sábado, 4 de julho de 2015

Ó meus amores (de Alma Welt)


Ó meus amores, quanto vos cantei
Em tanta canção apaixonada!
Mais do que isso, eu peço, não querei,
Que já não tenho forças nem mais nada...

Estou entregue, prostrada, bah! Tomai-me!
Fazei de mim o último banquete!
Invadí minha carne, ó, abusai-me
Fazei das minhas dores ramalhete!

Desmembrai-me, cortai-me em mil pedaços,
E que eu já não possa me lembrar
Da dor de ser uma e de ter laços

Que me prendem à Terra como campa
Enquanto Ananke meu fuso faz gira
r
De renascer e amar neste meu Pampa!

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Quisera (de Alma Welt)


Quisera eu ter a fé de boa cristã,
Também de um índio manso, bom pagão
Antes da cruz do evangelho do canhão,
Ou talvez de um fanático do Islã...

Mas sou desconfiada, tenho dúvidas
Que me vieram, acredito, pra ficar;
Permaneço também por razões lúdicas,
De gostar tanto de mim e a vida amar.

Quê digo? Na verdade tenho medo
Da Morte, essa total desconhecida
Com esse sorriso branco de arremedo.

E encolho-me à sombra, de covarde,
Como se fosse ela a própria vida,
Já que de tanto sol meu olho arde...

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Relembrando os lírios (de Alma Welt)

É comum talvez sentir medo do mundo,
E por isso lutamos dia a dia
Num desespero surdo mas profundo
Esquecendo o que o Mestre nos dizia:

"Do campo olhai os lírios (e as aves)"
Sem temer fome, nudez e desemprego,
Contornando da vidinha seus entraves
E evitando o vão desassossego

Mas também os livros de auto-ajuda
Que não guardam dos mestres o carisma
Que já temos em Cristo, Gandhi e Buda.

Todavia não é preciso ir à Igreja
Que foi dar ao vão protesto e ao sisma.
Valem bem mais a prosa e a cerveja!...

domingo, 31 de maio de 2015

Vida (de Alma Welt)

A vida é uma comédia, disse alguém,
Esquecendo Calderón que disse "é sonho".
Mas ao pensá-la, essa terra de ninguém,
Uma solução melhor talvez, proponho:

Vamos vivê-la primeiro bem quietinhos
Qual se fôramos, digamos, camponeses
Que realizam em silêncio seus caminhos
Somente atentos aos dias e aos meses,

Das estações no embalo, rotineiros,
Ouvindo a chuva bater forte no chão,
Peregrinos sobre a terra ou pioneiros...

Talvez cheguemos de novo ao sentimento
Do mundo, experimentado por Adão
Que abriu mão d'um Paraíso sem lamento...

sábado, 30 de maio de 2015

Meu perfil para os novatos (de Alma Welt)

Quero morrer se o dia é frio e cinzento;
Voar quando faz sol, cantar, dançar!
Se não volúvel "como pluma ao vento",
Um pouco instável, moderna bipolar.


Melancolia... o termo até cansou,
Mas se acaso a gag é genial
Me pega fácil, e romântica que sou,
Gargalho como hiena em meu quintal.

Preciso é paz. O coração inquieto
Desmentindo a minha vã sabedoria
Me desmoraliza por completo.

E se tens de um bom fracasso mal conceito
Não te acerques de mim e minha poesia,
Que pro sucesso meu gênio não foi feito...

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Meu sonho (de Alma Welt)

Eu construí meu barco muito belo,
Verso a verso sem esquecer a rima
Com cunhas, cavilhas e martelo
E pus pra navegar minha obra-prima.


Desfraldei as velas contra o vento
Para singrar o mundo à contramão
Por pura teimosia, embora lento,
Pela rota onde os solitários vão.

Tornei-me de mim mesma uma pirata,
Com minha cabeça posta a prêmio
Sem lei, sem laços e sem pátria...

Então acordei e mesma eu era,
Ainda acreditando no meu gênio
Como quem feliz se desespera...

Isto e aquilo (de Alma Welt)



Tenho sérios problemas com a vida,
Sempre vendo nela algum defeito.
Por ter esta minha alma dividida
Sou dupla ou ambígua, não tem jeito.

Quero isto e aquilo, seu oposto.
Adoro o belo mas não rejeito o feio;
Na cozinha ponho sempre sal a gosto,
Não peçam que cozinhe enquanto leio.

Amo a luz, me conhecem, sabem disso
Mas tenho pela noite este fascínio,
Seu mistério, a fuga e o sumiço,

Mas sobretudo as estrelas tão modestas,
Tão maiores que o sol em seu domínio,
E a entrar no meu barraco pelas frestas...

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Meu encontro com Mefisto (de Alma Welt)

                                              Mefistófeles - litografia de Guilherme de Faria 

Meu encontro com Mefisto (de Alma Welt)

Sim, Mefisto na coxilha veio a mim
Que, de entrada, muito me assustou
Com sua figura, falso nobre, ou delfim
De um reino que há muito se acabou.

"Alma, bah! venho seguindo os passos teus
Desde quando, somente uma guria,
Vivias com a candura dos ateus
Ou daquele que em deuses não se fia.

Teu Vati* a ti o batismo recusou
Por negar a existência do pecado,
O original, o que a mim me encantou.

E agora venho pois me oferecer
Para ser teu conselheiro dedicado,
Que sendo pura nada mais tens a temer..."

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Nota
* Vati - "papai", em alemão ( pr, Fáti, diminutivo de Vater ( diminutivo de Vater ( pr. Fáter), pai)

Dos Segredos (de Alma Welt)

                                                           Dos segredos - litografia de Guilherme de Faria,1976

Dos Segredos (de Alma Welt)

Tenho bons segredos a esconder
De mim mesma para os dias de fastio
Quando mais nada puder me acontecer
E o espelho refletir o meu vazio.

