terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Propósitos para o Ano Novo (de Alma Welt)


                              A Árvore Mágica da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
Propósitos para o Ano Novo (de Alma Welt)

Queria ter um pouco de humildade,
Suficiente pra calar a minha boca

E ser um pouco mais sábia, na verdade,
Ser prudente e não mais dormir de touca.

Um pouco mais de calma e complacência
Com os tolos, os de estupidez sem fim,
Os que se afastaram da inocência
E assim nada conservaram do Jardim.

Mas saúde, mental, de preferência,
Pois reconheço meu frágil calcanhar,
Que é o meu ponto fraco de nascença.

E entrando no Ano Novo, novamente,
Os mesmos sonhos na passagem carregar,
Que sem eles, eu confesso, não sou gente...
 



 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Poeta, Quixote (de Alma Welt)


                                 Don Quixote - gravura de Gustave Doré

Poeta, Quixote (de Alma Welt)

Um desespero surdo, longo e lento
Confluindo com o gosto de existir
Nos revela a essência do talento:
O poeta em nós vai se imiscuir...

Mas viver já não será tarefa fácil
Se nos pomos a pensar em algo mais,
No que é profundo, belo ou grácil,
Que não se afastará de nós jamais.

Pois do mundo o lado sórdido e cruel
Persiste e não é fácil ignorá-lo
Pois na boca deixa seu travo de fel.

A Poesia nasce dessa ambivalência,
Uma carga ou mesmo dose pra cavalo
Para um Don Quixote em sua demência...
 


Sonhemos (de Alma Welt)



 
 
Sonhemos (de Alma Welt)

Que seria nossa vida sem os sonhos?
O mais triste festival de ninharias,
Um desfile de espectros bisonhos
De nosso ego, e das egolatrias...


O sonho verdadeiro é universal
E, pois, comum e grato a todos nós;
O resto são miragens de quintal
Ou simples devaneios quando sós.

Sonhemos grande nesta vã casca de noz
Qual fôssemos Chopin, Liszt, Beethoven,
Ou “fantastique” como quis o Berlioz...

Se incapaz de pintar de ouro o trigo
Desses campos que os meus olhos também vêem,
Possa, ao menos, sonhando, estar contigo...

sábado, 28 de dezembro de 2013

A barlavento (de Alma Welt)




  
A barlavento (de Alma Welt)

Vão-se as dores e risos com os ventos,
Vão-se neles nossas loucas veleidades...
Então ficam nossos passos bem mais lentos
Carregados de lembranças e saudades...

Assim Frida, a minha avó, dizia,
Mas o fazia por certo em alemão,
Que como versos de Goethe soaria,
A mim, guria, sentada ali no chão.

Vão-se os anos na cruel fuga do vento
E ficam nossas lembranças ancoradas
Ou singrando na maré à barlavento.

Lá se foram avó Frida, avô Joachim,
Mas permanecem, as proas amarradas
Nesse cais petrificado que há em mim...
 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A Herança (de Alma Welt)


                                      A Matriarca - lito de Guilherme de Faria, anos 70
A Herança (de Alma Welt)

Quê podemos nós fazer em liberdade
E escolha, realmente, nesta vida?
Muito pouco, a rigor e acuidade,
Pois tendemos a uma trilha conhecida

Ou ditada pelos velhos preconceitos
Que herdamos com carinho das avós
E que logo se grudam em nossos peitos
Até que não se distingam mais de nós.

É preciso firmeza e mente aberta
E até mesmo uma certa crueldade
Pra sacudir esse jugo da saudade...

Então, uma suspeita nos desperta
Que era tudo ironia, na verdade,
E o contrário é que era a coisa certa...
 

sábado, 21 de dezembro de 2013

Quando (de Alma Welt)


                                        A velha casa branca

Quando (de Alma Welt)

Quando eu não desejar mais meus desejos
E o espelho já não mais mentir pra mim,
E cessarem da vaidade os ensejos
E adormecer do amor carnal o querubim,

E um estudante vier ao meu tugúrio
Saber da chave das estórias que ele leu,
Ou cotejar algum soneto espúrio
A um bom soneto tido como meu...

Eu estarei afinal mais confortável,
Deixado enfim pra trás o sofrimento
Causado pela ânsia irrefreável

De viver, viver tanto e comovida
Como se os goles de um momento
Matassem minha sede de uma vida...
 


Ponderações (de Alma Welt)

Bastaria que fôssemos mais lúcidos
Para cruzarmos os braços em espera,
Mas loucos que somos, e assim cúpidos,
Mergulhamos no prazer da nova era.

Quanta ilusão, quanta tolice egóica
Faz-nos ser quem somos, tão humanos,
Esquecida, porém, a fase estóica
Dos arcaicos guerreiros espartanos...

Hedonista se tornou o nosso mundo
E nunca foi tão grande o sofrimento,
Nunca foi nosso dilema tão profundo...

Não mais sentado no alto da montanha,
O poeta, guardião do pensamento,
Há de emergir de confusão tamanha?

Os véus (de Alma Welt)



                           Litografia de Guilherme de Faria, do álbum Reflexos, 1978


Os véus (de Alma Welt) 

Quanta súbita saudade da guria
Que fui, conquanto traga em mim

A sua ingênua crença na poesia
Como meio de manter a vida assim.

Assim, como? Assim, cheia de encanto
Como se fosse concebida e acabada
Em beleza oculta em cada canto
Ou como partitura a ser cantada.

“Não há nada mesmo fora de lugar
E nem há injustiça neste mundo;
Se tu sofres, é que em algo foste errar.”

