quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O Sono da Alma (de Alma Welt)

                                                             O Sono Inocente da Alma -o/s/t de Guilherme de Faria, 2021, 30x40cm coleção do artista

O Sono da Alma (de Alma Welt)

Sonhei-me um sono em berço conturbado
Em um bote pequeno e à deriva,
Pelas vagas tão ferozes embalado
Sobre rochas, em dormência permissiva.

Que sono calmo, que sonhos de delícias,
Em meio ao fragor dos elementos
Que me eram assim como carícias
Nesse mais puro, talvez, dos meus momentos.

Mas desperta, não me contem de procelas,
Das tais vagas espumantes de maldade,
Que esqueci de içar as minhas velas...

Assim é a inocência neste mundo:
Nada pode abalá-la na verdade,
Já que é sono náufrago e profundo...
.
01/11/2021

 Nota
 Este belíssimo soneto da Alma Welt  por alguma razão foi escolhido por declamadores portugueses com canal no youtube . Não obstante as belas vozes maculinas de tais declamadores  ( entre elas, nitidamente uma por A.I, pessimamente declamada), não concordei com a interpretação de nenhuma e protesto, visto que juridicamente tenho os direitos sobre a obra da Alma Welt (Guilherme de Faria). 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Fortuna Imperatrix Mundi ( de Alma Welt)

Atirados neste mundo de perigos
Todos temos nossa nau em tempestade
E enfrentamos os deuses da Vontade
E até os nossos Eus quando inimigos.

De quê, ó Alma, assim, falas sem peias?
Teremos o destino que escolhermos
E procelas são os nossos próprios termos,
Como também a calmaria das sereias.

Mas estamos a falar da mesma cousa
E as escolhas não mudam portulanos
Somente a rota do nosso giz na lousa...

"A Sorte é a Imperatriz do Mundo"
Era como formulavam os romanos,
E jamais disseram algo mais profundo...
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02/01/2024

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

O Sonho da Fada Verde (de Alma Welt)

A fada verde, tentadora, veio a mim
Adejando num sonho inusitado
Com Ágata e Poirot, num ton mesclado *
Se fundindo para o mesmo incerto fim...

Quê, diabos era isto? eu clamava:
Verde vento, que verde não te quero *
Numa mesa de calçada onde sentava
Num crepúsculo vago e etéreo.

Mas se nem meus próprios vinhos já não bebo... *
Por quê meus sonhos traem minha sobriedade
Me cercando destas fadas da cidade?

Verde que verde te rejeito e te renego,
Que há muito desisti de um pau de sebo*
Ou tentar nele subir prego por prego... *
,
01/01/2024
_____________________
Notas
* Fada Verde - (fée verte) como era chamado o ABSINTO (a bebida) que matou tantos artistas na Paris boêmia do século XIX e começo do XX.

*Com Agatha e Poirot num ton mesclado - Alma faz um jogo de palavras com a escritora Agatha Christie e "ágata", uma pedra que quando verde tem o ton da bebida, e o detetivo famoso criado por ela, o inspetor Poirot (cujo nome parece derivar de pêra, uma pequena pêra), cujo nome evoca a fruta que se punha dentro das taças de absinto.

*Verde vento, que verde não te quero - paráfrase do famoso refrão do "Poema Sonâmbulo", do Romancero Gitano, de Federico Garcia Lorca: "Verde que te quero verde/ Verde viento, verdes ramas/ El barco sobre la mar /Y el caballo en la montaña...

*Mas se nem meus próprios vinhos já não bebo - Alma é de uma família de vinhateiros do Pampa, mas declara que já não bebe nem os vinhos fabricados por ela, que herdou e toca o vinhedo herdado do pai e avós.

"Que há muito desisti de um pau de sebo-Alma com este enigmático verso, parece sugerir ter tido problemas com o álcool (pau de sebo?), a que ela concientemente parece renunciar com este soneto em forma de descrição de um vago sonho feérico...

" tentar nele subir pregando prego - (pregar pregos no pau de sebo do alcolismo? ) : insistir em beber tentando ludibriar (em vão) o álcool...


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

O Final -A Terra Devastada * (de Alma Welt)

Quase tudo o que guardamos nos define,
Até mesmo a tralha, o bric-a-brac;
Que ninguém portanto se amofine
Se em vez de explosão vier um trac... *

Sim, no fim, como pobres faraós
Quereríamos levar tanta besteira,
Seja num caixão ou numa esteira
Porque se grudou a escória em nós,

Pobres humanos na terra devastada
Ou mesmo em abundância, não importa,
Todos temos que transpor a estreita porta.

E no fim só passamos com um suspiro *
Com a roupa do corpo e quase nada,
Que aos dedos e aos anéis nem me refiro... *
.
19/10/2022

Notas
*A Terra Devastada - Alma alude ao grande poema de T.S. Eliot , "The Waste Land".

* Em vez de explosão vier um trac /
* E no fim só possamos com um suspiro - Alma alude aos últimos versos do poema "Os Homens Ocos", de TS Eliot : "Assim expira o mundo/Não com uma explosão, mas com um suspiro.

*Que aos dedos e aos anéis nem me refiro. - Alusão ao ditado popular: "Vão-se os anéis, ficam os dedos..."

A Herança, o romance (de Alma Welt)

Meu intuito foi embelezar a vida
Por do simples coração a atitude
De malícias ou intrigas desprovida,
Sem qualquer ambição do que não pude.

Alma - dizem- tua luta pela estância
Não foi apego material, da posse o amor,
Bravura com um toque de ganância
Que define toda guerra e seu horror?

Sim, retruco (não endosso hipocrisia)
Mas o espírito encarna em quase tudo
Já que no nosso corpo ele estagia...

No casarão, seu jardim e a vindima,
E no grande Steinway agora mudo
Ouço a voz de meu pai vinda de cima...
.
19/10/2022

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Nossas Senhoras (de Alma Welt)


Para a Nossa Senhora, sim, oramos.
Mas não a qualquer uma, escolhamos:
Se for o caso, uma das boas, a dos Aflitos,
Mas nunca só por causa dos mosquitos.


Nossa Senhora do Bom Parto é também boa
Mas não a invoquemos jamais, assim, à toa,
Porque se em vão ela for incomodada,
Sem querer te verás prenha, por um nada...

Nossa Senhora dos Nós, desatadora,
Essa é demais pois é até doutora
Em dificílimos nós de marinheiro,

Pois valeu-me, enredada por inteiro
Ao desfiar-me a teia, num nó louco,
Essa Santa das santinhas do Pau Oco...
.
17/10/2022

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O segredo da vida (de Alma Welt)

Se o segredo do soneto é o mote,
O de uma vida feliz é só o amor.
Mas não desprezando o fator sorte
Podes corrigir o rumo e o andor...

Quero dizer: há erros de pessoa
Mas nem por isso guardes mágoa.
Embora também muita coisa à toa,
Por debaixo da ponte passa água.

Uma vez, por falso amor fui confrontada
Que cobrou-me o que devo e o que não devo,
E foi-se o que sobrara do enlevo...

E pra não ficar triste, envergonhada,
Comecei a tentar dançar o frevo,
Graciosa mas patética empreitada...
.
10/10/2022

A linguagem da alma (de Alma Welt)

Escrever, da alma é a linguagem,
Para quem sintoniza o seu canal.
Mas é preciso acurácia em seu dial
E à estática não dar uma vantagem...

