domingo, 21 de outubro de 2007

Sonetos da Angústia (de Alma Welt


O Ex-libris de Alma Welt, feito em litografia por Guilherme de Faria, quando se conheceram em 2001. O mote latino AD AUGUSTA PER ANGUSTA, descoberto pelo pintor, significa CHEGAR A RESULTADOS MAGNÍFICOS POR VIAS ESTREITAS, o que é bem o caso da Alma. O curioso é que ao pé da letra o mote permite, com certa legitimidade, a seguinte tradução: À AUGUSTA PELA ANGÚSTIA, sugerindo o estado de espírito da poetisa auto-exilada em São Paulo numa tranversal bem próxima da rua Augusta, quando da morte de seu pai (O Vati). Esse mote é a senha dos rebelados da peça Hernani de Victor Hugo.

Alma Welt
Sonetos da Angústia

Índice

1.Prólogo
Noite escura, declive...
2. Quantos planos, amores...
3. Amor meu, tesão...
4. Na manhã do auge...
5. Quando afinal chegou...
6.E assim começou...
7.Aline, reconheço...
8. Aline, eu me lembro...
9. Ali fui encontra-los...
10. Vou perder-te, Aline...
11.Noite, noite atroz...
12. Volto ao meu jardim...


Alma Welt

Sonetos da Angústia


Prólogo
1
Noite escura, declive, estreita via
Nos quais me vejo, nestes dias, novamente,
Sabendo que este ciclo já havia
Aparecido outrora em minha mente,

Mas que eu julgava ter exorcizado
Como tristes demônios da incerteza,
Afastando fantasmas do Passado,
Da dor de um destino sem clareza.

Agora aqui me vejo em novas garras
Do monstro interior que a alma teme
Debatendo-me entre pesos e amarras

Neste barco da vida já sem leme
Mas que ainda almeja o mar e o mundo
Ainda que no cais se vá ao fundo...


2.
Quantos planos, amores, ilusão!
Quanto ideal que na alma mal perdura,
Perdida a esperança e a pulsão
Que me atirava esmo e com candura

Na torrente obstinada e atrevida
De um rio feroz e obstinado
Correndo para o imenso mar da vida,
Mas sendo o próprio leito o fim e o fado!

Então, percebo enfim a ironia,
E enxergo no fluxo deste rio
A própria resposta que eu pedia

E veio até mim, ramo florido,
Num gesto de aparente desfastio,
Num remanso à margem recolhido.



3.
Amor meu, tesão, alma e ternura,
Eu tive do amor a plenitude
Dos meus trinta anos a loucura,
Para amargar agora a finitude.

Aline, meu modelo deslumbrante,
Imagem de beleza e de candura
Cuja falta n’alma mesma inda perdura
Mas com ligeira nota redundante,

Pois se bela sou, o quê procuro?
Porquê o vazio e tão triste carência,
Por quê, Amor, revela-te tão duro?

E arrasto-me em mim, na solidão
De uma dor que revela insuficiência,
Mistérios do meu rico coração...


4
Na manhã do auge deste mal
Ligado à solidão e à carência
Procurei nas amarelas o ramal
Do cadastro de modelos de uma agência,

Cuja secretária Lusinete
Me deu a ficha do setor “modelo nu”
Que eu podia ver pela Internet
E então escolher como um menu.

E foi assim que vi Aline, de primeira,
Um rosto acachapante de beleza
E com ligeiro laivo de tristeza

Que me conquistou como uma rima
E pareceu-me a imagem derradeira
Que faltava ao verso de auto-estima.


5
Quando afinal chegou o meu modelo
E o interfone anunciou como ao “Amor”,
Coloquei-me bem de frente ao elevador
E abri os braços com num apelo,

Saudação ou abraço festejante
Como quem espera filha pródiga,
Mas que então desfiz no mesmo instante
Recuando pra a soleira, bem mais módica.

E a porta abrindo, me vi diante da beleza
Mais pura e perfeita jamais vista
Que avançou com perfeita realeza

Também com o seu abraço aberto,
Disse, girando em minha sala mista:
“Que belo tudo aqui... Tá tudo certo!”


6
E assim começou o nosso caso
De amor e de loucura, minha Aline,
Por quem me ergueria em meu ocaso
Em pleno verão, sem que eu atine.

