sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Olhai as flores (de Alma Welt)

Vivo, sim, em eterna vigilância,
No que for concernente à minha alma,
Que me foi dada, eu sei, em confiança,
Para levá-la de volta sem um trauma.

Mas "trauma" é sonho, dizia minha avó *
Se referindo da palavra a própria origem
Na sua aldeia, de onde saiu só
Pra encontrar com meu avô, ainda virgem.

E zelaria por mim muito mais tarde,
Preservando não a minha inocência
Mas a própria chama que em mim arde.

" Minha Alma"- ela dizia- "olhai as flores
E mantenha como elas vossas cores
Até o fim, tudo mais é excrecência"...

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23/02/2018

Nota
*..."trauma" é sonho, dizia minha avó - O termo psicanalítico "trauma", deriva da palavra alemã "traum" = sonho, sonhar.
Frida (Frieda Henner-Welt), a avó da Alma, era alsaciana e sua língua de origem, o alemão.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Devolução (de Alma Welt)

Muito andei por aí perambulando
No meu tempo de desassossego,
Algo muito específico buscando,
Não tateando como camundongo cego...

"O que buscas?"-perguntaram- "Estás perdida?
"Não perdeste o aplom e a doçura...
De onde vem essa desenvoltura
Como quem já se encontrou na vida?"

Busco um poema tão perfeito (eu respondi)
Que revele do Ser o quando e o como,
E que tenha sido eu que o escrevi.

Quero levá-lo ao meu Jardim e seus limites
E dizer logo a Deus: "Eis Vosso pomo.
Tomai-o, pois, de volta e estamos quites ..."

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22/02/2018

Entre Deus e o Diabo (de Alma Welt)

"Que queres, Alma?" me disse Deus um dia.
"Peça claro e bom som embora eu saiba.
E não me venha com papo de poesia
Ou qualquer outro truque que não caiba."

"Mas Senhor, só me destes as palavras,
Do teu Logos um pouco, em verso e rima.
Se tudo isto não vem aí de cima,
De onde vem, Senhor? Que outras lavras?"

Assim eu conversava com o Senhor,
Inconteste criador do Céu e Terra
A quem, modesta, atribuo meu pendor...

"Filha, o Diabo aqui esteve em meu salão.
Qual Salomão me pediu que usasse a serra
Pra dividir-te com ele, o fanfarrão..."
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22/02/2018



Nota
*Qual Salomão me pediu que usasse a serra - Alusão ao episódio bíblico do Juizo de Salomão, em que duas mulheres disputavam a maternidade de um um recém nascido acusando-se uma a outra de usurpação. Salomão mandou que um soldado dividisse a criança ao meio com a espada (aqui,figuradamente "serra") A verdadeira mãe, cujo bebê fora roubado durante o seu seu sono pela vizinha que sufocara no leito o seu próprio por acidente, desesperada, gritou: "Não o matem! Deem a ela o bebê!" O rei Salomão então soube que essa era a verdadeira mãe...

A filha pródiga (de Alma Welt)

No bosque das ilusões perdidas *
Encontrei-me em certa ocasião
E perdido o rumo e as saídas
Sentei-me e chorei, não por Sião,

Mas por minha vida àquela altura,
Sem fé, sem rumo, sem um Deus
Que me pusesse de novo na procura
Ou mesmo uma razão para um adeus.

O bosque mesmo já desaparecia
Como a quem sua própria terra arrasa
Quando ouvi uma voz que me dizia:

"Alma, já que não foste nada módica,
Podes voltar agora pra tua casa
E seres de ti mesma a filha pródiga..."

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22/02/2018

Nota
* " bosque das ilusões perdidas"- Alma pede emprestado este belíssimo título brasileiro do filme francês do diretor Jean-Gabriel Albicocco, baseado no romance de título original infeliz:" Le grand Meaulnes"...

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Lições e lembranças (de Alma Welt)

"Que podemos nós fazer diante do mundo
Repleto de maldade e injustiça? "
"Olha dentro de ti a tua preguiça
E se puderes vai mais fundo..."

Assim com meu pai eu conversava
Já que era um agradável moralista
Pois que a alma alguma condenava
Mas as passava em boa revista...

A mim nunca ralhou, era meu fã,
E se a sua ternura me mimava
Me acordava muito cedo de manhã.

Com sua voz de baixo irrompendo
No meu quarto a Nona ele entoava,
Eu mais fundo nas cobertas me escondendo...

