domingo, 29 de abril de 2012




A Volta do Rei Tzibor- desenho de Guilherme de Faria, 1963, coleção Flávio Pacheco, São Paulo

 A Volta do Rei Tzibor ( de Alma Welt)
Na planície desolada pela guerra
Vem voltando nosso rei e comitiva,
A sugar a gota última da terra
Onde passa sem deixar perspectiva.

Montando seu corcel oco, de lona,
Ao lado do Primeiro Cozinheiro
Com a sua boa fama comilona,
Colaborador maior e companheiro.

O baixinho que é seu bobo preferido
É um pouco mais sinistro que o rei,
Seu pequeno monstro mais querido.

E eu pergunto como o povo agüenta
E ao fazê-lo, pasmada eu escutei:
"Ele é o rei. Se ele planta, logo venta.”

sábado, 28 de abril de 2012


Lilith - gravura em metal (ponta-seca) de Guilherme de Faria 1968

Lilith (de Alma Welt)
Quando eu nem mesmo adulta era sequer
Tomei conhecimento em certos livros
Da diferença entre especimens de mulher
Sendo que ainda dois deles estão vivos:
As descendentes da Eva primordial
E daquela que foi primeiro sarro
De Adão que a renega como tal
Ao ver que ela tinha o mesmo barro.
Me refiro à Lilith insuflada
Pelo mesmo sopro que o animava
E isso a fazia emancipada,
E que então renegada voltaria
Para destruir tudo o que amava
Ainda que através de putaria...

Hibridus sapiens (de Alma Welt)


Hibridus Sapiens- desenho de Guilherme de Faria 1981


Hibridus sapiens (de Alma Welt)

Eu tenho um conselheiro invisível
Aos outros que por certo não a mim,
E que é um híbrido incrível
Mistura de leão e bode, enfim...
Mas com humanos olhos sábios,
Que comigo conversa um minuto
Em tom grave que lhe sai dos lábios
Quais os de um camelo hirsuto.
Então a doutora minha, Jensen,
Mais ocupada com o que pego
Do que acaso os outros pensem
Compartilha as pérolas que colho
Do sábio que em terra de cego
É indefectível rei caolho...

A Dança das Horas (de Alma Welt)



A Ronda - Litografia de Guilherme de Faria



A Dança das Horas (de Alma Welt)

Às vezes sinto que o meu sono ronda
Certo fauno que hesita e em demoras
Estende a mão sobre esta Gioconda,
Adormecida dança das minhas horas...
E volúpia já me invade o sonho
Por me sentir assim meio “entregona”
Pronta para um toque que proponho
Com meu sorriso liso de uma Mona.

E então começam fortes outros lances
Que a razão bloqueia ao me acordares
Pois no pudor das horas não avances,

Que suspeito que alcoviteiras sejam,
Tal como as ratasanas dos altares
Que de noite o vinho e o pão festejam...

sexta-feira, 27 de abril de 2012














Vôo Noturno - gravura em metal de Guilheme de Faria, 1968


Vôo noturno (de Alma Welt)

Meia noite, começa a revoada,
Grandes asas contra o disco da lua
Eu percebo, e não é a passarada,
Que essa há muito dorme, não flutua.

E o grito que por uns momentos ouço
Causa-me arrepios como assombro.
E olhando aquilo tudo com esforço,
Vejo o casarão tornar-se escombro...
Quem é ele, este pássaro gigante
E esse que o monta, capa ao vento,
Qual saído de um círculo de Dante?

Como fora uma perdida abantesma,
O remorso, a pena e o tormento
Compartilho de almas como eu mesma...


