quinta-feira, 28 de julho de 2016

Depoimento (de Alma Welt)


Uns remorsos relativos, bem os tenho,
Se é possível que alguém os tenha assim.
Preservei-me somente, e me contenho
Pra não invadir ou ir muito além de mim.

Quis sempre manter meu território
Que por dentro é vasto como o pampa
Mas por fora é uma mesa de escritório,
Só espero ser maior que a minha campa.

Nunca invadi o espaço de ninguém
E evitei até mesmo dar conselhos
Que nunca deram ou darão um só vintém...

Jamais como Narciso, alheia aos fatos,
Me abismei na água fria dos espelhos,
Nem lavei as minhas mãos como Pilatos...

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28/07/2016

Aos amores passados (de Alma Welt)


Onde estão as aflições e os amores
Que passaram por minh'alma e coração
E se foram, descorados esplendores
Como as rosas quando finda a estação?

Villon, poeta, outrora perguntava *
Por longínquas neves e de antanho,
Inverno da alma que o assombrava,
Que seu amor do Mito era tamanho...

Quanto a mim, os tenho na memória
Do próprio coração envelhecido
Querendo reviver a antiga glória.

Amores meus de antanho, eu sinto tanto
Que tenhamos como as rosas fenecido
E caia nossa neve como um manto...

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27/07/2016

Nota
* Villon, poeta, outrora perguntava - François Villon, poeta medieval francês no seu célebre poema "Balada das Damas dos Tempos Idos", pergunta: "Mais où sont les neiges d'antain?" (Mas onde estão as neves de antanho?

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Unicórnio (de Alma Welt)

                                                    Alma e o Unicórnio - litografia de Guilherme de Faria, P.A. 1979

O Unicórnio (de Alma Welt)

Andarilha solitária de mim mesma
Percorro o coração desconhecido,
Também minha alma, essa abantesma
Que teima em sussurrar em meu ouvido.

Se alguém pode dizer: "Bem me conheço",
Faça bom proveito em seu engano.
Outros dizem: "Eu faço e aconteço! "
A mim nada acontece faz um ano...

Mas amo meu mistério e o confesso,
E adentro de mim a noite escura
Como um caçador louco ou possesso,

E enquanto desvendar-me não consigo,
Devaneio que em mim em vão perdura,
Meu belo unicórnio ainda persigo...
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27/ 07/2016

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Reminiscências (de Alma Welt)


"A hora do poente me é sagrada
Com sua natureza melancólica,
Mas do sol é alegre a escalada!
Queridos, como hoje estou bucólica!"

Assim, pedante, dizia minha tia,
A Irmã de minha mãe, se bem me lembro,
Enquanto, nauseada de poesia,
Me encontrava no meio de Setembro.

Pois era no absurdo que eu lastreava
Do meu estro a rebelde natureza
Que minha dura mãe castrar buscava...

Ah! Meu verso não viria da doçura
Com que eu ainda punha a minha mesa,
Mesmo sendo bela e talvez pura...

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24/07/2016

sábado, 23 de julho de 2016

Dias de vinhos e de rosas" III (de Alma Welt)

Foram-se os dias de vinhos e de rosas,
A juventude também foi-se, e o martelo
Das perdidas ilusões, tão dolorosas
Ao canto melancólico de um cello...

Que belos fomos nós, tão iludidos,
Correndo pelas ruas, e agredidos,
Sonhando estar salvando o nosso mundo
De um certo monstro cruel e iracundo...

Mas também nos divertíamos, como não?
Em grandes festas de sexo e poesia,
Embriaguez, amor, tolice e confusão...

Hoje mais brancos, céticos, mordazes
Suspiramos o fervor que nos movia,
Moços bobos a colar do Che cartazes...


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21/07/2016

Metáforas (de Alma Welt)

                                              O estancieiro (o avô da Alma)- água-forte de Guilherme de Faria, 1968

Metáforas (de Alma Welt)

"Não te vejo como parte da manada",
Disse um dia meu avô estancieiro
Dando na própria perna uma lambada,
De chibata na mão o dia inteiro...

"Mas que manada?" Pensava eu, guria
Solitária, saltitando na coxilha
Com as sílabas nos dedos da poesia,
Minhas únicas reses numa milha...

Mas então percebi o duplo mundo
Que uma simples metáfora destampa,
Comigo num espelho mais ao fundo.

As reses, na verdade, eram as uvas,
Eu, a vinha solitária neste Pampa,
Que meu avô podava, mas com luvas...

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22/07/2016

quinta-feira, 21 de julho de 2016

"The Tell-Tale Heart" (de Alma Welt) *


Vai mal o mundo embora já o saibamos
Desde os tempos de Noé e sua Arca
Pois que bebia muito o patriarca
E seu pendor alcoólico herdamos.

Como então a violência cultuamos!
Com que prazer os "trillers" assistimos
E armamentos eficazes fabricamos
Para a outros armamentos resistirmos!

Tudo está em nós desde os primórdios!
Com que prazer li Homero sobre Tróia
E admirei de Aquiles grandes ódios!

Vamos pois encarar a hipocrisia
Que mascara nosso ódio e o apoia
Contra o próprio coração que o denuncia...

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20/07/2016


Nota
*The Tell-Tale Heart (O coração delator)- Título do célebre conto de terror de Edgar Allan Poe.

Divagando (de Alma Welt)


Manter a integridade está difícil
Pra quem quer a sintonia com o mundo.
isso outrora ideal foi, muito civil,
Tal sintonia lhe deixa agora imundo.

Eu prefiro andar sozinha em meu jardim,
Conquanto vulnerável à vã tristeza
E à uma certa pena ilícita de mim
Da qual posso nem, talvez, sair ilesa...

Mas de que estou falando? Eu já nem sei...
Comecei com uma nota de censura
E me vejo então perdida em minha lei.

Então percebo que é melhor a aceitação
Do mundo como é, mesmo sem cura
Em ti nasce e há de voltar, ó coração!...

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19/07/2016

Rostos (de Alma Welt)

                                       Rostos - desenho de Guilherme de Faria, 2011, 35x50cm

Rostos (de Alma Welt)

Nosso rosto é o retrato essencial,
Já que revela o que nos vai por dentro
Embora digam que não é assim cabal
Pois nos pode ocultar o pensamento.

"Quem vê cara... " conhecem o ditado,
E há bandidos com o rosto angelical
Nunca os vi e tenho disso duvidado,
Os olhos, creio, da alma são o vitral.

O problema consiste em nossa pressa
Que nos faz ser outrossim tão desatentos
Sem tempo pra mirar uma outra peça.

Olhemos pois nos olhos o vizinho
Se toparmos com ele por momentos
Enquanto desce o elevador devagarinho...

. 19/07/2016

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O Imaginário (de Alma Welt)


Ser poeta é ter o dom de admirar
O minuto que passa e que é tão belo, *
Sem jamais fazer sua alma pactuar
Com miragens do poder e seu castelo.

O mundo, já o tenho em minha palma
E bem posso desfrutar de seus prazeres
Pelos próprios recursos de minha alma,
E esta, sim, tem quase todos os poderes...