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21/02/2018

O País dos Belos Sonhos (de Alma Welt)

As lembranças da infância, recorrentes,
Não cessam de me acompanhar,
E aparecem também as provenientes
De outra dimensão, tempo e lugar.

Temos muitos passados e presentes,
Estou disso há muito tempo convencida,
E vivo por enquanto ou entrementes
Na experiência de um exílio nesta vida.

Daí esta minha eterna nostalgia
Que não há meios e modos de curar-se
E que é a raiz de minha poesia...

"És romântica" (me dizem com espanto),
"Para ti o feio mundo é um disfarce
Do país dos belos sonhos sob um manto"...

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21/02/2018

O que cala um coração (de Alma Welt)

Meu pai dizia "plebe insana e rude"
Se referindo ao nosso bom povão,
E chocada e pensativa nunca pude
Entender muito bem esta noção,

Porque ele era bom e compassivo
No trato pessoal com os peões
E com todo e qualquer outro ser vivo,
Excetuados os bandidos e vilões...

Um dia me pediu, e nunca esqueço,
Que fechasse a porta do escritório
Pois recebia um tipo "faço e aconteço"...

Pouco depois saía pálido o peão,
E aquilo que cortou-lhe o palavrório,
Vi, era o medo que cala um coração...

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21/02/2018

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O Mau Passo (de Alma Welt)

Queria voltar àquela estaçãozinha
Que se foi, agora sei, não mais existe.
Fechou e era a derradeira linha
Que passava por aqui, tu a cumpriste.

Levei-te já saudosa à plataforma,
A despedir-me de ti entre vapores,
Uma névoa de lembranças que se forma
Quando vou abandonar os meus amores...

E tu me acenaste após o abraço,
Sabendo ambas que foram só delírios
Como as que deram, virgens, um mau passo.

E fiquei a acenar-te aliviada,
Porque agora poderia amar sem lírios,
Sem sustos, sem culpa, sem mais nada...

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20/02/2018

O Cais Perdido (de Alma Welt)

Questionar a existência e seu declínio
Foi-me sempre uma coisa recorrente
Desde que me foi dado o raciocínio
E no auge do poder de minha mente...

Perderei minhas memórias tão queridas
Um dia velha e carente de razão?
Eu que me nutro de meus gozos e feridas
Rumarei a uma implacável escuridão?

Quando medito nisso a voz me treme
E eu, a bordo de uma nave decidida
Me dou conta de que me falta o leme...

E gargalho qual marujo enlouquecido
Que ainda lembra da hora da partida
Os acenos, o apito, o cais perdido...

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20/02/2018

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O Importador (de Alma Welt)

Minha vida é bela, eu reconheço,
Não sei a de vocês, se assim também...
Pois para haver beleza é um começo
O prazer em aceitar o que se tem.

Minha avó assim dizia e me ensinou
Às coisas boas sempre reverenciar
Excetuadas às que o Demo importou
Mas mudou a marca, hora e lugar...

Eu ria e ria com as lições de minha avó
E jamais as haveria de esquecer
Pois quando se ri cria-se um nó.

Sim, a vida é bela, eis seu sentido,
Malgrado o Importador a perverter
Falsificando tudo, o intrometido...

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19/02/2018

domingo, 18 de fevereiro de 2018

A Mariposa (II) ( de Alma Welt)

O medo é nosso triste companheiro
Que nos acompanha a vida inteira,
Uma síndrome perpétua de atoleiro
Para alguns, uma espécie de coleira.

Para mim foi felizmente um aguilhão
Que me impeliu além das minhas forças,
Frágil guria mas de forte coração,
E alguém por certo por quem torças

Porque ser poeta é um desafio,
O mais antigo chamado das estradas
A um coração afeito ao meio fio

Ou mariposa em noites desastradas
(senão borboleta em plenitude),
Que, alada, fiz de mim mais do que pude...

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18/02/2018

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Eu, heterônimo (de Alma Welt)

Confesso, sonhei grande, tola eu era
Fui em busca do meu sonho de guria,
Tão ingênua a perseguir uma quimera
Ser poeta e viver da minha poesia...

Mais tarde descobri que ser poeta
É o mais miserável dos amores,
E a triste razão de tão seleta
É que a fome é o premio dos melhores.

E claro, existem os poetas diplomatas
Que, pobres funcionários de escritório,
Não passam de modestos burocratas.

Mas na dimensão poética, só, viver
Para mim se tornou obrigatório,
Um caminho bem mais digno do ser...