Emita um som claro e explícito,
Mas podes abusar de adjetivos
Se barrocos forem teus objetivos
Mas quando não for é pouco lícito.

Um mestre Zen, que muito havia escrito,
De repente calou-se de vergonha
E colocou-se em pose de cegonha

Porque o mestre, relendo sua edição
Percebeu uma pobre dicção
Que deixaria o dito por não dito...
,
10/10/2022


Renascimento (de Alma Welt)

Tudo ou quase tudo me interessa
Mas não suporto bobagens, ninharias;
Tenho todo o Tempo e tenho pressa
De me livrar de uma ou duas "pizzas frias".

Conflitos, dores, rancores, dependência,
Um rol considerável de resquícios
De tempos mal vividos por carência,
E, para ser franca, por uns vícios...

Mas sobriedade e Arte triunfantes
Levaram a melhor no meu percurso,
Então nada mais seria como antes...

E agora mãos à obra, Amor requer,
Com os meus melhores versos já em curso
Que renasci como poeta e mais mulher...
.
10/10/2022

Como cantar o Amor? (de Alma Welt)

Como cantar o amor, eu me questiono,
Depois daquele parzinho de Verona,
Ou após noiva-cadáver sobre um trono
Que do fundo da terra veio à tona?

Ou da Heloiza e o Abelardo,
(só o dela que restou, ele castrado)
Ou de soror Mariana Alcoforado
Pelo uniforme de um hussardo?

Ou como o da Marília de Dirceu
Não o comunista, um mais decente
Naquela tal Vila Rica inconfidente...

Ou da bela Psiqué, livre afinal,
Por Eros que a levou ao apogeu
Com Zeus lhe dando o néctar imortal...
.
10/10/2022

A Vincent (de Alma Welt)

Vincent querido, a tristeza teve fim.
Não precisas mais ferir a tua orelha
Nem chegares ao fim de tua botelha,
Que na noite estrelada estás enfim.

Sofreste tanto que até em mim o sinto
E ainda choro quando nem devia mais
Já que bebes uma estrela de Absinto, *
Uma coisa que pintando eras capaz...

Se fizeste de ti mesmo o inimigo,
Tiveste o amor do Theo e da Johanna
Que sofriam por ver-te em tal perigo.

Mas mudando em beleza a dor humana,
Ganhaste o Céu na Terra finalmente:
Vê diante de tuas telas quanta gente!
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10/10/2022
Nota
No 
Apocalipse (8/11) de São João, a estrela que caiu na terra tem o nome de "Absinto"...

Dai-me (de Alma Welt)

Olho em torno de mim a minha vida:
Deus deu-me até mesmo um corpo belo
E uma face que me deixa comovida
Mas que o pacto narcísico não selo.

Tenho tanto a colher, Deus, dai-me tempo!
Minha safra é enorme e o tempo é curto.
Minha inspiração não é mero surto
Que se extingue como passa o vento...

Que pomar, seara imensa, que vindima!
Sempre tive ao meu redor frutos da terra
E outros tantos do astral, do céu acima...

Senhor, tanto já me dais e deslumbrada
Corro o risco do orgulho que isso encerra,
Dai-me, pois, mais humildade... e mais nada.
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10/10/2022

Quase (de Alma Welt)

Deus é quase sempre generoso,
Se nos permite da Beleza desfrutar
Ou do momento de supremo gozo
Já que a todos, quase todos, Deus quis dar.

Mas esse "quase" é que é o Mistério
Pois alguns de nós, tão desprovidos,
Parecem não ter tempo nem critério
Para fruir beleza ou gozo comovidos...

Serão esses os maus ou mesmo os brutos
Aqueles pobres por Deus abandonados,
Serão os anjos caídos por insultos?

Que sei eu... tudo é mistério neste mundo,
E perco a alegria e os bens herdados,
Se do "quase" insistir em ir ao fundo...
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10/10/2022

Tudo por aqui (de Alma Welt)

Do Paraíso descobri a macieira
Aqui mesmo no pomar da minha estância
Embora ainda fosse uma criança
E podia não passar de brincadeira.

Mas como explicar, se não me creem?
Quase impossível crer se não me veem
Levitar quando dela me aproximo,
Coisa que num tribunal, até, confirmo.

E o Santo Graal, então? Também o tenho
Transfigurado em canequinha de piá,
Que dele desde então bebendo venho...

Mas jaz presa na pedra a Excalibur,
Já que espero de mim meu rei Arthur
De um reino encantado que em mim há...
.
10/10/2022

A Permuta (de Alma Welt)

Nada mais prazeroso que compor
Um poema, um soneto ou um conto
Se nos vêm em jato, e sem dor,
Já que os colhemos nalgum ponto...

Sim, Alef, esse ponto, ou um clarão,
Como já o descobrira o velho Borges
Que cego o enxergara num porão,
Que poesia não tiramos dos alforges.

A Arte está no astral, mas nos pertence ,
Se a colhemos como fruto concedido,
Embora de tão ampla, até nos vence.

Mas somente este presente nos és dado
Pra devolvermos, talvez, o proibido,
Que Deus, de esperá-lo está cansado...
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10/10/2022

Tributo ao soneto alexandrino (de Alma Welt)

Viver é expressar-me, não m'o tirem
O direito ao soneto, que escolhi.
É meio de deixar que assim me mirem:
Nua, dentro e fora... e assim vivi.

Se é preciso que regras respeitemos,
Eu prefiro a das doze badaladas:
Meio, dia, meia noite, nas caladas,
São favas contadas, sempre temos.

Mas não são arreios, menos freios,
Apenas disciplina em liberdade,
Uma expansão por outros meios...

E no fim, livre e voando como ave,
Meu ouro é somente a dita chave
Da minha irrestrita humanidade...
.
10/10/2022

domingo, 9 de outubro de 2022

A Porta (de Alma Welt)

Também me vi, assim, em selva escura
Perdida a vera estrada, como Dante,
Acuada pelas feras da loucura,
Não podendo sequer seguir adiante...

Bah! Não me digas que "vais pagar comédia"
Como zoam "manos" fora da colônia,
Pobres diabos de obscura enciclopédia
De gírias da remota Babilônia

Quando da Torre em soberba construção
Se fez da lingua uma estranha confusão
E, pois, temos que também reconstruí-la...

Mas, ò Alma, não chegaste à grande Porta?
Só divagas, ou não pode dividí-la
Quem as próprias visões não mais suporta?
.
09/0/2022

Meu Diário (de Alma Welt)

Se tão cedo fui chamada a escrever,
No começo era apenas um Diário
De guria, bem dotada, a se rever
Como num espelho não contrário...

Assim pensava, eu, ingenuamente,
Refletindo-me em páginas secretas
Como se algo então na minha mente
Pudesse por em risco grandes metas.

Ó santíssima candura, quão naïve
Era a alma desta Alma, ingênua e pura
A assim documentar-se enquanto a tive...

Mas não! O que perdi nem mesmo sei,
Pois a Poesia em mim reina e perdura,
Que através da Arte vivo, e me salvei...
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02/10/2022

O Jogo das bolhas de sabão (de Alma Welt)

Quantas vezes tateamos na penumbra
Seguindo tão somente o nosso faro
De lembranças e do sentimento raro
Como lobos caminhando pela tundra...

