sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Anti-pastora (de Alma Welt) 

Reparem, nunca fui de dar conselhos
Nem de discurso moral e comportado
Considero os pastores uns pentelhos
Perdoem-me o calão extrapolado...

Mas fariseus e escribas me repugnam
Como ao Cristo, sem com ele comparar-me,
Como os padres que o seguir propugnam,
Que sempre preferi no leito dar-me...

Não quero ser exemplo, mas eu mesma
Talvez bem mais pra assustar ou divertir
Ou afastar o tédio, essa abantesma

Que na verdade não sinto, pelo medo
Que sempre primou em me invadir
E o meu prazer tornar engano ledo...

Depressão (de Alma Welt)

 
 
Depressão (de Alma Welt)

Pela ameaça, viver é um horror...
Nem me refiro ao tédio que grassa

Mas à Morte mesmo, seu pendor,
Que da Vida tira quase toda a graça.

Perdoem-me meus dois ou três leitores
Que não consiga ser edificante,
Cheia de bons conselhos condutores
No meio desse caos podre reinante.

Mas pensar no banquete da vermina
E meus ossos que nem brilharão ao sol,
A alegria natural me contamina...

E se pensam que por isso estou doente,
Podem logo me trazer o urinol
Que hoje não saio mais da cama quente...

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Pinóquio de saias (de Alma Welt)


 
O Pinóquio de saias (de Alma Welt)

Os meus sonetos são meus confidentes;
Indiscretos, eu sei, passam adiante
Os meus segredos quando ainda quentes
E os antigos guardados numa estante,

Que da alma, plena de mistérios,
Revelados não perdem o encanto
A julgar por meus seis leitores sérios,
E mais uns dois ou três fiéis se tanto.

Báh! Às vezes, desolada, me dou conta
De que vivo um permanente solilóquio,
Que não passo por certo de uma tonta.

E que, eu, perdida em minha herdade,
De saias sou uma espécie de Pinóquio
Almejando ser guria de verdade...
 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Onde dormem os bons vinhos (de Alma Welt)

 
 
Onde dormem os bons vinhos (de Alma Welt)

Sonhar é meu direito e profissão
De fé pelo menos, pois não ganho
Com meus contos e poemas um tostão
Por mais que aumente deles meu rebanho,

Que valem mas não dão uma pataca,
Pois é isso que crio em minha seara
Sem ter mais um boi ou uma vaca
Para apascentar com minha vara.

Quanto ao meu vinhedo, é bom que diga,
Embora tão rico de sentido
Não passa de metáfora já antiga.

Mas é dele que nascem os meus versos
Como o vinho que dorme envelhecido
Nos porões dos meus sonhos dispersos...

domingo, 26 de agosto de 2012

A Vinhateira (de Alma Welt)


Eu pensava revelar tudo de mim
E pra isso precisar de mil poemas
E mais mil para falar do nosso fim,
Outros tantos pra ligar os dois sistemas.

Então a vida requer mais outros mil
Pela multiplicidade dos enfoques
E aquilo que nem cabe no barril
Ou o que até vaza dos batoques...

Perdoem então se falo de tonéis
Como simples vinhateira de lagar,
Que ainda amasso as uvas com meus pés...

Pois percebo que a verdade está contida
Na simples experiência de provar
Nossa taça de vinho que é a vida...


Uvas no Vento (de Alma Welt)


De tão interessante que é a vida,
Chega a machucar, disse o Poeta.
E de pensar me ponho comovida
Em como fui em tudo a predileta.

Corri o mundo, fui do sul ao norte;
Amei, cantei, dancei, vivi a esmo;
Hei de sugar a vida até à morte,
Que ninguém deve ter pena de si mesmo.

E se mantenho ainda o entusiasmo
Que me acompanhou cada momento
Sem nunca conhecer nenhum marasmo

Pois nada foi banal ou comezinho,
Então ergo esta taça do meu vinho
Das uvas que plantei em pleno vento...

