segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Balanço da Vida (de Alma Welt)

Lancei meu nome aos quatro ventos
Desde o Pampa a plena pradaria,
Levei minhas notícias de Poesia
Nas pequenas aventuras e eventos

Que me souberam assim universais,
Pois os homens são um só, o mesmo medem
A oeste, norte, sul... leste do Éden,
Quanto mais fiéis aos seus quintais.

E assim vi minha Vinha prosperar
E as ramas do vinhedo me cercarem
Com os cachos sumarentos a brilhar.

Mas sei também meus poemas como hera,
Gavinhas que pressinto se alastrarem
Nas paredes da Casa que me espera...

17/01/2007

sábado, 27 de dezembro de 2008

A Ronda (de Alma Welt)

A Ronda (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu jardim
Rever minhas memórias prediletas,
Ali, entre os eflúvios do jasmim
E o aroma mais sutil das violetas.

Como danço e giro em minha ronda!
Como sinto leves os meus braços!
Meu corpo quer rolar como uma onda
Ao rememorar os meus abraços,

Sim, dos meus amores, de guria
Que de tanto amar já me perdia
Naquela ânsia louca de entregar-me

Que fez de mim mesma minha amante
Por puro entusiasmo pela carne
Que tornava eterno cada instante...

10/01/2007

Nota
Encontrei agora, de madrugada, mais este soneto inédito, na arca da Alma, que me parece especialmente belo, e que reitera essa nota característica do "egotismo sublime" da nossa Poetisa. Por sua excepcional beleza, Alma tornou-se sua própria amante, como Narciso poético (redundância) que ela era. Não podemos culpá-la: diante dela sentia-se a legitimidade dessa paixão que transcendia a mera auto-estima. Pois nela, tudo parecia belo. Pelo tom, pelo talento, pela estética doce e natural de suas atitudes.(Lucia Welt)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O prelúdio sem fim (de Alma Welt)

Uma vez, voltando do meu prado
E já atravessando o nosso mate,
Ouvi um prelúdio executado
Por alguém que só podia ser o Vati.

Corri pelo jardim, logo o salão,
E chegando ao escritório para vê-lo
Surpreendi-me ao encontrar o irmão
Como de praxe a coçar o cotovelo.

Onde? Onde está nosso maestro?
Eu indaguei, espantada e meio tonta.
Quero ouvi-lo, me parece falta um resto!

"Minha irmã"- disse ele sério para mim-
"É um prelúdio para ti, não faça conta,
Que jamais irei tocá-lo até o fim..."

(sem data)


Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que me dei conta de ser inédito, nunca publicado por ela ou por mim. Fui testemunha desse episódio. Rodo tocava piano maravilhosamente e compunha, raramente. Alma achava que ele desperdiçava seu talento, dedicando-se cada vez mais ao pôquer. Mas me parece que, ele ter composto um prelúdio inacabado para a sua Alma, contém uma vaga alegoria... (Lucia Welt)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )/

Este soneto foi publicado primeiramente no meu blog O Espaço do Irmã da Alma na segunda-feira, 24 de Novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )

Pelos labirintos desta estância
Vagueio como outrora sob a luz
Agora com temor e esta ânsia
Que não obstante me conduz

Pelas sendas onde ontem fui feliz
E corria alada a colher flores
Para florir meu quarto de aprendiz
Da Poesia, do Amor e suas dores.

Como viver os dias que me restam?
É a pergunta recorrente, intrometida
No rol de pensamentos que me infestam.

Ruivas colunas, galgando patamares,
Ruivos cabelos flamejando pelos ares,
Eis a Alma... que corre... já ferida!

18/01/2007

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Nota
Estarrecida acabo de encontrar este soneto inédito da Alma em sua arca do sótão, em que a imagem do Labirinto se confunde com a escadaria de colunata vermelha do palácio de Cnossos, em Creta, que nitidamente é o cenário ou metáfora que perpassa o poema, de dolorosa premonição da morte. Na verdade, cheguei rapidamente a essa interpretação porque Alma tinha um cartão postal dessa escadaria ladeada de colunas ("ruivas" como os seus cabelos) pregado com alfinete num painel de cortiça, de recordações de viagens e amigos, no seu quarto. Alma acreditava ter já vivido em Creta nesse palácio do Labirinto. Mais uma vez tive que chorar... (Lucia Welt)

sábado, 16 de agosto de 2008

Odisseu (de Alma Welt)

"Somos para a Morte", disse alguém,
E desde então eu me pus a meditar,
Coisa inusitada para quem
Todas as dádivas vieram se somar.