Percepções difíceis, vagas e sutis
Que mal logramos, a rigor, sintonizar
Evitando as escolhas torpes, vis,
Para o nosso pensamento clarear...

Mas do quê estás falando, ó minha Alma?
Não sabes que o caminho está traçado
No solo claro e limpo da tua palma?

Tudo é Destino, mormente tuas escolhas
E não poderás senão cumprir teu fado,
Teu soprinho a formar tão belas bolhas...
.
09/10/2022

sábado, 8 de outubro de 2022

Filosofia básica, mas não barata (de Alma Welt)

Toda vida humana é aventura,
Um "triller", uma saga ou epopeia
Em que ouvimos sirenosa melopeia *
Numa nau "deitadas sortes à ventura." *

Ou pensáveis que viestes a passeio
Curtir belas primaveras e os verões?
Ou só da juventude o doce enleio
Que existe entre fêmeas e varões?

Ou então apaixonarvos, transgressivas,
Por outras belas fêmeas, se assim sois,
Ou, de machos, relações mais agressivas?

Sabei, por certo alta taxa ireis pagar,
Já que "não há almoço grátis", ora, pois
Vendeis "almoço pelo preço do jantar"...
.
07/10/2022
Notas
* epopeia/ em que ouvimos sirenosa melopeia - alusão ao episódio do canto das sereias na Odisseia, de Homero.

* Numa nau deitadas sortes à ventura - alusão aos versos do famoso poema Romance da Nau Catarineta, precursor do cordel nordestino brasileiro ( ... "já não tinham o que comer/ já não tinham o que manjar/ deitam sortes à ventura/ qual se havia de matar/ logo foi cair a sorte/ no capitão general...

Nossa Troia (de Alma Welt)

Nosso ódio é já o inimigo
Em nós, dentro de nós, contaminados,
Porquanto assim vencidos, dominados
Nós aceitamos seu cavalo, dando abrigo.

Se de noite nos assaltam, os invasores,
Os sonhos transformando-nos mesquinhos,
Acordamos meio tontos, sem caminhos,
Ou pior: apequenados, sem amores.

Já o grego muito bem nos alertara:
Não aceite uma lisonja de presente:
Olhar dente de cavalo é coisa rara

Já que olhamos muito mais a bela crina
E o talhe que olhamos docemente
Da madeira envernizada, coisa fina...
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08/10/2022

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

À Deriva (de Alma Welt)

Ser no mundo é estar no mesmo barco,
E não podes simplesmente pular fora;
Não tens como nem pra onde ir embora
Estejas no oceano ou num charco...

Do doutor Victor, o monstro remendado
Afirmou a certa altura ter deixado
Para trás toda a humana sociedade
E incendiou-se em meio à tempestade...

Não podes cair fora sem tragédia.
Cada um que o tenta é um motim:
Condenado no todo ou pela média

Hás de ficar à deriva até o fim...
Se, ao pulares, manter, pensas, a rédea,
Ao sabor ficas, das correntes... vai por mim.
.
28/09/2022

O Início da Poesia (de Alma Welt)

"Quando começaste com a Poesia?"
Enredada estou e isto é um fato:
Lembro, começou em manhã fria
Quando, desperta, calcei o meu sapato.

Não foram pois os chinelos, poetisa?
Sim... sim, é verdade, me desculpem.
Eu ainda me sentia numa nuvem
E ereta como a tal torre de Pisa

E estava em camisola, é bem verdade...
Não tinha nem tomado o meu café
E do Mundo nem lembrava da maldade.

Bem.. onde eu estava? Ah! a Poesia!
Muito boa quando já se está de pé,
Após lavar o rosto com água fria...
.
28/09/2022

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Eco (de Alma Welt)

Por que desses teus sonetos te rodeias
Como se fossem teus espelhos ideais?
Não vês que as pessoas estão "cheias"
E querem redes tão somente sociais?

Assim ouvi do meu tal grilo falante,
Eu que não sou Pinocchio nem Narciso
E não minto nunca, nem preciso
Ter meu próprio rosto como amante...

Mas então me revolto e bato o pé:
Não veem que falo de cada um de vos?
Sou mais o lago do que a flor, e não dais fé!

Alma do Mundo, reflexo preciso,
Cada um encontra em mim a sua voz,
Sou então muito mais Eco que Narciso...
.
27/09/2022

As Neves de Antes (de Alma Welt)

A Arte é minha pura água de fonte,
Não o meu rio escuro e derradeiro.
Não pagarei o óbulo ao barqueiro:
Nada devo ao par de remos de Caronte.

Pro céu eu vou, nem que seja mesmo a pau,
Como disse um Matraga das Gerais;
Meu corvo é na verdade um bacurau
E jamais me disse aquele "nunca mais."

Meu escuro é um luzir de pirilampos
Não um céu de estrelas vagas cujos lumes
Da Ursa eu nem me lembro nestes campos,

Que se não jardins paternos cintilantes,
Talvez do meu sonhar maior dos cumes
Onde estão as minhas neves, pois, de antes...
.
27/09/2022
Notas
*... rio escuro e derradeiro - o rio Letes que as almas tinham que obrigatóriamente atravessar para entrar no Hades, o reino dos mortos... ( Mitologia grega)

*Não pagarei o óbulo ao barqueiro:
* Nada devo ao par de remos de Caronte- as almas levavam comsigo um óbulo (moeda) para pagar o barqueiro Caronte para que ele as levasse na barca para atravessar o rio Letes e assim entrar no reino de Hades, onde ficariam pela eternidade.

"Pro céu eu vou, nem que seja mesmo a pau,
"Como disse um Matraga das Gerais - alusão à frase: "Pro céu eu vou nem que seja à paulada" do personagem malvado penitente no famoso conto de Guimarães Rosa , "A Hora e A Vez de Augusto Matraga" .

* Meu corvo é na verdade um bacurau
E jamais me disse aquele "nunca mais" - Alusão ao célebre poema The Raven (O Corvo) de Edgar Allan Poe, em que o corvo respondia sempre às perguntas desesperadas do poeta: "Nevermore" (Nunca mais...).
 
*Não um céu de estrelas vagas cujos lumes
*Da Ursa eu nem me lembro nestes campos - alusão ao primeiro verso do famoso poema Ricordanze, do poeta romantico italiano Giacomo Leopardi, que começa assim: "Vaghe stelle de l'Orsa, io non credeva" (Vagas estrelas da Ursa, eu não acreditava...)

*Que se não jardins paternos cintilantes - alusão ao ao terceiro verso do poema Ricordanze, de Leopardi : "Il paterno giardino cintillante..." (O jardim paterno cintilante...)

*Onde estão as minhas neves, pois, de antes - alusão ao refrão interrogativo do famoso poema "Balada das Damas dos Tempos Idos", do poeta medieval francês François Villon : "Mais où sont les neiges dantan?" (Mas donde estão as neves de antanho? "

Princesas (de Alma Welt)

Se eu fui criada, sim, como princesa,
Também mordi o fruto envenenado,
Me perdi em floresta negra, espessa,
Fui acolhida por um bando inusitado.

Toda guria nasce assim, o conto é fato,
Não somos na alma mais que isso,
E isso é muito mais que um relato
Para nos confortar sem compromisso.

A alma nos quer obras de arte,
Não há desdouro nisso, nesse plano,
E ver machismo aqui é puro engano.