Mas que tolice! Eu sei, eles se vão,
Perdem a suas registradas validades,
Vencidos, estragados como pão
Já mofado na despensa das vaidades...

É que tenho certo medo da penúria,
De perder o fio da minha memória,
Me perder no labirinto da lamúria

De estar no exílio do meu Éden
Perdida dos meus tempos de glória,
Minha infância que só os risos medem...

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Eu e o Espelho (de Alma Welt)

                                                             Ao espelho - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Eu e o Espelho (de Alma Welt)

Capcioso o espelho me convida
A penetrar no seu mundo de ilusão,
Com lisonjas e carinhos de fingida
Pois que mesmo incorporou minha feição.


E tomada de vertigem cambaleio
Na beirada desse abismo que sou eu
Com u'a mão na nuca outra no seio
Acreditando no que sempre prometeu:

"Serás bela para sempre, te garanto,
Não terás melhor amante neste mundo,
Narciso está de prova e me ama tanto

Que lhe ofereci meu maior preito,
Uma flor que é seu nome mais profundo,
Como a ti reservo uma do teu jeito..."

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Anti oração (de Alma Welt)

Senhor Deus onipotente das esferas,
Que um universo rolas sem sentido,
Perdoa a quem tanto desesperas
E essa falta de fé com que mal lido.

Me criaste quase à tua perfeição
Mas por esse "quase" abandonaste
Um pouco antes do tempo o coração
Que carente resta como um traste.

Como posso crer em ti, Senhor dos astros
Quando na vizinhança um guri chora
Envolto em dores, feridas e emplastros?

Se não pode um Poder vir em socorro
Pelos próprios desígnios que elabora,
Então, cara ou coroa, vivo ou morro.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A guarda-costas (de Alma Welt)

                                        A pinguela- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015

A guarda-costas (de Alma Welt)

Audaz atravessando uma pinguela
Fui criança destemida num jardim
Seguida pelo olhar de uma donzela
Que, bela, havia sempre atrás de mim.


Os anos se passaram, não a vi mais,
E cheguei a pensar num serafim
Que tardei a perceber que sou capaz
De revê-la quando chegue o nosso fim.

Pois que ela sou eu mesma num futuro
Avançado de minha alma que me guarda
E me protege as costas como um muro.

Dupla Alma, enfim, eu sempre a soube
Pois preciso ser vanguarda e retaguarda
Para ser a poetisa que me coube...

Lautrec (de Alma Welt)

                           Toulouse- Lautrec- litografia de Guilherme de Faria

Lautrec (de Alma Welt)

Inusitado anão de pince-nez,
Gravata, cartola ou chapéu coco,
Eras esse cavalheiro que se vê
Na mesa deixando sempre o troco.

Embriagado levavas dançarinas
Para o teu ateliê quadras adiante,
Mas todas em papel e mais divinas
Pois de todas eras meio amante.

“Des cocotte, putain, demi-mondaine”,
Como sob teu crayon transfiguravas
As deixando ainda “ plus humain” !

Artista genial, anão gigante
Que mais do que o dobro teu deixavas
A cada alegre noitada sufocante...

Eis o homem (de Alma Welt)

Empilhador de pedras e de orgulho,
Eis o homem, esse ser alucinado,
Amontoando maravilhas e entulho
Enquanto, falso humilde, prosternado.

Báh! Como se ajoelha ante os deuses!
Ou mais medroso, concentrado num Deus só,
A quem hospeda sempre ao fim dos meses
E que em um piscar de olhos vira pó:

O Dinheiro, tirano sobre a Terra,
Mais cruel que o último Anticristo
Cuja torpe natureza mais aberra

Quando, falso dadivoso, legitima
Sua outra faceta, a de bem visto,
Como a dúbia festa sua de vindima...

Mais do Amor (de Alma Welt)

A coisa mais bela desta vida,
Além de flores, aves, natureza,
O pôr-do-sol, a prece após a lida,
É a candura do amor e sua certeza

De ser, de estar e de se dar
Como se o outro sempre merecesse.
Que digo? Isso nem chega a colocar,
Como se Amor de si se esquecesse.

Então temos no que crer, acreditar.
Por quê precisaremos de outro deus?
Amor é soberano e um avatar

E nele então podemos confiar
Que não seja raivoso como Zeus,
E seus raios são só de irradiar..

Tão bonitos... (de Alma Welt)


Tivemos nossos tempos de ambição
E olhávamos pra frente co'arrogância
Ou tão somente cheios da ilusão
De mudar o mundo da ganância...

Tão cheios de ideal e tão bonitos
Quanto tolos que fomos, na verdade,
Correndo pelas ruas nos conflitos
Levando cacetadas à vontade...

Ó louca juventude, quanto enfado
De aquilo tudo ter caído no vazio
Do discurso reles de um safado,

Ou pior, na infame incompetência
Que jogou a pátria ao meio-fio
De onde gritamos nossa urgência...

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27/05/2016
























segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Anti-Ronda (de Alma Welt)


Para encantar o meu amor me rendo
Mas não serei sua eminência parda.
Não tentarei domá-lo (me contendo),
muito menos ao seu falo montar guarda.

Não esperes de mim um passo atrás
Como aquelas que vão como uma sombra.
Estarei do teu lado e me amarás
Pois a minha luz é que te assombra...

Não cercarei o espaço do guerreiro
como uma ninfa produzindo ecos,
tornada pedra ou vão despenhadeiro.

Não serei chamada de pentelho,
Não rondarei atrás pelos botecos,
Não lançarei Narciso em seu espelho...