sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Réveillon (de Alma Welt)



 Réveillon (de Alma Welt)

Ao chegar o fim do ano lá na estância
Meu pai soltava belos fogos no quintal,
O encantamento tomava nossa infância
E a alma, mais ainda que o normal...

Por instantes nada mais queríamos,
As luzes ocupavam todo o olhar,
Cometas fulgurantes, lá nos íamos
Para em luzes explodir em pleno ar.

Então ouvi uma palavra: "réveillon"
Que me pareceu soberba e chique,
Somando elegância ao que era bom.

Com a palavra que exalava nostalgia
Que uma saudade do futuro, só, explique,
Inaugurava em mim minha poesia...

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30/12/2016

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Oração de fim de ano (de Alma Welt)

Quantos planos eu tive quando jovem
Que agora risíveis me parecem...
Já que novos planos não me movem,
As horas e os minutos que me levem!

Que alívio, meu Deus, não mais querer
Senão estar viva e com saúde
E escrever sonetos amiúde
Para a outros encantar ou entreter...

Senhor, alertai-me quando eu peque
Por alguma vaidade do talento
Pois de Vós é que vem todo sustento...

E se a deixar o barco estive prestes,
Perdoai-me Senhor, e jamais seque
Esse rio generoso que me destes...

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28/12/2016

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A vida é bela, ou "Tudo vai ficar bem" (de Alma Welt)

A vida é, sim, mais bela e triste
Quando vista por um ângulo profundo
Coisa em que ninguém insiste
Para poder "estar bem", aí, no mundo.

Mas viver na superfície, bracejando,
Ou simplesmente nadando cachorrinho
Me parece pouco e comezinho
Ou tem um tubarão por trás, chegando.

Estou brincando, é claro, e nada tem
Com a visão americana sobre a vida,
Que não param de dizer: "Vai ficar bem"...

Sim, porque nada "fica bem", esta é a verdade.
Nascemos para a Morte, e nossa lida
Tem já a haver com ela, não mais tarde...

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26/12/2016

Risos (de Alma Welt)

Temos muito, na verdade, o que fazer:
Moldar nossa identidade dia a dia
Pra no final poder deitar, morrer,
E merecer uma lágrima fugidia

Ou um pranto maior, vá lá, que seja,
Daqueles bons amigos de bravatas,
Entre um gole e outro de cerveja,
Afrouxando os colarinhos e gravatas,

Que se lembrarão de um lance louco,
Uma besteira que fizemos num momento,
Querendo tanto exibir algum talento.

E o que parecia e era tão pouco,
Seria aquilo com que neles ficaríamos,
Que pra mostrar amor somente ríamos...

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26/12/2016

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Celebremos (de Guilherme de Faria e Alma Welt)

Celebremos a vida, sem abuso,
Com moderados goles de bom vinho,
Pois quem puder beber faça bom uso
E quem não puder fique quietinho.

Pois há quem já bebeu a sua cota
Com imensa sede ao pote, de menino,
E agora basta um só gole e capota
Ou vai soprar a flauta do destino...

E depois, quem de nós bebum suporta?
Nem sua própria mãe, pelo que eu saiba,
Que prefere lhe cerrar a sua porta.

Então coma, mas não beba no Natal
Nem o que num pequeno dedal caiba
Que um só gole é um tonel sem fim, fatal...

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23/2016

O Anjo (de Alma Welt)

                                               Alma e o anjo - óleo s/ tela de Guilherme de Faria 2015, 100x100cm

O Anjo (de Alma Welt)

A medida do homem é a do anjo, *
Assim disse João, e eu o aceito
Mas desde que criança e não marmanjo,
Porque depois de grande não tem jeito,

Com raras, belas, comoventes exceções,
Qual Mishkin e Aliocha, por exemplo, *
Que embora plenas, excelentes ficções,
Já estão entronizados no meu templo.

Mas creio que o anjo em nós habita
Cercado da escória que o aprisiona
E não o deixa aparecer na nossa fita.

Mas hei de, apesar das minhas falhas,
Cansado de esperar em meio às tralhas,
Libertar meu belo anjo, que ressona...

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23/12/2016

Notas

*A medida do homem é a do anjo- alusão ao Apocalipse de João (21, 17) quando fala das medidas da muralha da cidade santa de Jerusalém: "Mediu também a sua muralha, cento e quarenta e quatro côvados, medida de homem, isto é, de anjo."