A beleza é vã, efêmera, fugaz,
Diz Matilde, o que a Mutti já dizia,
E eu desconfio que apesar de pertinaz,
Tal pensamento deriva da apatia.

Ah! Odisseu, meu grego predileto,
Que disseste (e por isso foste honrado)
O quê é o homem? Cabal, doido completo

Que se acaba com um simples resfriado
E que no entanto, aqui como em Elêusis,
É capaz de afrontar os próprios deuses!

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A caravela (de Alma Welt)


Lanço no papel minha experiência
De ser o fulcro ou centro desta saga
Tão amada, vivaz, com tal ardência,
Como um druida, bardo ou velha maga.

Nada de queixumes ou lamento,
Mas afirmação total de vida
Que aos outros possa ser alento,
Inspiração vital e comovida.

Pois sei que a vida é mesmo bela
E o frágil ser humano, interessante
Como pode ser imenso e triunfante!

Eis porque vago pela face do papel
Como tardia, embevecida caravela
Fazendo deste espelho o próprio céu.

1401/2007

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O eterno retorno (de Alma Welt)

Contarei e cantarei até o fim
Dos meus dias como vou ao meu irmão
Encontrá-lo alta noite no seu sótão
Para entregar-me a ele e ele a mim.

E como, tateando no escuro
Nos longos corredores, já ardente,
Eu me dispo no caminho, de repente
Naquele impulso claro e escuro

Que me leva assim a dar-me e dar-me
E exausta adormecer sobre seu ombro
Depois de tanto cavalgar a sua carne.

E como, adormecida, recomponho
A clara roda de ir ao seu encontro
Na obscura clareza do meu sonho.

(sem data)
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A Fronteira e o Portal (de Alma Welt)

Saio de manhã com cuia e bomba
A vagar por minhas velhas trilhas
Até rondar o bosque em sua lomba
Que nasce no sopé destas coxilhas.

Ali penetro então chimarreando
Aquecida por dentro pelo amargo
Para ouvir a natureza despertando
E o meu alento bem mais largo.

E logo tomada de entusiasmo
Me ponho a correr por entre os troncos
E a girar no centro de um orgasmo

Até desfalecer numa clareira
Cercada por seres nada broncos,
Abertos o Portal e a Fronteira...

(sem data)

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Nota
Acabo de encontrar este curioso soneto manuscrito entre os papéis da Alma na sua arca, e dei-me conta de que nunca foi publicado. Apressei-me em digitá-lo e colocá-lo no seu blog dos Sonetos de Mistérios da Alma. Mas logo percebi que se trata, na verdade, de um soneto erótico, embora simbólico e velado. Não preciso dizer o que são "o Portal" e "a Fronteira". Ri muito e mais saudades tive de minha extraordinária irmã, de sua intensidade vital e de seu humor. (Lucia Welt)


Se me perguntarem... (de Alma Welt)

Se me perguntarem o que quero
Com tanto escrever, em catadupa
Soneto após soneto, eu reitero
Que isso me elimina toda a culpa.

Sim, a que se instala em nossa alma
Com o primeiro vagido após o tapa
E faz o ser humano ter um mapa
Do inferno gravado em sua palma.

Em sendas ocultas e entrelinhas
Eu vou, vago, vôo e deixo ir-me
Ignorando as coisas comezinhas.

Escrevendo recupero a inocência
E posso tudo, e na alma permitir-me
Ir muito além da dor e da demência.

15/12/2005

Nota
Ao encontrar há pouco este soneto, apertouse-me o coração, pois pela data percebi que fora escrito poucos dias antes da sua internação na Clínica em Dezembro de 2005, que tanta preocupação e dor nos causou, inclusive com sua fuga e percalços em caronas de caminhão pelas estradas do nosso Pampa. Este soneto testemunha a luta heróica da Alma para fugir "da dor e da demência" que rondavam a sua alma de poeta, de artista predestinada e de mulher muito bela, excepcionalmente pura e ardente.(Lucia Welt)




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Minha "Estrela de Absinto" (de Alma Welt)

Estrela minha, a mim mesma me revela!
Eu te invoco como outrora o Druida
Ou muito antes o rei da torre aquela
Etemenanki que em Babel foi destruída!

