domingo, 31 de março de 2013

Entardecer (de Alma Welt)


                                                        Entardecer - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Entardecer (de Alma Welt)

O entardecer é triste no meu pampa
Para quem tem tanta saudade como eu
E fica vendo o sol descendo a rampa
Na coxilha ondulada sob o céu...

Como pássaro preto ali num tronco
Eu fico a meditar mirando a tarde
Talvez com o mesmo olhar bronco,
Perplexo mas discreto, sem alarde.

A tarde é dor do corte da metade,
Mas a noite... a noite é outro bonde
Que nos deixa mais perto da verdade.

Sabendo que o Leste agora arde,
Contando com que a Terra siga e ronde,
Sonhamos nós, o pássaro e a tarde...
 

sábado, 30 de março de 2013

Cavalo branco, trem negro (de Alma Welt


                                  Alegoria - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013 

Cavalo branco, trem negro (de Alma Welt)

Vem, meu branco cavalinho pelos pagos
A deixar teu longo rastro de poeira;
Corta a linha férrea sem estragos
Que o trem cortará só tua esteira...

No plaino, contra o rosa e o azul
Essa fumaça preta me amedronta
Como os ventos que a levam para o sul
Onde estão fechando a minha conta...

No horizonte o sol rosando nuvens
Começa a chamar-nos para o sonho
Pois é sempre nesta hora que tu vens

Trazendo um bilhete em tua crina,
Resposta a cada verso que componho
Ao peão que é toda a minha sina...
 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Desabafo (de Alma Welt)



 

Afrodite

Desabafo (de Alma Welt)

Que imensa e desmedida é a vida!
Eu poderia dizer isso do mundo
Mas ele só rima com profundo,
Essa idéia já tão comprometida...

Eu ando enfastiada, já notaram,
E corro o risco de falar besteira
Como os que começam e não param
De dizer como é bom pastel de feira.

Confesso: estou a ponto de explodir.
Começo rasgando a roupa inteira
Para ver-me nua e poder rir...

De satisfação, sim, é do que rio
Por ver que só beleza é verdadeira
E a única coisa em que me fio...

Os deuses (de Alma Welt)





                                                     Pigmaleão e Galatea" : Jean Léon Gerôme 1824-1904

Os deuses (de Alma Welt)

Foi Deus que criou os outros deuses
E quer que pela arte os honremos.
Por isso existe o Amor e seus adeuses
Além da Natureza e alguns demos.

Sabei que os deuses não estão mortos:
Ainda ontem topei com Dioniso
Que para me levar pra outros portos
Só um vinho do Porto foi preciso.

Quanto à Venus, rezo a ela todo dia
Para me manter assim bonita
Ao menos através da minha poesia.

Bah! E Apolo! Que beleza, que galã!
Gravei sua eólia harpa numa fita
Para ouvir todos os dias de manhã...
 

O Naufrágio da Esperança (de Alma Welt)


                  O Naufrágio da Esperança (Die verunglückte Hoffnung) - Caspar David Friedrich 1774 -1840

O Naufrágio da Esperança (de Alma Welt)

Agora que o mundo já acabou
E nosso belo casarão também ruiu;
Que a Esperança foi ao mar e naufragou,
E a vela que sobrou não tem pavio...

Agora que Jardim está em trevas
E não se sente mais o cheiro de jasmim;
As memórias que ficaram são primevas
E não falam desta estância, nem de mim;

Se inerte e assombroso estás no chão,
Como irei te reencontrar, ó pai da Alma
Em teu reino reduzido a um caixão?

Cessou tudo, até o som do teu piano
E terei que apreender tua nova calma
No teu mundo de silêncio desumano...

Onde (de Alma Welt)


                                             Alma sob a árvore do Paraíso- óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Onde (de Alma Welt)

Os sonhos meus de ontem, onde andarão?
E onde os risos, brindes e canções,
E aqueles belos fandangos de galpão
Ao som das gaitas e soberbos violões?

E onde os reencontros e as juras
Que fazíamos confiantes no futuro
Como se a promessa que conjuras
Fosse se cumprir sem nenhum furo?

Nada mesmo se cumpriu de tal contrato
E tudo o que a custo conquistamos
Não era o que queríamos de fato...

Pois a vida não se deixa controlar
E os sonhos nunca vão por onde vamos
Desde o perfeito fruto do pomar...
 

sábado, 23 de março de 2013

Alma na coxilha (de Alma Welt)



                                                   Alma na coxilha- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013

Alma na coxilha (de Alma Welt)

A coxilha plena é meu cenário
E aqui me vêm vagar os peões gáltchos.
Não que não tivesse meus percalços
E talvez mais de um voto contrário,

Pois a guria ruiva, boche ou gringa,
Seria vista com inveja pelas prendas
De tranças pretas e saias de moringa
Devido ao meu descaso pelas rendas...

