quinta-feira, 31 de maio de 2018

Contra a falta de sentido deste mundo (de Alma Welt)

Contra a falta de sentido deste mundo
Propor a Arte, um gosto, um ideal
É o que faz o homem mais fecundo
Apesar da sujeira em seu quintal.

Vamos pintar como Hokusai a Onda,
Como Van Gogh a noite só de estrelas,
Ou como o Da Vinci a Gioconda,
Se na vida não pudermos mesmo tê-las.

Quê me importa a falta de sentido
Se num momento, um lapso, um latido
Refaz o cão que nem pude mesmo ver?

É sempre algo que tenho ao bel prazer
Pois, na verdade, para ver basta-nos crer
E o mundo é meu para só ser construído...

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31/05/208

quarta-feira, 30 de maio de 2018

A saga da Alma (de Alma Welt)

Para ti mesma, quanto, Alma, prometeste
Desde muito cedo em tua vida!
Cumpriste as tuas juras, escreveste,
Foste tu a tua Terra Prometida?

Fiaste a bela teia de sonetos
Que era o teu sonho de guria;
Sempre duas quadras, dois tercetos,
A cercear só a quem os desafia.

Desfiando o que em ti já era belo,
Aguardavas sob este mesmo teto
Uma transfiguração de teu castelo.

Conquanto nunca a paz isso te traga,
Eternizaste a verdadeira saga
Desse teu coração puro e inquieto...

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30/05/2018

domingo, 27 de maio de 2018

A Princesa (de Alma Welt)

                                              Alma no balanço - o/s/t de Guilherme de Faria, 2018, 100x100cm

A Princesa (de Alma Welt)

"Gente é pra brilhar" disse um poeta, *
E dizem outros que viemos pra sofrer.
Entre a hedonista e a asceta
Eu procurei uma maneira de viver...

"Minha guria, voar tanto é o teu mal"
Diz Matilde, fiel dama (minha ex bá)
Numa corte meio implícita e geral
Que sempre rodeou esta de cá...

Que posso eu fazer? Não tenho culpa
De ter nascido em meio a privilégios:
A borboleta não fica só na pupa.

Inebriada mas sóbria (nem cerveja),
Submissa aos (de Deus) poderes régios
Eu aceitei com modéstia ser princesa...

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27/05/2018

Nota
* "Gente é pra brilhar" - verso famoso de um longo poema de Wladimir Maiakóvski:

A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha

A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
¿Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!

E grito ao sol:
¿Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
¿Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostra medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
¿Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:
¿Pois bem,
sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta²,
etc.
E o sol:
¿Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!¿
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
¿Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.

¿O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar
que tudo o mais vá prá o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

Vladimir Maiakóvski

sábado, 26 de maio de 2018

Alma e o Lobo (III) (de Alma Welt)

                        Alma e o lobo - o/s/t de Guilherme de Faria, 2012, 150x150cm

Alma e o Lobo (III) (de Alma Welt)

Uma vez eu estava na coxilha
À procura daquele meu guará
E encontrara suas pegadas numa trilha
Quando chegou Matilde, minha bá.

Ela zombou:"Com esse teu cabelo ruivo,
Estás a Chapeuzinho, tal e qual,
A perseguir o Lobo com teu uivo
Porque és avessa a todo o natural."

"Vem para casa, ó guria, deixa em paz
O teu lobo, que está dentro de ti
Solitário, arredio e contumaz..."

Eu a acompanhei no seu retorno
E no vetusto casarão logo me vi
Com Frida minha avó, e um banho morno...

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26/05/2018

Sossega, minha alma ou A Penélope de Deus (de Alma Welt)

Sossega, minha alma, o tempo rende,
E a medida nos foi dada com critério.
O soneto não é preciso que se emende,
Mas a métrica de Deus é um mistério.

Sim, há vidas que aparentam pé quebrado,
Falta-lhes uma ou duas silabas no verso
E o seu ritmo parece sincopado,
Logo ao vento seu balbuciar disperso.

Mas se és poeta verdadeiro
O Senhor preservará tua harmonia
Como repõe a tinta em teu tinteiro.

E em teu pequeno reino permaneces
Se o versejar de tua poesia
É só a teia que esperançosa teces...