O Estancieiro ( Joachim Welt , o avô da Alma) -  gravura e metal de Guilherme de Faria, 1962


Meu Avô, o Boche (de Alma Welt)

Meu avô agricultor Joachim, o Boche,
Que de altura, metros tinha quase dois,
Descia do seu Ford como um coche
E mirava o futuro e o depois
Lá no horizonte, a capa ao vento,
Com a chibata na mão, que não largava,
Como para estimular o tempo lento
Das uvas que seu sonho maturava.
E malgrado a sua crença no tal Reich
O preço que pagou nesta coxilha,
A falta d’um nicho em que se encaixe,
Eu o revejo ainda com respeito
Pois ele me elegeu a sua filha,
O que de si melhor tinha no seu peito...

quarta-feira, 25 de abril de 2012









Sabat- desenho de Guilherme de Faria, 1962

Sabat (de Alma Welt)
Meia noite. Bateram as badaladas
Do sino da aldeia anoitecida.
Também do cemitério almas penadas
Se erguem com esta hora dividida
Entre um dia e outro, em maldição,
Juntando os maus espectros dos sonhos
Com os entes perdidos, sem unção,
Que se tornarão malignos, medonhos,
Durante a missa negra desta noite
Que tem todo o caráter de uma orgia,
Fogo das almas que um Demo acoite...

E eu me encolho no leito, no meu quarto,
Jurando ser boazinha no outro dia,
Nem que eu nasça de mim em novo parto...

Crepúsculo (de Alma Welt)










Crepúsculo- , óleo s/tela de Guilherme de Faria, 1997-2012, 30x40cm


 Crepúsculo (de Alma Welt)
O dia beija a noite no Crepúsculo,
Que aqui eles se encontram por destino
E produzem este precioso opúsculo
Que narra seu combate e desatino

Desde que Luz e Trevas se opuseram
Como os contendores no Princípio,
Quando o Senhor e suas hostes deram
A partida para a guerra contra o Ímpio.

Então este momento de sua trégua,
Quando a paz ainda tem de sangue laivos
 Marca seu compasso e passa a régua
E fecha a conta de um dia glorioso...
- Pra contar brilhantes mortos levantai-vos,
 Ó homem cansado e temeroso!

terça-feira, 24 de abril de 2012



Alma no espelho - litografia de Guilherme de Faria (do Álbum Reflexos)


Alma no Espelho (de Alma Welt)

Gosto de no espelho olhar minha pomba
(jogue pedra quem não tiver espelhos)
Pois o sol rubro de meu cabelo tomba
Entre as pernas e colore meus pentelhos.

Sempre fui de mim mesma enamorada
(nisso a todas as mulheres sou igual)
Narciso era mulher em pele errada,
De Eco o engano foi proposital...

Ao meu próprio olhar e tato dá prazer
Minha pele tão alva e como seda,
Que só comigo consegue anoitecer...

Então quando principia o meu serão
Eu boto um ovo triste como Leda
De onde nasce meu horror da solidão...

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Árvore Vermelha (de Alma Welt)


A Árvore Vermelha- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1990, 90x140cm, coleção Candida Arruda Botelho, São Paulo

 A Árvore Vermelha (de Alma Welt)


Aquela enorme árvore vermelha
Somente eu a percebo em meu quintal,
Pois ela está ali porque espelha
Tanto o bem de mim como o meu mal.

E eu a vejo no dourado do poente
Com uma nuvem rosa em fundo anil
Como um quadro concreto, e de repente,
Eis meu pampa como alguém jamais o viu.

Peço pois pro meu pintor que o revele
Numa tela que parece meio louca
Como o meu cabelo e minha pele

Cujo contraste extremo já faz medo
Àquele, que feliz, dorme de touca
Quando o real é só engano ledo...
 

domingo, 22 de abril de 2012


O Calvário (uma lito de Guilherme de Faria)
(por Alma Welt)


Estavam todos lá no grande evento,
Uma turba voraz e tão curiosa,
Querendo todos só ver suplício lento
Enquanto botavam em dia a prosa.

Uma dama ali sentada, de chapéu,
Ao lado de uma velha carcomida
Também um menino olhava o réu,
O bêbado, a garrafa preferida.

A louca com um ganso em sua cola
Enquanto a empregada era meta
De um senhor suspeito de cartola.

Em frente a um ladrão que blasfemava
Alheio aos brados do profeta,
O Mestre em sua cruz agonizava...
 

sábado, 21 de abril de 2012






















Após o Dilúvio - óleo s/ tela de Guilherme de Faria 1999

Após o Dilúvio (de Alma Welt)

A tal Arca afinal pousou no monte.
A do velho patriarca, que não minha.
A da Alma onde está talvez eu conte, *
Com os dois mil sonetos que continha.