Mas ser acompanhada por um pássaro
Que pousa num galho de barranco
Pra elas é bruxedo puro e bávaro ...

Mas se meus cabelos ruivos lhes dão medo,
Os peões percebem-me o olhar franco

E na aba do chapéu tocam o dedo...
 

quinta-feira, 21 de março de 2013

A Nau dos Insensatos (de Alma Welt)



 A Nau dos Insensatos- Hieronimus Bosch
 
A Nau dos Insensatos (de Alma Welt)

“Estamos numa barca a fazer água,
Não avisamos ninguém ao embarcar
Agora não adianta choro ou mágoa”
Disse o nobre capitão ao afundar...

“O Inferno vos espera ó pecadores!”
Disse o padre na missa de Domingo...
E os fiéis após tantos terrores
Foram pra quermesse jogar bingo.

E eu, pobre inocente, me recordo
Daquela estranha nave dos adultos
Que eu jurava nunca estar a bordo

Pois a insensatez grassava, eu via.
Fora meu pai os outros eram estultos
Mas ele ia proteger a sua guria...
 

quarta-feira, 20 de março de 2013

O Último Banquete (de Alma Welt)


 
 
O Último Banquete (de Alma Welt)

Ó vinde, eu vos espero, amigos meus,
Sabeis que a minha porta é sempre aberta!
Para mim uma visita é como um deus,
Um bom amigo, então, o é na certa.


Hóspedes meus, bem o sabeis, deuses sereis
E vireis todos comigo ao meu pomar
Para um encontro de deuses e de reis
E no banquete aos amigos vou brindar.

Assim sonhei, amigos meus, em solidão,
Relevai-me vós, então, o tom solene,
Que é só o que me resta ao coração,

Pois minha casa ecoa de vazia
E a bela juventude, de perene
Tem a memória em mim, que não havia...

Meu Testemunho (de Alma Welt)


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


Meu Testemunho (de Alma Welt)

Testemunha sou, fiel, de minha vida;
Contestar meu depoimento, pois, quem há-de?
Se menti ou falseei, despercebida,
Foi para melhorar a minha verdade.
 
Se enxergo o detalhe aumentado
Não pela lente deformante da emoção,
Mas por ter o sofrimento sublimado
Quase todo em forma de canção,

Estou me referindo aos meus sonetos,
A disciplina dos tais quatorze versos
Entre duras estrofes e tercetos...

A emoção cabe a vocês, ó meus leitores,
Encontrar nos soluços meus dispersos
Quando a frio decantava os meus amores...
 

segunda-feira, 18 de março de 2013

O Banquete (de Alma Welt)


 
 
O Banquete (de Alma Welt)

Que imensa é a vida em seus mistérios!
Não me canso de, perplexa, admirar
Os dons da Providência, sempre etéreos
Pousando na matéria e a animar...

 Nós fomos escolhidos entre as pedras,
O ar, o gelo e o fogo, e os contemos;
Um toque de Deus e eis que tu medras
À revelia de Satã e outros demos,

Diabos que pululam com espasmos,
Invejosos da alegria em nós contida,
Pois tristes, só conhecem os sarcasmos.

Então, pois, celebremos sempre alegres,
Juntamente com os gatos e as lebres,
O banquete generoso desta Vida!
 

domingo, 17 de março de 2013

O Fio (de Alma Welt)




 
 
O Fio (de Alma Welt) 

Sei que vivo por um fio de pura graça
Pois nada leva a crer que isto dure
Já que somos fadados à desgraça,
A navegar num barco antes que fure.


A morte nos espera, eis a tragédia,
Precedida talvez de decadência;
E os que engoliram enciclopédia
Vão levar para a cova a sapiência.

A lucidez são mil velas acesas
E direito não mais temos à miopia
Com as cartas abertas sobre as mesas.

Quanto a mim tenho vontade de gritar
Entre risos e dores e alegria
Por mesmo vendo claro a vida amar...

sábado, 16 de março de 2013

Palavras da Alma (de Alma Welt)


 
Palavras da Alma (de Alma Welt)

Não contestei o mundo em minha vida,
Antes frui o sumo e a essência
Das mil coisas que me cercam, comovida
Com tudo o que me coube a convivência.


Quero dizer que não perdi meu tempo
A esbravejar, nem mesmo a criticar
Os erros que são mero contratempo
À razão plena das coisas ao passar

Ou de restar, que muito sempre resta
Atestando a completude de uma meta
Pois na vida o que ficou é o que presta.

