segunda-feira, 29 de abril de 2013

O Exílio (II) (de Alma Welt)


Cavalinho de Tróia- desenho de Guilherme de Faria, anos 80
 
O Exílio (II) (de Alma Welt)

Não nos é dado saber a nossa Sina,
O que nos dá a sensação iniludível

De pobreza no fundo de uma mina
Ou na biblioteca do Ilegível...

E sentimos a falta de um pedaço
No coração, ou o que é o mesmo,
Na alma, a andar à malta ou a esmo
Qual se para voar faltasse espaço...

E como Eneias* clamamos no exílio:
“Até quando, bom Zeus, continuaremos
A caminhar até fundar a nova Ílio?" *

E não mais pertencemos a esta vida
Já que o grande engodo percebemos
Da Terra Nostra ser tão desconhecida...



  Notas
* Eneias - personagem da Mitologia grega, guerreiro troiano que comandou um grupo de de sobreviventes da destruição de Tróia pelos gregos e peregrinou anos até chegar à Magna Grécia (Península Itálica). Seus descendentes, Romulo e Remo fundaram Roma. O poeta romano Virgílio escreveu sua saga no grande poema épico Eneida.

* Ílio- O nome antigo da cidade de Tróia (daí " Ilíada" , poema épico de Homero que narra os lances dessa célebre guerra, antes considerada mítica
, mas provada histórica pelo arqueólogo amador alemão Heinrich Schliemann, no século XIX.
 


quarta-feira, 24 de abril de 2013

"Faça o que eu digo..." (de Alma Welt)





                                      Mad Mag - litografia de Guilherme de Faria, 1977

"Faça o que eu digo..." (de Alma Welt)

Para viver é preciso fazer pacto
Mas com a própria vida, que não outro.

Para lidar com o mundo, muito tato,
Como quem vai amansar um bravo potro.

A vida requer muita experiência
E não dá muita moleza pros novatos.
Para ultrapassar tanta exigência
Tens que engolir sapos e alguns ratos.

Mas na hora que entrares na ciranda
Acerte o passo e não saia da cadência
Se não queres levar vida de varanda.

Digo isso desinteressadamente,
Que do balanço preferi a indolência
De onde vem minha poesia, docemente...

Velhice (de Alma Welt)

Rembrandt- Auto-retrato 1661

Velhice (de Alma Welt) 

A grande vantagem da velhice
É justamente o tempo ter passado,

Da juventude ter deixado a idiotice
E as tolas ilusões posto de lado.

É verdade que alguns velhos são fúteis...
Alguns? Não, na verdade a maioria,
Jogando cartas e palavrório inúteis
Ou bebendo no balcão da padaria.

Mas me refiro aos seus termos ideais:
A velhice que só o espelho evita
Por ver claro as rugas e os sinais.

E sabendo que de todas, numa vida,
Somente uma é a hora da desdita,
Talvez menos, um segundo, uma partida...

Na Velhice (de Alma Welt)


                                                                        O Tempo - Salvador Dalí

Na Velhice (de Alma Welt)

Na velhice vamos nos abandonando
Na doença e decadência dos sentidos.
Deus nossos privilégios vai tirando,
A recordar nossos belos tempos idos.

Dizem que o paladar com seus sabores
Nunca vai nos deixar, velhos gulosos.
Também resta a memória dos amores
Aos que ainda permanecem amorosos...

Então, pouco perdemos, na verdade
A não ser de nossas formas a beleza,
Que por dentro mantemos a acuidade

E definidos continuam nossos sonhos
Que no espelho voltam com clareza,
Exceto os falsos, feios e tristonhos...

terça-feira, 23 de abril de 2013

Meta-Soneto de Amor (de Alma Welt)





                                            La Sirena - Giulio Aristide Sartorio 1893

Meta-Soneto de Amor (de Alma Welt)

Se puderes evitar falar de amor,
É uma boa providência na poesia,

Pois está banalizado, é um horror,
Tanta pieguice já se tornou orgia.

Engana-se quem pensa que o poema
Foi feito para celebrar dois pombos...
É mais sobre o barco que ele rema
Enquanto a parceira tapa os rombos.