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15/02/2018

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Quarta-feira de cinzas (de Alma Welt)

Meu irmão Rodo chegava de ressaca
Na quarta e a custo se esgueirava
Subindo para o sótão quase em maca,
Ajudado por mim que o amparava...

E ele gemia como o arrependido faz,
Maldizendo um amor de Colombina,
Decepção que o amor fútil sempre traz
Pois amor com saideira não combina.

E eu rindo, condoída, perguntava:
Era bela aquela tua bailarina?
E na caixinha de música rodava?

Ele então chorava mais e mais,
Dizendo: Alma, ela era uma menina,
Não parecia ser cruel e foi capaz...

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14/02/2018

Soneto da Quarta-feira (de Alma Welt)

Apreciava sobretudo a quarta-feira
De cinzas e com a súbita tristeza
De quem cai na real ou está na beira,
Como quem para dançar subiu na mesa...

Meu avô boche me dizia: "Ai de ti,
Se colocares a saia na cabeça,
Tendo ingerido champanha ou Parati,
Não esperes que depois te reconheça."

Mas pobre de mim, e quem me dera!
Eu era sóbria, recatada até demais,
E o Carnaval, uma espécie de quimera.

Minha avó dava risinhos de ironia
Pois sabia do meu navio no cais,
Em cuja mesa eu sonhava e escrevia...

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14/02/2018

Velho Tema (de Alma Welt)

"Procurar-se um amor não tem sentido
Pois que amor deve estar dentro de ti.
Deus dá a cada um o que lhe é devido
Se te faltar amor por dentro, não és daqui."

Assim dizia minha avó podando rosas
Com sua vetusta figura de espantar,
Tão curvada e com suas mãos nodosas
Com uma pequena tesoura de podar.

E eu confiava em minha avó em tudo,
Já que ela tinha amado a vida inteira
Aquele velho difícil e carrancudo.

Não procurou o amor e o amor subiu
E o derramou de si sobre a roseira
Toda de espinhos com que Amor surgiu...

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14/02/2018

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A cabrinha valente (de Alma Welt)

Meu pai tinha pistola e espingarda,
Esta, pequena, na parede fixada,
E um dia garantiu-me que a mantinha
Para que, eu quando moça, fosse minha.


Isto me chocava, não entendia
Por qual razão uma arma empunharia;
Impensável um enredo àquela altura
Que comportasse na Alma tal loucura.

Mas uma noite li "Lettres de mon Moulin"
De um Alphonse Daudet, francês querido,
E com a cabrinha resisti até a manhã...*

Mas se venceram os lobos na novela,
Com chifrinhos tendo tanto combatido,
Eu teria uma arma como ela...

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13/02/208

Nota
*E com a cabrinha resisti até a manhã - Alma se refere ao conto "La chèvre de monsieur Seguin", tocante conto das "Lettres de mon Moulin", um clássico de Alphonse de Daudet (1840 — 1897).

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

A cruz e as asas (de Alma Welt)

"No Vale de Lágrimas que é a vida
Cada um tem que levar sua própria cruz..."
Assim dizia minha mãe, e eu dividida
Hesitava entre a depressão e a luz.

Meu pai adepto da luzes do saber,
Dizia à minha Mãe: "Para com isso!"
Não ensines a guria a só sofrer,
Sentir tal peso nesse ato submisso..."

"Não lhe acenes com essa abantesma.
Vê, a cruz era objeto de tortura
E nada tem a ver com a Vida mesma."

"Os versos tornarão sua vida leve,
Não vês que a sua alma nasceu pura?
Grandes asas lhe darão na vida breve."

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12/02/2018

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Báh! Amores meus ( de Alma Welt)

Báh! Amores meus, peço perdão
Por tanta independência que mantive
E por pouco tolerar guri mandão
E ser esta poeta que ainda vive.

Gostar de aninhar-me em largo peito
Iludiu alguns de vós por um momento
Quando isso era apenas o meu jeito
De ser mansa e feliz trinta por cento.

Olho agora pra trás, como uma tela,
E minha face desconheço e meu andar
Embora reconheça que era bela...

Então deixem-me sozinha com os meu versos
Mas não me digam que já não sei amar:
Sem amor até os poemas são perversos...

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11/02/2018

Minha pátria (de Alma Welt)

Minha pátria trago em mim em carne viva
E sangra quando a choro pelas noites,
Por toda essa baldada tentativa
De sorrir e libertar-se dos açoites.