Um recurso nos foi dado já, de graça,
Para usufruirmos do universo
Sem por isso correr risco de desgraça,

O Imaginário é essa luz sagrada
Que compensa uma vida fracassada
Com a simples maravilha de um só verso...

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18/ 07;2016

Nota
*O minuto que passa e que é tão belo - Alusão aos termos do pacto de Fausto com Mefistófeles (no poema de Goethe): Fausto, o grande entediado, perderia a sua alma no momento que capitulasse diante das dádivas milagrosas oferecidas pelo diabo, e dissesse "ao minuto que passa": "Pára, és tão belo!"

domingo, 17 de julho de 2016

Plano para transformar o Mundo (de Alma Welt)


                                        O Ministro ( Mefisto) - litografia de Guilherme de Faria

Plano para transformar o Mundo (de Alma Welt)

Bem queria a vida toda transformar
Retirando todo o mal, raiz do mundo,
E deixando só o amor, pra começar,
E a morte esquecida lá no fundo...

Que imensa pretensão, bem reconheço,
A de querer melhorar o que Deus fez,
Mesmo sem a rebeldia do começo
Que incluía rancor e insensatez...

Fui visitada por um senhor sinistro
Me propondo sociedade no projeto
Ou então ser uma espécie de ministro.

Então logo percebi a armadilha
De que meu próprio plano era objeto:
A do primeiro anjo e sua quadrilha...

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11/07/2016

A vã prudência (de Alma Welt)


Busquei dentro de mim mesma o meu amor,
Pra que não me confundisse com Narciso
Que amava só o que mirava e virou flor,
Enquanto eu procurei o que é preciso

Pois logo armada do que encontrei em mim
Fui aonde está vagando o ser humano
Para agora lhe dizer o não e o sim
Já que amar não exclui erro ou engano.

Mas não fui poupada em minha prudência
E malgrado as providências que tomei
Pra superar a ancestral e vã carência

Sofreria o mal de amor como as princesas,
Tão perdidas nos castelos de tristezas
Quanto eu que de mim mesma tanto sei...

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17/07/2016

A viajante (de Alma Welt)


Vivo tão mais curiosa que perplexa
Pois não sei o que virá em um segundo.
Que palavra, qual o alvo, qual a flecha?
A vida é uma aventura em cada mundo.

Na verdade não preciso ir por aí
Ao sabor de ambições que nunca tive,
Meu quintal vai por certo até o Chuí
E o pampa é meu olhar de detetive.

Quantos mundos nesta casa e meu jardim
De onde descortino estas coxilhas,
Cuja planura ondulada está em mim!...

E se quero descansar das aventuras,
Vou na varanda acumulando milhas
De ir ao sol poente e suas lonjuras...

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16/07/2016

Parnaso (de Alma Welt)


Aventurei-me nas águas de minha alma
Com risco de afogar-me em seus meandros
E no limite, levantando a minha palma,
Faltando o ar implorei por escafandros.

"Exagero" - direis- "quanta eloquência!
Fazes do versejar uma tragédia
Pra dos novos afastar a concorrência
Ou ao estro dos mais velhos fazer média..."

"És romântica, isso sim, e demodée,
Agora ninguém sofre ao fazer verso,
Estás então mitificando, já se vê..."

Mas eu, humildemente imploro à Musa,
De um Parnaso, por aí ora disperso:
"Quero ir pra casa, perdão, estou confusa..."
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15/07/2016

O Jogo (de Alma Welt)


Diante da folha em branco titubeio:
Não sei o que virá se nela verto
Uma primeira gota do meu seio
E em verso límpido a converto.

O mistério do reino das palavras,
Claras sejam, ou escuras, mas lançadas,
Revelando minhas verdadeiras lavras,
Feição plena das coisas semeadas...

Não há total controle, aqui, da mente,
Neste jogo de cartas duvidoso
Pois o blefe não terá um oponente.

Mas, por fim, cartas baixadas, mão exposta,
Fichas não recolherei, mas só o gozo
Da beleza, que é só o que a alma gosta...

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13/07/2016

Velho tema (de Alma Welt)


Tenho tudo o que quero e nada tenho
Que a pouco me agarro, simplesmente,
Pois persigo apenas versos, vão empenho,
Que sempre estão um pouco à minha frente...

"-Isso é só mania"- alguns me alertam
Pois já me vêm perder a cor e o viço;
Já outros a inveja em si despertam
Pelo verso conquistado e submisso.

Quanto mais me completo mais me isolo
Pois construo com areia sobre a areia,
E com fração do eterno me consolo...

E no final verei meu rosto num relance
No alto d'uma torre, em sua ameia,
Antes que o próprio castelo se desmanche...

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12/07/2016

O Figo (de Alma Welt)



O Figo (de Alma Welt)

Há coisas misteriosas, meu amigo,
Que não sabemos mais se é fruto ou flor,
Como ocorre, por exemplo, com o figo,
Flor voltada para dentro por pudor.

Há também quem na falta de uma escolta
Prefere a toca de modo permanente
Pelo horror que é o mundo à sua volta,
Lugar não recomendável à boa gente...

Mas se escolhes a Arte e a Poesia
Em vez de simplesmente estar e ser,
Abrirás o coração que se anuncia

Como o cerne de nossa plena dor
Que dá sentido ao mistério de viver,
Trazendo para a luz o mel e a cor...

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13/07/2016

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Espera (de Alma Welt)


Intensamente vivermos nosso brilho,
Brilhar, brilhar, brilhar como as estrelas,
É o que querem de nós o Pai e o Filho,
Também a Pomba branca entre centelhas.

Não nascemos para o caos e escuridão
Nem pro desperdício da Maldade.
Outrora fomos anjos de verdade,
Por aí alguns de nós ainda o são.

O orgulho foi a perda e nosso dote
E se descendemos de algum símio,
O coitado nem quer ser nosso mascote.

Mas se pura mantenhamos nossa alma
Como antes do tal fruto e seu fascínio,
Precisamos esperar mantendo a calma...

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09/07/2016

Revendo o mundo (de Alma Welt)


Venham ver comigo estes prodígios!
Olhem ali aquela flor, aquele ninho,
Esqueçam diferenças, vãos litígios,
E recomecem a olhar devagarinho.

Está tudo por se ver com novos olhos
Depois de tanta luta em terra e mar
Para se separar águas de óleos,
Que um no outro só fizemos derramar...

Nem falo das ambientais catástrofes
Mas aos vícios do cotidiano olhar
Incapaz de apreciar velhas estrofes.

Ora vamo-nos daqui pra Trás-os-Montes,*
Que um frescor recuperamos do pensar
Ao voltarmos a beber nas velhas fontes...
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10/07/2016

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Esperando o bonde (de Alma Welt)


Tantas vezes por um lapso ou um triz
Perdemos por descuido nosso bonde,
Aquele mesmo que achávamos feliz
E que então nos levaria a não sei onde.

"Desejo" ele é chamado pelos gringos,
Mas aqui nesta terra modorrenta
Ele existe mas só passa nos domingos
E com aquela eterna marcha lenta.