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26/05/2018

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O idiota universal (de Alma Welt)

"Precavei-vos, minha Alma", diz meu pai
Nesse tão deliberado tom solene
"Contra o orgulhoso que não cai
Ou o simples idiota que é perene."

E eu ria que ria achando graça,
Ou simplesmente "de nervoso"
Já que só lhe notava o tom verboso
Pois o mundo estava atrás de uma vidraça.

Foi preciso crescer e ver o mundo
Com meu próprios olhos pra entender
Que a idiotice é um mal profundo.

O idiota é o mau inconsciente
Que causa tanto dano a toda gente,
E é quase sempre o último a saber...

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24/05/2018

terça-feira, 22 de maio de 2018

Puro cantar (de Alma Welt)

"Como depois de mil sonetos pode alguém
Ter ainda alguma coisa pra dizer?
Pergunta feita mais por mal do que por bem,
Que no entanto me foi fácil responder:

A poesia é uma espécie de cantar,
E como canta o mavioso rouxinol
Mas somente após cair o sol,
A cotovia canta o nosso despertar, *

Assim também o poeta verdadeiro
Abre o bico e canta pura e simplesmente,
Não só canto de cisne, derradeiro... *

Veja, a inspiração não nos pertence,
Está no ar, vem de cima, é um presente
Para quem com seu ego luta e vence.


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23/05/2018


Notas
*E como canta o mavioso rouxinol
Mas somente após cair o sol,
A cotovia canta o nosso despertar - Alma alude sutilmente à famosa cena do despertar da noite de núpcias de Romeu e Julieta, de Shakespeare.

*Não só canto de cisne, derradeiro... * - alusão à lenda de que o cisne, um animal mudo por toda a vida, lança um longo e doloroso canto quando sente que vai morrer. Tal fato (ou lenda) gerou a expressão popular "o canto do cisne (de fulano)" para a última manifestação ou despedida de um artista. A origem dessa lenda, está contida no episódio da escolha após a morte (metempsicose) do Poeta e cantor Orfeu de uma nova vida no corpo de um cisne, animal (o derradeiro canto de um cisne seria a manifestação paroxística da alma de Orfeu reencarnado), Esta estranha escolha do grande poeta morto pelas mulheres da Lídia, decorreu do fato do poeta traumatizado não querer mais "renascer do ventre de mulher", descrito no chamado "Mito de Er, o Panfílio (armênio)", nas últimas páginas do diálogo "A República", de Platão (em que está a maravilhosa descrição minuciosa e esotérica do Fuso de Ananke, de complexo sentido iniciático (vide Mistérios de Elêusis).
(Guilherme de Faria)

domingo, 20 de maio de 2018

O Mal está feito (de Alma Welt)

Que sabemos nós de Deus e desta Vida,
Seus insondáveis inúmeros mistérios?
Uma pedra imensa e esculpida
Já nos põe boquiabertos e aéreos...

Nossa memória é curta, não vai longe,
Na Terra de Caim já havia o Mal
E se o Dilúvio não vem e não esponje,
Tudo estaria como hoje, tal e qual.

Também Jesus morreu pra nos salvar
Mas ninguém infelizmente se salvou
E estamos todos no mesmíssimo lugar...

Não tem jeito, o homem veio com defeito
Reclamar pra Quem? Quem nos criou?
Não há devolução, o Mal está feito...

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20/05/2018

Correr Mundo ( de Alma Welt)

"Não penses, Alma, que o mundo é teu amigo:
Mal nascemos já estamos em perigo."
Assim dizia a minha bá Matilde
Que era tão prudente quanto humilde.

"Fica em casa a coser, ler, e a bordar.
De onde vem essa tua inquietação?
Os livros de teu pai deviam bastar,
Ali tem livro para encher uma estação..."

Eu ria e afagava o rosto dela,
A minha pobre ama-seca tão fiel
E que só não me queria aí, ao léu.

Foi preciso correr o mundo inteiro
Somente pra voltar pra esta janela
Onde o mundo vem na brisa como cheiro...


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20/05/2018

sábado, 19 de maio de 2018

Sonetos de Amor (de Alma Welt)

Por que quase não escreves sobre amor
Já que o soneto para isso foi criado?
Me perguntou, meio despreocupado,
Mas, a propósito, um certo bom leitor.