Eu quis subir (de Alma Welt)

 
Eu quis subir (de Alma Welt) 

Eu quis subir ao alto de nós mesmos,
Lá onde demoram os grandes sonhos,
Secretos, ideais, belos, supremos,
Mesmo que a alguns soem bisonhos...

Sempre é necessária uma razão
Para viver e prosseguir acreditando
Quando a Morte faz conosco ligação
E propõe aquele pacto nefando...

Simplesmente então viver simples não é,
Estamos doravante conscientes,
O vau da vida começa a não dar pé.

E ora nadamos em mais profundas águas,
Lentas braçadas dolorosas nas correntes,
Quando queríamos subir em Aconcáguas...


sábado, 25 de agosto de 2012

Aos Amores (de Alma Welt)


Brindemos aos amores que se foram
Como nossos filhos que abrem alas
E voando para o mundo nunca morram,
Que na Morte não façam suas escalas

 Porque têm a vocação da eternidade,
Que eterno, por princípio, o Amor é.
Báh, morrer é da carne a propriedade
Nada tem a haver com amor e fé...

E se na Terra queremos que perdurem,
Cantemo-los pois em verso e prosa
E em canções que os sons apurem

E então façam-nos a alma mais voar
Como no sonho que em vigília goza
E do qual jamais devia despertar...


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O Último Verão (de Alma Welt)


Saga - litografia de Guilherme de Faria
 
O Último Verão (de Alma Welt)

Compartilhemos, amigos, esta mesa,
Em último convívio picaresco,
Pelos anos vindouros de incerteza,
Que por certo virão em tom goyesco,


Escuros, talvez, como a tormenta
Que já se anuncia no horizonte
E agitará aquela nuvem meio lenta
E a fará correr como um bisonte.

Nossas almas também serão movidas
Para outra dimensão ou território
Em busca de consolos e guaridas

Mas sempre recolher-se poderão,
Oásis em meio ao purgatório,
À memória deste dia de verão...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Trauma e Poesia (de Alma Welt


Quisera retornar àqueles dias
Quando rolhas espocavam em meio ao riso,
Cantigas, danças, brindes e alegrias
De nossa juventude sem juízo.
Ou ainda antes, na inocência,
Quando flores no jardim, a ave, o bicho
Eram todo o encanto e evidência
De que no belo mundo eu tinha um nicho.
Mas os livros... aos livros dou a palma,
Que me ligaram cada fase e cada idade
Às eras e ao saber da humanidade
E então reconhecer naquele trauma
Que a uma outra tornaria nulidade,
A poesia que cresceu na minha alma...





Partitura (de Alma Welt)


Partitura (de Alma Welt) 

Adeus minha alegria e meus sorrisos
Que deixei para trás a certa altura
Quando se mostraram indecisos
E nem seguiam mais a partitura

Que precoce para mim mesma escrevi
E foi se fazendo em lento adágio
Resvalando em dó, caindo em si,
De quem pega uma via só pedágio...

E eu, de mim mesma a maestrina,
Que vaidade ainda me faz reger assim
Esta louca partitura de auto-estima

Que leva ao coração puro do Nada
Onde tudo é gran finale ou simples fim
De uma sinfonia inacabada...

sábado, 18 de agosto de 2012

A Charada (de Alma Welt)



A Charada (de Alma Welt)

A vida é uma charada, isto sim,
Da qual falta-nos a chave, de saída,
Pois que jamais hei de saber tudo de mim
Como tu não saberás da tua vida

Senão aquela data do início,
O do primeiro vagido doloroso
Do qual muitos outros, por princípio,
Se seguirão antes do primeiro gozo

Não são prerrogativas tão divinas
Mistérios dolorosos e gozosos
Que não comecem e acabem nas latrinas.

Pois o tal sentido último de tudo
Permanece oculto aos olhos nossos
E o bom Deus nos parece surdo-mudo...