Quisera o resultado dessa espera
Ser um salto do olhar, acuidade
Que desfaz o bonde e sua quimera,

Eu não mais nesta varanda-plataforma
Esperando o viajor de uma cidade
Que me leve daqui de alguma forma...

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08/07/2016

Mais preceitos (de Alma Welt)


Sejamos simples, claros e diretos
E nunca falsamente nebulosos,
Mas guardemos nossos ricos objetos
Como pérolas, mistérios mais gozosos,

Pra não sermos corpo nu ou tão despido
Que nos venha aparecer o vão trazeiro
Ou aquele cofrinho intrometido
Às vezes feito para colocar dinheiro.

Intimidade é bom e até eu gosto,
E escolho o angulo e o perfil
Pra dar ao fotógrafo em que aposto.

Cuidarei se o resultado é belo ou triste
Mas que não seja jamais visto como vil
Nem por um ninguém com o dedo em riste.

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08/07/2016

Crescer (de Alma Welt)


                                   Alma e a  árvore - óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2014


        Crescer (de Alma Welt)

Crescer como uma árvore para o alto
Às vezes retorcida no elevar-se
Em função do nosso ser incauto
Que produz um nó, se não catarse.

Quantos erros na afoita juventude!
Sobreviventes heroicos de nós mesmos
Não cheguemos afinal na completude
Cobertos de farrapos ou enfermos

Mas como os tais guerreiros de outrora
Perdoando nossos crimes sob a aurora,
Por muitas cicatrizes, poucas glórias,

Ou então, tão humildes como monjes
Daqueles que habitavam antigos longes
Dos livros de figuras e de histórias...

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08/07/2016

A escolha da Poesia (Alma Welt)



Para viver neste duvidoso mundo
Onde as respostas beiram o enganoso
E temos que encontrar, não nosso gozo,
Mas a própria razão de ir mais fundo,

Optei pela poesia, não resposta,
Mas viés universal, um certo olhar
Que é um pouco mais que mera aposta
No jeito de uma coisa se encantar.

Perdida a esperança de certeza
Tenho um mundo em forma de pergunta
Que traz nela mesma sua clareza.

Assim percorro minha vida como trilha
Que só eu vejo no meio da coxilha,
Vasto plaino que com céu azul se junta...

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08/07/2016

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Prece da sem fé (de Alma Welt)


Um só Deus ou muitos deuses, não importa,
Pois revela quanto ainda somos reses
A pastar aqui na Terra, nossa horta,
Ao sabor das horas, dias e meses...

Desamparo astral, carência imensa,
De pé ou ajoelhados frente ao Sol,
Nosso verdadeiro deus iluminado
Que comanda dos deuses todo o rol...

São palavras do orgulho, bem o sei
E que se Deus houver serei punida,
Sobre isso de antemão já concordei.

Pois sabei quanto espero estar errada,
Se de todas a mais desamparada
Criatura dele sou, tão presumida...

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30/06/2016

Preceitos populares (de Alma Welt)


Repassemos todo dia, ao acordar,
Nossa vida inteira em um segundo,
Nesse breve momento, ao bocejar,
Que refaz a vida e encara o mundo.

Fomos claros, límpidos e honestos?
Não pisamos na cabeça de ninguém?
Não precisamos pois limpar os restos
Deixados por aqui ou mais além?

A coerência é o minimo que se pede
Quando vamos simplesmente abrir a boca,
E é o bom padrão com que se mede...

Não precisamos tirar o pai da forca
Mas pelo menos não façamos feio.
A nós o nosso reino, não o alheio...

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26/06/2016

sábado, 25 de junho de 2016

O rosto do mundo (de Alma Welt)





                  Perfil de Alma Welt - litografia de Guilherme de Faria

O rosto do mundo (de Alma Welt)

Procurei o mundo inteiro nos meus versos,
Pouco nele mesmo ao vivo, em cores,
Sabendo dentro em mim os universos
Sem descartar-me alguns de seus horrores.

Quanta descoberta e alguns conflitos!
Saga imensa já inscrita no meu peito;
Queda, às vezes, no Vale dos Aflitos,
Subidas súbitas, a meu próprio despeito...

Mas nada lamento do percurso
Que tenho feito menos pela escolha
Que um belo rio tem do próprio curso...

E no final, espero, sem desgosto,
Como disse Borges, nessa folha
Desenhado reverei meu próprio rosto....

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25/06/2016


Nota
"Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu próprio rosto."

BORGES, Jorge Luis. O fazedor. In: Obras completas (volume II).


O mundo e os longes (de Alma Welt)


"A vida nos requer muita prudência
Já que um passo errado é desastroso
E nos leva à morte ou à demência,
E é até meio sábio ser medroso.

"Mas se o homem levasse isso à palma
Ganharia só um palmo de seu chão,
Perderia da vida a sua alma,
Não iria muito além do seu colchão."

Assim dizia o meu irmão aventureiro
Que por amor de perder muito dinheiro
Foi-se ao mundo jogar pelos cassinos.

Mas como aqueles lusos velhos monges
Aqui permaneci a olhar os longes,
E a me comover ouvindo os sinos...
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24/06/2016

A sina de escrever (de Alma Welt)


Escrever versos é minha ação no mundo
E maneira de evitar a inveja
Daqueles, sim, que talvez vão mais a fundo
Derramando-se em gesto que se veja.

Mas invejar o bem que o outro faça
É ambíguo, senão puro despeito,
E visto desse modo é só pirraça
Ou requer que eu refaça meu conceito.

Mas escrever é sina e compromisso
Com aquele outro que há de vir
Sedento de saber um pouco disso...

Tais seriam meus conflitos sobre o tema
De escrever somente e não agir
Se eu pudesse pousar a minha pena...

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 25/06/2016

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Anti-pacto (de Alma Welt)


Tenho o Infinito à minha frente
E convido o Tempo à minha sala.
Hei de lançar um soneto competente
Pra não temer a tumba, cova ou vala.

Mas já sou imortal no que registro
Inspirada ou não pelas tais Musas,
As palavras tão logo administro
Despeço algumas torpes e abstrusas.

Como Fausto, vivo entre alfarrábios
Mas não penso em vender a minha alma
E quanto a isso cerrarei meus lábios.

Percebo o mundo aí fora, como anda,
Mas para tê-lo aqui na minha palma,
Recebo-o pro chá na minha varanda...

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24/06/2016

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Ariadne ou O Meta-labirinto (de Alma Welt)



Ariadne ou O Meta-labirinto (de Alma Welt)

Tem dias em que acordo e sou heroica,
Muito antiga, me vejo num palácio,
Da grande e remota Era Minoica
E sair do labirinto não é fácil...

Trago comigo longo fio em molinete
Para entrar e sair num leva e traz;
O Minotauro pra mim não é verbete
Mas minha própria sombra e não me apraz.

Ariadne sou eu eternamente
Esperando o herói em sua investida
Mas falta um certo elo na corrente,

Pois sendo de mim mesma o labirinto
Tenho tudo em mim, e sem saída,
Sou a missão perdida... e me ressinto.