Como?- repliquei- "Tudo o que escrevo
Do amor está sempre sob o signo,
Por isso, de ser lido, mesmo, é digno...
Não me cobres jamais o que não devo."

Ocuparmo-nos das coisas deste mundo
Só é possível se pudermos transcender
A ironia, e o desprezo que há no fundo...

Quanto de amor é necessário adcionar
A tudo e a quase todos pra escrever!
Mas o açúcar?... convenhamos evitar.
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19/05/208

A Andarilha (de Alma Welt)

Fiel àquele mundo imaginário
Bem próprio de minha infância bela,
Mas agora com um pé no ordinário
Me vi pronta para desfraldar a vela.

"Sou poeta", eu disse, "não me pegam,
A mim, assim, não farão bem comportada;
A pele da alma não me esfregam,
Nem deixarão limpinha minha fachada..."

"Nem serei a poetisa sazonal
De um poema prodigioso e anual,
A poesia será meu cotidiano..."

E me tornei esta alma andarilha
Já que cessou o mundo de ser plano,
Mas em mim mesma criando a minha trilha...

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19/05/2018

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Minhas rusgas com Deus (de Alma Welt)

A vida é bem cruel no mais das vezes,
E me faz mesmo questionar o Criador.
Não gosto da injustiça e desamor
Com que trata umas crianças e as reses...

Ele diz que somos nós que o fazemos,
Mas Sua omissão é que me choca,
E um berreiro faço até, dos demos,
Que nos ouvidos Deus as mãos coloca.

"Cala-te, fedelha! Tu me intrigas...
O que tu pensas, ó tola peralvilha?"
(Deus fala assim, meio às antigas)

"De alguns por mais cruel que seja a sorte,
Para todos eu criei a maravilha
Do pleno esquecimento, que é a Morte..."

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18/05/2018

A viagem (de Alma Welt)

Minha avó diz que temos que correr,
Será preciso viajar, tudo é destino.
O trem partiu da estação ao sol nascer
E já temos sobre nós o sol a pino.

Se o embalo te deixa sonolenta,
Corra entre os vagões feito criança.
Para alguns a viagem é pasmacenta,
E o bilheteiro picota e não se cansa.

O apito, este sim, é auspicioso
Aos nossos sonhos e ouvidos pueris:
Faz crer que o maquinista é glorioso.

A estação final ninguém conhece,
Ouvi dizer que o nome é curto e lhe condiz,
A gente chega, lê, e tudo esquece...

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18/05/2018

quinta-feira, 17 de maio de 2018

O pão, o sal e o vinho... (palavras de minha avó) (de Alma Welt)

Não te mistures muito, minha guria,
Se acaso fores às vilas e cidades;
O povo necessita de poesia
Mas tem muito mais necessidades.

Se não és uma enfermeira pouco podes,
Ou uma médica, vocação sublime...
Mas não pedirei que te acomodes
Se és somente alguém que tudo rime.

Vai como menestrel por entre as gentes
E virás a conhecer o Bem e o Mal
Nos humanos corações e suas mentes.

Finda a função, declina dos convites,
Pra com eles dividir o pão e o sal
Porque o vinho que então vem não tem limites...

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17/05/2018

terça-feira, 15 de maio de 2018

Diogenes (de Alma Welt)

Diogenes - pintura de Jean-Léon Gerôme, 1860

Diogenes (de Alma Welt)

A vida é permanente luta interna
Ou ao menos procura obstinada
Como a daquele louco da lanterna,
Por oculta hombridade ou disfarçada,

Passeando com seu galo depenado,
Diogenes, de Sinope para o mundo,
Ao sol, no seu tonel sem fundo,
Pediu sair da frente um potentado.

De nossa procura verdadeira
Os políticos somente nos desviam,
Querendo nossa atenção a vida inteira...

Mas aqueles cujas sombras promoviam,
Da frente do meu sol eu expulsei...
Pleno de vinho é meu tonel, então, bebei!

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15/05/2018

A Banalidade do Mal (de Alma Welt)

"O grande problema da existência
É sabermos separar o Bem do Mal,
Pois estão misturados, com frequência,
E mesmo os tens bem aí no teu quintal..."