*Qual Mishkin e Aliocha... - O príncipe Mishkin é o protagonista do grande romance "O Idiota", de Dostóiévski. Era chamado de "idiota" por ser um homem de extraordinária pureza de coração e de alma, verdadeiramente angélico. Quanto ao Aliocha (diminutivo de Alexei) era o caçula dos irmãos Karamazov, do romance deste nome, outra obra- prima do grande escritor russo. Aliocha era um jovem de absoluta pureza e generosidade, embora igualmente inteligente, discípulo do starietz Zózima, monge com fama e "odor de santidade" (vide o fantástico capítulo "O odor deletério" ), do mosteiro da aldeia em que os Karamazov viviam. Esses dois personagens ideais são perfeitamente verossímeis, do jeito magistral com que o escritor os apresenta...

As orelhas do Tempo (de Alma Welt)



As orelhas do Tempo (de Alma Welt)

As orelhas são fixas no Tempo *
E crescemos entre elas, diz a lenda,
Desde que não haja contratempo
E enviemos uma de encomenda *

Para as terras de Gog e de Magog *
Onde nascem os pintores e poetas
Que antes escolhem as suas metas
Pra ser feliz depois, como Van Gogh. *

Bah! Todo o nosso criar é surreal
Já que nada leva a crer tanta loucura
De morrer por "um pedaço de pintura"...*

Mas só quem pinta sabe do que falo
E, numa tela, persegue o ideal
Seja em grossa pasta ou meio ralo... *

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23/12/2016

Notas
*As orelhas são fixas no Tempo - alusão à teoria leiga de que já nascemos com o tamanho definitivo de nossas orelhas e nossa cabeça é que vai crescendo entre elas...

*E enviemos uma de encomenda - alusão ao envio, feito por Van Gogh, de sua orelha embrulhada e sangrenta, para uma prostituta de um bordel próximo, que o rejeitara...

*...terras de Gog e Magog -
Os Montes Gog e Magog (English: Gog Magog Hills ou Gog Magog Downs) estão a três milhas do sul de Cambridge, e é dito ser a metamorfose do gigante depois de ter sido rejeitado pela ninfa Granta. O vidente Thomas Charles Lethbridge afirma ter visto um grupo de três esculturas escondidas nos Montes Gog e Magog. Ele os cita em seu livro Gogmagog: The Buried Gods (Gog Magog: Os Deuses Enterrados). Por causa disso os montes foram batizados com esse nome.
(Gog e Magog, com outro sentido, são citados de maneira obscura no Apocalipse ( XX, 7) de João.)

*Pra ser feliz depois, como Van Gogh - Vincent Van Gogh foi um dos mais felizes destinos póstumos da pintura, já que sua obra ficou, toda, em bloco, praticamente completa na mão de sua cunhada, viúva de seu irmão Theo, que inteligente e sensível dedicou o resto de vida à glória da obra de seu querido cunhado (em vida tinha sido sua correspondente, amiga e incentivadora).

* De morrer por um pedaço de pintura- os críticos franceses de pintura, no século XIX, usavam a expressão "un morceau de peinture", para descrever uma fatia (ou pedaço) de tela que atingiu a perfeição numa pintura.

*E, numa tela, persegue o ideal/
Seja em grossa pasta ou meio ralo - Os pintores buscam sempre a pintura pura, ideal, mesmo quando paisagistas ou figurativos, pintando com grossas camadas como Van Gogh e Soutine ou com ralos véus de veladura, como Diego Velásquez.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Preceitos (de Alma Welt)

Alguma coisa devemos sempre dar
Ao mundo, nem que seja só o sorriso;
A largura de alguns pode contar,
De lado a lado até os dentes de siso.

Mas se tudo queres, nada tens e nada dás,
Aceita as duras cacetadas do Destino
Que ocorrerão aonde quer que vás,
Por quem dobra não perguntes pelo sino...

Já o progresso, só é bom com liberdade,
Do contrário nada adianta trabalhar
Se o trabalho é maldição e vacuidade.

Mas se podes dar Beleza, não hesites:
Um rosto lançou mil navios ao mar,
Agora gregos e troianos estão quites...

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22/12/2016



Notas
*Por quem dobra não perguntes pelo sino- alusão aos famosos versos do poeta elizabethano John Donne: "...por isso não perguntes por quem os sinos dobram/eles dobram por ti".(O célebre poema começa assim: "Nenhum homem é uma ilha..." )

*(o) rosto que lançou mil navios ao mar - verso célebre do poeta inglês Christopher Marlowe, também elizabetano (do tempo do reinado da rainha Elizabeth I, da Inglaterra e contemporâneo de Shakespeare) que colocou no seu poema Faustus, na boca do protagonista referindo-se à Helena de Tróia: "o rosto que lançou ao mar mil navios"...

Fatalismo (de Alma Welt)

Vão-se os anéis, talvez os dedos,
Crescem as orelhas, não a oitiva;
Vão-se os belos dentes, só gengiva,
Vai-se a audácia, restam medos.

As calças necessitam suspensórios,
Porcarias a mente cria e ceva;
Somos passageiros compulsórios,
Alado, só o mau Tempo nos leva...