Compreender o mundo e então amá-lo
É o mais que se espera de um poeta.
A morte, não castigo, anda a cavalo...

sexta-feira, 15 de março de 2013

A Corça (de Alma Welt)


                                    Sabdh, a mulher-corça- ilustração de Hester Cox

A Corça (de Alma Welt)

Quisera ser mais simples e inocente
E não ter tido essa louca inquietação
Que cá me fez uma quase aberração,
Sim, vivendo da beleza, mas da mente.

Porém se o coração falou mais alto
Foi em rebeldia, amor e ardência.
Indócil coração, audaz e incauto,
Que mal reconheceu a sua carência.

Eis que alcei-me armada da palavra,
Que nela avistei logo a minha força,
Minha lavoura antiga, minha lavra.

Agora, não fantasma ou abantesma,
Ainda com a aura de uma corça,
Tenho o fio do labirinto de mim mesma...
 


quinta-feira, 14 de março de 2013

O quatrilho perdido (de Alma Welt)

Eu bem que tive meus dias de esplendor
Em que aliava beleza à juventude
E ainda ao talento e ao amor,
Quatrilho que mantive o mais que pude.

 Princesa me chamavam, não me pejo
De evocar o quanto era querida,
Se quando em memória me revejo
Confirmo a perfeição de minha vida...

“De nada te arrependes?” Me perguntas,
E eu já pestanejando ao retrucar:
A que te referes? O que assuntas?

Bem sei que queres ver-me em prantos,
Meu amor tão proibido a lamentar,
O coração, cão encolhido, pelos cantos...

 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Eu e as árvores (de Alma Welt)

Alma Welt e as montanhas- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2013 
 
Eu e as árvores (de Alma Welt)

Do pampa sei amar muito a planura
Mas montanhas também amo, é natural,
Embora por aqui, de pouca altura
Mas mistérios, só o Cerro do Jarau...

Mas árvores solitárias, sobranceiras,
Tanto as venero abaixo deste céu,
Que me atraem como deusas feiticeiras
Quando nas campinas ando ao léu...

Neste plano ondulado da coxilha,
Já os peões aceitam-me, e felizes,
Esta minha tendência à maravilha.

Se hei de morrer sob uma delas,
Imagino fundir-me às suas raízes
Só para abri-me em flores amarelas...

Serenata (de Alma Welt)


 

Serenata (de Alma Welt)

Esperei-te toda a noite na janela!
Quantas não perderam assim o sono,
Tolas desde o tempo da tramela
Ensaiando novos tempos de abandono...

Se voltares a fazer-me serenata,
Prometo escondo a arma de meu pai
E não mais tomarás banho de lata,
Que de mim só dos olhos água cai...

Me encontro por um fio de andar à lua
Partindo da janela do meu quarto
Só de camisola ou mesmo nua...

Se vieres, que venhas a cavalo.
A sela, nos teus braços bem reparto.
Sobre o resto, só suspiro e calo...


terça-feira, 12 de março de 2013

O poeta e o Narciso (de Alma Welt)





                                                         Narciso - de Michelangelo Da Caravaggio

O poeta e o Narciso (de Alma Welt)

Ou toda e qualquer vida tem propósito
Ou nenhuma tem qualquer razão de ser.
Algumas são tiradas do depósito
Para o momento nada raro de escrever.

O poeta deve pois falar por nós
Mesmo que só use a sua pessoa.
Não podemos separar os nossos pós,
Que dos reis a poeira não destoa.

E se um verso for demais particular
Que seja retirado do contexto
Para ver que vira fumo em pleno ar.

E se algum for só espelho de Narciso,
Que aproveite o seu próprio pretexto
E vire logo flor se for preciso...
 

A Baloneira (de Alma Welt)

Balão da Alma- litografia de Guilherme de Faria
 
A Baloneira (de Alma Welt)

Construí para mim doido balão,
Eu sozinha, que serei o meu piloto
Da barquinha barroca de ilusão
Do balão que nasceu já meio roto.

Tenho tudo para em sonho naufragar
Pois amo a poesia do fracasso
E o impulso suicida de voar
Em direção ao ar puro e escasso...

Entretanto, já sei, se na descida
Estiverem esperando o povo e o rei,
Com a banda e as faixas de acolhida

E jornalistas me vierem entrevistar,
Será a minha vez de perguntar:
“Onde foi, ó Poesia, que eu errei?”
 

