terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Jogral (de Alma Welt)

Para prosseguir minha jornada
Lanço mão de certos artifícios,
Não os da vaidade declarada
De que dispenso os sacrifícios,

Mas plantar sementes no agora
Dos frutos do porvir, a macieira
Dos pomos dourados de uma aurora
Vislumbrada por mim a vida inteira,

"Eis a maior vaidade!" -vós direis-
"Tudo é vão, na morte tudo finda,
Até o fausto e poder de antigos reis!"

Mas eu, ainda guria, constatei
Que o jogral do rei o canta ainda,
Eis o poder maior que já encontrei.

(sem data)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Nove Sonetos recém-descobertos da Alma

Prece (de Alma Welt)

Pelas doces manhãs da juventude
Em que eu acordo a rir e a rodar
E tudo é motivo e completude:
O casarão, a pradaria e o pomar...

Pela graça de ser bela e muito mais
Por ser amada pelo Vati, meu Maestro
Pela Mutti, irmã Lucia e o irmão destro
Nos jogos de cartas e pedais

De seus bólidos brilhantes, perigosos
Que ele jura como as cartas dominar
Como fazem os talentos ociosos

E ao fim das temporadas retornar
Para os braços meus já tão saudosos...
Eu sou grata demais por tanto amar!



A jornada de outono (de Alma Welt)

Não estaremos prontos no final
Nem felizes, talvez, o que é pior.
O prêmio reservado no portal
É um remordimento bem menor,

De consciência, digo, e não é pouco
Pois o espectro daquilo que evitamos,
Agoniza ou gesticula como um louco
Exigindo a atenção que não lhe damos.

Mas um puro coração é sempre leve
E voa ao vento oeste como folha
Na jornada de outono muito breve...

Então, sentemos na varanda, meu irmão
E deixemos que o inverno nos acolha
Enquanto ardente beijas minha mão...

14/01/2007


Da Saudade (Alma Welt)

“Estranho, não desejar mais nossos desejos...”
(primeira Elegia de Duino- Rainer Maria Rilke)


“Não desejar mais nossos desejos...”
Imagino que isso chega com a idade,
Se alcançarmos o tempo da saudade
Que já não almeja os seus ensejos,

A pura saudade, conformada,
Que é dom e consolo dos idosos
Como compensação da caminhada
Igualmente para tristes ou ditosos.

Então, feliz do homem despojado
Cuja saudade é plena e não carente
E que a afaga lenta e docemente...

Vê: na nossa mente tudo temos,
Nada perdemos e tudo é renovado
Pois que só na alma é que vivemos.



Iniciação (de Alma Welt)

À meia noite o portal se abria
E tudo se passava no meu bosque.
Eu saía do meu quarto e lá eu ia
Para o mágico encontro no quiosque

Das fadas e demais elementais
Que temias, eu me lembro, e evitavas
Como conspirações de ardis fatais
Que nos mandariam e tudo às favas:

A ordem, os desígnios e o destino
Que a gente há muito construía
No plano destes prados, dia a dia.

Mas tu mesmo, Rodo, foi primeiro
A me mostrar no espelho o aço fino
Entre o bosque e o mundo verdadeiro.

(sem data)



Perdidos Amores (de Alma Welt)

Ausculto o silêncio desta casa
E ouço a algaravia de seu sonho
Distinguindo o murmurar tristonho
Dos amantes perdidos, já sem asa,

Arrojados ao solo do malogro
Quando tudo perderam, com a vida
Que ofereceu sua chance como jogo
De falsas opções cobrando a dívida...

Como é triste a estória dos amores
Que tudo apostaram sem futuro
Na fusão do ser, ó meus senhores!

E tudo enfim perderam, como soe
Acontecer na vida de um ser puro
Que crê no amor eterno, ah! como dói!



O sentido do ser (de Alma Welt)

“A poesia é o autentico real absoluto.
Quanto mais poético, mais verdadeiro”. (Novalis)


Encontrar o sentido de viver
Não é tarefa simples, corriqueira...
Percebo que a humanidade inteira
Vive a esmo acreditando ser

E existir sem ao menos suspeitar
De que possa ser parte da ilusão
Que a vida edifica em pleno ar,
Onde ser ou não ser é tudo em vão.

Questionar a existência do real
Já é parte da construção possível
Do universo em seu plano ideal

Que é o sonho lúcido em poesia
Como termo verdadeiro e mais tangível
Que o divino com o ser reconcilia...

(sem data)


Revelação (de Alma Welt)

Voltemos para casa, meu irmão,
Que sinto um aperto aqui no peito.
O Vati nos espera, eu bem suspeito,
Com a resposta ou melhor: revelação

Da pergunta que deixei plantada
Na mesa na forma de um enigma
Que pode decidir, numa cartada
E retirar de nós o nosso estigma.