O Destino... são favas contadas
E ninguém foge à sua contagem,
Embora camuflemos as fachadas:

Olhamos no espelho e outros somos,
Não reconheço a árvore só os pomos,
Nem por isso escapamos à voragem...

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22/12/2016

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Alma e o Mundo (de Alma Welt)

                                        Ana Morgado (a Açoriana), mãe da Alma, em lito de Guilherme de Faria

Alma e o Mundo (de Alma Welt)

Minha mãe, uma bela dama antiga,
Me queria de boca bem fechada,
Só cosendo e fiando, comportada,
Sem fazer marolas nem intriga...

Bem... intriga, nunca foi mesmo comigo,
Mas marolas, bah! Era o meu forte!
Tempestades a partir do meu umbigo
E uma vontade de produzir um corte...

Se pudesse minha mãe me proibia
De escrever poesia e de sofrer,
Essa coisa perigosa, pois sombria...

Mas meu anjo disse: "Vai Alma, na vida!
Não és gauche, exercita o savoir-faire,*
O mundo está em ti, que és dividida." *

21/12/2016

Notas
*Mas meu anjo disse: "Vai Alma, na vida!
Não és gauche, exercita o savoir-faire - contraposição ao famoso verso
de Carlos Drummond de Andrade: "Vai, Carlos/ ser gauche na vida..."

*O mundo está em ti, que és dividida - alusão ao próprio significado do nome da Alma, que contém uma dicotomia: "Alma do Mundo."


Falta de Assunto (de Alma Welt)

Após mais de quatro mil belos sonetos,
Está acabando o meu assunto.
Não falarei de queijo com presunto
Menos ainda de temperos pra galetos.

Prometi jamais falar de futebol
E tampouco dos podres poderes.
Continuo preferindo o arrebol
E o mistério das coisas e dos seres.

Bah! O que que é isso, Alma tola?
Não confunda Poesia com conversa.
É mais um currucucu de pomba rola...

É verdade, me desculpem, meus amigos.
A poesia é uma coisa controversa,
Uma vez falei das flores que são figos... *

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21/12/2016

Nota
* Alma certamente se lembrou deste seu maravilhoso soneto:

O Figo (de Alma Welt)

Há coisas misteriosas, meu amigo,
Que não sabemos mais se é fruto ou flor,
Como ocorre, por exemplo, com o figo,
Flor voltada para dentro por pudor.

Há também quem na falta de uma escolta
Prefere a toca de modo permanente
Pelo horror que é o mundo à sua volta,
Lugar não recomendável à boa gente...

Mas se escolhes a Arte e a Poesia
Em vez de simplesmente estar e ser,
Abrirás o coração que se anuncia

Como o cerne de nossa plena dor
Que dá sentido ao mistério de viver,
Trazendo para a luz o mel e a cor...

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13/07/2016

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A cartola do mágico (de Alma Welt)

O sucesso na vida nos fascina
Como um espetáculo de magia
Com coisas que gente nem imagina,
Cartola de onde sai paca e cotia...

Quando guria sonhei fugir com o mágico
E viver em hotéis beira de estrada,
Até um romanesco final trágico,
No show alguma coisa dando errada.

Viajei, sofri, amei, tudo o que importa,
Em cada coisa o mundo estava inteiro
Ao meu eterno olhar aventureiro...

A cartola era o mundo em minha mente,
Nunca passei de fato além da porta
Ou da minha varanda ali em frente...

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20/12/2016

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Há beleza (ou O vôo da coruja) (de Alma Welt)

Há beleza nesta vida, mas terrível
Pra quem enxerga o interior, o visceral.
A maioria prefere um raso nível
Mais à flor da pele e coisa e tal...

Montanhas, flores, campos de açafrão,
Quem não os amaria, na verdade?
As belas curvas sublimes da beldade
No leito, no palco ou num balcão...

Amar o tosco e o feio não convém
Se bem bonito a nós não parecer:
Amamos só o que na nossa alma tem.

Mas se amamos o filho da coruja,
Por termos tudo a ver com a dita cuja,
Que o nosso vôo silencioso venha a ser...
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19/12/2016



Nota
*Mas se amamos o filho da coruja - Alma faz aqui uma alusão à fabula de Esopo, A Coruja e a Águia, em que a moral seria: "Quem ama o feio, bonito lhe parece".

Para viver (de Alma Welt)

Pra sobreviver nos basta o instinto.
Mas pra viver em plenitude muito mais:
Temos que atravessar o labirinto
Onde no centro o Minotauro jaz...

Passar além do Não do Cabo Não
E subir num Everest a cada dia;
Tentar chegar à velha terra de Sião,
Sejamos do gentio ou bem judia....