Não fosse assim o "Eterno Feminino",
Não mais perduraria em toda parte
Esta nossa silhueta como um sino...
.
27/09/2022

Amor, amores (de Alma Welt)

Me pedem pra eu falar do meu amor...
Qual deles? - por minha vez pergunto
Se no fundo terei um outro assunto
Para um ponto final no tema pôr...

Ora- digo- eu e ele estamos quites;
Amor perpassa tudo quanto abordo,
Foi minha condição pra entrar a bordo
E navegar nestas águas sem limites...

Amor de pai, amor de mãe, amor perdido,
E aquele que não ousa dar seu nome
Por eterna carência ou mesmo fome.

E ocultando seu já discreto lume,
Aquele, sim, que já nasce proibido
Mas exala de mim como perfume...
.
27/09/2022

domingo, 25 de setembro de 2022

Feminismo moderno (de Alma Welt)

Tantas mulheres eu queria defender
As que de si guardiãs não sabem ser
Mas dou-me conta de que sou inadequada
Eu mesma tantas vezes ultrajada.

Confesso aplaudir como catarse
As atuais heroínas do cinema
Que dão surras nos machos sem disfarce,
Ou de "chilli" lhes aplicam bom enema...

É bem verdade que tais filmes bobos são
E que o buraco é sempre mais embaixo
E dias melhores pode ser que nem virão...

Mas conheci um enorme violinista *
Que não trocava, verdadeiro feminista,
Com sua mulher a cruz de um contrabaixo... *
.
25/09/2022
Nota
" ... um enorme violinista... - Alma faz alusão ao grande violinista alemão Erich Lehninger, homem enorme, que foi spalla de grandes orquestras sinfônicas na Alemanha e no Brasil onde viveu durante muitos anos, e que era casado com uma contrabaixista miudinha e frágil. Entrevistado uma vez na TV Cultura, o entrevistador achando graça no contraste perguntou a Lehninger se, em viagens, ele, por cavalheirimo, trocava com ela os estojos, carregando o enorme estojo do contrabaixo de sua mulher. O violinista respondeu: "De jeito nenhum! " Por quê não? insistiu entre surpreso e divertido o entrevistador. O alemão respondeu: "Porque na vida cada um deve carregar a sua própria cruz". (Gargalhada geral).

Uma breve Teogonia da Alma (de Alma Welt)

O que tenho a dizer é infinito
Porque a alma não tem começo e fim.
Se é poeira ao vento, mesmo assim
É fio de pó na luz, bem melhor dito...

De longe vem o Verbo, antes de tudo
E, então, nada sem Ele se apresenta:
É o Logos que se afirma e não comenta
A Luz que o segue como escudo...

Porém o grego ao olhar à contraluz
Vendo a dança sem fim de filamentos
Que somem e aparecem embora lentos,

Conquanto à bela Psiqué dessem a palma
Pela paixão de Eros que a conduz,
Apontavam o pó que dança: "Eis a alma!"
.
25/09/2022

Estorinha de Amor Bandido (de Alma Welt)

Todos temos um amor, eu acredito,
Alguns, como eu têm muito mais,
Embora um somente já é capaz
De redimir até um mau espírito...

"Não, Alma, tu disseste um absurdo!
Pois falta ao malvado justo o amor
E é isso que o torna cego e surdo
Ao sentido da vida, e à sua dor."

Conheci uma vez um amor bandido
Que era dele o amor, depois eu soube,
E que jaz atrás das grades redimido.

O amor dele, também soube, não o visita.
Essa a pena verdadeira que lhe coube
Mas também saudade única e bendita...
.
25/09/2022

O Coringa (de Alma Welt)

Percebi que não falei senão de amor
Ao abordar quase tudo que há na alma
Não só porque seja o meu pendor
Ou porquê nos sobrevém assim a calma

Mas também porquê estou persuadida
De que a poesia não é senão amor
Mesmo quando está desiludida
E apresenta aquele laivo de rancor

Como o queixoso menestrel de outrora
Que ostentava mesmo na roupagem
O coringa, que no truco fica fora...

Pobre andarilho que as rimas dedicou
Contra o soberbo andar da carruagem
Ou o belo carrocel que não montou...
.
25/09/2022


Auto-crítica (de Alma Welt)

Preciso escutar o meu silêncio,
Eu, que ao só falar de mim me excedo
E acabo confessando o que é segredo,
Que não devia se tornar, assim, intenso.

Sei que me querem nua e devassada
Os pudicos que vestem sobrepele
Mas também que mudariam de calçada
Só para evitar que olhar me rele.

Eu exagero, talvez, de andar sozinha
O parâmetro perdi, ou a medida,
E sintonizo uma voz somente minha.

Mas se assim pago tal preço pela Arte,
Conto ao decifrar-me a dor da vida,
Um pouco de alegria em cada parte...
.
25/09/2022

domingo, 18 de setembro de 2022

Eu, Modelo (de Alma Welt)



Eu que vivo aqui no pampa, fim do mundo,
Da Paulicéia Desvairada, sim, me lembro,
E saudades guardo dela bem no fundo,
Quando posava no frio de Setembro,

Sim, nuinha em pelo, sem arreios,
Para o meu pintor embevecido
Que se esmerava nos meus seios
Ou neste corpo todo reaquecido

Por um olhar agudo e amoroso
E as as carícias dúbias de pincel
Ocultas mas que imaginar já ouso.

Logo, finda a pose, então me erguia
E corria para olhar-me tão sem véu,
Enquanto ele, minha pele conferia...
.
18/09/2022

O perigo do soneto (de Alma Welt)


Quando o teto do soneto está aberto
Ponho-me debaixo e colho versos
Mas mantendo o passo muito perto
Para tê-los bem coesos, não dispersos.

E é assim que os tenho em catadupa
Mordendo os calcanhares do Mattoso *
Ou já cavalgando-lhe a garupa
Sem cópias e igualmente copioso...

E os belos versos já com suas rimas
Caem, pois, nas minhas mãos e na cabeça;
Só não faça isso em casa! A rede teça,

Pois um desastre pode te tirar de cena
Ou te mandar direto para Minas
Mas para uma horrivel Barbacena...
.
18/09/2022
Nota
*Alusão ao poeta Glauco Mattoso, que, como a Alma, dizem, escreveu mais de cinco mil sonetos.

A Degredada (de Alma Welt)


Se quereis saber o meu segredo
De como tenho tanta inspiração,
Revelo: decretei o meu degredo,
E escrever é obter comutação.

Escrevo versos numa África de mim
Em nostalgia de minha própria sorte,
E é por isso esse tom saudoso assim
Mesmo quando é outro o meu aporte.

Sabei, sempre achei que a nostalgia,
Se não a filha mais amada da poesia
É no mínimo a única herdeira...

E ao somar tanto assim chaves de ouro
De sonetos ajunto meu tesouro
Pra regressar à Pátria verdadeira...
.
18/09/2022

A "levada" do Soneto (de Alma Welt)


A "levada" do Soneto (de Alma Welt)
Tenho tanto o que dizer e mesmo digo
Pois sobre quase tudo me debruço
Menos sobre o fútil e o soluço
Que não de dor, pois qualquer outro não ligo.

Sou humana, quase tudo me concerne
Mas jamais perco tempo em ninharias
Que nunca acalento no meu cerne,
Que me levanto cedo em manhãs frias...

Espartana? Nem tanto, mais pra Atenas
Que de artes marciais não manjo nada
E aprecio mais a pena que a espada...