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23/06/2016

Alma em processo (de Alma Welt)


"Vai, dedica-te aos outros", disse alguém.
E eu fiquei perplexa de imediato.
Ainda não sei bem de mim também
E preciso me formar pra ser de fato!

Ser um rio ou estender a minha mão,
"Mas não serei (disse Nietzsche), sua muleta". *
Inacabada, estou só e em construção
E ainda hoje a coisa ficou preta...

Mantenho minha cabeça fora d'água ,
Mas com sério perigo de afundar.
Se cuido mal da alma, a perco, estrago-a

E só meu ego é que me ergue de manhã.
Minha luta está somente a começar,
Nem sei se é fecunda ou quanto é vã...

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23/06/2016

Nota
* a frase completa de Nietzsche é assim: "Eu posso ser um anteparo na margem de um rio para quem quiser agarrar-me. Mas não serei sua muleta". ( Assim falava Zaratustra, F. Nietzsche)

terça-feira, 21 de junho de 2016

A Ampulheta e o Labirinto (de Alma Welt)

Em imaginação vivi minha vida,
Os melhores momentos de invenção;
E os tormentos com que a alma lida
Me foram consequência ou extensão.

Não sei se fui um ser grato ao real
Ou consto no seu rol de aparecidos
Nesse pequeno e ávido areal
De nossa existência sob os vidros,

Dessa antiga ampulheta dos destinos
Que é todo o Tempo que nos cabe
No infausto labirinto do rei Minos...

Ter sido ou não ter sido, eis a questão
Que o pensamento aprisionado abre
Para, sem asas, voltar do Sol ao chão...

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21/06/2016

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Viagens (de Alma Welt)


Então fui para o mundo, a meu despeito
Porque é aqui de casa o coração,
A sala e o jardim dentro do peito
E a varanda, horizonte e chimarrão.

Com toda uma planura para olhar
E as nuvens, infinita descoberta,
Que algo mais eu poderia precisar,
Para ter a alma assim desperta?

Mas uma inquietação viria um dia
E tive medo de morrer sem ver Paris,
Que na verdade, por Hug(ô), já conhecia... *

E fui a Portugal, França e Holanda
Tão somente pra voltar, como se diz,
A ver o mundo aqui desta varanda...

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20/06/2016

Nota
* por Hug(ô)- Alma indica aqui a pronúncia francesa para o nome de Victor Hugo que produz a cadência certa para o verso. E ela certamente evoca indiretamente as obras "Notre Dame de Paris" (conhecida popularmente como "O Corcunda de Notre Dame"), e "Les Misérables", que capturaram a essência daquela cidade...

O poeta e o aventureiro (de Alma Welt)

                                     Tempestade - óleo s/ tela de Guilherme de Faria,1999

O poeta e o aventureiro (de Alma Welt)

Jamais se conformar com o dia-a-dia
E procurar um viés audacioso
É um dos atributos da poesia
E produz, em sintonia, extremo gozo.

Mas o preço a pagar é muito grande:
Um caminho de espanto e solidão,
Conhecido só de alguém que nele ande
E não recomendável a um irmão...

Bem melhor é o dom do aventureiro
Que acredita apenas neste mundo
E faz dele o seu maior desfiladeiro.

Reconheço superior sua coragem:
A ela os versos prestam vassalagem,
Assim como ao seu mar, bem mais profundo...
.
19/06/2016

domingo, 19 de junho de 2016

Eu e as Árvores (de Alma Welt)

                                     Alma no pampa - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

Eu e as Árvores (de Alma Welt)

Sempre fui pelas árvores atraída,
Que são para mim entes sagrados
Que pronto me oferecem sua guarida
Se me encontro perdida pelos prados.

E então eu as invoco como deusas
Recebendo o seu séquito de flores
Formando um desfile de belezas
Dos milhares de lampejos multicores.

"Isso é ter os pés na terra?"- me perguntas.
"És uma fantasista incorrigível
E de cunho romanesco, como muitas... "

Mas eu não me distingo desses seres
Não por ser tão bela ou ser sensível,
Mas pelo dom da Vida e seus poderes...
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19/06/2016

sábado, 18 de junho de 2016

Sonetos (de Alma Welt)



O soneto é minha maneira de pensar
Malgrado enclausurada em duas quadras
E dois tercetos, poucos versos pra rimar,
Suficientes prisões pra algumas ladras.

Então por quê não jogas para o alto
Estas cruéis imposições da tradição?
Já me perguntam alguns fiéis do asfalto
Que não podem compreender minha opção.

Pois pra quem tem do Pampa sua lonjura
Que já faz sua visão mais alargada
Catorze versos cada vez é quase nada...

E eu respondo que é por liberdade pura
Minha escolha de tal prisão dourada
Em que a chave de ouro é minha soltura...

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18/06/2016

sexta-feira, 17 de junho de 2016

De mares e memórias (de Alma Welt)

                                                     Litografia de Guilherme de Faria

De mares e memórias (de Alma Welt)

Quê imensa aventura é o viver,
Pois simplesmente me sentir e estar viva
Me faz antigos oceanos percorrer,
Ou em mares de memórias à deriva...

As vetustas travessias experimento
Já que sinto aquele impulso da corrente
Que vem dar em mim, com ou sem vento,
E Odisseu, por certo, é meu parente...

Então nada do que foi me é estranho,
E conheço aquelas naus e fortalezas,
Assim também as tais "neves de antanho"...

Por isso sofro as graves agonias
Daquelas damas e suas incertezas,
E, mais raros, seus amores e alegrias...

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17/06/2016



Nota
* as tais "neves de antanho" - alusão ao célebre verso interrogativo do poeta medieval francês François Villon: "Où sont les neiges d'antan?" (Onde estão as neves de antanho?) do poema "Balada das damas dos tempos idos", em que o poeta cita nostalgicamente grandes personagens femininas da História, inclusive Joana D'Arc.

O Réquiem (de Alma Welt)

                                       Assum-preto- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013


O Réquiem (de Alma Welt)

"A vida é e foi sempre experimental
Malgrado as tentativas de sistema..."
Dizia Fulano, o último De Tal
Sem jamais abandonar o grande tema.

E eu me perguntava: "Onde estamos?
Acaso o Cabo que viramos é o Não?"
"Somos gregos afinal ou só troianos,
Perdido o jogo na derradeira mão?"

"Se nosso fim é a tal macabra dança
Tudo mais é solidão morte e tristeza,
Para quê insistirmos na esperança?"

Mas Deus é a persistência da Beleza,
O réquiem triunfal da Natureza,
Que se faz ver enquanto a Sombra avança...

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17/06/2016

quinta-feira, 16 de junho de 2016

A flauta mágica (de Alma Welt)


         O Flautista de Hamelin - desenho de Guilherme de Faria, anos 80

A flauta mágica (de Alma Welt)

Então fui ver o mundo além do Pampa
Embora o conhecesse bem dos livros
Que refletem o real como uma estampa
De Debret ou Daumier quando eram vivos.

E vi que a Arte quando pura e de verdade
Reflete o Mundo de modo condensado
Mesmo mais real que a realidade
Seja num timbre cruel ou encantado...