Vem ao meu encontro e me desvia
Do fatal caminho que pressinto,
Eu sei, estamos todos nessa via,
Na rota de uma estrela de Absinto,*

Mais sonhos, mais delírios, mais anseios,
Ainda não cumpri meus devaneios
E ainda faltam centenas de sonetos,

Cavalgadas, êxtases, amores,
Vagar por entre temas e motetos
A colher emoções como se flores!

19/12/2006


Nota
* Estrela de Absinto -Obra de Oswald de Andrade, 1927. A expressão se refere à uma estrela apocalíptica, para alguns místicos e esotéricos caracterizada como o planeta Vênus(estrela Dalva). Absinto: bebida muito consumida na Belle Époque parisiense, e que, com o ópio, custou a vida de muitos poetas e pintores. No Apocalípse de São João, Absinto é o nome de uma estrela da destruição que cai sobre as fontes de águas e os rios, no final dos tempos (um meteorito?).Entretanto, não está claro, no poema, em qual sentido Alma a está usando. (Lucia Welt)

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Não irei queixar-me ao rei dos pampas (de Alma Welt)

Não irei queixar-me ao rei dos pampas,
O Minuano que selou o meu destino...
Não rezarei ao pé daquelas campas
Nem ali tocarei meu violino.

Bah! Tanto me alertaram sobre aquilo
De escolher e abraçar a "vã Poesia"
Abandonando o caminho mais tranqüilo,
Do Lar, e ainda ficando "pra titia"!

Sobretudo não irei me prosternar
Diante da matéria ou de seus signos,
Que não tenho o afã de conservar...

Pois que há muito abri minhas eclusas,
Fiz juras e votos bem mais dignos
E jamais renegarei as minhas Musas!

(sem data)
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A névoa e a Alma (de Alma Welt)

Quando a névoa ainda não se alçou
E paira sobre a relva confundindo
Céu e terra como quando começou
O mundo e Deus ainda estava urdindo

A tessitura de seu reino endiabrado,
Depois cheio de tesouros e magia,
Eu sinto que pertenço a este prado
E nutro-me de sua nostalgia.

Mas logo em alegria me desnudo
Pois orvalhada já em minha roupa
Posso sentir-me parte disso tudo:

De Deus o puro caos primevo e vago
Quando tudo ainda era parte dessa sopa
Do grande caldeirão do Eterno Mago...


(sem data)

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Nota
Acabo de encontrar na montanha dos inéditos da Alma, em sua arca do sótão, este soneto encantador sobre o qual testemunhei as cirunstâncias de sua inspiração, pois acompanhei uma vez a Alma num de seus passeios matinais, bem cedinho, e a vi impulsivamente desnudar-se para sentir a névoa da alva da manhã em sua pele, no corpo todo, rodopiando de alegria em sua integração sentida nesse "caos úmido". Alma era uma criatura profundamente telúrica e nutria-se, como ela dizia, das forças da terra e do ar, como todos os seres, é verdade, mas com mais intensa consciência poética, se podemos dizer assim, do que a maioria de nós. (Lucia Welt)


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terça-feira, 29 de julho de 2008

Da vida vivida (de Alma Welt)

Por amor, me desnudei a alma
No papel em versos escandidos,
Não me poupei em nada, dei a palma
A ler, como às ciganas os escolhidos.

Sim, por que nelas eu confio
Se vêem em nós o dedo do destino
Ou espada a pender daquele fio.
Mas ouvindo da Gitana o violino

Cantei, dancei, de mim me desnudei
E nos leitos dos amados supliquei
Que tocassem as fibras do meu ser.

E louca, penetrada e fruída
Fui verso e canção pra ouvir e ler
E nada deixei pra outra vida...


17/01/2006

Nota

Mais uma vez emocionadíssima, ao descobrir agora há pouco este soneto, me defrontei com um "testamento espiritual" da Alma, poderoso, de comovente grandeza.

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A Alma destas águas (de Alma Welt)

A trilha que leva à minha cascata,
A cantar percorro todo dia,
Descalça, pois retiro a alpargata
Para sentir do solo a energia.

E logo vou a blusa retirando
Ou o vestido inteiro, se é o caso,
Depois a calcinha, ali deixando
Na senda como rastro e ao acaso

As belas tramas um tanto obsoletas
Pois me dou à transparência destas águas
(que nunca me escondi em vãs anáguas).

Depois saio brilhando, nada feia...
E mais: para atrair as borboletas,
Me agacho crua a urinar na areia.