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Para Escrever (de Alma Welt)


Pra escrever bem é preciso não pensar
E deixar extravasar a tua mente

Diretamente para o plano de grafar,
Do enganoso coração passando rente

Mas nunca nesse órgão se detendo
Pra não ficar sentimental, meloso
Ou lisonjeiro demais pra quem for lendo
Mas preservando seu prazer até o gozo.

Pois se assim fores capaz de adentrar
Da tua vida o abdômen animal,
Isso é bom, terás um texto visceral.

E se consegues a ti mesmo assombrar
E, sim, aprender com o que escreveste,
Valeu, escriba, teu tempo não perdeste.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Os poemas se apresentam (de Alma Welt)




Os poemas  se apresentam (de Alma Welt)

Os poemas se apresentam quando querem
E não ao sabor dos meus caprichos.
Inspiração é coisa que requerem,
Não há como tirá-los de seus nichos
Se não estiverem prontos e acabados
No plano astral correspondente
Com uma urgência de serem captados
E com muito pra dizer a toda gente.

E se acaso os forçamos ou forjamos
Se comportam de forma vingativa
E de nós mesmos nos cansamos.

E se um poeta de si sente cansaço,
Já sabemos qual é a alternativa:
A carta, um tranco, a trave, o laço...


terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Rendeira (de Alma Welt)

A Rendeira, 1664, de Vermeer de Delft 

 A Rendeira (de Alma Welt)

Vivo só para servir a minha alma
E deixá-la fazer o que não pude
Nos versos que produzem minha calma
E equilibram minha ânsia e inquietude.

Mas devo confessar: nada me basta,
E sob a placidez desta coxilha
Dorme o vulcão de uma alma casta
Que anseia emergir como uma ilha.

Tanto amor pra dar! Tanto desejo
Contido na amplidão de campos lisos,
E que de mencioná-lo tenho pejo

Pois os peões já notam, como as prendas
Que ao passar por mim sufocam risos
Pelo fiar e desfiar das minhas rendas...

domingo, 12 de agosto de 2012

Contrição (de Alma Welt)

Pintura de Jacob Collins

Contrição (de Alma Welt)

Perdoai-me, meu Deus, pela repulsa
Que sinto por burgueses e políticos,
Pelo desprezo que tenho pelos ricos
E até pelo amor que em mim pulsa

Por esta natureza incestuosa
Que me coube desde os dias do pomar
Quando aos gritos e com mão vigorosa
Vosso anjo houve por bem nos expulsar.

E perdoai também se menosprezo
Esses padres eunucos e piegas
E sua cartilha que não rezo;

E do homem medíocre e rotineiro
Meu desdém imenso pelas regras
Que nos infestaram o mundo inteiro...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Terra para pertencer (Alma Welt)




Terra para pertencer (Alma Welt)

Eu era jovem, feliz e bem sabia
Tive tudo que um ser pode querer
Beleza, sim... fortuna, amor, poesia
E este pampa, terra para pertencer...

Nele lancei minhas raízes qual umbu
Que permanece solitário e sobranceiro
No meio da coxilha, como tu,
Meu querido casarão, lar derradeiro

Que foi de estancieiros indomáveis
E hospedou Anita e o italiano
E outros casais também notáveis

Que ainda assombram madrugadas
Quando o azafamado minuano
Os traz pelas varandas e sacadas...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Protesto (de Alma Welt)


Protesto (de Alma Welt)

Sejamos livres, francos e sinceros:
A vida está malfeita, é o que digo...
Morrer é um festival de desesperos
E vivemos sob um sórdido perigo.


Projetamos os deuses imortais
Somente por serem nossa imagem
Mas nos nossos termos ideais,
O que não é simples bobagem,

Mas do nosso antigo vão protesto
Contra a mortalidade, é uma prova,
Pois o fim estraga todo o resto.