Pobres daqueles detratores do saber,
Apedeutas que um livro nunca abriram
E logo aos povos se metem a reger!

Ao desastre nos conduzem qual ratinhos
Que se leva ao abismo onde caíram,
De uma flauta ao som dos descaminhos...
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16/6/2016

terça-feira, 14 de junho de 2016

O Ninho e o Devir (de Alma Welt)

                                 Alma no Pampa- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm

O Ninho e o Devir (de Alma Welt)

Num certo dia acordei e vi o mundo
Como se apresenta em seu cinismo,
Em violência e interesse imundo
Em nome do comum e do civismo.

E disse: "Pai, não é isto que me deste
Ao me apresentar esta planície
Onde bate o gelado vento oeste *
Mas puro, sem maldade e imundície."

E o velho respondeu: "Eis o segredo,
De chegar audaz na vida e persistir
Pois o ninho é que perpetua o medo."

"O Paraíso foi perdido bem lá atrás
Mas a nós foi dado o tempo do devir *
Que toma a forma que a nossa mente faz..."

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14/06/2016

Notas :

" vento oeste - o Minuano, vento gelado que sopra no pampa, do Pacífico para o leste.

*devir - termo filosófico, equivalente ao "dasein" alemão, que pode ser traduzido como "o vir a ser", impulso de transformação do espírito que se opõe ao conceito fatalista de destino...

Divagando (Alma Welt)


Tenho uma certo pudor de ser assim
Tão dependente de me pôr em verso
Para me sentir completa em mim
Pois bem sei que sem poesia me disperso.

Talvez me falte a verdadeira integridade,
"Ai de mim!" Como diziam os antigos
No meio da tragédia sem idade
Com ou sem a existência de inimigos.

Viver é ter a espada sobre a fronte
E coragem é rir, mas conscientes,
Que com riso de bobo também conte.

A consciência faz mulher e homem
Não cuspir naquele prato em que comem,
Derradeira lucidez de nossas mentes...

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12/06/2016

A boa mão (de Alma Welt)




"Alma, tens boa mão para o soneto,"
(dizia o bom meu pai, churrasqueando)
"Assim como a Matilde no cloreto
De sódio, nossa janta cozinhando."

E ria, o arguto pai, com intenção
De assim talvez "baixar a minha bola"
Sem do orgulho precisar fazer menção
E mostrar que não estava na minha cola.

Mas um dia, sobre sua escrivaninha
Vi um álbum grosso, assim, jogado,
E abri pra ver alguma foto minha...

E era uma recolha dos meus versos
Em que reconheci o meu legado,
E meus sais ali estavam, não dispersos...

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12/06/2016

Mais uma prece (de Alma Welt)



Mais uma prece (de Alma Welt)

Senhor Deus, livrai-me do meu ódio
Que o dos outros eu mesma me livrei.
Sabeis que nunca quis subir num pódio
Apenas porque ao chão me acomodei.

Quero colher flores, quem não quer,
Quando se é plena, bela ou só mulher?
Versejar e passear pela coxilha
Como se o mundo fosse bela ilha...

Que o mundo não é bom, eu sempre soube,
Mas meus desejos cercam-me de muros
Como falsa fortaleza que me coube.

Então o meu egoismo me envergonha
Pois minhas defesas apresentam muitos furos:
As mágoas que confio à minha fronha...
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12/06/2016

sábado, 11 de junho de 2016

O Labirinto (de Alma Welt)



O Labirinto (de Alma Welt)

Em sonetos cantarei tudo o que sinto
Até o extremo fim desta jornada
Pois sem eles perco o fio do labirinto
E perdida de mim mesma não sou nada.

No centro o Minotauro espera em breve,
Eu temerosa, ele ardente de luxúria,
E sou eu mesma em minha face espúria
Que devo vencer ou que me leve.

Tal é a saga humana do poeta
Que me coube apesar de ser mulher,
Que filhos não foram minha meta.

Minha obscura saga é só por dentro
Sou a que tudo perde e tudo quer
E morrerei de mim bem no meu centro...

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11/06/2016

Oração (de Alma Welt)



Oração (de Alma Welt)

Perdoai-me Senhor, a incoerência
Que tanto à hipocrisia se assemelha.
Perdoai-me o meu ferrão de abelha,
Pelo mel, somente, da inocência...

Ao ver a hecatombe da manada,
E nas minúsculas gaiolas de arame
O sacrifício das aves, tão infame,
Eu prometi abstinência, e não fiz nada.

A lógica, Senhor, é um bom começo,
Para evitar o mal já conhecido
E afastar o mal que não conheço.

Mas, Senhor da Lucidez, dai-me bondade
Pois coerência é só tempo perdido
Se a alma não quiser a santidade...


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11/06/2016

sexta-feira, 10 de junho de 2016

O Sonho (de Alma Welt)

                                  A fuga de Caim e sua família para o Leste do Éden - Fernand Cormon ( 1845-1924)

O Sonho (de Alma Welt)

Sonhei quando guria ser poeta,
A coisa mais difícil desde então,
Ambição desmedida como meta,
Cujo rol, cabe nos dedos desta mão,

Contém os nomes daqueles mais descrentes
Que nem sabemos na verdade onde estão:
Se no limbo infantil dos inocentes
Ou na terra do exílio, como Adão.

A leste do Éden ainda habitamos
E ostentamos a tal marca de Caim
Sem que nós, afinal, nada devamos,

Mas por simples simpatia de desvio
Ou pelo nosso protesto contra o Fim
Pois o curso eterno é nosso rio...

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10/06/2016

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Profissão de Fé (de Alma Welt)


Escolhi o antigo culto da beleza,
Mas nada deverei à fútil moda
Que assenta no vazio a realeza
E no falso perene se acomoda.

Creio num eterno inconfundível
Que habita na alma e é comum
A todo ser divino e perecível,
Já que nesse nível somos "um".

Um pequeno verso ou uma linha,
Mistério gráfico ou comezinha imagem
Que na origem já era tua e minha

E se perde na universal memória
Onde nascem os Mitos e a contagem
Do Tempo que embala a nossa história...

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03/06/2016

terça-feira, 31 de maio de 2016

Após a Tempestade (de Alma Welt)


Tivemos águas bem mais turbulentas,
Agora é só um silente deslizar...
Levantamos nossas almas violentas,
Agora é nossa hora de acalmar.

Vai o nosso barco lentamente
E podemos por fim calafetar,
Reparar as velas no poente
E com um grog de rum talvez cantar.

Bah! Como é bem vinda a calmaria
Em que então nos miramos na água calma
Já que espelho mais antigo não havia...

E voltamos ao melhor de nossa paz,
Afinal tudo se passa em nossa alma,
Tudo, dentro ou fora, ela é que faz.


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31/05/2016

domingo, 29 de maio de 2016

O desafio (de Alma Welt)


Pobres de nós, humanos seres!
A vida nos traz doença e morte,
O desenlace é ruptura ou corte,
Não adianta questionar os seus poderes.

Vivemos só por ironia, obra e graça
De um poder maior desconhecido
Que velho como o mundo faz pirraça
E ainda quer o homem agradecido.