Com pão, mas sem brioches nem empada,
Por certo sobrevivo a duras penas
Pois é só de soneto minha "levada"...
.
18/09/2022

A Travessia (de Alma Welt)



A Poesia me escolheu, não fugi dela
Não me escondi, brincando de "acusado!",
Brinquei foi a Cabra Cega, olho vendado,
Esperando aquele toque que revela.

Brincar é coisa séria, se és criança,
Mas a vida não está pra brincadeiras,
Exceto para a Dança das Cadeiras
Que é do mundo a cruel e dura dança.

Fui ao mundo, voltei, tentei de novo,
Algumas vezes caí da tal cadeira:
Não sabia por de pé meu pobre ovo.

Mas depois, levantei, meio quebrada,
Erguendo velas não sacudi poeira,
Atravessei de mim meu próprio Nada...
.
18/09/2022

Resumo da ópera (de Alma Welt)


Quanto eu quis deter o Tempo! Quantas vezes!
Nos momentos felizes, de um segundo
Ou de poucos dias, poucos meses,
De um transcorrer pleno e fecundo...

Aproveitei o pano, o intermezzo,
Fugi da opereta nesse instante;
Não liguei pra aparências que não prezo,
Larguei na platéia o falso amante...

Nunca fui uma Dama das Camélias:
Tenho bons pulmões e pouca voz
E nada da verdade das Amélias...

O que fiz então? Vos perguntais?
Eu que abri o coração pra todos vos,
Sei também que abri os braços muito mais...
.
16/09/2022

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

De pelos e cabelos (de Alma Welt)

Meus amigos lá se foram pela vida
E não houve nenhum meio de retê-los,
Nem pela gratidão talvez a dívida,
Nem por meio de seus cachos de cabelos.

Foram-se todos qual aves arribadas
Buscando aqueles sonhos impossíveis;
Nunca mais lhes ouviria as risadas
Cobrindo as suas dores mais visíveis.

Mas depois de uma década perdida
Ainda me veria enternecida:
Encontrei, naquela tal confeitaria,

Só um deles, de que não guardei cabelos
Mas meia dúzia de pubianos pelos,
Pelos quais eu apostei que voltaria...
.
21/08/2016

Eu e os Poentes (de Alma Welt)

Aqueles que me veem aqui sentada
Nesta arcaica cadeira de balanço
Nem cogitam que me encontro num remanso
De uma vida intensa, atribulada.

Sigam o meu olhar e o quê reflete
Como um cristal, espelho cristalino,
E saberão que minha alma se remete
Àquelas luzes do acenar divino...

Sim, os poentes, a que não irei faltar
Pois jamais salto conta de um rosário,
Que nunca é mera pedra de um colar...

Que eu jamais perca o senso do sagrado
Ou trate como um acidente vário
Este aceno de Deus pra ser lembrado...
.
12/09/2022

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Como capturar a Poesia (de Alma Welt)

A poesia só nos vem quando ela quer,
Não adianta forçares, laborioso,
O poema é um ovo em pé, teimoso,
E que nenhum navegador domou sequer.

É preciso captá-la com antenas,
Porque vem nos ares dissolvida;
Em comodato nos é dada, apenas,
Quando mais nos parece adquirida.

É preciso que te ponhas meio sonso,
Semicerrado o olho, distraído,
Com cara não de André mas só de Afonso; *

A Poesia vem então baixando lenta,
Versos sussurrando ao pé do ouvido,
Visitante tão arisca... que nem senta.
.
06/09/2022
Nota
* Com cara, não de André... - alusão à gag nonsense de Mario de Andrade, no seu Macunaima: "...fez uma cara de André (André era um vizinho...) rrrrrssss

sexta-feira, 27 de maio de 2022

A Montanha Rosa (de Alma Welt)

                                Alma diante da Montanha Rosa - o/s/t , 2021-2022

A Montanha Rosa (de Alma Welt)

A tal Torre era então montanha rosa
A que a minha velha bá se referia
Quando eu era a guria imaginosa
Que viajava em sonhos de coxia:

De mim o palco eu um dia assumiria,
A primeira atriz da trupe inteira,
E como não estou pra brincadeira
Sempre o melhor papel encarnaria.

Mas a vida dá lições de humildade
E na grande Babel de uma cidade
Logo perdi-me em meio à multidão

E da torre as mil linguas já se ouvia
Numa imensa e dolorosa algaravia,
E vi de Deus a decantada maldição...
.
27/05/2022

Mares do meu rei (de Alma Welt)



Na Praia - o/s/t de Guilherme de Faria, 2021, 40x50cm 

Mares do meu rei (de Alma Welt)

Eu vi na praia um bote descansando
Pintado, novo, junto a rochas luzidias
E pensei-me logo nele navegando
Para as nobres e encantadas ilhas,

Aquelas da imaginação guria,
Quando ao mirar as ondas da coxilha
Eu sonhava o mar que eu jamais via,
Sendo que de um mar eu era filha.

Então logo quis voltar às pradarias
Onde eu já navegava a sotavento
E avançava bem melhor nas calmarias...

E eu então reconciliada retornei
Àquele mar perdido que acalento,
Onde o velho Minuano é que é o rei...
.
27/05/2022

terça-feira, 29 de março de 2022

Me perguntaram (de Alma Welt)

Me perguntaram se tenho algum amor....
Mas amor mesmo, dizem... carne e osso.
Eu respondo: "Não sou "carne de pescoço",
Pois amo tanto que já morri de amor..."

Estou até rimando amor com amor...
Como ousam a mim tal coisa perguntar?
Cada palavra que profiro é uma dor,
De tanto amor, de tanto o amor amar.

"Caramba, Alma, nos estás levando a mal!
Percebemos que tocamos na ferida
Mas veja, és também a nossa vida..."

"Pois o quê é o poeta senão isso?"
Eu então baixo esta "cabeça universal"
E choro por nós todos desde o início...
.
29/03/2022

domingo, 27 de março de 2022

Assum-preto num toco (de Alma Welt)

                                   Assum-preto da tarde - o/s/t de Guilherme de Faria, 2013, 30x40cm 


Assum-preto num toco (de Alma Welt)

Assum-preto num toco observando
A queimada muito longe na chapada
Foi a visão que retive desolada
Nas retinas e que vem de vez em quando...

Então pedi ao meu pintor que registrasse
Esse sonho acordado, numa tela,
Para que de me assombrar logo parasse,
E pra tal acendi até uma vela.

Porém quando a tal telinha ficou pronta
A beleza já a tinha conquistado
E nos apresentava a sua conta.

Assim é sempre a Arte e a Poesia:
Só querias dar apenas um recado,
Mas o "como", não o "quê, o transcendia...
.
26/03/2022

A Memória (de Alma Welt)

A memória é tudo que eu possuo.
Nada mais é meu, nem corpo e alma,
Estes a Deus somente eu atribuo,
Mesmo a linha mestra da minha palma.

"O futuro a Deus pertence", mas lembranças
ELE não liga já que são tão pessoais
A não ser quando nos doem, assim, demais
E sugerem uns pecados e lambanças...

Cada folha, seca ou verde Deus comanda:
Nada cai sem Sua ordem, nem farfalha,
E no palheiro Ele está em cada palha.