Ser pasto de vermes é um assombro
Que Deus jogou no nosso ombro
Com a tal perspectiva de uma cova...

O Retorno (de Alma Welt)

Odisseu e Penélope - de Francesco Primaticcio (1504 - 1570)

O Retorno (de Alma Welt)

Cultivar um amor por toda a vida
Emoção maior não há, eu asseguro.

É aventura, suspense e torcida
Por happy end depois de tanto apuro.

Monotonia não há para quem ama
A tecer e destecer a própria saga
De um retorno fabuloso para a cama
Cuja noite de entrega não se apaga

E é como o tal leito de oliveiras *
Com o dossel de ramos entrançados
E invisível às vistas estrangeiras.

E no final, após de sangue o banho *
Te entregas ao maior dos esforçados *
Que só quer recuperar o seu rebanho... *


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Notas
Como muitos já podem ter percebido, a Alma Welt é uma "poetisa da cultura", isto é, na sua obra em sonetos faz uma releitura dos momentos-chave dos maiores clássicos da literatura, com especial ênfase na Odisséia de Homero (são inúmeros os sonetos dela que fazem alusão a Odisseu e Penélope )

* depois de sangue o banho - Alusão ao massacre por Odisseu, dos pretendentes de Penélope.

*.. o tal leito de oliveiras- Depois do massacre dos pretendentes, Odisseu vai ter com Penélope, e ela, assustada com sua brutalidade, tenta se precaver, provando a sua fidelidade. Esperta, ela propõe, para ter certeza de que ele é o seu marido retornado, que ele descreva o leito nupcial secreto deles, que só o casal viu e jamais um outro homem. Ele então descreve o leito mítico formado de quatro oliveiras vivas enraizadas, cujas copas de galhos entrançados formavam o dossel.

* .. o maior dos esforçados - Alusão ao verso da primeira estância dos Luzíadas : " E em perigos e guerras esforçados..."

* Que só quer recuperar o seu rebanho - É curioso que a última cena da Odisséia consista na saída de madrugada de Odisseu e seu filho Telêmaco, furtivamente, do palácio, armados de arco e flechas para ir roubar reses de fazendeiros vizinhos afim de refazer seu rebanho devorado nos banquetes dos pretendentes parasitas que assediavam Penélope...


O Pacto (de Alma Welt)

A Humana Condição - óleo s/ duratex de Guilherme de Faria, 1959, 20,5x28cm


 O Pacto (de Alma Welt)

Para viver, um pacto selamos
Com a Morte que vive a nos seguir

Aonde quer que porventura vamos,
Desde o nascedouro até o porvir,

Que este na verdade presumimos
Pois não sabemos da Moira a natureza,
Se é bela depois que a assumimos
Como as amadas revelam sua beleza...

Mas a julgar pelo seu vale das sombras
Com as nossas carcaças alvadias
A clamar sob a terra e suas alfombras,

Com seus dentes cerrados ou em riso
E as órbitas atônitas, vazias,
Creio que vamos ficar no prejuízo...


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De Livros e Abismos (de Alma Welt



De Livros e Abismos (de Alma Welt)

Minhas horas passadas entre os livros
Levaram meu espírito bem mais longe
Ao mundo de perigos muito vivos
Não só como se fosse antigo monge


Numa biblioteca de um mosteiro
A copiar letra por letra os manuscritos
De escribas fiéis do mundo inteiro
E até mesmo aqueles mais proscritos

Como Safo, Sade, Lautréamont, Artaud,
Byron *, Alan Poe, Henry e Anaïs,
Laclos, Genet, Nietzsche, Rimbaud…

E congratulo-me co’a vida perigosa
Que provei, escapando por um triz
De abismos cruéis em verso e prosa..