E se eu via o mundo em perfeição
Mas já com certo medo lá no fundo,
Ai de mim, se os véus forem ao chão...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A inaudível trilha (de Alma Welt)



                           A Morte de Garcia Lorca- pintura de Guilherme de Faria, de 1959

A inaudível trilha (de Alma Welt)

Um certo medo surdo e persistente
Perpassa nossa vida como sombra
Ou pano de fundo inconsistente,
Rumor de nossos passos numa alfombra.

Podemos esquecê-lo por momentos
De entusiasmo ou de alegria,
Mas tão logo cessam esses ventos
O medo nos vem na calmaria.

É a Morte, já não temo nominá-lo,
Que nos assombra a existência
Como a pálida figura no cavalo...

Mas é como inaudível som de fundo
Que sinto desse medo a persistência
Em ser a nossa trilha neste mundo...
 

Os hábitos (de Alma Welt)


 
 litografia de Guilherme de Faria

 Os hábitos (de Alma Welt) 

Nossos hábitos são pequenos rituais
Que atestam nosso laço com o sagrado

Que queremos nas coisas mais normais
E não só na magia do encantado.

Milagres? É verdade... os esperamos,
Mas como resposta ao nosso tédio.
Que nos venha salvar de onde estamos,
Um poço de marasmo sem remédio...

Entretanto continua a liturgia
De nossa existência tão regrada,
Embora perpassada de poesia...

Mas se de súbito a vida transfigura
E a revelação se faz, inesperada,
Como sonho se apaga, não perdura
...

Carpe Diem (de Alma Welt)


                        Detalhe da tela "Alegoria" (Alma Welt) de Guilherme de Faria, 2013


Carpe Diem (de Alma Welt)

Quê surpresa me reservará o dia?
É a pergunta que me faço ao acordar,

Pois o verso surpreendente na poesia
É somente o que me vale confiar...

Planos, quê planos? Não funcionam.
Nossa vida não aceita imposições
E os fatos reais nos emocionam
Inesperados quando são aos corações...

Neste soneto até agora comandei,
Nada veio que me faça gargalhar
De prazer ou por um susto que me dei.

Sempre a esperar o inesperado,
Tenho antenas voltadas para o ar:
Tudo pode penetrar no meu cercado...

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O Real Imaginário (de Alma Welt)


 
 
O Real Imaginário (de Alma Welt) 

Entre o real e o imaginário,
O mito e o fato acontecido,
Entre o camelo e o dromedário
Não tenho realmente um preferido.


Mas que o caso ou fato seja belo,
E não me leve, apeada, para o chão
Das coisas corriqueiras, sem castelo,
Ou sem luar sequer, sem violão...

“És fantasista, no ar queres flutuar!
Ponha, assim, o pé na terra, sobre o pó!”
Logo dizem os que me querem desmontar.

Mas meu camelo gosta das agulhas
E as atravessa como a linha sem um nó,
E entra num céu coberto de fagulhas...

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A corda sobre o abismo (de Alma Welt)


 
 
A corda sobre o abismo (de Alma Welt)

Não podemos confiar na nossa alma
Que tem razões profundas se nos trai,
Como o coração, que não se acalma
E nos leva ao chão consigo quando cai.

“Então estamos à mercê dos desvarios?”
Me perguntas, em pânico, ao me leres...
“Sim”, respondo, direta e sem desvios:
“Não subestime as sombras, seus poderes...”

Eis porquê o poeta é aclamado
Mas logo reduzido a algum “ismo”
Que o ponha doce e acomodado.

Mas se és equilibrista, amas a corda
Com que o simples bom senso não concorda,
Estirada sobre o vasto abismo...
 

A vida é difícil (de Alma Welt)



                                             Giuliano Giuggioli, “Labirinto con cipressi”   
 
A vida é difícil (de Alma Welt)

A vida é difícil e tortuosa
Nas suas selvas e desertos, descaminhos;
Para a multidão, escrita em prosa,
E versos para os tristes e sozinhos.

Não concordam? Já começou a luta,
A nossa herança da Torre de Babel.
Não adianta evitar uma disputa,
É preciso as nossas firmas num papel.

Mas a vida verdadeira não é isso,
Mas tudo o que na solidão persiste,
Que é o nosso verdadeiro compromisso...

Entre os dois pólos extremos deste curso
Vale o amor, que por ventura existe.
O resto é acidente de percurso...
 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Nau dos Homens (de Alma Welt)


                                        A Nau de Ulysses- aquarela de Guilherme de Faria

Nau dos Homens (de Alma Welt)

Somos todos companheiros de jornada,
O milagre é estarmos aqui, juntos.
Não importa quão diversa é a fornada
Ou se então, potenciais somos defuntos.

Que haja, pois, camaradagem entre nós!
O barco tenha um rumo, senão porto,
Quer seja mesmo nossa nau casca de noz,
Balão azul, ou perdido velho horto.

Nada sabemos, vogamos às escuras.
Como não nos apoiarmos um no outro,
Se o capitão sumiu e o procuras?

Mas, heróis, voltemos de uma Tróia,
Seja o nosso cavalo tenro potro,
Toda vitória humana, vã tramóia...
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

O Sono e os Sonhos (de Alma Welt)



                                                Ilustração de Alexander Jansson

O Sono e os Sonhos (de Alma Welt)

Vê: o sono nos foi dado em compaixão,
Os sonhos como vida alternativa,
Um consolo para a triste condição,
Ou freio para a alma mais altiva.

De quê te queixas, pois, ó agraciado
Se podes pôr tua fronte no teu braço
Se não num travesseiro amaciado
Com dois socos, e deitar o teu cansaço?


Viajemos, galguemos nossos Cáucasos,
Ou às tuas savanas torna e fiques,
Que são nossos novamente, nos dois casos.

Eis a sombra do Eterno que nos cabe!
Então sobre os teus sonhos edifiques
Pois que pra além do sono ninguém sabe...