Meu país fracassado, tão bonito,
Mas viola embolorada no seu bojo,

De caráter fraco, afeito ao mito
Do gigante que agora me dá nojo.


E me sinto como a mãe trazendo meia
Ao filho delinquente, que aos sussurros,
Lhe pede alguma droga na cadeia..

E penso como ela que ainda ama:
"Só lamento tenhas dado com os burros,
Nem sequer foram na água mas na lama..."


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11/02/2018

O riso que fica (de Alma Welt)

Todo e cada passo e pensamento
Nosso, fica registrado em nossa alma?
Consiste nisso a eternidade do momento
Ou o Tempo escolhe com mais calma?

Quanta ninharia e perda fútil
Da matéria preciosa do minuto
Que parece longo ou breve, até inútil
No silencio pedido por um luto.

O mistério do Tempo, eis o mistério
Maior que a Morte e suas ossadas
Cujo crânio não parece nada sério.

O que resta é oculto em seu sentido
E as órbitas nos miram, esvaziadas,
E só fica de nós o que foi rido...

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11/02/2018

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

De anjos e demônios (de Alma Welt)

Meu pai era austero e carinhoso
Pois comigo ele se identificava
Já que muito de mim ele esperava,
Cada sucesso meu era seu gozo.

Um dia mostrei-lhe um meu poema.
Ele ficou sério e constrangido
Pois que não concordou com o seu sentido
Que colocava em xeque seu sistema.

Nada disse, entretanto, pensativo
E esperou ao todo uns quinze anos
Para questionar-me sobre o assunto:

"Alma, disseste que o pecado é relativo
E acreditas nosso dom, pobres humanos,
Sermos anjos e demônios, tudo junto..."

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09/02/2018

O que disseram as flores (de Alma Welt)

Quanto é bom colher flores no jardim
Já que deixo por momentos inefáveis
As perpétuas doze sílabas contábeis
E tão somente de tratar tanto de mim.

Na sala ponho as flores nos seus vasos
Nos quartos e cozinha, no conjunto,
Que alegria dão em muitos casos,
Exceto os lírios e cravos de defunto.

Mas minha avó Frida disse um dia:
"Alma pare de colher as minhas flores
Que não são passarinhos de gaiola."

"Elas se queixaram que as colhia
E agora a mim gritam seus pudores,
E que nada as obriga a dar esmola..."

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09/02/2018

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Que belos olhos... (de Alma Welt)

Que belos olhos tinham os meus amigos!
Alguns fortes, uns mais doces, uns atentos,
Revelavam-se às vezes em perigos,
E regiam-me alguns dos movimentos.

Quanto aconcheguei suas belas frontes
De macias cabeleiras, de bons cheiros!
Uns como que fluindo como fontes,
Uns como milharal, outros trigueiros...

Quanto se quer partir quando se é moço!
Alguns foram parar no fim do mundo
Mas outros conheceram o fim do poço...

Alguns deles se perderam, não voltaram;
O pálido era antes rubicundo,
Alguns só reconheci quando choraram...

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07/02/2018

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A Corretora (de Alma Welt)

Guardar as emoções na mente apenas,
Então mantendo o coração à parte
Das alegrias fáceis e das penas,
Eis aí um segredo para a arte...


Minhas dores não distingo da poesia
E por isso as faço interessantes
Quanto uma grande ode à alegria
Ou o antigo lirismo dos amantes...

Então não és como todo mundo?
Me perguntam os de coração partido
Que querem me ver também no fundo...

Mas, talvez como poeta e fingidora,
Desta vida como simples corretora
Sofro muito mais que o consentido...

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05/02/2018

Sonho mau ou A Floresta do Não Sei (de Alma Welt)

O nome do castelo sempre esqueço
Onde, pasmem, sou princesa encantada.
Também perdi o rumo e o endereço
E o caminho que refiz não leva a nada.

Estou perdida na Floresta do Não Sei
E me sinto levemente esfarrapada.
Esta noite sobre a ervilha dormirei?
Tal proeza não é de minha alçada...

Numa nau de súbito embarcada
Deito cartas para ver se me descubro
Ou saio deste sonho de enrascada,

Mas a nave em que me vejo a bordo
E o território obscuro que não cubro
Ainda são os mesmos quando acordo...

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05/02/2018

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Aonde Vais? (de Alma Welt)

"Aonde vais?" um sitiante perguntou-me,
Vendo-me perdida e andarilha
A caminhar em círculos na coxilha
E para a sua casa convidou-me.