(sem data)

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Nota

Encantada, acabo de descobrir na arca da Alma este soneto lindo, ligeiramente erótico, que revela algo que eu mesma testemunhei algumas vezes: nua, molhada e brilhando, Alma urinava na areia da prainha da cascata, e logo ali se fazia uma revoada de borboletas que apreciavam o sal ou a amônia onde pousavam numerosas, sugando, para encanto de minha bela irmã, que eu ficava olhando, admirando, como uma ninfa que ela realmente era. (Lucia Welt)



Dúbios domingos (de Alma Welt)

Tenho com os domingos dúbia liga
Pois embora ensolarados em essência
Me fazem ver do Tempo a vã carência
E a tal fugacidade, ó minha amiga.

A contagem domingueira se revela
Ultimamente regressiva e voraz
Embora eu seja jovem, viva e bela,
Já me vejo saudosa a olhar pra trás.

Eis que me sinto assim contemplativa,
Que nunca fui alguém que muito chore,
E me ponho a vagar como uma diva

A colher florzinhas como a Core
No seio claro desta natureza viva
Antes que o escuro solo me devore.


28/11/2006


Nota
Acabo de encontrar este belo e impressionante soneto da Alma, que faz ver a persistência de seu pressentimento da morte próxima. Vale aqui relembrar o mito de Core (a Perséfone dos gregos) filha de Ceres, a deusa das colheitas(a Deméter, dos gregos) que estando a colher flores na pradaria, subitamente o solo se abriu e ela foi agarrada pelo deus Hades, do escuro subsolo do mundo (o reino de Hades)onde passaria, por intercessão de Zeus, a pedido de sua suplicante e sofrida mãe, a viver por seis meses, sendo que os outros seis poderia passar com sua mãe sobre os campos. Esses ciclos se relacionavam com o tempo do plantio e o da colheita. (Lucia Welt)

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Palavras à cigana (de Alma Welt)

Rafisa, lê depressa a minha palma
Mas não pares no meio da leitura.
Sempre o fazes como se uma ruptura
No fio do destino desta Alma.

Eu vejo como fechas minha mão
E o disfarças com um beijo ou sorriso.
Mas não conténs, cigana, o coração
E teu peito que ofega, em prejuízo

Do segredo do que é meu e tu me deves,
Pois se és vidente e quiromante
Honra a tua fama, a mal não leves,

Vai, revela tudo, não importa
Se a Morte for um hóspede galante
Que está prestes a bater na minha porta...

05/01/2007

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Nota
Descobri emocionada este soneto que mostra como Alma andava cheia de pressentimentos da morte próxima, mas não totalmente consciente, que é como o Destino brinca de se apresentar...
(Lucia Welt)

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O claro e o escuro da Alma (de Alma Welt)

Amanhã verei meu ser refeito
E envolto em aura, libertado,
Serei o ser que sou, o ser eleito
De mim mesma, aceso, iluminado.

Farol na noite eterna de esperança
Ou sol no dia claro sempiterno,
O timbre escolhi eu desde criança
Ao escolher o amor, o bom e o terno.

Mas, bah! se o Cerro esfria e escurece
E pelas faldas onduladas de coxilhas
Do Jarau o minuano escorre e desce,

Da alma o lado escuro me fascina
Ao perceber o quanto, sim, ele me anima,
Esse contraste que produz as maravilhas!

(sem data)
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Nota
Com o seu poder de criar ou de realimentar mitos, Alma parece dizer que o minuano nasce no Cerro do Jarau (vide A Salamanca do Jarau, de João Simões Lopes Neto) e quando este escurece e esfria, escorre pelas encostas e corre pela pradaria, como um desbordamento do lado escuro do mundo. (Lucia Welt)

Noite Xamânica (de Alma Welt)

Quando a noite é quente em meu jardim
Me ponho na varanda, excitada
E logo vou sair fora de mim
Para livre me sentir, e mesmo alada.

E vôo, ah! eu vôo sobre as flores
Pra de cima divisar o meu quiosque
Em que um dia iniciei-me nos amores
Pra depois consagrá-los no meu bosque

Onde então me torno loba ou cadela
Ssschhh!.. a grande coisa, um sábio disse*,
Exige que jamais falemos dela,

Pois me sinto voltar ao animal,
Enquanto vultos negros como piche,
Com seus lumes já me espreitam como tal...

29/06/2006

Nota

*"...um sábio disse"- Penso que Alma, parafraseando, se refere à famosa frase de Nietzsche: "As grandes coisas exigem que não se fale delas. A menos que falemos delas com grandeza. Com grandeza quer dizer: com cinismo e inocência".

