sábado, 18 de maio de 2013

Alma náufraga (de Alma Welt)

 

 Alma náufraga (de Alma Welt)

Quem sou eu? Sou marinheira de derrotas
À deriva em neblina de amplidão,
Tendo comido a sola das minhas botas

E os cadarços como fino macarrão.


Quem sou? Sou mesma a flor dos naufragados
Que escolheram a praia de si mesmos,
Onde perplexa fui dar com os costados,

Onde os porcos cozinham seus torresmos.


Princesa me erigi dos derrotados,
Aqueles que se voltam para os versos
Qual fosse a pátria-mãe dos exilados.


E se deliro um pouco ainda agora,
É que viva conheci dois universos:

Dentro e fora da caixa de Pandora...


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Notas

* Tendo comido a sola das minhas botas / e os cadarços como fino macarrão - evocação da famosa cena de A Corrida do Ouro, de Charles Chaplin, em que Carlitos faminto numa cabana no inverno do Alaska, cozinha e devora com requintes hilariantes a sua botina... 


 * onde os porcos cozinham seus torresmos - Este aparentemente estranho verso, na verdade alude à cenas do  magnífico livro de Michel Tournier, "Sexta-Feira ou os Limbos do Pacífico" (prêmio Goncourt) em que o autor francês reconta a saga de Robinson Crusoe como um retrospecto da jornada histórica da Humanidade através de sua lenta evolução social e espiritual. Ao chegar náufrago numa ilha tropical paradisíaca, não precisava na verdade de trabalhar para sobreviver, e ficava de molho junto com os porcos numa agradável água quente vulcânica por horas e horas por dia, até que afinal fez um imenso esforço para reagir ao marasmo mortal e construiu um arado para começar a jornada civilizatória de si mesmo, encontrar o nativo Sexta-feira, salvá-lo de outros nativos e em seguida escravisá-lo por anos, até percebê-lo como seu irmão em humanidade, afinal, e pedir o seu perdão e abraçá-lo...


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