Quem sou eu? Sou marinheira de derrotas
À deriva em neblina de amplidão,
Tendo comido a sola das minhas botasE os cadarços como fino macarrão.
Quem sou? Sou mesma
a flor dos naufragados
Que escolheram a praia de si mesmos,
Onde perplexa fui dar com os costados,Onde os porcos cozinham seus torresmos.
Princesa me erigi dos derrotados,
Aqueles que se voltam para os versos
Qual fosse a pátria-mãe dos exilados.
E se deliro um pouco ainda agora,
É que viva conheci dois universos:Dentro e fora da caixa de Pandora...
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Notas
* Tendo comido a sola das minhas botas / e os cadarços como fino macarrão - evocação da famosa cena de A Corrida do Ouro, de Charles Chaplin, em que Carlitos faminto numa cabana no inverno do Alaska, cozinha e devora com requintes hilariantes a sua botina...
* onde os porcos cozinham seus torresmos - Este aparentemente estranho verso, na verdade alude à cenas do magnífico livro de Michel Tournier, "Sexta-Feira ou os Limbos do Pacífico" (prêmio Goncourt) em que o autor francês reconta a saga de Robinson Crusoe como um retrospecto da jornada histórica da Humanidade através de sua lenta evolução social e espiritual. Ao chegar náufrago numa ilha tropical paradisíaca, não precisava na verdade de trabalhar para sobreviver, e ficava de molho junto com os porcos numa agradável água quente vulcânica por horas e horas por dia, até que afinal fez um imenso esforço para reagir ao marasmo mortal e construiu um arado para começar a jornada civilizatória de si mesmo, encontrar o nativo Sexta-feira, salvá-lo de outros nativos e em seguida escravisá-lo por anos, até percebê-lo como seu irmão em humanidade, afinal, e pedir o seu perdão e abraçá-lo...
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