domingo, 30 de agosto de 2009

De sonhos, pipas, corações (Alma Welt)

Arrastados na corrente dos eventos
Vão os corações, de cambulhada,
Sonhos empinando-se nos ventos
Como pipas infantis na madrugada.

Bah! Depois sempre a derrocada,
Enroscados em fios ou altos galhos,
Pendendo, ali, patéticos frangalhos
Como triste ilusão abandonada.

Como custa renovarmos nossos sonhos
E empinar novas pipas encarnadas
Com os mesmos propósitos bisonhos!

Subir, galgar cabeceando, ah! subir
Esperando que as alturas alcançadas
Nos chamem, como a mãe, para dormir...

(sem data)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Vida em verso (de Alma Welt)

Constato que possuo dupla vida
Revendo-me mais nítida nos versos
Que continuam a vibrar depois de lida
E perpetuam lances bons e os adversos.

E ao rever esta já vasta bagagem
Que refaz meu percurso depurado
Eu percebo que nada foi bobagem
E o que a letra grava está gravado

E passa a ser a vida verdadeira
Pois o fato e o gesto se perderam
Na fugaz e vã vida primeira.

Eco de mim mesma que me encanta,
Sou ninfa cujos dons emudeceram
Mas ao tornar-se pedra vive e canta...

(sem data)


Nota
Alma reafirma mais uma vez, com a bela metáfora do mito de Narciso e da ninfa Eco, a sua fé na realidade da Poesia, na consistência de uma vivência em dimensão poética, como propunha Novalis.(Lucia Welt)

domingo, 23 de agosto de 2009

Soneto de boêmia (de Alma Welt)

Encontrei o meu amor pelas estradas
E o fiz entrar no meu jardim.
Plantei-o entre as flores mais amadas
E esperei ele florir como o jasmim

Que de noite faz sentir o seu perfume
E me faz descer da minha mansarda
Atravessando o casarão quase sem lume
Pra não despertar a quem me guarda.

E assim, à luz da lua alcoviteira,
Que delícias me são oferecidas!
Outras tantas perscruto sorrateira...

Então, ó sol, eu peço: não me peças
Abandonar as minhas noites proibidas
Onde o meu jasmim reina às avessas...

05/11/2004

Nota
Acabo de encontrar na arca da Alma este encantador soneto de sabor quase popular, com um declarado tom de malícia ingênua, e como sempre, com velada conotação alegórica relativa ao amor proibido da Alma pelo nosso irmão Rodo, com quem ela se encontrava de noite, no jardim no verão, descendo da mansarda que era o quarto dele, na época mais proibida e vigiada desse amor, quando nossa mãe,"a guarda", era viva.(Lucia Welt)