terça-feira, 27 de junho de 2017

Manhã fria ou As botinas de Van Gogh (de Alma Welt)

                                                                     As botinas de Van Gogh

Manhã fria 
ou As botinas de Van Gogh (de Alma Welt)

Não diria, ó manhã fria e enevoada,
Que da desesperança és o inverno, *
Mas acordo feia e estremunhada
Pensando na madeira de um tal terno *

Em vez de meu vestido branco e longo
Em que costumo andar por esse campo
Colhendo ervas, flores e um ditongo
Que usarei num verso oblíquo e manco.

Como parece inútil essa rotina
Em que tudo, cedo ou tarde, se transforma
Não como de Van Gogh a sua botina

Cheia da dignidade da pobreza
Que de palha um acento humilde forma *
Do pobre artista o trono em realeza...

.
27/06/2017

Notas
*Que da desesperança és o inverno - alusão ao famoso primeiro verso do monólogo do rei que abre a peça Ricardo III, de Shakespeare; "Este é o inverno da nossa desesperança... "

*Pensando na madeira de um tal terno- Alma alude a um caixão de defunto, isto é, morrer (na imagem popular: "vestir um terno de madeira")

*Que de um velho acento humilde forma
do pobre artista o trono em realeza - alusão a um outro quadro famoso de Van Gogh, o de sua cadeira de acento de palha...


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