Foi-se o corvo e não volta nunca mais. *
Está pousado em Pallas, no seu busto. *
Somente a branca pomba trouxe a paz
Com o raminho verde de um arbusto.

Mas não digo que depois de mim Dilúvio,*
Já que ainda eu nem fui publicada
E já sinto da vaidade o vago eflúvio.

Bem triste a nossa sina de poetas:
Corvos pródigos em nossa revoada,
Pensando que as palavras eram setas!... *

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Notas
* A da Alma onde está talvez eu conte - A famosa Arca da Alma, com seus mais de dois mil sonetos (além de numerosos textos em prosa, contos crônicas romances e Haikais e pensamentos), verdadeiro tesouro , foi descoberta por sua irmã Lucia, após a morte da poetisa, no sótão do casarão pampiano.

*Foi-se o corvo e não volta nunca mais- alusão ao o corvo do poema famoso de Edgar Alan Poe, que repetia : Nevermore (Nunca mais).

*Está pousado em Pallas, no seu busto - O corvo no início do poema de Poe revoa na sala e pousa num busto de Pallas Athena. (vide The Raven, de Edgar Alan Poe).

* Mas não digo que depois de mim Dilúvio - Alusão às palavras famosas de Louis XV: "Après moi, le Déluge" (Depois de mim, o Dilúvio)

*Pensando que as palavras eram setas!. - Alusão ao famoso poema de Henry Wadsworth Longfellow 1807-1882 


 " The Arrow and the Song" ( A Seta e a Canção)

I shot an arrow into the air,
It fell to earth, I knew not where;
For, so swiftly it flew, the sight
Could not follow it in its flight.

I breathed a song into the air,
It fell to earth, I knew not where;
For who has sight so keen and strong,
That it can follow the flight of song?

Long, long afterward, in an oak
I found the arrow, still unbroke;
And the song, from beginning to end,
I found again in the heart of a friend.

(Eu atirei uma seta no ar/ ela caiu na terra, eu não soube onde ...

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Serões Bizarros da Alma (de Alma Welt)










Serões Bizarros - litografia de Guilherme de Faria

Serões Bizarros da Alma (de Alma Welt)

Tenho vivido no mais estranho mundo
Pois aqui todos os tempos eu amarro
Mas também resistirei rimar “profundo”,
Pois o termo certo disso é “bizarro”...

A estância é habitada por espectros
Que querem minha companhia nos serões
Embora eu temendo seus aspectos:
Damas suspeitas e sarcásticos anões.

Todavia eu me sinto protegida
Pela minha velha bá que é Matilde
Que faz parte só daquela outra vida,

E me ancora nos momentos de perigo
Ou quando tenho que ser bem mais humilde
E sair do que só há no meu umbigo...

Safira e os ciganos (de Alma Welt)




 
Safira - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1999, 30x40cm, coleção particular, São Paulo

Safira e os ciganos (de Alma Welt)

Eu tive uma vaquinha preciosa

Que, tão dócil, me deu leite por anos.
Mas eu era muito tola e dadivosa
E então presenteei-a aos ciganos

Pensando estar fazendo caridade
Por ter visto umas crianças desnutridas
Quando acamparam em nossa herdade,
Malgrado a liberdade de suas vidas.

Era o dia de Santa Sara Kali,
Enquanto eu, ocupada os retratando
Não via o que ocorria logo ali:

Uma imensa fogueira e os espetos
E a pobre da vaquinha já assando
Por pura culpa minha e meus sonetos
...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sobre uma lito alegórica de Guilherme de Faria (de Alma Welt )


O Abraço (Alegoria) - litografia de Guilheme de Faria, a pincel e touche de água (lavis) sobre pedra da Bavária.

Sobre uma lito alegórica de Guilherme de Faria (de Alma Welt)

Em alegórica lito do artista
Me vejo ajoelhada ali no centro
A mão que cobiça é uma pista,
De meu próprio abraço estou dentro...

À direita de mim estou vazia,
Atrás de mim eu me consolo
Com touca maternal que desafia
Pois abraço também meu próprio colo.

Mas do lado esquerdo da gravura
Está a chave de tudo para mim
Pois o rosto-máscara e postura

Impassível e de beleza cega
Me fazem lembrar Stavroguin, *
Mas Deus nos abraça e nos congrega...