Mas o amor que cria e que constrói,
Que sabe que “ninguém é de ninguém”,
E a quem o ciúme torpe nunca rói,

Este é o amor entre os amores
Que as estrelas move e o sol também,
E nem pensem que o vou rimar com dores...

domingo, 21 de abril de 2013

Sonhos de Varanda (de Alma Welt)


Não erguerei a voz contra o destino
Como antes o fizeram bons poetas
Imprecando contra o fado, em desatino,
Quase sempre pelo amor e suas setas...


Mas, báh! Solidão minha, és dura irmã
Pois não te distingues de mim mesma
Que não sou boa companhia de manhã
E de noite sou só minha abantesma.

Todavia não entendam como queixa
Pois a minha fantasia é renascer
E tal como um samurai ou uma gueixa

Se eu pudesse noutra vida retornar
Meus sonhos escolhendo a bel prazer
Nesta cadeira da varanda, a balançar...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

À Irreverência (de Alma Welt)


 
À Irreverência (de Alma Welt) 

Saudemos a sagrada irreverência
Das conversas gratuitas e risonhas,
Jogadas depois fora sem clemência
E nem sequer levadas para as fronhas!

Viva tudo o que é claro e sem conflitos
Entre as tantas paredes que nos cercam,
Bem longe do universo dos aflitos
Ou daqueles cujas vozes só altercam.

Honra ao simples e sem solenidade
Que não vive nas sombras de uma fenda
E tampouco às margens da saudade.

Pois a tristeza do homem é afronta
À luz azul do céu que é nossa tenda,
Que não armamos e entramos nela pronta...

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Os Olhos da Noite (de Alma Welt)


                                 Os Olhos da Noite- óleo s/ tela de Alma Welt, 40x40cm

Os Olhos da Noite (de Alma Welt)

A barcaça da noite tem mil olhos
E navega silenciosa pela teia
Do espaço coalhado dos abrolhos
Que torna perigosa a lua cheia.

Vou com ela remando à contra-luz
Seguindo uma rota cega e louca
Que me exige uma espécie de capuz,
De mim, que nem sequer durmo de touca.

Mas as sombras escondem mais mistérios
Tal como em pleno sol a vida escura
A erguer campos de trigo e cemitérios...

Seguimos, pois, a remar contra a maré
Como vikings cobertos de armadura
Pois aqui é o fim do mundo e não dá pé...
 


O Concerto (de Alma Welt)


                                                   Sala São Paulo- OSESP - foto Filipe Redondo (agência f8) 

O Concerto (de Alma Welt)


Quê grande concerto é a nossa vida,
Sejamos músicos ou espectadores,
Mesmo parte da platéia comovida,
Depois no WC grandes cantores.

Importante é mesmo o entusiasmo
Com que todos abracemos movimentos
Alternando sempre o nosso pasmo
Entre as calmarias e os tormentos.

Que o adágio, mesmo triste, seja belo,
Seguido de um saltitante scherzo
Para tímpano, viola, violoncelo ...

O final que seja “presto con fuoco”
Com toda a grande orquestra em peso
E que um só bis pedido seja pouco...
 

Elogio da Estética (de Alma Welt)


                                        "Solidão"-  painel esquerdo do  tríptico "Cabeças Metafísicas", 1991- 
                                                     óleo s/ tela de Guilherme de Faria,140x120cm

Elogio da Estética (de Alma Welt)

Só na Beleza a vida tem sentido,
O resto é puro lixo ou desfastio;
O belo na Verdade está contido
Que somente na Estética confio.

A Feiúra só é boa quando é bela,
E isto é um pouco mais sutil
Desde que o Banal desista dela
Que com a Vulgaridade forma um trio.

O Terrível também tem a sua beleza
Já que sustém a espada por um fio
E isso nos restaura a realeza.