E aprender as línguas que vierem,
As que da nossa alma mais diferem,
Mas antes erigir uma alta torre...

E depois navegarmos numa arca,
Aportar onde a vista mais abarca,
Com toda a bicharada e mais um porre...

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19/12/2016


Notas
* E aprender as línguas que vierem,
As que da nossa alma mais diferem,
Mas antes erigir uma alta torre... - Alma faz alusão à torre de Babel e a multiplicação das línguas

"Com toda a bicharada e mais um porre - Alma faz alusão aos animais da arca e à bebedeira de Noé descrita no Gênesis, que depois de terminado o Dilúvio, a Arca aportada, tomou um porre e dormiu nu, sendo zombado por seus filhos mas coberto em sua nudez por suas filhas...


domingo, 18 de dezembro de 2016

Metempsicose (de Alma Welt)

Dizem que alguns não são principiantes
E aqui já estiveram muitas vezes.
Quanto a mim, sim, já vivi antes
Sem querer desmerecer as outras reses.

Mas na verdade, continuo inconformada
E me faz querer descer logo do barco
Já que o sentido todo eu não abarco
Da injustiça e a maldade na manada.

Senhor, dai-me a humildade que não tenho
E sobretudo a paciência da modéstia
Coisas que me faltam e eu convenho.

Sim, tenho ainda que voltar, talvez não pouco
Das luzes tenho apenas uma réstia,
Meu coração se comporta como um louco...

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18/12/2016

Por um fio (de Alma Welt)

                                        A nau de Odisseu - desenho de Guilherme de Faria

Por um fio (de Alma Welt)


Estamos por um fio, eis a verdade.
A vida é frágil, insólita, improvável.
Um simples resfriado e já é tarde,
O velho Cronos nos acha palatável.

Porém, heróis num barco de aventuras,
Qualquer vida é comparável à de Odisseu
Combatendo tentações, deuses, misturas,
E uma vontade de ir pra casa, como eu...

Tesouros, honras, prazeres, grandes feitos
Ou somente uns amores, mas perfeitos,
Começamos repletos de ambições...

Mas às primeiras tempestades e aflições
A que a vida nos obriga quando ao largo,
Valham-me os deuses, Deus, primeiro trago!

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18/12/2016

sábado, 17 de dezembro de 2016

A Caixa de Descartes (de Alma Welt)


            O filósofo René Descartes 1596 – 1650                        |Pandora- de John William Waterhouse
     
A Caixa de Descartes (de Alma Welt)

Tenho medo deste meu tanto pensar,
Não do espontâneo que há em mim.
Pois se penso, já na hora de acordar,
Afugento de mim meu querubim...

"Ora, Alma, só sonhar no dia a dia,
É isso que querias, sonhadora?
A doce Eva perdeu a fantasia,
Aquele fruto era a caixa de Pandora." *

Dizem que louras e ruivas burras são...
Antes tivéssemos fechado aquela tampa,
Produzem monstros os sonhos da razão... *

Pensa, logo existe, a humanidade,
E descartadas as lajes de sua campa, *
As tampas já não fecham, na verdade...

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17/12/2016

Notas
"Aquele fruto era a caixa de Pandora - Alma associa dois mitos análogos: o fruto bíblico da ciência do Bem e do Mal ( a Razão) e o mito grego da Caixa de Pandora, que, aberta, soltou o Mal no mundo.

*Dizem que louras e ruivas burras são /Antes tivéssemos fechado aquela tampa - Ao mesmo tempo que alude ao mito popular da burrice das loiras (e ruivas por extensão), Alma faz uma alusão velada à expressão "fechar a burra" , e ao suposto fato das loiras e ruivas gastarem muito dinheiro...

*Produzem monstros os sonhos da razão - citação da famosa frase inscrita numa gravura de Goya da série dos "Caprichos" : "El sueño de la razón produces monstruos".

*E descartadas as lajes de sua campa - Alma, em trocadilho, alude com a palavra "descartadas" ao filósofo do século XVII, René Descartes, que escreveu a famosa frase: "Penso, logo existo", fundadora do racionalismo como corrente filosófica que chegaria ao século XX tendo pequena e inefetiva reação por parte dos surrealistas, que abominavam o racionalismo francês, vitorioso nos seus acadêmicos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A Naufragante (de Alma Welt)

Armadora de minha própria vida
Construo navios feitos pra afundar,
Que não submarinos... nem pensar!
Que mal tento navegar submergida.

Sou uma espécie de Capitã Fracasso
E amo o patético e o tropeço,
Que com eles meu sucesso faço
Não, por certo, por ter o couro espesso.

Do meu barco orgulhoso de ser frágil,
Poeta, que me vejam em si os outros,
Essa é a missão deste naufrágio...