Tudo é insensato nesta ilha
Onde viemos dar com os costados,
Quando náufragos perdemos nossa trilha.

Só nos resta do Montecchio a rebeldia *
De erguer a voz, punhos fechados
Então desafiar a estrela guia...

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29/05/2016

Nota
* A rebeldia de Montecchio - Romeo Montecchio quando pensa que Julieta está morta, ergue o punho para o céu e grita: "So I defy you, stars!"

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Velhos amores (de Alma Welt)



Já cultivei demais velhos amores
Que se desgastaram com o tempo
A custa de remendos e rancores
E erros, desculpas, contratempo.

Não posso concertar um verso só
Dos poemas que com eles redigi,
O melhor das rimas falsas e do pó
Que a vida me legou, já percebi...


Entretanto os tenho ainda em mim,
Que se tornaram em gesto e sangue
E portanto em verso e lírica por fim.

Raízes, funda lama e morno porre,
A vida é rica e vária como um mangue,
Já posso esquecê-los, nada morre.

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26/05/2016

terça-feira, 24 de maio de 2016

O retorno (de Alma Welt)



Manhã orvalhada (Alma ) - óleo / tela de Guilherme de Faria, 2002.

O retorno (de Alma Welt)

Não fixei da desvairada juventude
Mais do que as ânsias da paixão,
Cheia de tolice e incompletude
Regidas por desejos e ambição.

Que castelos loucos fiz no ar,
Sem necessariamente ser romântica
Mas sim da veleidade de voar
Nas asas dos truques de semântica...

Para poder voltar aos meus inícios
Então abandonei os artifícios
E esqueci os "ismos" da cultura:

E era uma simples guria da coxilha,
Da mãe que me cobrava ser só filha
A colher flores para a sua sepultura...

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24/05/2016

sábado, 21 de maio de 2016

Dias chuvosos (de Alma Welt)


Dias tristes, chuvosos no meu pampa
Me faziam chorar de auto-piedade
A imaginar-me já em minha campa
E numa solidão de eternidade...

Mas um piano perto sempre havia
Tocado pelos dedos do meu pai
Ou então de meu irmão por ironia
Fingindo uns suspiros, tipo "ai!"...

E então eu ria e o abraçava
E na tristeza ou dor já não me via
Pois o seu cinismo me encantava.

E logo era feliz sem mais demoras
Na volúpia de sentir o que eu sentia
Entre a sombra e a luz daquelas horas...
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21/05/2016





Sem remorsos (de Alma Welt)



Remorsos, talvez não, mas muita pena
Tenho agora do excesso de altivez
Com que aparente andei, falsa serena
Na tola juventude em minha vez...

Quanto medo eu tinha, na verdade!
Frágil em minha cândida soberba
Mas sem culpa de ser bela à saciedade
O que tornava a vida tão acerba...

Não tirarei portanto uma só linha
De tudo aquilo que sem merecer vivi
Pois blasfêmia é renegar o que me vinha.

Não cuspirei no lindo prato que me deram
Com que a vida me serviu e bem comi
E em que provavelmente me comeram...


21/05/2016

Louca juventude (de Alma Welt)


Juventude louca quão depressa passas
Sem que nos demos conta ou importância
Como um mero novilho que tu laças
Ou boleias por esporte aqui na estância...

O quê não daria eu para deter-te
Agora que te vejo no horizonte
A dourar o passado, e converter-te
Em novas esperanças com que conte.

Velha como o mundo assim me sinto,
Sentada a embalar-me na varanda
A tomar o chimarrão meu absinto...

No entanto meus cabelos, sei, flamejam
Perfumados a jasmim ou a lavanda
Que beijar os colibris ainda almejam...


21/05/2016

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A sibila líbica (de Alma Welt)



            A Sibila Líbica - de Michelangelo (Capela Sistina)

A sibila líbica (de Alma Welt)


*Rafisa, a minha líbica sibila
Cigana, respondendo ao meu anseio
Sobre tudo em que meu saber vacila
Me disse pondo a mão sobre o meu seio:

Alma, és o universo feminino
Com tudo o que nele está oculto
E teus versos de desvelo sibilino,
Objeto serão de novo culto.

As coisas que se escondem nas caladas
Das mentes mais brilhantes contra o vulgo,
Haverão de ser um dia reveladas.

E nesse dia, teu nome se erguerá
Como um flor nascida no refugo
De um século de horror e Deus-dará...

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18/05/2016

Notas
* Rafisa- este é o nome da cigana profetisa que se tornou amiga da Alma Welt quando sua tribo acampou pela primeira vez nas terras da família Welt (estância Santa Gertrudes) no pampa riograndense. O artista plástico e poeta Guilherme de Faria a retratou no seu mais famoso cordel "Romance da Vidência" Vide www.guilhermedefariacordel.blogspot.com


A sibila líbia ou sibila líbica era a sacerdotisa profética que presidia o oráculo de Zeus Amon (Zeus representado com os chifres de Amon) no oásis de Siva no deserto da Líbia.

A palavra «sibila» procede, através do latim, do grego σίβυλλα sibylla, ‘profetisa’. Havia muitas sibilas no mundo antigo, mas a sibila líbica predisse a «chegada do dia em que tudo o que está oculto será revelado».

A Sibila de Cumas (O pedido) (de Alma Welt)

                                         A sibila de Cumas - Michelangelo (Capela Sistina)


A Sibila de Cumas (O pedido) (de Alma Welt)

Eu me aproximei do umbu-pampeiro
E logo na primeira e final prece
Pedi só juventude e com dinheiro
E que seja eterno e nunca cesse.

Mas não implorei a mocidade pura
Para eu não cair numa armadilha
Como a cumana e sibilante criatura
Pr'a quem a juventude era uma ilha.

Pois como a eternidade sem frescor,
Sem a sabedoria é uma "roubada",
(perdoai-me a gíria velha e o humor),

E então, exigiu-me certa lábia,
Coisa nunca vista ou imaginada
Pedi ao Pampa a juventude sábia...


18/05/2016


Nota
A Sibila de Cumas na Antiguidade era considerada como a mais importante das dez sibilas conhecidas. Era também conhecida como a Deífoba - palavra que significa deidade, ou que tem a forma de deusa. Apolo era o deus que inspirava as profecias das sibilas. À Sibila de Cumas consta que havia prometido realizar um grande desejo. A Sibila então colocou um punhado de areia em sua mão e pediu-lhe para viver tantos anos quantos fossem as partículas de terra que tinha ali. Mas esqueceu-se de pedir, também, a eterna juventude, assim foi que com os anos tornou-se tão consumida pela idade que teve de ser encerrada no templo de Apolo em Cumas. A lenda diz que viveu nove vidas humanas de 110 anos cada. Encerrada numa jaula no templo, encarquilhada como uma bruxa de mil anos, só conseguia murmurar: "Quero morrer".

terça-feira, 17 de maio de 2016

A humana barca (de Alma Welt)

    Nau grega - aquarela de Guilherme de Faria, anos 80

A humana barca (de Alma Welt)

A humana barca roda e dança
E como nós gritamos, remadores,
Enquanto a barca louca não avança
Mas furada afunda entre clamores!