Mas lembranças? Eu as guardo humildemente.
Pra pecadilhos meio fora de demanda
Meu Senhor faz vista grossa, felizmente...
.
27/03/2022

quinta-feira, 24 de março de 2022

Pequena Fábula Pictórica (de Alma Welt)

                                O Pintor- desenho de Guilherme de Faria, 70x50cm, 1974

Pequena Fábula Pictórica (de Alma Welt)

Como artistas só fazemos o que somos,
Não há como falsear fazendo arte.
Se forçando ou procurando noutra parte
Colheremos simulacros, falsos pomos.

Um pintor cansou de si num certo dia
E a pintar como seu mestre começou.
De tal modo acreditou no que fazia
Que a si mesmo, com agrado, se enganou.

Pelo seu mestre então foi visitado
Que lhe disse: "Estás pintando muito bem.
És um bom imitador, fico encantado... 
"
E o pintor, de repente envergonhado,
Recomeçou a pintar inconformado
Já que a pintura é só terra de ninguém.
.
24/03/2002


quarta-feira, 23 de março de 2022

A Mancha (de Alma Welt)

 

Grande Nu (Alma Welt) - o/s/t de Guilherme de Faria, 1990-2018, 140x120cm


A Mancha (de Alma Welt)

Pro meu pintor posei desnuda a me despir
Em pose improvável e caprichosa,
Jarrão com flores, talvez pra distrair
De uma mancha no tecido, capciosa...

Meu pintor é realista, sem malícia,
Mas cobriu-me sutilmente aquela parte
Mas traiu-se ou me traiu com sua arte:
Uma mancha de carinho ou de sevícia...

Perdoei-o e até ri da sua saída
Com a feminina intimidade captada,
A mais funda numa obra já exibida,

Que vendida afinal foi devolvida,
Por comprador e sua esposa indignada:
"Sua modelo, senhor, tá menstruada!
.
23/03/2022
________________________

Nota
Esta história é absolutamente verdadeira. Esta tela foi vendida e depois de alguns anos foi trocada pelo colecionador por outra tela minha, porque sua esposa não a suportava, porque via nela uma mancha de menstruação, nuns toques vermelhos do panejamento. A tela está comigo até hoje e hesito em apagar o tal vermelho...
(Guilherme de Faria)

A Náufraga (de Alma Welt)

Naufrágio - o/s/t de Guilherme de Faria, 2021 50x40cm


A Náufraga (de Alma Welt)

Como barca que a tempestade encalha
Estive desolada algumas vezes,
A esperar dos ventos e revezes
Qualquer areia que afinal me valha...

Não me queixo, estou apenas recordando,
Sobrevivente orgulhosa de remar,
Embora exausta depois sair andando
Como uma Crusoé de outro lugar...

Pois como aquele refiz a trajetória
De toda humanidade passo a passo
Dentro em mim, que me dei tal moratória.

E afinal o meu percurso culminei
Com a tal liberdade de um abraço
Em mim, que fui fiel e me encontrei...
.
23/03/2022

Oroborus (de Alma Welt)

Se tudo na minha vida foi retorno,
Para isso tive então que andar pra frente
Mas não só mordi a cauda qual serpente:
O caminho me fazia olhar em torno...

Báh! E como foi belo o meu caminho,
Que, artista, para ele tive olhar...
Mas olhar desvelador do comezinho,
E até de reis que eu soube desnudar...

Mas não fui palmatória do universo,
Que moderei-me o crítico severo
Optando escolher o bom e o vero

Como quem deixa o resto, displicente,
Ou sílabas que excedem no meu verso,
Busquei rimar a vida, simplesmente...
.
23/03/2022

terça-feira, 22 de março de 2022

Nem Narcisa nem Medusa (de Alma Welt)

                      Alma Welt como Perséfone - o/s/t de Guilherme de Faria, 2020, 60 cm de diâmetro

Nem Narcisa nem Medusa (de Alma Welt)

Vivo e durmo qual se o mundo fosse bom
E desperto nas manhãs espreguiçando,
Quero dizer que a manter o mesmo tom,
Se não apaixonada, muito amando.

Na verdade meu amor é por mim mesma
Mas lhes peço não me acusem de "narcisa",
Refletida não sou minha abantesma,
Meu espelho é ser esta poetisa...

Na verdade minha beleza foi percalço
Confundindo alguns leitores pelo olhar:
É com ela que nas mentes eu me alço?

Meus cabelos são de fogo, não serpentes,
Sim, sou boa, embora cheia de repentes,
Os que me amarem não irei petrificar...
.
22/03/2022


Mito e coragem (de Alma Welt)

"Pra viver é só preciso ter coragem",
E meu pai a teria como um ogro,
Reconhecendo porém a desvantagem
Da mulher, que a necessita em dobro.

Pois saí com a cara e a tal coragem,
Fui ao mundo que nos livros eu amava
Mas que ao vivo era só sede e voragem
(é verdade que a cara me ajudava...)

Olhos cinzas de uma doce nostalgia,
Cabelos ruivos que não herdei de Ana *
Mas de uma estirpe de região mais fria,

Meio caminho andado, eu admito,
Rosto branco de fina porcelana,
E portas já se abriam para o mito...
.
21/03/2022
Nota
*Cabelos ruivos que não herdei de Ana - Alma se refere {a sua mãe Ana Morgado Welt, de estirpe açoriana, de cabelos negros. Os cabelos ruivos da poetisa vem dos Welt, germânicos...
Neste soneto, Alma admite que sua beleza física a ajudou a conquistar um público e a criar seu mito, o que me parece válido num mundo em que a beleza agora corre perigo...

segunda-feira, 21 de março de 2022

O Poeta (de Alma Welt)

Pensar a vida e a morte é meu mister:
M'o arroguei quando ainda era guria
Que com as outras contar o mal-me-quer
Era só o que esperavam e eu devia...

O Poeta tem estranhos fortes ombros
Para arcar com o peso deste mundo
Sendo escriba à margem dos escombros
Com, dos anjos, o coral soando ao fundo.

Então penso que me alego vãos poderes,
Que o poeta é um simples serviçal
Que só entrava pela porta do quintal

E nos castelos comia com os criados;
Ah! Bebia e farreava sem deveres,
Com os versos e os dias seus contados...
.
21/03/2022

domingo, 20 de março de 2022

A Porteira (de Alma Welt)

"Dar conselhos eu me esforço para evitar
Embora o tenha feito alguma vez;
Uma palavra solta ou fora do lugar
É uma porteira aberta e vai-se a rês..."

Assim me disse meu pai fazendo gênero
De "galtcho" estancieiro de bombacha
(este seu, na verdade, lado efêmero),
Sendo mais para Tolstoi na sua "dacha".

De muito poucas reses mas mil livros
E um negro e caudaloso Steinway,
Era um último romântico entre os vivos.

E eu que o tinha entre os sábios,
Conselhos mesmo, de verdade, nunca dei:
A porteira com que Deus selou meus lábios...
.
20/03/2022

domingo, 6 de março de 2022

Anima Mundi (II) (de Alma Welt)

Pensar muito estraga a pele - ela dizia-
Minha mãe, alta, bela e elegante,
Embora com a ponta de ironia
Que me deixava ainda mais distante.

Já meu pai, me queria inteligente,
Não de língua afiada de comadre
Ou pontificante como um padre,
Mas trocando as lentilhas pela lente.

Conquanto sem menosprezar a prosa,
Pondo o saber a serviço da poesia,
Sem falsear os espinhos de uma rosa...