"Aonde vais, bom velho?" perguntei
A um desnorteado caminhante
Como eu mesma fui e me lembrei
De quão perdida estive e hesitante...

Perdidos, na verdade algo nos junta
Abandonados nesta Terra, forasteiros
À procura de caminhos verdadeiros.

Até ao Cristo caminhante, esta pergunta
Fez Pedro velho, e ensejou melhor escolha...
A cada um sua cruz, novinha em folha.

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04/02/2018

Nota

* ... ao Cristo caminhante esta pergunta/ Fez Pedro, velho... - Alma alude à seguinte lenda cristã: Durante o massacre dos cristãos no Coliseu, ordenado por Nero, o apóstolo de Cristo, Pedro, bastante velho, estava entre eles pregando e consolando-os nas catacumbas antes que fossem presos e martirizados . Então, os fiéis imploraram a ele que fugisse, pois era o último apóstolo, testemunha viva do Mestre, e outros tantos precisariam de sua palavra. Então Pedro cedeu e se esgueirou à noite para fora dos portões de Roma e começou a caminhar na Via Ápia, se afastando da cidade. Eis que no começo do caminho parou quando avistou ao longe um andarilho que caminhava na estrada em sua direção. Quando este chegou bem perto, Pedro reconheceu o próprio Jesus, e surpreso perguntou-lhe em latim: "Quo Vadis, Domine? " ( Aonde vais, Senhor?). E Jesus respondeu-lhe: "Vou a Roma ser crucificado novamente, visto que abandonas meu rebanho." E desapareceu. Então Pedro voltou pela estrada e logo nas portas de Roma foi detido pelos pretorianos de César, e identificando-se foi imediatamente preso e condenado à crucificação. Pedro então pediu que fosse crucificado de cabeça para baixo, no que foi atendido, porque disse "não ser digno de receber o martírio idêntico ao do Mestre"...

sábado, 3 de fevereiro de 2018

O Enigma de um Dia (de Alma Welt)

Como no dia dos meus anos ser feliz
Como no tempo de uma quase perfeição
Quando o sorriso era a simples condição
Do projeto de vida que me fiz:

Se eu pudesse sempre rir me bastaria
Pois seria sinal de estar acima
Do obscuro enigma de um dia
Que eu solveria, assim, como uma rima.

Eu singraria mares, desfaria teias
Sendo pequena nau de volta ao lar
E imune àqueles cantos de sereias...

E não seria esta simples pretendida
Assediada e renitente no tear
Pelos versos, qual se isto fora a vida...

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03/02/2018

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Farelos sobre a mesa (de Alma Welt)

Quisera que uma festa a vida fosse
De retorno dos amigos tão dispersos,
Agora em torno e esbanjando versos,
Depois silencio (eu imitando tosse):

"Meus amigos, façamos novo brinde!
Todos os maus enfim foram recolhidos;
Vós, os bons, foram, pois, os escolhidos,
Bebamos, e aos Novos Tempos vinde !"

Eis como penso um reencontro alegre
Com esta tola alma idealista
Que evitava engolir gato por lebre...

Mas olho em torno a mesa desolada,
Com farelos de pão, única pista
De um café da manhã, de abandonada...

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02/02/2018

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

O Jardim de minha avó (de Alma Welt)

No jardim de minha avó eu aprendia
Muito mais do que na escolinha
Pois sua esperteza surpreendia
A pura ingenuidade que era minha.

Mas sua malícia aberta, sem pudor,
Não logrou manchar minha pureza
E logo transformou-se nesse humor,

Minha carta da manga, sobre a mesa...

Essa ironia me manteve a salvo, sim,
De sujar minhas mãos na porcaria
Como as luvas que ela usava no jardim

E me deu certa distância, de quem sonda
Com um olhar de oblíqua simetria,
E um sorriso, assim, de Gioconda...

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01/02/2018

A Estratégia da Mentira (de Alma Welt)

Firmei meu compromisso com a verdade
Quando ainda bem guria em meu jardim,
Sem nenhuma consciência da maldade
Nem sequer da porção dela que há em mim.

Depois vi que a maldade e a mentira
Se juntam amiúde em aliança
Pra que de uma a outra se transfira
Algum peso pro equilíbrio na balança.

É por isso que a Justiça, sendo cega
Muitas vezes é assim ludibriada
Ou hesita em pegar a sua espada.

Pra isso abro mão de minha maldade
E garanto que a mentira não me pega,
Reduzida que já foi, à sua metade...
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01/02/2018