Porque enquanto afunda a nau perdida
Quê sonhos e quê novos encontros,
Alguns monstros também nesta descida...

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16/12/2016







Orgulho (de Alma Welt)

Um dia me vi diante do espelho
Qual se espectro fosse de mim mesma.
Estava, só, perdida, no vermelho,
E meu pobre rosto uma abantesma.

Quanto duras e persistes, ó vaidade!
Logo ali estava eu a retocar-me
Com vistas a um rolê pela cidade
Com intenção explícita de dar-me...

Então, logo, na areia movediça,
Puxei-me de mim pela metade
Que já conhecia da minha missa...

Miserável criatura, tão carente!
Como persiste o orgulho, na verdade,
A ponto de ofertar-me de presente...

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16/12/2016

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Do amor vivido (de Alma Welt)

Volto a falar de amor mais amiúde,
Já que Amor não quer comedimento.
Na minha infância era qual bola de gude
E na mesa era mais que condimento.

Vivíamos no amor o tempo todo
Que Amor era o ar que respirávamos,
Eu e o meu guri amado, Rodo,
Que mais que tudo nos amávamos...

Onde amor agora?- perguntais.
Ficamos em terra a ver navios?
Nosso barco afundou ao pé do cais?

Mas amor reacende ou sai do armário,
Como as velas do bolo seus pavios
Que sopramos a cada aniversário...

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15/12/2016

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O sentido da vida (de Alma Welt)

Nossa vida? Temos que inventá-la,
Conquanto haja muitas regras, manuais,
Tantas leis que encheriam nossa mala
E uma herança bestial dos animais....

Perplexos jogando um jogo estranho
Que nem sequer gostamos de jogar,
Mal apreendemos a enxugar o ranho
E a por as coisas todas no lugar...

Ninguém descobriu o menor sentido,
Partimos todos de algo que não há,
Como um dever a ser cumprido...

O absurdo, senhores, é o nosso entulho
Que já nem removemos com a pá.
Sem calos, a mão fina é nosso orgulho...

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14/12/2016

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Fugindo da Chuva (de Alma Welt)

                                     Fugindo da Chuva- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1977

Fugindo da Chuva (de Alma Welt)

Eu corria no campo em meio à chuva
E os raios pareciam perseguir-me...
Sou apenas uma guria ruiva,
Senhor, quero ir pra casa desvestir-me!


"Tenho as roupas molhadas, sinto frio,
Não fui desobediente tanto assim...
Começo a sentir um calafrio
Senhor, vos peço, gostai menos de mim!"

"Vossa atenção vai acabar por me matar
Ou deixar-me ainda mais mimada.
Fora a poesia, Senhor, não quero nada. "

"Destes-me tudo, Senhor, o que me assombra.
Vou tomar um chá de cuia e bomba,
Só a chaleira é que no fogo vai chiar..."

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13/12/2016

A Rainha do Soneto (de Alma Welt)

No soneto posso tudo, sou rainha
E pastora esfarrapada num instante,
Perambulo ociosa pela vinha
Procurando entre os peões o meu amante.

Sou louca, aventureira e cortesã
E tenho minha cabeça por um fio.
A pobre Antonieta era minha fã
Antes da dela rolar no meio-fio...

Jezebel era um poço de virtudes,
Cleópatra uma moça casadoira
E com a historia do tapete tu te iludes.

Mas no último verso do terceto
Me defronto com aquela que é a Moira
E boazinha sou, eu que era espeto...

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11/12/2016

A Chamada (de Alma Welt)

Afinal virá à tona a tal verdade
De cada um de nós queira ou não queira.
É melhor com ela andar à feira
Do que rebuscá-la bem mais tarde.

Não é necessário andar pelado,
Não interessamos tanto assim...
Mas a criança em nós é um querubim,
Brilhará no tempo com retardo.

Pobre daquele galã engalanado
Que pensa o Gran Bedel ter enganado,
Vamos vê-lo na hora da chamada...

Aquele que a si mesmo já não via,
Verá com a voz meio embargada
Que a hora da verdade chega um dia...

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13/12/2016

sábado, 10 de dezembro de 2016

Aventuras (de Alma Welt)

Quando guria no seio da família
O mundo estava longe e eu segura.
Lá fora a tempestade e a vida dura
Ecos que chegavam à minha "ilha".

Qual Circe numa eterna primavera *
Eu viveria feliz como uma ninfa
Se não fosse um tal timbre de espera
De um herói que me injetasse nova linfa.

Mas Rodo, irmãozinho aventureiro
Ansiava "lançar sortes à ventura" *
E partir pra conhecer o mundo inteiro

Enquanto eu mergulhava em outras ondas,
Subindo nos balões, descendo em sondas,
Meras páginas dos livros de aventura...

