segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Alegoria (de Alma Welt)

 
Alegoria (Alma Welt, o passado, o presente e o futuro)
 óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013, 100x150cm 
 
Alegoria (de Alma Welt)

Uma tarde em traje branco eu seguia
Numa estrada de onde avisto o mar

Levando pela mão uma guria
Que apontava um navio a se afastar.

Mas, me recordo, eu olhava ali ao lado
Um barquinho encalhado na barranca
Com ervas a cobri-lo, abandonado,
Em frente à casinha azul e branca...

Mas agora me dou conta simplesmente
Que esta alegoria em estado puro
Ocorria toda ela em minha mente:

Era eu mesma me levando pela mão,
Meu passado apontando o meu futuro,
Quando estarei em minha barca, mas no chão.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Testamento da Alma (de Alma Welt)



                  Martin Johson Heade - Cattleya Orchid and Three Brasilian Hummingbirds


 
 
Testamento da Alma (de Alma Welt)

Escolhi ser como pólen em pradaria
Pois seremos todos um e não mais dois.
Mas me verão dançar na ventania
Aqueles que vierem bem depois...

Disseminar-me por aí e pelo mundo
E ir muito além do meu condado,
Num perímetro maior e mais fecundo
Do que em vida me reservou o fado.

Alma fui do mundo ao ser poeta,
Então não me neguem esse direito
De estar em cada olhar que se desperta.

Fui tudo e todos, não tive só a mim.
Então tantos se viram do seu jeito
E me amaram muito mais por ser assim...


O Reencontro (de Alma Welt)


                                                        Les Amants - de Marc Chagall

O Reencontro (de Alma Welt)

Estaremos os dois juntos lá no fim...
Lá onde a ventania enfim descansa,
E o silêncio, a melhor parte de mim,
Pedirá o teu silêncio em contradança.

Não mais cobraremos as promessas
Nem as juras que fizéramos, amantes,
Mas perceberei quando começas
A marejar teus olhos como antes...

Seremos tão românticos de novo
Que me dará um pouco de vergonha
Lembrando da miséria do meu povo...

E voltando ainda mais, guria enfim,
Acreditando novamente na cegonha
Deixarei que descanses sobre mim...
 

domingo, 22 de setembro de 2013

Dos Mistérios (de Alma Welt)


 
 
Dos Mistérios (de Alma Welt)

Há tanto mistério em nossa vida:
A saúde, a sorte e o destino;
A razão de ser preciso tanta lida
Pra se fazer a corda, a torre e o sino...


Ou pra se ter razão para viver
No caso de uma mente complicada
Que questionará "ser ou não ser"
E por isso ficará meio atolada...

E o mal, maior de todos os mistérios?
Incompreensível sem a face de Satã,
Que sem ela fazem falta outros critérios...

E o bem, que sendo tão divino e claro
Que associado à luz e à manhã
Não duvidamos mais... e nele eu paro.

Das Riquezas (de Alma Welt)



Alma Welt reclinada - desenho de Guilherme de Faria
 
 
Das Riquezas (de Alma Welt)

Sejam os nossos desejos sempre nobres
Antes que realizados simplesmente.
Riquezas materiais, pois, não me cobres,
Que conheço só as pérolas da mente...

E o ouro, meus cabelos nos espelhos,
Como alhures o ébano de algum;
Rubis só a cor dos meus pentelhos,
Pelos fulvos evocando a cor do rum.

A turquesa que por certo me desejas
Seja o azul dos olhos do meu povo
A quem eu beberei umas cervejas...

Mas no final levantarei taça de prata
Que é meu ânimo sutil e sempre novo,
Como a tantas riquezas sempre grata...
 

A Garimpeira (de Alma Welt)


 
 
A Garimpeira (de Alma Welt) 

“De minério raro estou no ramo...”
Disse eu somente pra me divertir,
Respondendo a um geólogo decano
Que hospedei aqui na estância e me fez rir.


“Como? Quê minério? Talvez ouro?”
Sim, meu amigo, o equivalente:
Garimpo meu sonetos como um mouro
Ou como se agradasse a toda gente.

Mas não troco por dinheiro como todos
Os que labutam na terra da ambição
Ou os que remexem escória e lodos.

No entanto ponho em risco a minha alma
Pois se de ouro não ornei a minha mão
Levei a vida a decifrar a minha palma...

Borderline (de Alma Welt)



 
 
Borderline (de Alma Welt)

Um forte lado meu teme a cadeia,
Como se a lei eu possa transgredir
E eu mesma desfizesse a minha teia
De coerência e aposta no porvir,

E por um mau passo irreversível
Eu bote o pé no crime e na vergonha,
Sem querer e bem abaixo do meu nível,
Já que em bom conceito ainda me ponha.

Sim, pois no fogo não podemos pôr a mão
Pelo nosso inconsciente, por princípio,
Que a sua volúpia é a traição...

E sou eu a “borderline” extrema
Na beira de um imenso precipício,
Mariposa e luz que enfim me queima...
 

If (de Alma Welt)




 
IF (de Alma Welt)

Se do amor não te sobrou nenhuma flor
E seus acordes já nem soam, de vazios;
Se a lembrança não guardou nem o rancor
No teus vagos sonhos falsos, erradios;


Se teu maestro caiu da platibanda
E fincou-se-lhe a batuta no umbigo;
Se o teu fiel cachorro te debanda
Ou passou-se para o lado do inimigo;

Se tua hora da verdade é só mentira
E te descobres nem corda nem caçamba,
A pensar como o mundo roda e gira...

Então, meu amigo, foste humano:
Colecionas fracassos pra caramba,
E já podes ir pra casa a todo pano...

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Soneto (de Alma Welt)

                                                  A Pensadora - desenho de Guilherme de Faria
 
 
O Soneto (de Alma Welt)
 
Eu hei de escrever certo soneto
Que fale do amor do mundo inteiro
E sirva pra mim como amuleto
Como ouro fosse a tinta do tinteiro.
 
Não sei se vou gestá-lo ou o mature
Capaz de erguer e acender igual farol
Como o do “infinito enquanto dure’’,
E que brilhe entre os pares como o sol.
 
Revelei tal ambição ao meu amigo
E a resposta e reação me surpreendeu
Qual se fosse leviano isso que digo...
 
“Então não vês, ó Alma, que o poema
É conseqüência de um amor que pereceu
Quando justo ser eterno era o seu lema?”

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Calmaria (Alma Welt)

Calmaria- óleo s/tela de Guilherme de Faria


Calmaria (Alma Welt)

Ancorei o meu barco em calmaria
Para revisar meus pensamentos
E saber onde, ao certo, me perdia
A enfrentar correntes e tormentos.

Fui percebendo que a sabedoria
Da vida é, sim, estar em plena calma,
E que a procela justamente acontecia
Quando estou fora dela, a minha alma...

E parei, aquietei-me em minha mente
E o mar como instantâneo emudeceu
E nem havia mais sereias, felizmente.

E então dei-me conta que a Poesia
Nasce do encontro de Cronos com Morfeu
E o sono que resulta em calmaria...