domingo, 17 de agosto de 2014

O Grande Circo (de Alma Welt)



                                                              O circo - Portinari

 O Grande Circo (de Alma Welt)

O grandioso Circo a que pertenço
E planejado por mim quando guria,
Tem da humanidade o rosto imenso,
Quase todas as formas da Poesia.

E não ficará de fora quem não paga:
Passa por baixo, o pobre, desta lona,
E o palhaço, o medo não mais traga
Ao menino mais sensível e à chorona.

Animais permaneçam em suas selvas
E não ouviremos rugidos na cidade,
Deserto de cimento e poucas relvas...

Todos nós equilibristas, saltimbancos,
Trapezistas da fatal eternidade,
Um picadeiro sem redes, nossos campos...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Alma e o Anjo (de Alma Welt)

 

    Alma e o Anjo - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2014, 100x100cm

 Alma e o Anjo (de Alma Welt)

Um anjo apareceu na minha árvore
Com tocha flamejante, desabando
E pondo-me branca como o mármore,
Com o dedo em riste me apontando.

Pasma então desconfiei de sua fé
Pois não o acompanhava um querubim
Mas um duende que estava ali ao pé *
Enquanto o anjo se dirigia a mim:

- “A ti mesma, Alma gentil, não punirei
Por teres devorado o sábio fruto
Que é fatal prerrogativa de meu rei”;

“Não foste a cruel Lilith, nem Eva...
Anima, não alma em estado bruto,
És de toda solidão a mais primeva!” *

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Notas:
* Pois não o acompanhava um querubim
Mas um duende que estava ali ao pé " - O fato do anjo não estar acompanhado de um querubim, mas de um duende, e portar uma tocha, não uma espada, nos remete à idéia do anjo rebelde, Lucifer (que significa portador da Luz), tanto mais que ele se refere ao seu "rei", não a Deus

* "És de toda solidão a mais primeva” - Era de se esperar que o anjo dissesse: "És de toda Criação, a mais primeva!" Mas dizendo "solidão", o anjo (ou a Alma) levanta uma curiosa questão poético-metafísica...
 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Acalantos (de Alma Welt)

                                               Nau catarineta - lito de Guilherme de Faria

Acalantos (de Alma Welt)

Há poetas que são grandes falastrões...
Digo isso por mim e outros tantos.

É fato que a alguns, mais canastrões,
Faltou-lhes em criança os acalantos

Que sem dúvida são canto essencial,
Diretamente da alma ao coração,
Com um mínimo de apuro formal
Evitando somente a rima em “ão”.

Vêde como tudo está contido
No pavão e no boi da cara preta
Que de cima do telhado foi ouvido

No berço aconchegante a balançar,
Que é a nossa nau catarineta
Que afinal em Portugal vai aportar...