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10/12/2016

Notas
*Qual Circe numa eterna primavera - na Odisseia , de Homero, Odisseu ( ou Ulisses) no seu retorno da guerra de Troia aporta na ilha da ninfa Circe (ou Calypso), onde nada envelhecia, nada morria, e era uma eterna primavera, o que acaba entediando o herói, que ansiando fugir dali, após muitos anos consegue escapar ao sortilégio da ninfa apaixonada, que para retê-lo acena para ele com a imortalidade dos deuses, que ele, corajosamente recusa: " Quero ser um homem, entre os homens"...

* Ansiava "lançar sortes à ventura" - alusão ao verso do poema anônimo do século XVI, "Nau Catarineta", que está na raiz do cordel nordestino brasileiro: "Lançam sortes à ventura / qual se havia de matar/ logo foi cair a sorte no capitão general...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Meu Jardim (de Alma Welt)

Não poderia mais viver sem meu jardim,
Um pedacinho do mundo entre as flores,
Que me fazem esquecer até de mim
E de alguns hipotéticos amores...

A nossa grande perda então compreendo
Ao sermos dois expulsos do primeiro
Só por um fruto à toa estar comendo,
Sim, porque até hoje é corriqueiro...

Mas reconheço que Deus foi generoso,
Salvo pelo suor e a dor do parto,
Até deu-nos um jardim mais portentoso.

Mas o lote que me coube nesse exílio
É um pequeno universo muito farto,
E um jardineiro chamado Seu Emílio...

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09/12/2016

O medo (de Alma Welt)

Há quem tenha certezas e são muitos
Que juram sobre a Bíblia sua fé
E creem na cidade dos pés juntos
E na infalível e poderosa Santa Sé..

Mas eu, pobre criança do destino,
Que sei eu da vida após a morte?
Nem da vida presente tenho tino,
Tudo é mistério para mim
 e pura sorte.

Sim, porque eu não estou pedindo nada
Sou bela, meio rica e talentosa
E tenho uma obra em verso e prosa.

Mas, Senhor, esta maldita lucidez
Não me deixa nem um pouco apaziguada,
Devo ao medo a permanente palidez...

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09/12/2016

Alma Louca (de Alma Welt)

Não ousarei dizer o que é a vida
Apenas com que ela se parece
Deixando minha alma dividida
Entre a blasfêmia e a doce prece.

Hoje teço louvores ao Divino
Ontem eu cuspia no meu prato
Amanhã inventarei um novo hino
Para compensar meu desacato.

Para haver desencanto há o encanto
E dos dois tenho farta experiência.
Oscilo entre os dois enquanto canto.

Me releve a inconstância, pois, Senhor,
De minha alma louca tens ciência,
Rasguei dinheiro mas conservei o amor...

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09/12/2016

O Louco Barco (de Alma Welt)

Fadados à procela e ao naufrágio,
Velas pandas em orgulhoso arco
Tal é a nossa vida e o seu ágio,
Frágeis somos nós no louco barco...

O nosso capitão vive ocupado
Olhando as estrelas e o fanal;
O barco é o mesmo, mas furado,
Portanto nada dará certo no final.

Podes fazer planos de alto mar
Sonhando rever um amor antigo
E até mesmo esperá-lo no altar...

Mas é tarde, o barco já faz água,
Terás tempo só pro teu umbigo
E um grande balde só pra tua mágoa.

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09/12/2016

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Cartesiana (de Alma Welt)

Alguém me disse, e não me rio,
Que uma lógica frugal de mim emana,
Não sei se por censura ou elogio,
Que anti-poeta sou, cartesiana...

Talvez devesse desvairar com as palavras,
Ser surrealista como Lorca
Sair duma camisa de onze varas
E torcer o rabo da minha porca.

Mas na verdade sou filha de outra veia
Amo e venero o velho Whitman
Que explodiu suas sementes de romã, *

E penso que a poesia subsiste
Por ser a nossa eterna Última Ceia,
O pão e vinho a que ninguém resiste...

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08/12/2016


Nota
* Que explodiu suas sementes de romã - em inglês, idioma do grande poeta Walt Whitman, a fruta romã se diz "pomegranate", isto é, "fruta granada", porque quando madura "explode" lançando suas sementes, sendo assim um símbolo de generosidade e fecundidade, (representado frequentemente na iconografia cristã da Virgem e do menino Jesus, na Renascença). Aqui, a romã, associada ao poeta Whitman alude à sua conhecida generosidade, tanto pessoal quanto poética. Vide, por exemplo este famoso poema do bardo americano:


A uma prostituta

Tranquiliza-te, fica à vontade comigo
- eu sou Walt Whitman,
Generoso e pletórico como a Natureza!
Antes que o sol te rejeite,
Antes que as águas se neguem
A rebrilhar para ti
Ou as folhagens a sussurrar por ti
Minhas palavras não se negarão
A rebrilhar e a sussurrar por ti
Garota minha, eu marco contigo
Um encontro bem marcado,
E te encarrego
De fazer todos os preparativos
Para estar bem em forma
Ao encontrares-te comigo;
E te encarrego
De ser paciente e perfeita .
Até lá
Para que não te esqueças de mim
Eu te saúdo com este expressivo olhar.