Ao trocar a superfície pelo fundo,
Eu já estava em minha própria Economia:
Alma de mim, também Alma do Mundo...
.
06/03/2022

quinta-feira, 3 de março de 2022

O Espéculo (de Alma Welt)


                                    Alma Welt - o/s/t de Guilherme de Faria, 2020, 60cm diam.

O Espéculo (de Alma Welt)

Contra a tal nostalgia me rebelo,
A saudade irmã dileta da tristeza,
A prisioneira da torre do castelo
Apesar de toda a sua beleza..

Báh! Alma, tuas figuras de linguagem
Traem todo romantismo que há em ti,
Responsável por te colocar à margem
Como o salgueiro mais choroso que já vi.

Chega! Para! Retorna ao nosso século!
Pensas que o Mal, olhando-se no espelho
Sabe de ti por aquele franco espéculo?

Bem... o contraste do cabelo tão vermelho
Com a brancura impossível de tua pele...
Não admira que fatal destino sele.
.
03/03/2002

terça-feira, 1 de março de 2022

A Eremita (de Alma Welt)

Há muito, onde quer que eu pouse olhares
Nasce um verso, sonetos, um artigo...
"Báh! Lá vens tu de novo a te gabares",
Suponho exclamar logo um inimigo

Ou amigo, não sei, faltam-me as provas
De sucesso verdadeiro ou de fracasso:
A solidão só me fornece novas trovas,
Seu faro pro prestígio é meio escasso.

Eis a sina de eremita do poeta,
Repetindo sua oração dileta
Mas com vocabulário à saciedade.

Sim, sei que até me alcançam no deserto,
E enquanto ouço uns aplausos da cidade,
Mastigo um gafanhoto pouco esperto...
.
01/03/2022

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Anima Mundi ( Alma Welt)

Confesso, não há nada mais extremo
Que viver a vida em liberdade;
Um passo aquém dela, na verdade,
E uma falsa paz será teu prêmio.

Ora, Alma, lá vens tu com mais dilema!
Não consegues deixar de questionar?
Não consegues só levar a vida amena,
Escrever teus belos versos e os mostrar?

Talvez tenha perdido minha inocência
E nem mais consigo simples colher flores
Sem lembrar Ofélia em sua demência...

Já que eu carrego o mundo no meu nome, *
Não dou um passo que não contenha dores:
Guerra e paz, abundância e também fome.
.
28/02/2022

Nota
"... carrego o mundo no meu nome - pra quem não sabe, a palavra Welt (pronuncia-se Velt) é alemã significa Mundo. Alma Welt quer dizer Alma do Mundo, "Anima Mundi" em latim, é arquetípica, representa a alma feminina que perpassa o mundo, o regenera e redime.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Orgulho e sinceridade (de Alma Welt)

Nunca tive pena de mim mesma,
Tive é que me livrar do meu orgulho,
Coisa fácil de seguir até no entulho
Luminoso como rastro de uma lesma.

Entulho? Ora, sim... de pecadilhos
E alguns outros defeitos desprezados,
Mas que quando assim acumulados
Parecem os coelhos tendo filhos.

Alma, vê: não desças tanto lá de cima
Não estás sendo sincera em demasia?
Não confundas humildade e baixa estima.

Deus sabe o tanto que a ti mesma burilas,
Não o rosto no cristal da tua pia
Mas sincera em cada verso que desfilas...
.
26/02/2022

Olhai as flores (de Alma Welt)


                                      Fantasia floral (ou As flores da avó Frida) -o/s/t 2022,70x50cm 


Olhai as flores (de Alma Welt)

Vivo, sim, em eterna vigilância,
No que for concernente à minha alma,
Que me foi dada, eu sei, em confiança,
Para levá-la de volta sem um trauma.

Mas "trauma" é sonho, dizia minha avó *
Se referindo da palavra a própria origem
Na sua aldeia, de onde saiu só
Pra encontrar com meu avô, ainda virgem.

E zelaria por mim muito mais tarde,
Preservando não a minha inocência
Mas a própria chama que em mim arde.

"Minha Alma"- ela dizia- "olhai as flores
E mantenha como elas vossas cores
Até o fim, tudo mais é excrecência"...
.
23/02/2018




A bronquinha de Deus (de Alma Welt)

Se demais penso na vida fico triste...
Proibido foi o Fruto e não à toa;
Ainda vejo Deus de dedo em riste
E rezo pra que a culpa não me roa.

Digo assim: "Senhor Deus, releve aquilo,
Não nos guarde rancor, deixa pra lá!
Não filo mais maçãs, mudei de estilo,
Plantei mesmo um lindo pé de manacá."

"Mesmo assim Deus um dia me deu bronca,
Ou só ralhou, mas como quem acalma:
"Alma,"- (rima falsa... ai!)- "és mesmo tonta,"

"Tu me cobras todo dia esse teu trauma...
De meus Mistérios, não paro pra dar conta,
Mas não vês como acalento a tua alma?"
.
26;02/2022

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Traduttore-traditori (de Alma Welt)

Para viver só preciso de beleza.
(não falarei pois de água nem comida),
Mas só daquilo que, dizem, não põe mesa
E que é a só razão da minha vida.

A Beleza é a Verdade e vice-versa, *
Melhor dito o grande Keats decretou
E não contente no final acrescentou
Que é tudo pra saber, sem mais conversa. *

Sei que estou trocando a libra por reais
Nem sequer da realeza da rainha
Ou monarca de outros tempos ideais..
.
"Bah! Alma, estás trocando é em miúdos!
Sabemos bem que preservas conteúdos,
Mas a beleza só o original continha..."
.
25/02/2022

Nota
*A Beleza é a Verdade e vice-versa, *
*Que é tudo pra saber, sem mais conversa - Alma propositalmente popularizou em português os famosos versos finais da célebre "Ode A Uma Urna Grega" do poeta romântico John Keats, de maneira um pouco gaiata, para fins de demonstração da diminuição da beleza com a perda de forma original na tradução.
No original os versos são assim: "Beuty is truth, truth beauty"- that is all/
Ye know on earth, and all ye need to know."
Mas, na verdade, a Alma reconhece a beleza da tradução primorosa de Péricles Eugênio da Silva Ramos:
" A beleza é a verdade, a verdade a beleza"- é tudo
O que sabeis na terra, e tudo o que deveis saber.

Puro amor (de Alma Welt)

Quando guria eu era puro amor,
Assim, a esmo, amava todo mundo,
E me magoava também, com igual candor
Que perdurava menos de um segundo.

Sintonizada então no "modo" amor
(como se diz das coisas hoje em dia),
Alegre e inocente persistia
Deixando para trás mágoa e rancor...

Ah! Estais esperando uma catarse,
Uma revelação ou uma vingança?
Pensais que meu amor era um disfarce?

"Não sei vocês" (como, aliás, o povo diz)
Mas não pus o meu amor numa balança,
E nem teve um voo curto de perdiz...
.
25/02/2022

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Retorno ao Ninho ( de Alma Welt)

Sempre quis voltar para o meu ninho
Que não é somente a estância, o casarão,
Mas o interior da alma e o coração
Do poeta que nem deixarei sozinho...

Eu disse: olha, eu sei quanto me gostas.
Me arrancaste do interior, não das alturas,
Sou tua anima, me vias só de costas *
Nesses teus belos desenhos e gravuras...