Este soneto, de nítida inspiração xamânica, parece insinuar que Alma começa a noite como um pássaro (uma coruja?) e depois se transforma numa loba no cio (cadela), espreitada por uma alcatéia de vultos escuros mas de olhos luminosos. Alma se tranforma no seu "animal de poder". (vide Xamanismo).
(Lucia Welt)
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Reencontrando o general (de Alma Welt)

Acabo de encontrar este misterioso soneto da Alma na montanha de seus textos em sua arca do sótão. Alma parece querer dizer que, rencontrando o atual descendente direto do general Netto da Revolução Farroupilha, morto misteriosamente na Argentina
(em Corrientes) aqui indicada pela expressão "el Plata", este (por ser uma reencarnação do seu tetravô?) a reconhece como seu último grande amor (Maria Escayola) e a chama de seu "Graal", expressando a grandeza de sua procura romântica. (Lucia Welt)



Reencontrando o general (de Alma Welt)

Amarrei minha montaria no mourão
Adentrando então a estância estranha.
No peito eu sentia o coração
Pulsando como os palpos de uma aranha

Que aguardasse a si mesma como presa
No centro de uma teia que era o mundo.
E assim eu caminhava muito tesa,
A sentir que o momento era profundo.

Então me vi diante da varanda
Do herdeiro de meu Netto general,
Que tirou o chapéu, como se manda

E mostrando os cabelos cor de nata
Disse: "Voltaste, minha princesa, meu Graal,
Que te espero, há muito, desde el Plata."

(sem data)

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Palavras ao Vati (de Alma Welt)

Encontrei hoje este sugestivo soneto da Alma, que esclarece a complexa relação de minha irmã com o Vati (papai), com Rôdo, nosso irmão, e com a Mutti, nossa mãe, a "Açoriana", como Alma dizia mais comumente. (Lucia Welt)



Dá-me teu colo, Vati, estou carente,
A Açoriana acaba de afastar-me.
Eu sei, ela me acha delinqüente,
Somente tu, ó Vati, sabe amar-me.

Ela diz que me espevito ao ver "um macho",
Tu ou Rôdo, dia e noite, e sem que
Jamais, ela diz, "sossegue o facho"
Mesmo servida a minha quota de rebenque.

Mas, pai, foste tu que me criaste
E me disseste pra ser sempre verdadeira,
Que minha pele já propunha esse contraste

Com, do falso a escura face, escondida,
E que jamais porias na coleira
O ser que iluminou a tua vida!


06/11/2006



A leitoinha (de Alma Welt)

Galdério, prepara a tua charrete
Que hoje não quero cavalgar!
Leva-me como quando eu tinha sete
E dormia no teu colo ao regressar

E me tomavas nos braços com candor
Ao salão me transportando sem eu ver,
Me punhas sobre a mesa por humor,
Dizendo: “Hoje leitoinha vamos ter!”

E eu já despertada mas fingindo
Não resistia e gargalhava afinal
Sem ousar abrir os olhos, sensual,

Pois sentia o teu olhar tão inocente
Percorrer meu pequeno corpo lindo
Que queria ser tomado docemente...

09/07/2006

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Fiquei estarrecida ao descobrir hoje este soneto na arca da Alma. Senti-me primeiramente perplexa, depois chorei muito.
Ficou claro para mim, de repente, o gesto insólito, aparentemente incompreensível de Galdério ao pegar o corpo nu da Alma, quando de sua morte afogada no poço da cascata, e vir com ele nos braços como um sonâmbulo para depositá-la sobre a mesa do salão onde começou o seu espantoso velório nu, até ser interrompido pela irupção indignada de Matilde cobrindo-a com uma toalha de mesa, como um sudário.
Vide o blog "Vida e Obra de Alma Welt":(www.almawelt.blogspot.com) onde publiquei, já há tempos, a carta que escrevi na ocasião fatídica, narrando as circunstâncias da morte e do velório de minha amada irmã. (Lucia Welt)
Postado por Lúcia Welt às 18:00 0 comentários

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Pietà sulina (de Alma Welt)


Vinha o gaúcho troncho em sua sela
Ferido por adaga gravemente,
Na mão direita a rédea como vela,
A outra mão a segurar o rubro ventre.

E estacando o seu pingo emfim cedeu,
Fez um aceno vago e foi caindo
Nos braços do Galdério que acorreu
A ampará-lo como a um guri dormindo.