Contistas (de Alma Welt)

Não me arrependo mas não repetiria
Uma só palavra gesto ou vírgula
E criar uma nova via quereria
Do que a mesma estrada e mesma gula.

Pois a vida é improviso e criação,
Essa é finalmente a nossa glória
E de tal prerrogativa não abro mão,
Somos contistas contando nossa história.

Conquanto reescreva, apague e emende
O destino escreve a última palavra,
Ao pé da página o FIM, o tal The End.

Mas do texto cheio somos donos
Ou temos a ilusão da nossa lavra,
Deus cochila e somos fruto de abandonos...

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08/12/2016

A grande pantomima (de Alma Welt)

Bonecos jogados sobre a mesa,
Somos apenas fantoches desenvoltos
Com ilusão de autonomia e de certeza
São os nossos propósitos de fios soltos...

Certamente há um Grande Titereiro
Que cruel nos manipula lá de cima
Improvisando as falas e o roteiro
Para a nossa estranha pantomima...

Querendo tanto ser seres humanos,
Mas garotos de boné, minas e manos,
Pobres de nós, Pinocchios do destino...

Cresceremos um dia? O que é o adulto?
Perderemos a graça e o desatino?
Teremos afinal salvo-conduto?

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08/12/2016

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

A felicidade (de Alma Welt)

A felicidade é uma virtude
Que exige muitas outras no caminho.
A simplicidade e completude
São as principais, fora o carinho.

É difícil em demasia ser feliz.
O mais sábio entre nós já desistiu
E nesse momento, por um triz,
O feliz desistente conseguiu...

Pois se fores em demasia esperto,
A felicidade não te deixa chegar perto,
Mal sentirás o bater da sua asa.

Mas se humilde, de longe a convidares,
Acessível a ti e aos teus pares
Esta noite jantará em tua casa...

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07/12/2016

À Deriva (III) (de Alma Welt)

Tolos navegamos sem um rumo,
Somos todos barcos tontos à deriva,
Um capitão insiste em soltar fumo
Pondo lenha na caldeira primitiva,

Outro alça velas rotas bujarronas
No ar parado que é a nossa maldição;
Um terceiro queima óleos de mamonas
Numa máquina banal de combustão...

Nós, massa tripulante desgraçada,
Com o nosso mascote gato preto
Mal afastamos do porto de largada

Acabamos remando sob o açoite
Das leis e das emendas sem soneto,
Enquanto adentramos densa noite...

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07/12/2016

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Orfeu e Eurídice (de Alma Welt)

Orfeu desceu ao Hades por amor
(pobre poeta, armado com sua lira),
De Eurídice no auge do esplendor,
Encerrada na sombra que a engolira.

Dariam a ela remédios, hoje em dia,
Que o tempo dos choques já passou,
E conversas com a doutora, terapia,
E ao poeta uma guitarra, e tome show...

Mas o princípio é o mesmo, nada muda.
Descer às profundezas cabe ao amor
Para tentar resgatar o ser que afunda.

Nem sempre ele consegue, bem sabemos.
E a alma diz, centrada em sua dor:
"Fuja pra luz, talvez nos encontremos"...

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06/12/2016

A segunda via (de Alma Welt)

Contra a dor, uma luta permanente,
Sim, heroica ao sol, contra a tristeza
É o legado final de minha mente
E do meu coração posto na mesa.

Não me venham, pois, chamar de deprimida
Nem tão pouco daquilo: bipolar!
Que a minha é somente a dor da vida
Que ocorre em quem tem muito para dar...

Eu mesma a mim me rasgo o peito
E me tiro para fora o coração
Fazendo do avesso o meu direito.

E escrevo pra tirar segunda via,
Pois a alma não se apraz na escuridão
Encerrada em nosso corpo à revelia...

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06/12/2016

domingo, 4 de dezembro de 2016

Às botinas de Rimbaud (de Alma Welt)

Rimbaud tinha o dom da caminhada
E percorreu as estradas de seu tempo
Como um grande peregrino da alvorada
Parando só para tomar algum alento.

Guri poeta, descreveu uma parada
Onde tocava a lira dos elásticos
De sua bota (até consta que furada)
Um joelho junto ao peito, gestos plásticos.

A ninguém ocorreria tal lirismo
De botinas surradas de mil léguas,
Orfeu por muito menos deu orfismo.