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* Stavroguin - Nicolai Vsevolodovitch Stavroguin, aristocrata demoníaco do romance Os Demônios, de Fiodor Dostoiévski.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Coração, sonhos e tranças (de Alma Welt)


Alma Welt - desenho de Guilherme de Faria, 100x75cm, a pincel , nanquim e ecoline s/ papel Shoeller montado, acervo Glatt, São Paulo

Coração, sonhos e tranças (de Alma Welt)

Quantas ilusões ultrapassadas
Trocadas por novas esperanças!
Brancas cãs e faces engelhadas
Cedem lugar a louras tranças.

Coração, recusa envelhecer!
Não é compulsório tal destino
A ti que no corpo é nosso ser,
Cujo compasso é puro hino.

E se fadados somos a morrer
Fique eco nosso noutras almas
Pelo bom recurso de escrever

Versos que propaguem nossos sonhos,
Não pra que só mereçam palmas,
Mas pra dividir tempos risonhos...
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Lua Lúdica (de Alma Welt)


Lua Lúdica - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2012, 30x40cm

Lua Lúdica (de Alma Welt)

Num sonho eu revi minha paisagem
Transfigurada em rubro dominante
E eu não a percebia uma miragem
Mas um bom convite a ir adiante.

O céu era alegre e não escuro
Com uma lua lúdica entre nuvem
Amarela, em flocos de ouro puro,
Como as esperanças quando iludem.

Então perguntei-me, ainda lembro,
Por quê o meu delírio a cor transmuta
Se ainda nem chegamos em Setembro

Quando a primavera explode em cores
Como a vã compensação desta labuta
De lutar com o real e suas dores...

Após o Banho (de Alma Welt)


Após o Banho- óleo s / tela de Guilherme de Faria, 140x120cm, coleção Cândida Arruda Boelho, São Paulo

Após o Banho (de Alma Welt)

Após ter me banhado, entre vapores
Eu entro no meu quarto enevoado
Que já se veste de novas lindas cores
Sob o prisma do espelho acrescentado.

E meu pintor assim me quer, eu acho,
Numa pose semelhante às de Degas,
Aquelas das "bagneuses" sobre um tacho
Que de súbito a mulher sempre refaz.

E então bem consciente da beleza,
Ergo o braço e faço aquele gesto
De feminina, total delicadeza.

E eis-me consagrada na pintura
Da quente carnadura que lhe empresto
Ao toque do vermelho que perdura...

domingo, 15 de abril de 2012

Lilith (de Alma Welt)


"A Confraria ou El Penico"- lito de Guilherme de Faria

Lilith (de Alma Welt)

Eu via a sinistra confraria
Em torno da figura ali sentada
Cuja garra sob a saia a traía
Mas por eles a fazia respeitada,

Aquela mesma que não tinha coração
Pois que os melhores homens destruía
Desde que preterida por Adão
Por ter o mesmo sopro que o movia...

E então prosternei-me à sua garra
Escutando a tal voz aveludada
E morna, a que mais de um se agarra:

“Alma, Eva és... mas te proponho:
Se quiseres a paixão de ser amada
Abandona teu amor que é puro sonho...”

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"A Confraria ou El Penico"- litografia de Guilherme de Faria (a crayon s/ pedra da Bavária.
(Esta imagem representa Lilith (vejam os pés em garras de ave de rapina) e sua sinistra confraria...)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Soneto Perdido da Alma (de Alma Welt)


Pampa, O Soneto Perdido da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm

O Soneto Perdido da Alma (de Alma Welt)

Na coxilha em toco seco quase relo
Deslumbrada de repente com o rosa
De uma nuvem vinda do amarelo
Que me fez achar a vida gloriosa...

E deixo meu soneto atravessado
Na pontinha de um galho desse tronco
Como o local exato registrado
Do pasmado olhar em que me encontro.

Então passados dias desse evento
Voltei ao local na expectativa
Do soneto a bailar naquele vento...