Pois minha alma velha em corpo jovem
Precisa de injeção de juventude
Para que afinal se erga e mude
Em ágil, como os dias que se movem

Neste ateliê febril de amor e arte
De onde saem telas e poemas,
Desenhos e sonetos, como gemas

De um garimpo feliz e sem descarte
De poluidor mercúrio, e n’outros temas
Refazer-me, Aline... por amar-te!

7
Aline, reconheço, eu te seduzo
No ateliê, como se fosses aprendiz.
Eu te envolvi como um novelo no meu fuso,
A ti, que eras noiva, e até feliz.

Até que te atirasses nos meus braços
E faminta como eu te revelaste,
No amor e na ternura dos abraços
E carícias que também me prodigaste.

E que tardes! Tanto gozo exaltado,
Experimentamos no leito, teta a teta
E até sobre o assoalho pintalgado,

Onde desnudadas confundimos
Modelo e pintora, sem paleta,
Corpos e funções, que assim fundimos.


8
Aline, eu me lembro, começaste
A revelar teu jogo ao namorado
E como a um e outro revelaste
A natureza do prazer fruído e dado.

De repente estava assim acontecendo
O ménage-a-trois inesperado
Mas previsível, na verdade, neste quadro
Tão ambíguo, que estávamos vivendo

E foi assim, no auge da volúpia
Que teu Pedro mudou então o jogo
Por cobiça ou mesmo por astúcia

E Ulisses desastrado e demagogo
Pretextando um ménage sem tramóia
Propôs encontro no novo “Café Tróia”.

9
Ali fui encontrá-los, vou lembrando
Como pra isso me flagrei me enfeitando!
Entrei no café novo, a armadilha
Que teu Pedro armou à maravilha

E ali no ambiente barulhento
E fútil, me vi quase devorada
Por olhares cobiçosos da moçada
E depois pelo de um deles mais atento

Que era o teu Pedro, falso Ulisses
Que me viu até antes que me visses,
E tremeu, eu senti, ele tremeu

Sentindo que teu corpo era meu
E como tu tremias ao me ver
Do medo que me tinhas de perder!


10
Vou perder-te, Aline, é quase certo
Depois do nosso encontro desastroso
A três, naquele bar (Pedro é esperto
E percebeu quanto o ménage é enganoso).

Pois ele me queria como pasto
Junto a ti, somente algo noturno,
E então, vendo-me assim, logo me afasto
E a ti reivindico, por meu turno.

Outrora, eras dele; eu: como “puta”,
Julgava não ter maior direito
E amava num espaço assim estreito.

E eis que se instala a disputa
E és tu que estás no meio, minha amada,
E já não posso te ceder, assim sem luta.


11
Noite, noite atroz e tão sombria
Em que me vejo na descida de minh’alma
Perdida a minha Aline (eu bem sabia
Que não podia perder a minha calma!)

E pus tudo a perder por puro medo
No beco sem saída de uma escolha
Que faria de Aline um brinquedo,
Que sempre me pedia: “Não me tolha!”

E por puro orgulho de mulher
Acabou ficando c’o mais forte:
Aquele que sabia mais tolher...

E eu, fraca mulher (só sei amar
E dar-me, e servir... e mais me dar),
Perdido o meu amor, estou... na morte!


12
Volto ao meu jardim, e ao meu pomar...
Após longa jornada, o casarão!
Percorro o vinhedo e o lagar
Mas não toco vinho ou chimarrão;

Prefiro percorrer estas lombadas
Das obras outrora tão amadas,
Livros do meu pai, tão doloridos
Em solidão, como eu, e tão feridos!

E então retiro um tomo, meio a esmo,
E o abro (meu espanto!): é o Barão
De Münchausen, o mentiroso, aquele mesmo!

E me vejo flutuando em seu cavalo,
Meu cabelo repuxado em sua mão,
Subindo, arrancada deste valo.


13.
Volto ao Jardim de arranha-céu
Onde montei meu ateliê
E onde em telas ou painel
Plantei pequeno mundo, que se vê.

Como Aline, no dia em que chegou
Eu giro e olho em torno meu cenário
E percebo como o mundo meu é vário,
E como me bastar sendo o que sou.

Assim, comigo vou reconciliar
A mim mesma, fazendo minha parte
Com Deus, que me deu beleza e arte.

E entrego meu destino, apaziguada,
Sabendo que estarei mais elevada
Quando de novo o interfone ressoar...

FIM

03/11/05

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