Nossa Tróia (de Alma Welt)

Rumo a Tróia- desenho de Guilherme de Faria
 
 
Nossa Tróia (de Alma Welt)

Desde que no mar molhamos pés
Olhamos em direção a Tróia
Aguardando um vento de través,
Esperança em que o coração se apóia.

Entretanto o que nos move é a cobiça
De fruir todo o potencial da vida,
Pois sabemos que dois terços desta missa
Será sempre por nós desconhecida.

Que sofreguidão, que louca sanha!
Quanto sangue por nós todos derramado
Na batalha de estupidez tamanha

Que nos foi dada em desgraça combater
Depois que expulsos fomos do condado
Pela fruta do Conde ousar colher...

A chave (de Alma Welt)


 
A chave (de Alma Welt)

Bem cedo descobri o absurdo
Que permeia a vida até morrer...
Desconfio que Beethoven nasceu surdo
E por isso já não tinha o que perder

Podia fazer tudo e maravilhas
Sem precisar fazer ouvidos moucos
Às sandices do tempo das ervilhas
Nesta nau tripulada pelos loucos.

Van Gogh atentou contra as orelhas
Mas falhou na segunda tentativa
E atingiu o cerne das centelhas.

Podemos desde então nos debater
Daqui ao Assaré da patativa
Que não logramos o sentido refazer...

Ser esta (de Alma Welt)

Dos ventos sei as cores do cabelo
E das flores o raro preconceito;
De altos cumes os dias de degelo
E as doze razões de eu não ter jeito.

Às vezes me ouvirás uivar à lua,
Que havias de esperar isso de mim.
Aproveito e no jardim me ponho nua
Que na noite sou o cheiro de jasmim.

Se o queijo me trazes dou-te a faca
Para veres o quanto em ti confio
Pois só tu me embriagaste sem ressaca...

Iremos ao pomar do gelo eterno
Quando ardente chegar o nosso frio,
Eu já de noiva branca e tu de terno...
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O Eterno Retorno (de Alma Welt)


 
O Eterno Retorno (de Alma Welt)

A esbanjar meu tempo como outrora,
Vivo qual se fora eternamente
Pois meu cenário em torno corrobora
Esta bela ilusão da minha mente,

Que é a de que o Tempo sempre gira
Como a roda dos carros no cinema
Que eu penso que a ele se refira,
E da sétima arte fosse emblema...

Voltar eternamente, eis o destino,
Embora caminhemos para adiante
Qual se fôramos eterno peregrino,

E voltando para mim em nostalgia
Perpétua como um pássaro que cante
Como se derradeiro fosse o dia...
 

sábado, 9 de março de 2013

Meus dias (Alma Welt)


                                         Alma e o Vento - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm
 

Meus dias (Alma Welt)

No apogeu de meus dias neste Pampa,
A mãos com a poesia e a beleza,
No outeiro faltava a minha campa,
Que da morte eu nem tinha certeza.

Báh! Vivendo como se no Paraíso,
A coxilha a correr nua me via,
Só eu mesma, pois aquela tem juízo:
De pura relva e flores se vestia...

E eu, ninfa, só não era uma bacante
Pois do meu próprio vinho mal bebia
E o meu Dioniso, quase infante...

E o tempo não chegara, dos tormentos
Pela revelação em minha poesia
Que meus dias tinham contas com os ventos...

O Saldo (de Alma Welt)


                             Pampa Vermelho - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 20x20cm

O Saldo (de Alma Welt)

Afinal compartilhei o meu jardim
Com todos, assim como o casarão;
A coxilha numa terra do sem fim,
O vinhedo e o amor de meu irmão.

Quase tudo reparti, e não sem pejo
Pois era algo maior do que eu mesma,
E nem tudo refletia o meu desejo,
Havia o medo e a abantesma

Nas noites misteriosas e doridas
Que passei, talvez por meus pecados,
Pesada carga das almas divididas...

Sei o saldo desta solitária saga,
Pois livre como os ventos, como os fados,
Acima minha estrela ainda vaga...
 


quarta-feira, 6 de março de 2013

O Sonho da Vida (de Alma Welt)





 
O Sonho da Vida (de Alma Welt)

De minha própria vida fiz o sonho
E o apoio dos amigos agradeço.
A prêmio concorrer não me proponho
Mas devo concordar que o bem mereço.

Tratei de fazer bela a minha subida
Que nisso percebi o melhor lance,
Embora o controle na descida
Nunca estivesse ao meu alcance.

Então vejo beleza na derrota
E a poesia inerente à decadência,
A erva que nas rachaduras brota...

E agora cercada dos escombros
E do silêncio da experiência,
Ainda bela sou e dou de ombros...