Toda nau é heroica e insensata
E sua vocação é o naufrágio
Pois ao deus dos mares desacata
E em terra se prolonga como um ágio.

Mas se estamos fadados ao desastre
Pior restar na praia preguiçosa
Se a calmaria o ímpeto nos castre...

Não temos pois escolha: alçar velas,
Negras velas na partida temerosa
E também no retorno, a salvo, delas...*

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17/05/ 2016

Nota
*Negras na partida temerosa
E também no retorno, a salvo, delas - alusão Ao episódio da saga de Teseu, em que seu pai, o rei Egeu, proveu a nau de seu filho de velas negras para partir para Creta afim de libertar os jovens de Atenas, que todos os anos eram enviados ao Labirinto do rei Minos para alimentar o Minotauro, como tributo da guerra vencida por Creta sobre os atenienses. Como recomendação de seu pai, Teseu se saísse vencedor deveria trocar as velas por brancas. Teseu se esqueceu disso no retorno e não as trocou. Seu pai que todos os dias ficava no alto de um penhasco olhando o horizonte aguardando ansioso a o retorno de seu filho, quando avistou velas negras, julgou seu filho derrotado e morto e se atirou a mar, que passou a se chamar Mar Egeu, em sua honra..





quarta-feira, 4 de maio de 2016

A tapera do fim do mundo (de Alma Welt)

                     A tapera do fim do mundo  - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015, 30x40cm

Fui até o fim tristonho do meu mundo
Lá mesmo onde fica uma tapera
Em que me vejo só e mais a fundo
E onde meu eu real a mim me espera.

Fica lá onde o arroio corre, do Chuí
O extremo do extremo do meu pampa
Onde o frio minuano dobra ali
E volta porque encontra sua campa...

Ó solidão extrema, insustentável,
Que a nenhum vivente coube igual
Que se mantivesse ainda amável!...

E eu acordo ofegante e esbaforida
Procurando em torno meu quintal
Onde rica minha alma tem guarida...


04/05/2016

Esperanças (de Alma Welt)



Esperanças (de Alma Welt)

Guardei minhas secretas esperanças
De maneira tão discreta, e sutilmente,
Que não fossem roubadas de minha mente
Pelos jogos da ambição e suas ânsias.

Nada quis de material, um alfinete,
Um iate pra singrar por entre as ondas,
Um reino, um corcel e seu ginete,
Nem mergulhos imortais em novas sondas.

Quê esperanças foram essas? Me perguntas.
E eu só posso dizer quase corada
Que sonhei com as pessoas todas juntas

Sem o ódio e o rancor de tantos anos,
Uma bandeira nova em novos panos,
Numa pátria feliz e restaurada...


04/05/2016

terça-feira, 3 de maio de 2016

Ontem hoje amanhã (de Alma Welt)

                                    Litografia de autoria de Guilherme de Faria

Ontem hoje amanhã (de Alma Welt)

Viver o ontem, o hoje e o amanhã
Tudo junto num mesmo aqui-agora
Não é bravata ou mera pose vã,
Mas sim prerrogativa da memória.

Como é bom sentar nesta varanda
E olhar ao longe, dourando no horizonte,
Pr’onde a grande manada se debanda
Das nuvens, nosso derradeiro front

A mente sonhadora conta as rezes
De um tesouro de lembranças, inefável,
De que a alma desfruta tantas vezes...

E oscilo na cadeira de balanço
Onde fruo o meu saldo memorável
Descontados as mágoas, dor e ranço...


03/05/2016

sábado, 4 de julho de 2015

Ó meus amores (de Alma Welt)


Ó meus amores, quanto vos cantei
Em tanta canção apaixonada!
Mais do que isso, eu peço, não querei,
Que já não tenho forças nem mais nada...

Estou entregue, prostrada, bah! Tomai-me!
Fazei de mim o último banquete!
Invadí minha carne, ó, abusai-me
Fazei das minhas dores ramalhete!

Desmembrai-me, cortai-me em mil pedaços,
E que eu já não possa me lembrar
Da dor de ser uma e de ter laços

Que me prendem à Terra como campa
Enquanto Ananke meu fuso faz gira
r
De renascer e amar neste meu Pampa!

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Quisera (de Alma Welt)


Quisera eu ter a fé de boa cristã,
Também de um índio manso, bom pagão
Antes da cruz do evangelho do canhão,
Ou talvez de um fanático do Islã...

Mas sou desconfiada, tenho dúvidas
Que me vieram, acredito, pra ficar;
Permaneço também por razões lúdicas,
De gostar tanto de mim e a vida amar.

Quê digo? Na verdade tenho medo
Da Morte, essa total desconhecida
Com esse sorriso branco de arremedo.

E encolho-me à sombra, de covarde,
Como se fosse ela a própria vida,
Já que de tanto sol meu olho arde...

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Relembrando os lírios (de Alma Welt)

É comum talvez sentir medo do mundo,
E por isso lutamos dia a dia
Num desespero surdo mas profundo
Esquecendo o que o Mestre nos dizia:

"Do campo olhai os lírios (e as aves)"
Sem temer fome, nudez e desemprego,
Contornando da vidinha seus entraves
E evitando o vão desassossego

Mas também os livros de auto-ajuda
Que não guardam dos mestres o carisma
Que já temos em Cristo, Gandhi e Buda.

Todavia não é preciso ir à Igreja
Que foi dar ao vão protesto e ao sisma.
Valem bem mais a prosa e a cerveja!...

domingo, 31 de maio de 2015

Vida (de Alma Welt)

A vida é uma comédia, disse alguém,
Esquecendo Calderón que disse "é sonho".
Mas ao pensá-la, essa terra de ninguém,
Uma solução melhor talvez, proponho:

Vamos vivê-la primeiro bem quietinhos
Qual se fôramos, digamos, camponeses
Que realizam em silêncio seus caminhos
Somente atentos aos dias e aos meses,

Das estações no embalo, rotineiros,
Ouvindo a chuva bater forte no chão,
Peregrinos sobre a terra ou pioneiros...

Talvez cheguemos de novo ao sentimento
Do mundo, experimentado por Adão
Que abriu mão d'um Paraíso sem lamento...

sábado, 30 de maio de 2015

Meu perfil para os novatos (de Alma Welt)

Quero morrer se o dia é frio e cinzento;
Voar quando faz sol, cantar, dançar!
Se não volúvel "como pluma ao vento",
Um pouco instável, moderna bipolar.


Melancolia... o termo até cansou,
Mas se acaso a gag é genial
Me pega fácil, e romântica que sou,
Gargalho como hiena em meu quintal.

Preciso é paz. O coração inquieto
Desmentindo a minha vã sabedoria
Me desmoraliza por completo.

E se tens de um bom fracasso mal conceito
Não te acerques de mim e minha poesia,
Que pro sucesso meu gênio não foi feito...

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Meu sonho (de Alma Welt)

Eu construí meu barco muito belo,
Verso a verso sem esquecer a rima
Com cunhas, cavilhas e martelo
E pus pra navegar minha obra-prima.


