sexta-feira, 17 de abril de 2015

Meu encontro com Mefisto (de Alma Welt)

                                              Mefistófeles - litografia de Guilherme de Faria 

Meu encontro com Mefisto (de Alma Welt)

Sim, Mefisto na coxilha veio a mim
Que, de entrada, muito me assustou
Com sua figura, falso nobre, ou delfim
De um reino que há muito se acabou.

"Alma, bah! venho seguindo os passos teus
Desde quando, somente uma guria,
Vivias com a candura dos ateus
Ou daquele que em deuses não se fia.

Teu Vati* a ti o batismo recusou
Por negar a existência do pecado,
O original, o que a mim me encantou.

E agora venho pois me oferecer
Para ser teu conselheiro dedicado,
Que sendo pura nada mais tens a temer..."

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Nota
* Vati - "papai", em alemão ( pr, Fáti, diminutivo de Vater ( diminutivo de Vater ( pr. Fáter), pai)

Dos Segredos (de Alma Welt)

                                                           Dos segredos - litografia de Guilherme de Faria,1976

Dos Segredos (de Alma Welt)

Tenho bons segredos a esconder
De mim mesma para os dias de fastio
Quando mais nada puder me acontecer
E o espelho refletir o meu vazio.

Mas que tolice! Eu sei, eles se vão,
Perdem a suas registradas validades,
Vencidos, estragados como pão
Já mofado na despensa das vaidades...

É que tenho certo medo da penúria,
De perder o fio da minha memória,
Me perder no labirinto da lamúria

De estar no exílio do meu Éden
Perdida dos meus tempos de glória,
Minha infância que só os risos medem...

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Eu e o Espelho (de Alma Welt)

                                                             Ao espelho - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Eu e o Espelho (de Alma Welt)

Capcioso o espelho me convida
A penetrar no seu mundo de ilusão,
Com lisonjas e carinhos de fingida
Pois que mesmo incorporou minha feição.


E tomada de vertigem cambaleio
Na beirada desse abismo que sou eu
Com u'a mão na nuca outra no seio
Acreditando no que sempre prometeu:

"Serás bela para sempre, te garanto,
Não terás melhor amante neste mundo,
Narciso está de prova e me ama tanto

Que lhe ofereci meu maior preito,
Uma flor que é seu nome mais profundo,
Como a ti reservo uma do teu jeito..."

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Anti oração (de Alma Welt)

Senhor Deus onipotente das esferas,
Que um universo rolas sem sentido,
Perdoa a quem tanto desesperas
E essa falta de fé com que mal lido.

Me criaste quase à tua perfeição
Mas por esse "quase" abandonaste
Um pouco antes do tempo o coração
Que carente resta como um traste.

Como posso crer em ti, Senhor dos astros
Quando na vizinhança um guri chora
Envolto em dores, feridas e emplastros?

Se não pode um Poder vir em socorro
Pelos próprios desígnios que elabora,
Então, cara ou coroa, vivo ou morro.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A guarda-costas (de Alma Welt)

                                        A pinguela- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

A guarda-costas (de Alma Welt)

Audaz atravessando uma pinguela
Fui criança destemida num jardim
Seguida pelo olhar de uma donzela
Que, bela, havia sempre atrás de mim.


Os anos se passaram, não a vi mais,
E cheguei a pensar num serafim
Que tardei a perceber que sou capaz
De revê-la quando chegue o nosso fim.

Pois que ela sou eu mesma num futuro
Avançado de minha alma que me guarda
E me protege as costas como um muro.

Dupla Alma, enfim, eu sempre a soube
Pois preciso ser vanguarda e retaguarda
Para ser a poetisa que me coube...

Lautrec (de Alma Welt)

                           Toulouse- Lautrec- litografia de Guilherme de Faria

Lautrec (de Alma Welt)

Inusitado anão de pince-nez,
Gravata, cartola ou chapéu coco,
Eras esse cavalheiro que se vê
Na mesa deixando sempre o troco.

Embriagado levavas dançarinas
Para o teu ateliê quadras adiante,
Mas todas em papel e mais divinas
Pois de todas eras meio amante.

“Des cocotte, putain, demi-mondaine”,
Como sob teu crayon transfiguravas
As deixando ainda “ plus humain” !

Artista genial, anão gigante
Que mais do que o dobro teu deixavas
A cada alegre noitada sufocante...

Eis o homem (de Alma Welt)

Empilhador de pedras e de orgulho,
Eis o homem, esse ser alucinado,
Amontoando maravilhas e entulho
Enquanto, falso humilde, prosternado.

Báh! Como se ajoelha ante os deuses!
Ou mais medroso, concentrado num Deus só,
A quem hospeda sempre ao fim dos meses
E que em um piscar de olhos vira pó:

O Dinheiro, tirano sobre a Terra,
Mais cruel que o último Anticristo
Cuja torpe natureza mais aberra

Quando, falso dadivoso, legitima
Sua outra faceta, a de bem visto,
Como a dúbia festa sua de vindima...

Mais do Amor (de Alma Welt)

A coisa mais bela desta vida,
Além de flores, aves, natureza,
O pôr-do-sol, a prece após a lida,
É a candura do amor e sua certeza

De ser, de estar e de se dar
Como se o outro sempre merecesse.
Que digo? Isso nem chega a colocar,
Como se Amor de si se esquecesse.

Então temos no que crer, acreditar.
Por quê precisaremos de outro deus?
Amor é soberano e um avatar

E nele então podemos confiar
Que não seja raivoso como Zeus,
E seus raios são só de irradiar..

Tão bonitos... (de Alma Welt)


Tivemos nossos tempos de ambição
E olhávamos pra frente co'arrogância
Ou tão somente cheios da ilusão
De mudar o mundo da ganância...

Tão cheios de ideal e tão bonitos
Quanto tolos que fomos, na verdade,
Correndo pelas ruas nos conflitos
Levando cacetadas à vontade...

Ó louca juventude, quanto enfado
De aquilo tudo ter caído no vazio
Do discurso reles de um safado,

Ou pior, na infame incompetência
Que jogou a pátria ao meio-fio
De onde gritamos nossa urgência...

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27/05/2016