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Nota
*Byron - Alma incluiu Lord Byron, o grande poeta do romantismo inglês, entre os "proscritos" , isto é, "malditos", por suas posições provocativas. Byron escreveu um longo poema épico em louvor de Lúcifer, e dava festas góticas (há quem diga satânicas) nas ruínas de uma abadia medieval que havia nas terras que herdou de seu parente o Lord Byron que o antecedeu no título de Par do Reino. A lenda diz que nessas festas, mascaradas, o poeta bebia vinho numa taça feita com um crânio humano.

Dias Chuvosos (de Alma Welt)


Dias Chuvosos (de Alma Welt) 

Dias chuvosos, tristes, que eu recordo
Com especial carinho, pois ficava
Dentro do casarão como se a bordo
De um submarino que afundava.

E era eu mesma na descida
Com um livro no quarto, na minha cama
Ou na biblioteca escurecida
A procurar o livro que se ama...

E eu então fechava a escotilha
E me sentia inteira concentrada,
Pois o profundo mar era a coxilha.

Então eu percorria os sete mares
Emergindo a cada ilha encantada
Nas páginas de aventuras e azares...

O Exílio (de Alma Welt)

A Árvore da Alma- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100x100cm,  

O Exílio (de Alma Welt)

Quanta solidão para quem ama
Sem certeza do amor de seu amado...
Pois só tens teu corpo e tua cama
Para assegurar o teu reinado.

E esse corpo se corrompe, se derrete
Com o passar dos anos implacáveis
E cada inverno nele se reflete
Mais que as primaveras inefáveis

Que só podes guardar no coração
Onde tens teu jardim acalentado
De renovada e doce tentação.

Mas não sei se poderás voltar pro Éden
Onde está, não tua árvore do pecado,
Mas a eterna inocência que te pedem...

Arte, Vida (de Alma Welt)

A procissão do Cavalo de Troia", por Giovanni Domenico

Arte, Vida (de Alma Welt) 

É eterno o que gravado em Arte esteja,
Em folhas de papel, pedras e telas
Mas só quando o gênio nos bafeja
Como vento a favor nas nossas velas.

E não sai o teu navio e nem a frota
Se o vento não soprar vindo da terra
Pois do contrário a vida toda emperra,
Teu burro não dá passo e menos trota.

E teu projeto grandioso é um fiasco
Se não criares um cavalo de madeira
Desde a bela crina até o casco,

Já que a vida é guerra de conquista
Que sem arte e manha é uma asneira
Com um final de ruínas para a vista...

Lúdica (de Alma Welt)


Para mim só a beleza vale a pena
Já que o bom e o belo se confundem
Para tornar a vida mais amena,
Pois o feio e o mal também se fundem.

Eu me pergunto qual a serventia
Da dor e da maldade neste mundo
Se o bem e da justiça a garantia
É de Deus o desígnio mais profundo.

Tais perguntas milenares sem resposta
Não me permitem felicidade plena
Embora com beleza e mesa posta...

Mas quando me canso de indagar,
Eu ligo o lado lúdico de Atena
E vou a vã e venal Venus visitar...

Desabafo (de Alma Welt)


Quantos sapos temos que beijar
E tantos, tantos outros que engolir
Para o nosso príncipe encontrar
Ou para o nosso reino dividir!...

Nós mulheres arrastamos um vagão
E comemos um saco de sal
Para ter direito a um varal
Um tanque, um berço e um varão.

E me pergunto se homem vale a pena
Com esse balde de testosterona
Que é a base toda do sistema...

Às vezes vejo em mim a amazona...
Sem seio amputado, Deus me livre! *
Também ódio de homem nunca tive...


Nota
*...amazona... sem seio amputado...- As amazonas eram mulheres guerreiras da mitologia grega, que combatiam os homens e amputavam o seio direito para melhor manejar a lança e a espada...

Novos Brindes (de Alma Welt)


Nossos melhores dias estão vivos
Quando os recordamos entre nós

Em alegria e brindes incisivos
Projetados para adiante à viva voz.

