"Somos para a Morte", disse alguém,
E desde então eu me pus a meditar,
Coisa inusitada para quem
Todas as dádivas vieram se somar.
A beleza é vã, efêmera, fugaz,
Diz Matilde, o que a Mutti já dizia,
E eu desconfio que apesar de pertinaz,
Tal pensamento deriva da apatia.
Ah! Odisseu, meu grego predileto,
Que disseste (e por isso foste honrado)
O quê é o homem? Cabal, doido completo
Que se acaba com um simples resfriado
E que no entanto, aqui como em Elêusis,
É capaz de afrontar os próprios deuses!
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A caravela (de Alma Welt)
Lanço no papel minha experiência
De ser o fulcro ou centro desta saga
Tão amada, vivaz, com tal ardência,
Como um druida, bardo ou velha maga.
Nada de queixumes ou lamento,
Mas afirmação total de vida
Que aos outros possa ser alento,
Inspiração vital e comovida.
Pois sei que a vida é mesmo bela
E o frágil ser humano, interessante
Como pode ser imenso e triunfante!
Eis porque vago pela face do papel
Como tardia, embevecida caravela
Fazendo deste espelho o próprio céu.
1401/2007
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O eterno retorno (de Alma Welt)
Contarei e cantarei até o fim
Dos meus dias como vou ao meu irmão
Encontrá-lo alta noite no seu sótão
Para entregar-me a ele e ele a mim.
E como, tateando no escuro
Nos longos corredores, já ardente,
Eu me dispo no caminho, de repente
Naquele impulso claro e escuro
Que me leva assim a dar-me e dar-me
E exausta adormecer sobre seu ombro
Depois de tanto cavalgar a sua carne.
E como, adormecida, recomponho
A clara roda de ir ao seu encontro
Na obscura clareza do meu sonho.
(sem data)
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A Fronteira e o Portal (de Alma Welt)
Saio de manhã com cuia e bomba
A vagar por minhas velhas trilhas
Até rondar o bosque em sua lomba
Que nasce no sopé destas coxilhas.
Ali penetro então chimarreando
Aquecida por dentro pelo amargo
Para ouvir a natureza despertando
E o meu alento bem mais largo.
E logo tomada de entusiasmo
Me ponho a correr por entre os troncos
E a girar no centro de um orgasmo
Até desfalecer numa clareira
Cercada por seres nada broncos,
Abertos o Portal e a Fronteira...
(sem data)
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Nota
Acabo de encontrar este curioso soneto manuscrito entre os papéis da Alma na sua arca, e dei-me conta de que nunca foi publicado. Apressei-me em digitá-lo e colocá-lo no seu blog dos Sonetos de Mistérios da Alma. Mas logo percebi que se trata, na verdade, de um soneto erótico, embora simbólico e velado. Não preciso dizer o que são "o Portal" e "a Fronteira". Ri muito e mais saudades tive de minha extraordinária irmã, de sua intensidade vital e de seu humor. (Lucia Welt)
Se me perguntarem... (de Alma Welt)
Se me perguntarem o que quero
Com tanto escrever, em catadupa
Soneto após soneto, eu reitero
Que isso me elimina toda a culpa.
Sim, a que se instala em nossa alma
Com o primeiro vagido após o tapa
E faz o ser humano ter um mapa
Do inferno gravado em sua palma.
Em sendas ocultas e entrelinhas
Eu vou, vago, vôo e deixo ir-me
Ignorando as coisas comezinhas.
Escrevendo recupero a inocência
E posso tudo, e na alma permitir-me
Ir muito além da dor e da demência.
15/12/2005
Nota
Ao encontrar há pouco este soneto, apertouse-me o coração, pois pela data percebi que fora escrito poucos dias antes da sua internação na Clínica em Dezembro de 2005, que tanta preocupação e dor nos causou, inclusive com sua fuga e percalços em caronas de caminhão pelas estradas do nosso Pampa. Este soneto testemunha a luta heróica da Alma para fugir "da dor e da demência" que rondavam a sua alma de poeta, de artista predestinada e de mulher muito bela, excepcionalmente pura e ardente.(Lucia Welt)
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Minha "Estrela de Absinto" (de Alma Welt)
Estrela minha, a mim mesma me revela!
Eu te invoco como outrora o Druida
Ou muito antes o rei da torre aquela
Etemenanki que em Babel foi destruída!
Vem ao meu encontro e me desvia
Do fatal caminho que pressinto,
Eu sei, estamos todos nessa via,
Na rota de uma estrela de Absinto,*
Mais sonhos, mais delírios, mais anseios,
Ainda não cumpri meus devaneios
E ainda faltam centenas de sonetos,
Cavalgadas, êxtases, amores,
Vagar por entre temas e motetos
A colher emoções como se flores!
19/12/2006
Nota
* Estrela de Absinto -Obra de Oswald de Andrade, 1927. A expressão se refere à uma estrela apocalíptica, para alguns místicos e esotéricos caracterizada como o planeta Vênus(estrela Dalva). Absinto: bebida muito consumida na Belle Époque parisiense, e que, com o ópio, custou a vida de muitos poetas e pintores. No Apocalípse de São João, Absinto é o nome de uma estrela da destruição que cai sobre as fontes de águas e os rios, no final dos tempos (um meteorito?).Entretanto, não está claro, no poema, em qual sentido Alma a está usando. (Lucia Welt)
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Não irei queixar-me ao rei dos pampas (de Alma Welt)
Não irei queixar-me ao rei dos pampas,
O Minuano que selou o meu destino...
Não rezarei ao pé daquelas campas
Nem ali tocarei meu violino.
Bah! Tanto me alertaram sobre aquilo
De escolher e abraçar a "vã Poesia"
Abandonando o caminho mais tranqüilo,
Do Lar, e ainda ficando "pra titia"!
Sobretudo não irei me prosternar
Diante da matéria ou de seus signos,
Que não tenho o afã de conservar...
Pois que há muito abri minhas eclusas,
Fiz juras e votos bem mais dignos
E jamais renegarei as minhas Musas!
(sem data)
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A névoa e a Alma (de Alma Welt)
Quando a névoa ainda não se alçou
E paira sobre a relva confundindo
Céu e terra como quando começou
O mundo e Deus ainda estava urdindo
A tessitura de seu reino endiabrado,
Depois cheio de tesouros e magia,
Eu sinto que pertenço a este prado
E nutro-me de sua nostalgia.
Mas logo em alegria me desnudo
Pois orvalhada já em minha roupa
Posso sentir-me parte disso tudo:
De Deus o puro caos primevo e vago
Quando tudo ainda era parte dessa sopa
Do grande caldeirão do Eterno Mago...
(sem data)
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Nota
Acabo de encontrar na montanha dos inéditos da Alma, em sua arca do sótão, este soneto encantador sobre o qual testemunhei as cirunstâncias de sua inspiração, pois acompanhei uma vez a Alma num de seus passeios matinais, bem cedinho, e a vi impulsivamente desnudar-se para sentir a névoa da alva da manhã em sua pele, no corpo todo, rodopiando de alegria em sua integração sentida nesse "caos úmido". Alma era uma criatura profundamente telúrica e nutria-se, como ela dizia, das forças da terra e do ar, como todos os seres, é verdade, mas com mais intensa consciência poética, se podemos dizer assim, do que a maioria de nós. (Lucia Welt)
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