Vamos então deixar tudo como é
Pois se tiramos uma vírgula ou um til
Nossa razão desperdiçamos, de ter Fé...
 

domingo, 14 de abril de 2013

Destino (de Alma Welt)



                      A Barca da Alma -- óleo s/ tela de Guilherme de Faria,2013, 33x46cm

Destino (de Alma Welt) 

Temos somente nossa vida pra viver
Malgrado nosso vasto imaginário
Que em geral nos promete o contrário,
Isto é: todas as vidas a escolher.

Pois a prisão não é da mente, é do destino,
Do meio, da cultura, do ambiente
Mas sobretudo da tal conta corrente,
Que é badalo a que falta justo o sino.

Então somos pelo corpo limitados,
Pela face ou pelo jeito de falar
Ou por nossos dentes cariados.

Entretanto, a beleza, dei-me conta,
É justamente nossa história ocupar,
Que, saga ou anedota, já vem pronta...

sábado, 13 de abril de 2013

O Coração Exilado (de Alma Welt)


Há poetas que invocam sua musa
Para pedir seu precioso auxílio.
Quanto a mim, que sou poeta tão profusa,
O sou porque a vida é meu exílio

E tenho um constante mal estar
Na alma ou coração, não sei ao certo,
Consciente da existência terminar,
Que é algo que sinto muito perto.

Efeméridas que somos, mariposas,
Nunca assimilei o fim das coisas
E muito menos o término da vida,

Mesmo assim contra a tentação resisto
Rejeitando o assédio de Mefisto,
Perdido o Paraíso, a fé perdida...

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Mulher do Capitão (de Alma Welt)



                                    A Mulher do Capitão- Lito de Guilherme de Faria, 1977

A Mulher do Capitão (de Alma Welt)

Tornei-me a marinheira do poente
E aquele que me vê nesta varanda

Chegará a pensar-me indiferente
Ou que minha pobre mente já desanda.

Tem aspecto arruinado a minha casa
Embora com asseio e não imunda.
O bom jardim lhe confere certa asa,
Mas não passa de um navio que afunda.

Como posso apostar em outra rota
Que as correntes contrárias desfarão
E eis-me capitã da minha derrota?

Não me mexo. Aqui parada ficarei
Como aquela mulher de capitão
A tecer pontos que de noite desfarei...

Vida em Verso (III) ( de Alma Welt)

 

 Vida em Verso (III) ( de Alma Welt)

O mundo me parece um sonho louco
Sob um ângulo oblíquo de visão
E me é necessário nada ou pouco
Para sair rolando nua pelo chão.

Sem a Arte carecemos de sentido
E só o mito nos explica de verdade.
Pouco importa nosso coração ferido
E a certeza da transitoriedade.

Atualmente só existo no papel
E me vou construindo a cada verso
Como aquela velha torre de Babel.

E meu medo é que Deus ainda me puna
Achando meu propósito perverso
E multiplique minha alma que era una...

quinta-feira, 11 de abril de 2013

As Viagens da Mente (de Alma Welt)



                                                         Alma no trigal- óleo s/ tela, 2012, 30x40cm

As Viagens da Mente (de Alma Welt)

Voemos pelo mundo, meu amigo,
Que à nossa mente nos foi dado.
Não é preciso deixar nosso condado
Antes de ceifarmos nosso trigo.

É necessária apenas fantasia,
Quero dizer, o nosso imaginário
Onde nasce e flui toda poesia,
Criando nosso mundo belo e vário.

Há quem não creia em tal recurso
Por não apostar numa verdade
Da qual manipulamos o seu curso.

Mas creia, meu amigo, tudo é a mente,
A diferença é o grau de acuidade
Com que o amor ajusta nossa lente...
 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mulher moderna (de Alma Welt)



 Perfil de Alma Welt- litografia de Guilherme de Faria
 
Mulher moderna (de Alma Welt)
“Belas, airosas, pálidas, altivas...” (Vicente de Carvalho)

Bonita, bronzeada e corajosa,
Mulher supermoderna e hiperativa
Comparada à de outras eras, graciosa

Mas que não tinha a menor perspectiva

Meu coração balança entre as duas.
Aquela por reserva, até candura,
Esta pelo encanto de outras luas
Que não a face pálida e tão pura.