Mas eu, sua fã e herdeira na coxilha,
Para por meu pé na terra a cada milha,
Também às minhas sandálias darei tréguas...

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03/12/2016
Nota
Este é o famoso soneto de Rimbaud que contém os versos citados pela Alma:

Ma Bohème
Arthur Rimbaud

Je m’en allais, les poings dans mes poches crevées ;
Mon paletot aussi devenait idéal ;
J’allais sous le ciel, Muse ! et j’étais ton féal ;
Oh ! là ! là ! que d’amours splendides j’ai rêvées !

Mon unique culotte avait un large trou.
– Petit-Poucet rêveur, j’égrenais dans ma course
Des rimes. Mon auberge était à la Grande-Ourse.
– Mes étoiles au ciel avaient un doux frou-frou

Et je les écoutais, assis au bord des routes,
Ces bons soirs de septembre où je sentais des gouttes
De rosée à mon front, comme un vin de vigueur ;

Où, rimant au milieu des ombres fantastiques,
Comme des lyres, je tirais les élastiques *
De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur ! *

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Nota
*Comme des lyres, je tirais les élastiques
*De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur ! - estes notáveis versos, sugestivos, quase intraduzíveis, podem ser entendidos assim:
Como das liras eu puxo as cordas (os elásticos)
De meus calçados feridos (botas furadas) , um pé (joelho) perto do coração ( gesto de quem se agacha para amarrar as botinas)

Arthur Rimbaud, Cahier de Douai (1870)

Os peregrinos (de Alma Welt)

Uma imensa beleza nos espera
Afinal, quando bem intencionados
Trilhamos os caminhos desta esfera
Que nos chama pro centro e não pros lados.

O final é sempre o mesmo, nós sabemos,
Mas quão bela pode ser a caminhada
Se nas nossas botas bem cabemos
E nossa carga não for muito pesada...

Descobrirmos a beleza deste mundo
Em meio a tantos males e à torpeza
É o nosso desafio mais fecundo.

Rotas, mil, mas a da Arte nos foi dada,
Os mapas colocados sobre a mesa,
Cabe a nós escolher... e pé na estrada.

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03/12/2016

sábado, 3 de dezembro de 2016

A Perfeição (de Alma Welt)

A perfeição, eu a tive por momentos...
Quem disse que no mundo ela não há?
É efêmera, não depende de fomentos,
É gratuita e imprevisível, mas se dá...

Mas reparem, ela não é desvinculada
De toda razão, causa ou sentido.
O amor está presente e não quer nada,
Eis aí, talvez, o vínculo escondido...

Mas se quiseres algo, um só desejo
Põe tudo a perder com a Perfeição
Como sem um periquito o realejo...

Esteja simplesmente em seu momento,
Mas não ajeites o cabelo com a mão,
Fique quieto, não se mova, sinta o vento...

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03/12/2016

O Natal da nossa Infância (de Alma Welt)

Eu me lembro, todos juntos, era lindo,
Sem conflitos, a paz entre os irmãos;
Nossa família, o ano quase findo,
Nossa vida repousava em nossas mãos.

Tudo perfeito, reinava a harmonia,
Nosso aconchego fazia-nos sonhar
Com o próprio presente, dia a dia,
Nossa casa ao sol, à brisa e ao luar,

Cães fiéis, mais um gato e uma lebre,
Estes dois não trocaríamos na vida
Pois estávamos a salvo da tal febre

Da ambição, da estúpida ganância
Do ouro, que nos põe a alma perdida,
Tão longe do Natal da nossa infância...

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04/12/2016

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Queria (de Alma Welt)

Eu queria que queria querer tanto
Como se jovem fosse novamente
E o meu querer cobrisse como um manto
O que de belo a vista me apresente.

Queria amar alguém que me provasse
Que a vida é boa e que tudo vale a pena
Queria ser mais simples que tornasse
A minha alma louca mais serena.

Queria amar como se fosse a solução
Como se fosse drágea ou uma pílula
Para as dores abissais do coração.

Como se vive-lo todo fosse urgente,
E não a passo vagaroso de uma mula
Queria o amar futuro no presente...

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02/12/2016

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A origem dos meus versos (de Alma Welt)


Foi preciso uma razão para viver,
Este foi o meu problema a certa altura.
Não bastava o estar aí ou simples ser,
Perdida que estava minha candura.

Tive que me reinventar para durar
Porque já me esvaía em tolice,
Já que a vida era difícil de aturar
Sem varar o meu espelho feito Alice.

E abriu-se uma janela ou uma porta
Para mim quando escolhi escrever versos
Como fora o único que importa.

Tal seria meu legítimo absurdo,
Este, sim, criador de universos
Como a nona sinfonia para um surdo...

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01/12/2016