E enquanto a alma ia sem adeus
Eu gravei a cena em minha retina
Como uma Pietà leda e sulina

Pois agora já estava entre os seus,
Como o outro na estação divina
Fixando a morte insólita de um deus.


(sem data)

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Conluios da Noite (de Alma Welt)


Elevam-se na noite os murmúrios
Das conspirações que aqui houveram
Nos tempos farroupilhas, e os conluios
Que nos ecos desta casa ainda prosperam.

E ouço: Canabarro se rebela
Contra Bento nosso grande comandante
Enquanto o bravo Netto se revela
O mais fiel amigo doravante.

Mas bah! são as prendas que os inspiram
Com seu doce pranto derradeiro
Na paixão ardente em que deliram,

Juntas, pelos quartos, e ao fogão
Cujas cinzas liberam um rico cheiro
Que, alta noite, invade o casarão...

02/10/2006


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Meu overmundo (de Alma Welt)

Tive um sonho esta noite, recorrente,
Pois me pareceu bem familiar:
Eu morria jovem, de repente,
E podia decidir como voltar

Mas antes me era dado ver o mundo,
Escolher a hora e o lugar
E teria assim meu overmundo
Pois que Deus me queria premiar.

Mas, bah! eu chorava de saudade
Do meu pampa, estância e casarão,
Minha querência, Rôdo, nossa herdade!

E tanto solucei, e o pé batia,
Que Deus não suportando a confusão
De cabeça me atirou na pradaria!...


14/11/2006

(Encontrei hoje de manhã este soneto inédito da Alma, em sua arca, que evidencia que ela conhecia o poema de Murilo Mendes, e que este a inspirou de maneira singular. Mas pode-se perceber também a semelhança da cena por ela descrita com um outro texto, um belíssimo monólogo de Cathy Earnshaw (depois Cathy Linton), do romance O Morro dos Ventos Uivantes( Wuthering Heights) de Emily Brönte, que Alma amava sobretudo, por sua imensa identificação com a personagem da charneca inglesa vitoriana). (Lucia Welt)

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Memória do bosque sagrado (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu pomar
Acender a pira dos meus deuses
Ali eles verão eu me ajoelhar
Como outrora no bosque de Elêusis.

E ao ver o fumo branco ascender
Do nosso mate em proporção secreta,
Eu me regozijarei ao perceber
Que os deuses aceitaram minha oferta.

E então eu abrirei meu coração
Para que vejam o ardor do meu desejo
Que não exclui pureza e devoção,

Pois quero somente preservar
A união de todos em que vejo
A mesma solidão, o mesmo olhar...

24/12/2006
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(Encontrei agora mais este soneto que me fez chorar. Alma previa sua morte iminente e expressava seu amor desmedido por isto tudo, sua vontade de permanecer para sempre por aqui, mesmo vagando, sem manhãs orvalhadas. Mas... ela se via a vagar eternamente com Rôdo, o irmão amado.(Lucia Welt)

Aqui estarei (de Alma Welt)


Aqui estarei, meu Rôdo, quando tudo
Naufragar em nós com o navio
Que é este casarão já quedo e mudo
A crepitar como uma vela sem pavio,

E nós, como sombras sorrateiras
Esgueirarmo-nos por estes corredores
Ou por este salão e suas soleiras
Que olharão para os últimos albores

Já a nos ver espectrais em cavalgadas
Ou mesmo a pé a vagar nas pradarias
Nas novas noites, eternas e tão frias...

Ai! Não mais claras manhãs, e orvalhadas,
Onde rindo perdoavas meus deslizes
E eu aos teus, por sermos tão felizes!

14/01/2007



De sonhos e de vinho (de Alma Welt)


Os sonhos dos meus antepassados
Perpassam meus sonhos, eu percebo,
Mas nem por isso são sobressaltados.
E assim posso amá-los, e os recebo

Densos, encorpados, como o vinho
Que legaram a nós no casarão,
Ali sob meus pés, que os advinho
Dormitando mansos no porão

E que quando vêm à mesa entre risos
E o tilintar dos brindes e desejos
Trazem lágrimas de amor por entre beijos

Que estalam nos lábios como guizos
De uma canção ouvida dos avós
Ou como um só coração dentro de nós.

(sem data)


Meu trem fantasma (de Alma Welt)

(Acabo de encontrar na arca da Alma, este magnífico e misterioso soneto, até então desconhecido por mim, que evoca como metáfora a estaçãozinha e o trem maria-fumaça que serve as nossas terras, imagem recorrente em outros sonetos e também em crônicas e romances de minha saudosa irmã. (Lucia Welt)


Meu trem fantasma (de Alma Welt)


Venham formas-pensamentos, devaneios,
E invadam-me de noite o casarão!
Meus amores estão longe, e os anseios
Preservam-me da negra solidão.