Desfraldei as velas contra o vento
Para singrar o mundo à contramão
Por pura teimosia, embora lento,
Pela rota onde os solitários vão.

Tornei-me de mim mesma uma pirata,
Com minha cabeça posta a prêmio
Sem lei, sem laços e sem pátria...

Então acordei e mesma eu era,
Ainda acreditando no meu gênio
Como quem feliz se desespera...

Isto e aquilo (de Alma Welt)



Tenho sérios problemas com a vida,
Sempre vendo nela algum defeito.
Por ter esta minha alma dividida
Sou dupla ou ambígua, não tem jeito.

Quero isto e aquilo, seu oposto.
Adoro o belo mas não rejeito o feio;
Na cozinha ponho sempre sal a gosto,
Não peçam que cozinhe enquanto leio.

Amo a luz, me conhecem, sabem disso
Mas tenho pela noite este fascínio,
Seu mistério, a fuga e o sumiço,

Mas sobretudo as estrelas tão modestas,
Tão maiores que o sol em seu domínio,
E a entrar no meu barraco pelas frestas...

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Meu encontro com Mefisto (de Alma Welt)

                                              Mefistófeles - litografia de Guilherme de Faria 

Meu encontro com Mefisto (de Alma Welt)

Sim, Mefisto na coxilha veio a mim
Que, de entrada, muito me assustou
Com sua figura, falso nobre, ou delfim
De um reino que há muito se acabou.

"Alma, bah! venho seguindo os passos teus
Desde quando, somente uma guria,
Vivias com a candura dos ateus
Ou daquele que em deuses não se fia.

Teu Vati* a ti o batismo recusou
Por negar a existência do pecado,
O original, o que a mim me encantou.

E agora venho pois me oferecer
Para ser teu conselheiro dedicado,
Que sendo pura nada mais tens a temer..."

__________________________
Nota
* Vati - "papai", em alemão ( pr, Fáti, diminutivo de Vater ( diminutivo de Vater ( pr. Fáter), pai)

Dos Segredos (de Alma Welt)

                                                           Dos segredos - litografia de Guilherme de Faria,1976

Dos Segredos (de Alma Welt)

Tenho bons segredos a esconder
De mim mesma para os dias de fastio
Quando mais nada puder me acontecer
E o espelho refletir o meu vazio.

Mas que tolice! Eu sei, eles se vão,
Perdem a suas registradas validades,
Vencidos, estragados como pão
Já mofado na despensa das vaidades...

É que tenho certo medo da penúria,
De perder o fio da minha memória,
Me perder no labirinto da lamúria

De estar no exílio do meu Éden
Perdida dos meus tempos de glória,
Minha infância que só os risos medem...

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Eu e o Espelho (de Alma Welt)

                                                             Ao espelho - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Eu e o Espelho (de Alma Welt)

Capcioso o espelho me convida
A penetrar no seu mundo de ilusão,
Com lisonjas e carinhos de fingida
Pois que mesmo incorporou minha feição.


E tomada de vertigem cambaleio
Na beirada desse abismo que sou eu
Com u'a mão na nuca outra no seio
Acreditando no que sempre prometeu:

"Serás bela para sempre, te garanto,
Não terás melhor amante neste mundo,
Narciso está de prova e me ama tanto

Que lhe ofereci meu maior preito,
Uma flor que é seu nome mais profundo,
Como a ti reservo uma do teu jeito..."

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Anti oração (de Alma Welt)

Senhor Deus onipotente das esferas,
Que um universo rolas sem sentido,
Perdoa a quem tanto desesperas
E essa falta de fé com que mal lido.

Me criaste quase à tua perfeição
Mas por esse "quase" abandonaste
Um pouco antes do tempo o coração
Que carente resta como um traste.

Como posso crer em ti, Senhor dos astros
Quando na vizinhança um guri chora
Envolto em dores, feridas e emplastros?

Se não pode um Poder vir em socorro
Pelos próprios desígnios que elabora,
Então, cara ou coroa, vivo ou morro.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A guarda-costas (de Alma Welt)

                                        A pinguela- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

A guarda-costas (de Alma Welt)

Audaz atravessando uma pinguela
Fui criança destemida num jardim
Seguida pelo olhar de uma donzela
Que, bela, havia sempre atrás de mim.


Os anos se passaram, não a vi mais,
E cheguei a pensar num serafim
Que tardei a perceber que sou capaz
De revê-la quando chegue o nosso fim.

Pois que ela sou eu mesma num futuro
Avançado de minha alma que me guarda
E me protege as costas como um muro.

Dupla Alma, enfim, eu sempre a soube
Pois preciso ser vanguarda e retaguarda
Para ser a poetisa que me coube...

Lautrec (de Alma Welt)

                           Toulouse- Lautrec- litografia de Guilherme de Faria

Lautrec (de Alma Welt)

Inusitado anão de pince-nez,
Gravata, cartola ou chapéu coco,
Eras esse cavalheiro que se vê
Na mesa deixando sempre o troco.

Embriagado levavas dançarinas
Para o teu ateliê quadras adiante,
Mas todas em papel e mais divinas
Pois de todas eras meio amante.

“Des cocotte, putain, demi-mondaine”,
Como sob teu crayon transfiguravas
As deixando ainda “ plus humain” !

Artista genial, anão gigante
Que mais do que o dobro teu deixavas
A cada alegre noitada sufocante...

Eis o homem (de Alma Welt)

Empilhador de pedras e de orgulho,
Eis o homem, esse ser alucinado,
Amontoando maravilhas e entulho
Enquanto, falso humilde, prosternado.

Báh! Como se ajoelha ante os deuses!
Ou mais medroso, concentrado num Deus só,
A quem hospeda sempre ao fim dos meses
E que em um piscar de olhos vira pó:

O Dinheiro, tirano sobre a Terra,
Mais cruel que o último Anticristo
Cuja torpe natureza mais aberra

Quando, falso dadivoso, legitima
Sua outra faceta, a de bem visto,
Como a dúbia festa sua de vindima...

Mais do Amor (de Alma Welt)

A coisa mais bela desta vida,
Além de flores, aves, natureza,
O pôr-do-sol, a prece após a lida,
É a candura do amor e sua certeza

De ser, de estar e de se dar
Como se o outro sempre merecesse.
Que digo? Isso nem chega a colocar,
Como se Amor de si se esquecesse.

Então temos no que crer, acreditar.
Por quê precisaremos de outro deus?
Amor é soberano e um avatar

E nele então podemos confiar
Que não seja raivoso como Zeus,
E seus raios são só de irradiar..

Tão bonitos... (de Alma Welt)


Tivemos nossos tempos de ambição
E olhávamos pra frente co'arrogância
Ou tão somente cheios da ilusão
De mudar o mundo da ganância...

Tão cheios de ideal e tão bonitos
Quanto tolos que fomos, na verdade,
Correndo pelas ruas nos conflitos
Levando cacetadas à vontade...

Ó louca juventude, quanto enfado
De aquilo tudo ter caído no vazio
Do discurso reles de um safado,

Ou pior, na infame incompetência
Que jogou a pátria ao meio-fio
De onde gritamos nossa urgência...

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27/05/2016