Meu pai dizia, fumando o seu cachimbo,
Ou num gesto banal para limpá-lo,
E o fazia somente no domingo
Com toda a semana de intervalo.

"Mas o perigo é uma fatal banalidade
Na qual o Mal entre nós se transfigura
Pra com ele nos sentirmos à vontade..."

Assim, meu pai me pôs bem alertada
Pois o Mal já se propôs imagem pura,
Que afirmava existir, não misturada...

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15/05/2018



Nota

Sobre "a banalidade do mal"
Por Felipe Tessarolo em 19/01/2016

Hannah Arendt (1906-1975) foi uma teórica política alemã, de origem judaica, que atuou também como jornalista e professora universitária. Escreveu livros como As origens do totalitarismo (1951), A condição humana (1958), Homens em tempos sombrios (1968) e Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal (1963) e é considerada uma das pessoas mais influentes do século 20.

Este artigo pretende fazer uma analogia entre as ideias expressas por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém, o conceito sobre a banalidade do mal e o comportamento dos indivíduos nas redes sociais, que de certa forma replicam as análises desenvolvidas pela autora.

Adolf Eichmann foi um oficial da Gestapo nazista responsabilizado pela logística de extermínio de milhões de pessoas. Foi capturado na Argentina e julgado em Jerusalém no ano de 1961. Hannah Arendt foi enviada como correspondente pela revista The New Yorker para cobrir as sessões do julgamento tornadas públicas pelo governo israelense. Em 1963, com base nos artigos publicados pela The New Yorker, a autora publicou um livro sobre o julgamento e nele desenvolveu uma análise sobre Eichmann.

Um dos pontos polêmicos do livro é a maneira como a autora interpreta o comportamento de Eichmann, pois além de cobrir todo o processo do julgamento, ela ainda entrevistou pessoalmente o acusado. Segundo Hannah Arendt, Adolf Eichmann não era um monstro, alguém com um espírito demoníaco e antissemita. Ela o identificou como um burocrata, um sujeito medíocre, que de certa forma renunciou a pensar nas consequências que os seus atos poderiam ter. “Embora as atrocidades por ele conduzidas tivessem sido de uma crueldade inimaginável, ‘o executante era ordinário, comum, nem demoníaco, nem monstruoso’. Eichmann revelou-se, durante todo o processo, até os dias que antecederam sua morte por enforcamento, como uma pessoa incapaz de exercer a atividade de pensar e elaborar um juízo critico e reflexivo” (SIQUEIRA, 2011).

Mas é preciso dizer que os judeus no mundo todo ficaram indignados com a tese de Hannah Arendt, que consideraram uma judia renegada, e que ela, sim, é que estava banalizando o Mal. O Mal para os judeus é torpe e demoníaco ao extremo, e os nazistas estão associados a Satã sobre a Terra. Eu também assim acredito. A aparente banalidade do Mal no nosso cotidiano, é justamente uma das maiores perfídias do demônio.
(Guilherme de Faria)

Ervas Daninhas (de Alma Welt)

"Nesta vida, somente Amor e Arte
Têm algum sentido transcendente
Pois a Fé deles deriva ou faz parte
Que sem ela o Ser vive mas não sente."

Minha avó assim dizia em seu jardim
Protegendo suas flores de umas ervas
Que com o dedo apontava para mim:
"Daninhas e mortais se as conservas..."

Mas nenhuma diferença eu via, ou pouca,
De outras ervas com que fazia os chás,
E eu achava minha avó um pouco louca.

"As pessoas ervas são, minha querida,
E tu precisas distinguir quando são más,
Entre as boas no Jardim de tua vida..."

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15/05/2018

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A Poesia e a Pintura (de Alma Welt)

A Poesia é irmã gêmea da Pintura
Mas não univitelina, na verdade;
E suas diferenças de estrutura
Têm a mesma meta e liberdade.

Por isso tantos poetas são pintores
(não só como Rimbaud com suas vogais)*
E encontram nas palavras suas cores
Buscando uma fusão que as liquefaz.

Dante, se não o Alighieri, mas Rosseti,
Logrou exercer magistralmente
Esse duplo mister que nos compete:

Plasmar do mundo o dom poético na tela
Assim como as cores de sua mente
Colorem cada palavra que a revela...