Mas o vazio... a custo eu o evito
Pois sei que ele, só, pode matar-me.
Venha aquele trem, pois, assombrar-me
Com seus brancos fumos e o apito

Naquela plataforma enevoada
Onde sempre deixei os meus queridos
Para vê-los partir em revoada

Envoltos no vapor de suas glórias,
Me deixando aqui, como os banidos,
Num comboio eterno de memórias...

29/12/2006

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A título de curiosidade republico aqui este soneto da série Pampiana, para evidenciar a recorrência dessa imagem da estaçãozita e do trenzito maria-fumaça que serve nossas terras e que era tão querido por minha saudosa irmã. (Lucia Welt)


O trem (de Alma Welt)

(193)

Quando aqui chegava o nosso trem
Na pequena estação perto da estância
Era uma festa enorme para alguém
Que amava os signos da infância.

Os ruidos, silvos e a fumaça,
O vapor envolvendo qual neblina
O vulto espectral de uma menina
Muito branca atrás de uma vidraça...

Era eu que olhava e que me via
Como sempre em tudo em minha vida
Narradora e personagem escolhida

E que esperava a mim na plataforma
Para abraçar-me em meio a algaravia
Daquela multidão quase sem forma.

17/11/2006

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Os últimos brindes (de Alma Welt)

Por ser filha amada de meu pai
Eu pude acreditar em ser poeta,
E suspeito que o mundo um dia vai
Fruir e degustar a predileta

Nascida sob estrela de abastança,
Interior, quero dizer, e dadivosa
Meu desejo é desbordar-me generosa
Como o cálice servido na festança

Quando o "gáltcho" grato na querência
Começa a discursar aos seus compadres
E a mão já lhe treme em conseqüência

Pois os brindes brotam já em borbotões,
Junto com as juras aos confrades
De veraz fidelidade entre peões.

19/12/2006



Sonhos (de Alma Welt)
"El sueño de la razón produces monstruos" (Goya)



Meu corpo traz em sua memória
O toque e as carícias dos amados,
Homens e mulheres, e a história
Dos murmúrios e silêncios encontrados.

E assim, abandono-me no sonho
Carregada de vívidas lembranças
Como arquivo vivo que disponho
Para os dias de menos esperanças.

Eis porque acordo perturbada,
Menos por carência e mais paixão,
Por vezes uma ânsia exasperada,

E erguendo-me da noite na calada
Vou ao seu leito, em sonho da razão,*
Insinuar-me nua, assim, colada...


(sem data)

*Nota

O fato de Alma ter colocado como epígrafe a famosa frase encontrada numa gravura de Goya da série Caprichos denota a consciência plena de sua relação proibida, já bem conhecida de seus leitores. Todavia sempre achei que a beleza lírica que ela punha na abordagem dessa relação, a fazia transcendente, a justificava e absolvia. (Lucia Welt)

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O recurso Münchhausen (de Alma Welt)


Como viver depois de ter vivido
Não o amor mas horror do coração
Após golpe, desonra, humilhação
Ou violação da carne sem sentido?

Como viver com o sonho desfeito
Do que era a própria imagem do viver?
Cair das nuvens ou mesmo desse leito
Onde se foi feliz, e não morrer?

Bah! Há que puxar-se por cabelos
Da alma como o lance do barão
Que afundava só e sem apelos

No poço de uma movediça lama,
E com o baio magro da razão
Alçar-se bem acima dessa cama!


08/03/2002

Nota

Acabo de encontrar mais este soneto inédito da Alma, na sua arca. Publiquei-o imediatamente no blog dela dos Metafísicos. Entretanto detectei nas duas estrofes uma alusão a um estupro real sofrido por ela, não sei se aqui na estância ou em São Paulo. Mas ela se refere a um leito. A julgar por outras narrativas suas eu teria que descartar a imagem de uma cama, que aqui seria meramente simbólica, pois as ocorrências que eu conhecia descartavam esse artefato e mais horrorizavam pelos locais e circunstâncias. Mas, por outro lado, admito a possibilidade de estar equivocada e o soneto da Alma ser uma pura alegoria das desiluções, das dores da alma e da capacidade do ser humano de recompor-se com as próprias forças. Devo lembrar também que a evocação desse episódio das aventuras do famoso barão bávaro é recorrente na obra da Alma, e já fora citado, por exemplo, no final do belíssimo conto Aline, dos Contos da Alma de Alma Welt, publicado pela Editora Palavras & Gestos, de São Paulo.(Lucia Welt)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Agradecida (de Alma Welt)