Me perdoem as feministas radicais,
Ou então não me perdoem, tanto faz,
Mas o feminino é uma essência...

Quanto a mim sou pálida e altiva;
Báh! Airosa talvez não, mas muito viva;
Mulher artista, sim, por excelência!...

domingo, 7 de abril de 2013

“O Feijão e o Sonho” (de Alma Welt)

                                                   Alma em Minas - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013

 “O Feijão e o Sonho” (de Alma Welt)
(em homenagem a Orígenes Lessa)

Que belo aquele fumo sobre as casas,
Dos fogões de lenha o tempo antigo!
A imaginação lá a criar asas
Sentindo o cheiro do feijão amigo...

Eu voava sobre aquela fumacinha
Mas pra dentro daqueles simples lares
Para não só conhecer sua cozinha
Mas para conviver com os meus pares.

Por momentos eu deixava a posição
De voyeurismo mudo e à distância
Que foi a marca da minha condição...

Então até o comum é minha meta
Pois no reino irreal da minha estância
O feijão é também sonho de poeta...

 

sábado, 6 de abril de 2013

Na Colina dos Mortos (de Alma Welt)



                                             Alma Welt na Colina dos Mortos - de Guilherme de Faria, 2012 

Na Colina dos Mortos (de Alma Welt)

Na colina dos mortos me encontrava
Em tarde luminosa olhando o mar
Diante de uma árvore rubra e brava
Que se via à leve brisa tremular...

Então ouvi atrás de mim um crocitar
E virando deparei com a ave negra
Que habita um nightmare ou cauchemar
Que a esta terra clara mal se integra

Que queres de mim ave agourenta?
Não poderei estar em paz nesta colina
Respeitando-lhe os ossos que sustenta?

“Alma”-disse o corvo – “fica em paz,
Pois conhecendo tua alma feminina,
Aqui eu nunca te diria: “Nunca mais!"...

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Pluma (de Alma Welt)

 
 
 
 A Pluma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013, 40x40cm

A Pluma (de Alma Welt)

Eu vi imensa pluma sobre os campos
Num céu de azul escuro cristalino
Estrelado qual piscar de pirilampos,
E soube de imediato o meu destino...

Eu haveria de escrever como quem vive
E viveria através dos próprios versos
Sob a luz da inspiração que sempre tive
Malgrado alguns vãos planos dispersos.

Mas o sonho de mim mais duradouro
Logrou ficar comigo a vida inteira
Pois vingou, que não morreu no nascedouro.

E tantas aventuras foram minhas
Não apenas como simples brincadeira
Mas tudo que não sabes e advinhas...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Penélope, Ariadne e eu (de Alma Welt


   A Ronda - Litografia de Guilherme de Faria


  Penélope, Ariadne e eu (de Alma Welt)

Vejam como tudo se esclarece
Sob a luz de um foco de poesia
Que revela a teia que se tece
Quando o dia de novo principia...

De noite desfiamos pra sonhar
O quanto o labirinto nosso pede
Em fio para nos desemaranhar
Na jornada que o próprio fio nos cede.

Vamos e voltamos sem sossego
Procurando talvez matar o touro
Que o coração encerra pelo apego.

Quanto a mim, quando volto para a luz
Já não tenho mais vergonha nem desdouro
De não ser a heroína que supus...

 

A Arca da Alma (de Alma Welt)

                                                                 Foto: A Arca (de inéditos) da Alma

A Arca da Alma (de Alma Welt)
"Nenhum homem é uma ilha..." (John Donne)

Quanto em vão questionei o meu destino!

Agora já não luto mais comigo
E sei que é por mim que dobra o sino
E confundam que só olho o meu umbigo.

Fui sempre ilha solitária neste mar
Pois nunca me senti um continente.
A solidão me principia ao acordar,
Quero dizer, para mim e toda gente...

Mas sei que construí uma jangada
E lancei-me aos mares dos meus sonhos
Com versos que juntei na minha jornada.

E agora minha nave é uma arca
Que carrega não mais pares bisonhos
Mas tudo o que fiel na alma embarca...