Mas não havia mais o galho nem papel
A não ser a memória ainda viva
De um efêmero capricho do meu céu...

terça-feira, 10 de abril de 2012

Três pinturas amadas (de Alma Welt)


Alegoria di Venere- Agnolo Bronzino- National Gallery, London


Ofelia- Sir John everett Millais, The Tate Gallery,London


The Lady of Shalott- de John William Waterhouse, The Tate Gallery, London

Três pinturas amadas (de Alma Welt)

Diante da Alegoria do Bronzino
Que é a sua obra-prima venerada
Por aquele melhor lado do londrino
Talvez, de todas, a pintura mais amada

Por certo depois daquela Ofélia
Afogada, branca e até mais linda
Que me faz então pensar que a camélia
Caiu do galho mas suspira ainda...

Eu parei, já sem fôlego, ofegante,
Por mais que a beleza me deleite,
E eu não conseguia ir adiante...

Então lembrei da outra preferida,
Ruiva lady no seu barco lá na Tate,
Olhos tristes para onde vai a vida...

domingo, 8 de abril de 2012

Alma e o Baobá (de Alma Welt)


Alma e o Baobá- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 80x80cm
Alma e o Baobá (de Alma Welt)

Na estância havia enorme baobá
Que eu sempre venerei desde guria,
Pois que um grande mistério haverá
No bater do coração que nele havia.

Todo ele era rubro e pulsava
Como uma enorme bomba aflita
Quando eu dele me reaproximava
Pra saudá-lo com meu laço de fita

E meu vestido branco de babado
Que era todo o luxo que eu podia
Afora a pele alva e o tom rosado

De minhas faces cheias de alegria
Por meu mundo fundar sob o primado
De minha própria e infinita fantasia...

A Vaquinha do Sagrado (de Alma Welt)


Vaquinha do Sagrado - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1999, 30x40cm

A Vaquinha do Sagrado (de Alma Welt)

Eu tive uma vaquinha no meu pasto
Que embora mirradinha leite dava
E que tinha um olhar e porte casto
Mais que o comum que se mirava.

Então durante tempestade imensa
No momento do estalo de um trovão
Eu vi a vaquinha em transparência
Até o nicho de seu grande coração

E vi que ele era então Sagrado
De puro que o tinha meio Crístico,
Perene como aquele coroado.

E então, acreditem, ela ascendeu
Às nuvens durante o transe místico
Que só o vento da coxilha percebeu...

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sábado, 7 de abril de 2012

O Grito do Frade (de Alma Welt)


O Grito do Frade- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 40x30cm, 1999

O Grito do Frade (de Alma Welt)

Havia um frade jovem em Dom Pedrito
A quem morreu um dia a devoção
Pondo a sua alma num conflito
A ponto de julgar ser tudo em vão.

E mirando o céu soltou um grito
Que no mosteiro todo ecoou
Perturbando da missa o santo rito
E mais a paz do abade que o chamou.

Então o superior severamente
Apontou-o: “O que pensas infeliz?”
“Quem perde o que não tem não o lamente.”

“Tua fé era oca, insuficiente,
E Deus prefere ao vôo da perdiz
O rastejo sinuoso da serpente...”
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Jesus ao ser pregado... (de Alma Welt)


Jesus Sendo Pregado na Cruz - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1999, 70x70cm (da Via Crucis (14 telas)
Jesus ao ser pregado... (de Alma Welt)

Jesus ao ser pregado no madeiro,
O tal homem que martelava um cravo
Não sendo, como o Mestre, carpinteiro,
Martelou o dedo e ficou bravo.

Mas Cristo voltou pra ele o rosto
E ensinou-o paciente a martelar
Sem perigo de outros dedos acertar
Pra que do ofício enfim tomasse gosto.

Assim um bom serviço completou...
Com, nos pés do mestre, aquele prego,
Equilíbrio e simetria se notou.

Dizem que Jesus lhe disse, até:
“Olha, em Nazaré tens um emprego
Se procuras a oficina do José...”

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Daimon (de Alma Welt)


Daimon * (de Alma Welt)

Que imensa ilusão é a vida nossa
Mormente com o que fazemos dela,
Tão distante da chama de uma vela
Quão da lua refletida numa poça

Que unos nos faziam e mais inteiros,
Como observar nossa animália
E o belo crescimento dos canteiros,
Ciclo vital que pouco ou jamais falha...

Ah! Ambição e os sonhos de grandeza
E mesmo os de amor eternizado
Em cenário duvidoso de beleza!