Me devolva e continuo dentro em ti.
Inventa-me um acidente pros leitores,
Mas, te peço, não capriches nos horrores...

E afogaste-me naquele poço, a sério, *
Acrescentando a mim mais um mistério,
De meu desejo o desfecho não previ...
.
23/02/2002
__________________________

Notas

* Sou tua anima, me vias só de costas
Nesses teus belos desenhos e gravuras -
Na sua obra completa , volume 18, página 412, CARL JUNG escreveu:
"No topo da gravura está a personificação do inconsciente, uma figura de anima nua que se vira de costas. Esta é uma posição típica: no princípio da objetificação destas imagens, a figura de anima frequentemente vira-se de costas. " CW 18, §412

*E afogaste-me naquele poço, a sério
- em 210 de Janeiro de 2007, depois de uma série de sonetos em que angústia da Alma parecia estar crescendo dia a dia, eu recebi dela o soneto intitulado "A Carruagem", uma nítida despedida da vida, uma perceptível vontade de ir embora. Fiquei deprimido, senti que a Alma ia morrer e , veio-me a seguir a visão dramática de seu afogamento no "poço da cascata" de sua estância. Postei como sua irmã Lucia Welt a notícia trágica pormenorizada em detalhes romanescos na página da Alma no Recanto das Letras, o que motivou um grande choque (a Alma já era uma da estrelas daquele portal) e em seguida, com o desmentido indignado do Editor, um escândalo, culminando com a expulsão póstuma (!!!) da Alma, e minha, daquele portal (episódio incrível que já narrei aqui no face há tempos atrás).
 
*Acrescentando a mim mais um mistério- Na narrativa da Lucia Welt, fica uma ambiguidade, uma dúvida até hoje não solucionada, se se trata de suicídio ou assassinato, pois a Alma estava nua, com uma corda no pescoço amarrada a uma grande pedra ancorada no fundo do laguinho cristalino ( o "poço"), Como ela tinha a parte inferior dos braços, esfolados, poderia tanto ser ferimentos de defesa ou da pedra áspera amparada ali, escorregando para as águas.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

"Les Feuilles Mortes" * ou O Último Outono (de Alma Welt)

Chego a pensar que construo minha vida
Soneto por soneto, não o oposto...
Mas, pensando bem, quem não duvida
Das Memórias que tão bem caem no gosto?

Eu realmente não sei onde começa
Ou acaba minha vida verdadeira.
Acaso, existe mesmo essa fronteira,
Estarei para mim mentindo à beça?

Não, não creio... é sempre a alma
Que dita o rumo até por linhas tortas
E não há como falsear linhas da palma...

Tudo aquilo que o coração aborda
Como outono que mais ninguém recorda,
Permanece, até mesmo as folhas mortas...
.
21/02/2022

Nota
*Les Feuilles Mortes - titulo da célebre canção francesa composta em 1945 por Jacques Prévert e Joseph Kosma, e que foi interpretada por Edith Piaf nos anos 50 e revivida nos anos 60 pelo cantor-ator Yves Montand. Na verdade, a canção é tão célebre que foi interpretada em francês e na sua versão inglesa, por todos os grandes cantores desde então.
Entretanto a Alma a homenageia com o título mas se refere às "folhas mortas" em outra acepção bem diferente.



Nem raposa, nem as uvas (de Alma Welt)

Sei bem que para pouca gente escrevo,
Não me iludo pois tenho os pés na terra;
Sou "da" pampa onde tanto gado berra,
Mas até pra um só leitor sinto que devo.

Que me importa se a plateia é reduzida!
Mas não sou como a raposa sob as uvas
E não pauto por despeito minha vida,
Nem saudosa, demais, como as viúvas.

Do sucesso que eu tinha com os meus,
Guardo dos bons momentos mesmo o cheiro,
Estão comigo e não preciso dar adeus.

Um passarinho canta porque existe
Não é preciso seduzi-lo com alpiste...
Vou cantando nem que seja no chuveiro.
.
21/02/2022

Autoajuda (de Alma Welt)

Ando muito só e triste, Deus me cuide...
Foram-se todos os que me eram caros,
E daqueles bons amigos, muito raros,
Vi pequenas traições, mas amiúde.

Ora, Alma- digo então para mim mesma-
Estás aí a te queixares, que vergonha!
Agora és para ti tua abantesma,
Em vez de só molhares a tua fronha.

Mas Rodo, meu irmão que é meu esteio,
Meu coração perdido de si mesmo,
Caiu no mundo a jogar dados a esmo...

Mas Alma! - a resposta a mim me veio...
Não há dados novos, te dás conta?
Tua vida é tão rica... e nasceu pronta.
.
21/02/2022

domingo, 20 de fevereiro de 2022

A Estrada Sem Fim (de Alma Welt)

Se é difícil viver em sociedade,
Viver sozinha a vida é mais ainda.
É como andar numa estrada que não finda
Se no fim não chega a uma cidade...

"Não, Alma"- disse o Mestre- "é ilusão.
A vida é muito mais o caminhar,
Chegar a uma cidade é que é parar.
Até morrer pra quem andar na contramão..."

Então olhei o mestre assim de esguelha
E notei que sua lábia consistia
Em dizer o que lhe vinha assim na telha.

E convencer meu solitário coração
Foi fácil para o mestre que me ouvia:
O seu aval pra eu voltar à solidão...
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20/02/2022

Expressionismo alemão (de Alma Welt)

Meu pai cobria as paredes de pinturas,
Belos quadros de pintores excelentes
Que nos davam, na abordagem das figuras,
O real visto bem sob outras lentes.

"Expressionistas"- didático dizia,
Apontado as expressivas distorções
Conquanto a diferença eu já não via
Entre aquilo e meu mundo de emoções.

Então ao escrever os meus versinhos
Eu olhava para dentro com um olho,
O outro olho voltado pros vizinhos...

E meu pai aprovava admirado,
Confirmando que o sabor vinha do molho
Naquele meu versejar de pé quebrado...
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20/02/2022

sábado, 19 de fevereiro de 2022

O Flagrante (de Alma Welt)

Sempre tive muito medo de morrer...
"Tanatofóbica", diria, mas nem tanto.
Observo, com alegria e não espanto,
Um velho tronco desgalhado florescer.

Tenho uma pontinha de esperança
De merecer de novo um Paraíso
Desde que seja igual à minha infância
Sem mais sofrer de novo um mau juízo.

Confesso sofri muito o tal flagrante
De sermos pegos peladinhos no Jardim
E aquela dor me volta a todo instante...

Pela orelha arrastada ao casarão,
Chorando e me cobrindo com a mão,
Ai Me! (diria o grego)... Ai de mim !
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19/02/2022


De volta ao Jardim (de Alma Welt)

Retornar ao meu Jardim como inocente,
E garanto estar ainda pura e igual,
Pois ao contrário de tanta boa gente,
Nem aceito o tal "pecado original"...

Tão previsível... Quê raio de pecado?
Eu em minha candura virginal,
Junto a mim meu belo irmão pelado,
Em simples brincadeiras de quintal...

"Ora, Alma, estás pegando no concreto,
É tudo alegoria, não percebes?
Não deves tanto assim olhar de perto.

Ao violar o Fruto da Ciência,
Iguais parcelas de Bem e Mal recebes;
Agora é tarde, Inês é morta... Paciência..."
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19/02/2022