Antes do que for, pois, respondido,
Saiba: eu creio não seres meu irmão
E que assim, nosso amor é permitido.

Eu sempre vi em ti um outro sangue
Que me chama ao real mundo de ação,
Que, sem ti na vida, eu era exangue...


Sonetos (de Alma Welt)

Escrever sonetos infindáveis
É a minha missão e minha meta
Embora haja quem ache memorável
Outros hão que achem-me pateta.

Mas sei que registrando em poesia
Tudo o que vivo e sinto a cada dia,
Nada perderei da quintessência
Do existir em alma e consciência.

"É um vicio, isso sim!"- dirão alguns.
"Porque então não contas o teus podres
Ou ao menos confessas os teus puns?"

Mas eu não levo a sério tais reclamos,
E tratando como se fossem meus amos,
Lhes sirvo o melhor vinho dos meus odres.


O ananque das coisas (de Alma Welt)

A graça de viver é o mistério
Maior que podemos conceber
Já que não levando-nos a sério
É que descobrimos nosso ser.

Tudo é paradoxo e enigma
O contrário explica-nos melhor
O justo se denota pelo estigma
E o mal cria o bem ao seu redor.

Assim jogados neste mundo
É fácil em labirinto nos perdermos
Pois a vida é o dédalo profundo.

O ananque das coisas rege a vida,
Impondo-nos seus controversos termos
Em meio a tanta luta e tanta lida...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cabra-Cega (de Alma Welt)

A Poesia que coloco no papel
Será sempre a imagem verdadeira
Daquilo que projeto sob o céu
Enquanto brinco a louca brincadeira

Que é este estar às cegas nesta vida
Como aquele jogo dos infantes
Cuja eterna tensão durava instantes,
Do tatear e o reencontro, comovida.

Assim, também cego é o soneto
Que me faz percorrer sombria senda
De dores, emoções e algum tropeço,

Quando, afinal, na chave do terceto,
Inaudito como o fecho de uma lenda,
Toco meu próprio rosto... e o reconheço.

(sem data)

domingo, 13 de setembro de 2009

Como Florbela (de Alma Welt)

Não me perderás, ó meu irmão
Pois perdida de te amar eu já estou,
Como dizia a Florbela desde então,
Num tempo que o vento já levou.

Sei que evitas dramas, caem mal,
E às tragédias loucas da paixão.
Nisso não és nada original
Pois é do ser humano essa aversão.

Mas não pude a sensação mais evitar
De inafastável taça em nosso horto
Desde que flagrados fomos no pomar

Pois de já dentro de mim ela arrancou
Teu pequenino membro, como aborto,
E então algo pra sempre me faltou...

(sem data)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Vindima (de Alma Welt)

Estás em mim, irmão, sou toda tua,
E o êxtase de amar já me ilumina.
Não ousarão nublar a minha lua
Os que me vêm ao sol desta Vindima,

Irradiante pela graça deste amor
Que brilhou na minha face desde cedo,
Quando guria nova o destemor
Em quem talvez se espere tanto medo.

Não haveria para nós aquela carga
Atribuída aos pares desde Adão
E Eva, que provaram fruta amarga...

Vê, o fruto se fez doce de saída
E jamais culpa e pecado caberão
A quem de tanto amar nasceu perdida!

03/08/2002

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Moratória (de Alma Welt)

ou O sono dos amores (de Alma Welt)

De noite as fragrâncias do jardim
Trazem sonhos de antigos moradores
Desta casa tão vivida, e o jasmim
Como os elos perdidos dos amores...

Tais anseios não morrem, não têm fim
Conquanto adormecidos na memória
Das coisas que já eram mesmo assim
Ao pedirem paz ou... moratória

Por sofridas perdas e fracassos
Que são como os acertos, no final,
Pois tudo são caminhos e são passos

Já que a morte deixa tudo inacabado,
Sonetos em que o fecho é sempre igual:
Gozo e dor a reflorir sobre o gramado...

17/08/2006

domingo, 6 de setembro de 2009

Amor guerreiro (de Alma Welt)

O amor triunfante que concebo
Não é a minha teima ou meu consolo
E não venci reservas de um mancebo
Com a insistência de um monjolo,

Mas colheita ideal de uma procura
Em que a nota terá sido a liberdade
E o desafio além de uma saudade
Da fonte virginal que a alma cura.

Terá sido privilégio ou coincidência
Tê-lo encontrado aqui perto de mim
Mas nunca comodismo ou indulgência

Pois o preço a pagar pela ousadia
De assumir e cantar um amor assim
Faz de mim guerreira e... não vadia.

(sem data)