Como é belo estarmos reunidos
Relembrando a face divertida
Sem sarcasmos, que esses são banidos,
Mas ironia terna é permitida...

Que espoquem os champanhes suas rolhas
Como os únicos tiros que daremos
Em toda vida nossa, tão serenos...

Mas descartemos os pulhas e os trolhas
Que acaso macularam nosso sonho.
E só o bom lembremos, eu proponho!

Um Soneto Mais (de Alma Welt)

Tapeçaria de Pastrana 

Um Soneto Mais (de Alma Welt)

Um soneto mais o Amor merece
Pois Amor vem célere a cavalo,
Que não fora suficiente celebrá-lo
Em odes e canções e mesmo em prece.

E nas tendas que se erguem e estandartes
Amor acampa e logo a festa surge
Com fanfarras, tambores e outras artes
Enquanto a ave canta e a fera ruge.

Amor é um condottiere universal
E não tem vagos receios nem pudores
Pois que quando os tem é apenas sal.

E se preciso for mais descrevê-lo,
Amor que fome tem de mais amores,
Debruçado sobre um rei, sobra desvelo...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O compositor Modest Mussorgsky - por Ilya Repin 1881


Quadros de uma Exposição (de Alma Welt) 

Pra mim não há fronteira entre o real
E o mundo dos livros, suas estórias

Em poemas e lendas do Graal
E tantas outras belas, mais inglórias.

A nossa vida é, pois, muito maior
Que este nosso dia-a-dia linear.
É como uma música de cor
De harmonias feitas pra gravar

Em imagens de muitos quadros belos
De uma mostra espectral e abantesma
Como um Mussorgsky só de violoncelos.

E eu me vejo mergulhada num concerto,
Orquestra e maestrina de mim mesma
Nas ondas desses sons que me desperto...

________________________________

Nota
* "Quadros de uma Exposição" é o título de um famosíssimo poema sinfônico de Mussorgsky que descreve musicalmente quadro por quadro de uma exposição de pintura que o compositor viu. A descrição musical é tão viva e brilhante, que foi possível pesquisadores russos do século XX identificarem a Exposição por catálogos de época e os quadros descritos, um por um.
"Se queres ser um poeta deves te colocar em sintonia anímica com toda a humanidade. Se não conseguires, não te metas, porque acabarás falando somente de ti mesmo, e isso é pouco." (Alma Welt)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Utopia (de Alma Welt)

 Penélope


Utopia (de Alma Welt) 



Viver sem esperar o inesperado
Como a desejar o impossível
Que seja repensar o impensado
E só acreditando crer no incrível.

Amar o ser amado só por sê-lo,
Sem cobranças, ciúmes, posse, mágoas
E muito menos a dor de cotovelo
Se acaso me tornar passadas águas.

Tudo isso que de mim mesma pretenda
Talvez não alcance mas espero
Que pela esperança não me venda

Pois os sonhos mais caros são de graça
E pela graça de ser só o que quero
Tenho todo o tempo que em mim passa...

Enigmas (de Alma Welt)



Enigmas (de Alma Welt) 

Temos sempre um enigma por dia.
A própria vida já é uma charada
Só decifrável pela arte da poesia
Quando não água turva estagnada.

Pois há poetas que turvam suas águas,*
Como disse o filósofo poeta *
Que, sim, enlouqueceu, mas não de mágoas,
Mas de doença infame e abjeta. *

Só que aquilo não vem ao nosso caso,
Que estou falando de um mistério
Que perpassa nossas vidas sem acaso.

Porque tudo que acontece estava escrito,
Só que ninguém sabe o critério
Que te traz abençoado ou maldito...
_________________________

Notas
*Há poetas que turvam suas águas para parecerem profundas. - Frase do filósofo e poeta Frederich Nietzsche.

*... enlouqueceu, mas não de mágoas,
Mas de doença infame e abjeta. *
Nietzsche morreu louco por causa da sífilis adquirida num bordel.