudo neste mundo
Mas em especial à dor da gente
Que dizia ser só um poço imundo.

E provava com lógica e até arte
Com um claro e brilhante arrazoado
Baseado no seu mestre Descartes
Que o ser humano nasce condenado

E que não merecemos atenção,
Pois que se Deus há, está em desgosto
De sua bastarda e tardia criação...

Mas eu... descartando-lhe o rosto,
No terno com gravata de bom gosto
Via quanto nos prezava a opinião...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Perplexo Porto (de Alma Welt


Nau - lito de Guilherme de Faria

Perplexo Porto (de Alma Welt)

Como preencher as brechas dos minutos
E das horas preciosas as lacunas
No nosso mar de anos nas escunas,
De tédios padecendo e escorbutos;

Motins de nossas mentes rebeladas,
Forcas e pranchões nas amuradas,
E terra à vista anunciada, afinal,
Pelo gajeiro num qualquer tope real?

Eis a travessia que nos coube
No grande mar do Tempo um só segundo
Em rota que o homem nunca soube!

Para aportar num cais sinistro e frio
Num porto que sabemos bem mais fundo,
Perplexo e na foz de um novo rio...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A espreita do Pavão Misterioso (de Alma Welt)


Pavão Misterioso- 2007 óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 40x40cm

A espreita do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

O pavão nos espreita sobre um ramo,
Pobres casas no calor desta caatinga
Que esperamos o alvorecer do ano
Que verá o seco chão virar restinga

Do grande rio ou mar da Redenção
Em que vogando virá a caravela
Do nosso amado rei Dom Sebastião
Com aquela grande cruz em sua vela.

Mas, confesso, o pavão me é pavoroso
Desde que a mãe no berço me ninava
No acalanto sinistro, Misterioso...

E eu suspeito do bicho engalanado
Que se abre o leque a língua trava,
E pode ser também do outro lado...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sobre a lito "Verão", de Guilherme de Faria (de Alma Welt)


"Verão" - lito de Guilherme de Faria

É verão e me ponho negligente,
Toda nua, em volúpia, sem pudor,
Para que me veja toda a gente
No soneto, em graça e sem suor.

Sim, porque nas quadras e tercetos
Tudo posso e sou mais verdadeira,
Não em motéis, por certo, mas motetos
Em que me permito a bandalheira.

E me ponho assim anti-Narciso,
Que, ao contrário, pois, almejo Eco
Mas torno-me em flor se for preciso...

Então, leitor, voyeur, de mim disponha
Enquanto destes versos só me cerco
Tornada flor de pedra sobre a fronha...