Riqueza e glamour, quanta inocência!
Nossos nomes nas bocas e aclamado,
Nosso daimon a serviço da demência...

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Nota
* Daimon - Segundo o escritor Nelson Rego o daimon, para os antigos gregos, é tanto a natureza externa quanto a interna. É a potência para perseguir o que faz falta. Ao mesmo tempo interno e externo, ele é o indivíduo e algo além do indivíduo. Em princípio, nem bom, nem mau – mas, com certeza, forte –, o daimon pode ser a correnteza que leva para qualquer direção. O indivíduo pode ter êxito com esse algo que está além e o habita. E pode também ser esmagado pela força tremenda que ele traz.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dos segredos (de Alma Welt)


Dos Segredos- Litografia de Guilherme de Faria

Dos Segredos (de Alma Welt)

A Matilde com seu ar falso bisonho
Que me desperta bem cedinho de manhã
Sempre a me perguntar qual foi o sonho,
E não desiste dessa tentativa vã,

Conquanto eu a adore não confio
Na sua muito duvidosa discrição
Que levaria à Mutti aquele fio
Do labirinto deste jovem coração.

E a engano com meus falsos segredos
Com aquela candura que a despista
Como se fora ainda meus brinquedos

E lhe entrego meu corpo em plenitude
Para que com desvelo ela me vista
Em graça verdadeira, que a ilude...

No ombro de meu Vati (de Alma Welt)


Auto-retrato com sua filha Brita, 1895 - Aquarela de Carl Larsson 1853–1919) pintor sueco


No ombro de meu Vati (de Alma Welt)

Lembro-me a mim no ombro do meu Vati *
Quando tudo era paz e alegria
No casarão dos Welt, sem o embate
Entre forças adversas, que viria.

E a cena gravada na memória
Ainda me sustenta no ar vazio
Mas pleno de rumores e de história
Que remontam ao tempo do pavio

De lamparinas e candeias de outra era
Em que me vejo com fita no cabelo
E botinas, que tirá-las, quem me dera...

E agora ao ver o Larsson e sua Brita
Eu pergunto ao Tempo como tê-lo
Em “rewind”, pra fazer voltar a fita...


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Nota
* Vati - pra quem ainda não sabe, esclareço que Vati (pronun. Fáti , papai em alemão, de Vater, pr. Fáter, pai) é como Alma chamava seu pai, Werner Friedrich Welt.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Morte numa gravura de Käthe Kollwitz (de Alma Welt


A Morte - água-forte de Käthe Kollwitz 1867-1945

A Morte numa gravura de Käthe Kollwitz (de Alma Welt)

Eis o horror que a todos nos espera
E tenho sob os olhos na gravura
Que só de olhar a alma desespera,
Conquanto não isenta de ternura,

Mas no gesto da criança que se agarra
Ao seio de sua mãe em pleno rapto,
Contrário ao “Encontro na Samarra” *
Que, irônico, da Morte é só um pacto.

Ah! Käthe, dura e forte tua visão,
Que não dourava a amarga pílula
Da nossa trágica humana condição!

E gravando imagens tão extremas,
Da verdade não tiravas uma vírgula
Para agradar mercados e esquemas...

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Nota
*Encontro "na" (em) Samarra- Fábula tradicional árabe, celebrizada na versão de Jorge Luiz Borges. O conto aborda a ironia do Destino, que corrobora o famoso "mactub" ( "Assim estava escrito"), o fatalismo dos povos do deserto.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Natureza Morta com Cavalo Azul (de Alma Welt)


Natureza Morta com Cavalo Azul- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2006, 80x90cm

Natureza Morta com Cavalo Azul (de Alma Welt)

Sobre a mesinha simples da cozinha,
Colocadas num enorme prato branco,
Quatro frutas em pose comezinha,
Atrás, um cavalo azul do espanto.

Eis natureza morta inusitada
Que me faz refletir sobre outra cousa
Que nem mesmo está ali representada,
Hiato não preenchido de uma lousa

Quando afinal estivermos sob ela
Com o nosso epitáfio escolhido
Gravado como na fita amarela.

Meu cavalo azul segue correndo
Perseguindo a vida, esbaforido,
Sobre o meu branco corpo já morrendo...