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14/05/2018

Notas
*não só como Rimbaud com suas vogais- O grande poeta Arthur Rimbaud
tem um famoso poeminha denominado "Les couleurs des voyelles".

*Dante, se não o Alighieri, mas Rosseti - Dante Gabriel Rossetti (Londres, 12 de maio de 1828 — Birchington-on-Sea, 10 de abril de 1882), originalmente Gabriel Charles Dante Rossetti, foi um poeta, ilustrador e pintor inglês de origem italiana. Devido à sua preferência pela poesia medieval e em especial pela obra de Dante, Rossetti muda a ordem dos seus nomes e passa a usar Dante em primeiro lugar. Fundou, juntamente com John Everett Millais e William Holman Hunt, em 1848, a Irmandade Pré-Rafaelita, um grupo artístico entre o espírito revivalista do romantismo e as novas vanguardas do século XX. Rosseti era tão grande poeta quanto pintor.

domingo, 13 de maio de 2018

O segredo do Humor (de Alma Welt)

"Sobretudo é necessário ter humor
Para viver, amar e fazer arte.
Humor não é algo pronto a se dispor,
É colocar-se a si acima e à parte..."

E contestei meu pai: "Como? O que dizes?
Quando íamos caçar naqueles dias
Comparaste-nos ao voo das perdizes,
Pobres humanos que voamos raso, e rias..".

E respondeu meu pai: "Vencer o medo
Para olhar-nos um pouco lá de cima:
Tolos, agachados, mãos na carabina..."

"Enxergar-nos do alto de um rochedo
Como talvez Deus nos veja: aparvalhados,
Ainda "gauches" nos sentindo, e pelados..."

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13/05/2018

quinta-feira, 10 de maio de 2018

A Obra Aberta (de Alma Welt)

"Não estamos nunca prontos, acabados,
E somos obra aberta pra retoques",
Dizia, remexendo os seus guardados,
Minha avó nos seus típicos enfoques.

E eu ficava imaginando o meu pintor
A pintar-me numa tela com esmero
Sem atingir o fim, e em desespero
Destruindo-me afinal por puro amor.

E dei-me conta de que Deus é o Artista
Que envelhece e mata por capricho
O modelo, quanto mais Sua mão insista.

E sorri, como a própria Monalisa
Cujo sorriso era tão somente o início
Da gargalhada a vir, e que ela avisa...

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10/05/2018

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"Por quem os sinos dobram" (de Alma Welt)

Eu gostaria de ter sido só amor,
Sem dor, ressentimentos e ironia
Que se estes marcaram minha poesia,
Revistos quase ferem meu pudor.

O espelho da poesia não é qualquer,
Muito menos como um espelho de cristal
Lisonjeiro que devolve o que se quer,
Mas terrível, zombeteiro e quase mau.

A poesia é esse dom de solidão
E por nós os amigos vestem luto
Ou nos dão essa precoce sensação...

Pois os versos seu pacto nos cobram
Como ao Fausto a beleza do minuto
E somos vivos "por quem os sinos dobram"...

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09/05/2018

Notas
* "Por quem os sinos dobram"- Este verso célebre ( ...for whom the bells tolls...) são do poeta inglês elisabethano, John Donne (contemporâneo de Shakespeare) O poema a que ele pertence, começa assim: "No man is an island.."" Nenhum homem é uma ilha, somos todos parte do continente)...e termina : "Por isso não pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti."

*...seu pacto nos cobram/como ao Fausto a beleza do minuto - alusão ao pacto que o insatisfeito e entediado Fausto ( no grande poema dramático de Goethe) faz com Mefistófeles (encarnação do Diabo), segundo o qual se através das dádivas e poderes que o demônio lhe proporcionasse, num momento de satisfação e deslumbramento dissesse afinal "ao minuto que passa" : "Pára! És tão belo! ", o pacto cessaria, e pelo contrato ele morreria e a sua alma seria levada por Mefistófeles. Mas no final, inusitadamente Deus caloteia o Diabo (tratava-se de uma aposta de Deus com o Diabo pela alma do sábio recluso) e manda um anjo serafim sedutor em evoluções e meneios despertar a luxúria do diabo na hora da saída da Alma do corpo de Fausto, distraindo-o com sua beleza adolescente e tentadora, O serafim se aproveita da distração e escamoteia a Alma de Fausto levando-a para o céu. Deus, que perdera a aposta... ludibria o Demônio.

Autocrítica (quase pedante) (de Alma Welt)

Bem cedo com a beleza fiz um pacto
E dela eu seria uma devota,
"Data venia, latu sensu, ipso facto",
Preservando sua essência e sua nota.

Quero dizer com isso que elegi
A estética e o rigor greco-romano
Em que pese o beco em que me vi
Sem saída, passadista, quase insano.

Mas tal clássico modelo restringi
Tão somente à forma da expressão
Pois no conteúdo eu me expandi.

E do soneto eu seria esta guria
Cheia dos caprichos da Invenção,
Que são meu núcleo denso de Poesia...

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09/05/2018

terça-feira, 8 de maio de 2018

O Esquecimento (de Alma Welt)

Nada é mais triste que esquecer...
O esquecimento é o maior castigo
Que não desejo nem para o inimigo
Porque é a pura essência do morrer.

Me refiro só ao meu esquecimento
De mim em mim mesma, e não no outro.
A memória é o destino do momento,
Lembrar é ter consigo novo encontro.

Senhor, leva contigo a minha vida
Mas, rogo, não me tires a memória,
Tudo o que tenho é a minha história...

Que me importa uma alma sem lembrança!
Se toda esta bagagem é esquecida
Porque tanto a carreguei como fiança?

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08/05/2018

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Filosofia simples (de Alma Welt)


Pelo amor vivi a vida inteira,
Mormente o amor do ser humano,
E de tudo que existe na tal Feira
Das Vaidades, que pra manga dão o pano.

Tudo o que é humano me concerne
E até os pecadilhos me são gratos;
Na verdade, desta vida são o cerne,
Só não suporto os maus e os ingratos.

Há aqueles que nos desqualificam
Reafirmando o Mal em nossa vida,
E na escolha mesma com ele ficam...

Quero crer: o Mal não é a medida,
Só nos coloca fora de um sistema,
Pois é a falsa clara e não a gema...

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07/05/2018

domingo, 6 de maio de 2018

A queda (de Alma Welt)

"O mundo é falso, mas como tentação
O pomo continua em toda parte,
E o Jardim, com sua árvore de exceção,
Há muito virou lote de descarte..."

Assim dizia um velho professor
Quando eu estava na escolinha,
E eu ficava impressionada, com horror
Pois que o Éden no coração eu tinha.

Mas percebi o laivo de amargura
Mascarada de humor, daquele Mestre
Que perdera a mulher em queda equestre.

Ele mesmo é que caíra do cavalo:
Ela levada por bem melhor figura
Descobrira o Paraíso, sem amá-lo...

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06/05/2018

sábado, 5 de maio de 2018

O Mestre da Montanha (de Alma Welt)

"Se queres ser poeta muito leias,
Não sejas mera fazedora de versinhos.
Como os ninhos, os casulos e as teias,
A poesia faz-se à margem dos caminhos."

"Deverás sair da trilha das estradas
E abrir mil picadas a machete
Evitando as áreas desbravadas,
Somente nova trilha te compete..."

Assim dizia um mestre que sonhei
E que vivia no alto da montanha
Bem longe da cidade e sua sanha.

Mas de repente, foi-se o sonho, acordei
Na planura, e do soneto até a ode
O Poeta é o que faz só o que pode...


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05/05/2018

Teu é o Mundo (de Alma Welt)

"Teu é o mundo, filha, por princípio,
Pois, como todos nós, nele vieste.
Não o vejas como algo vão ou ímpio,
Ou do Eden uma fuga para o Leste..."

"Não matarás nunca um teu irmão
Nem roubarás o fruto do vizinho
De quem respeitarás a opinião
E mesmo um palpite comezinho."

"Frua o mundo, sem culpa, com respeito,
E o mundo te abrirá o seu segredo
Se provares te-lo antes no teu peito."

Assim disse meu pai quando nasci,
E por isso cresci quase sem medo,
Mas também por este "quase" eu me perdi...

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05/05/2018