Pelos amores que quis ou que vivi
Nos dias e nas noites estreladas,
Em apelos à lua e às amadas
Estrelas cujas luzes recebi;

Pelo dom que assim me fora dado
Quando erguida nos braços de meu Vati
Fui consagrada como ser predestinado
A ser um ser de luzes, mesmo um Vate;

Pelas doces coisas que me deram
Aqueles que tão logo rodearam
A guria que em contentar se esmeram,

Mimada, servida, tão louvada...
E a alguns que até me bajularam
Como se princesa fora... OBRIGADA!

16/01/2007

Nota

Descobri nesta madrugada este sugestivo e comovente soneto de minha irmã, que ao mesmo tempo que reflete seu reconhecimento pelos privilégios de sua vida, soa como uma despedida, sim, um agradecimento final de quem está prestes a sair de cena, o que ocorreria quatro dias depois, no fatídico 20/01/2007. E novamente chorei... (Lucia Welt)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Altas horas (de Alma Welt)

Altas horas, o sono interrompido
Pelas batidas do relógio pendular
De meu avô, o boche pouco lido
Que o instalou na sala de jantar

Para ser um marco ou referência
De sua passagem tão austera
Por este casarão e sua esfera:
O vinhedo, o pomar e a querência...

Então eu me levanto e saio nua
Quando estamos do verão no suadouro
Ou de camisola, menos crua,

Para ir ao mundo dos meus livros
Pousados nas estantes, logradouro
Dos mortos que permanecem vivos.


17/12/2006

domingo, 15 de junho de 2008

De sonhos e de vinhos (Alma Welt)

Os sonhos dos meus antepassados
Perpassam os meus sonhos, eu percebo,
E nem por isso são sobressaltados
E assim posso amá-los e os recebo

Densos, encorpados, como o vinho
Que nos legaram em torno ao casarão
E sob os meus pés, que os adivinho
Dormitando mansos no porão.

E quando vêm à mesa entre risos
E o tilintar dos brindes e desejos
Trazem lágrimas de amor por entre beijos

Que estalam nos lábios como guizos
De uma canção herdada dos avós
Ou de um só coração dentro de nós...

17/08/2006

sábado, 17 de maio de 2008

Versos à Poesia (de Alma Welt)

Cantarei a Amada nestes versos,
Aquela que conhece o que a alma quer,
A do prazer e dos momentos adversos,
A das forças que transcendem à mulher

Para além do ser humano, a do esteta
Que faz do próprio dia um soneto,
Um poema, um dueto, uma coleta
De versos descartando o obsoleto

Que tentam impingir à grande Musa,
Aquela que não morrerá nunca
E que existe sem precisar escusa,

A que dá sentido à vã jornada,
Que é de uma rainha em espelunca,
Sabeis, agora, então, quem é a Amada?

19/01/2007

quinta-feira, 6 de março de 2008

O reencontro (de Alma Welt)

Quero reencontrar os meus amores
Todos nos meu braços novamente,
E minha idéia recebeu louvores
Do meu mano afoito e imprudente.

Aline, Vânia, Andrea, e Laís
Antonio e Chiara, a linda Fiora,
Mayra ex-ninfeta tão feliz,
Gino que, parece, ainda me adora.

Todos aceitaram meu convite
Para conhecer o "grande prado"
E minha excitação não tem limite.

Mas ainda não sabem qual o nexo
Desse reencontro inusitado:
Brindarmos ao amor, à vida e ao sexo.

01/01/2007

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Nota da editora

Este fato realmente aconteceu, aliás como tudo o que a Alma conta, às vezes ligeiramente transfigurado e sempre com sentido alegórico. Eu fui testemunha. Minha irmã conseguiu reunir quase todos os seus antigos amores aqui por quinze dias, uns com o pretexto de férias e outros pela curiosidade de conhecer a estância e o casarão. Acredito que ela os teve a todos novamente nos seus braços no seu leito, e suspeito que alguns simultaneamente. Mas a verdade é que ao mesmo tempo que uma celebração isso fazia parte de sua despedida. (Lucia Welt)

quarta-feira, 5 de março de 2008

Prece ao Vento (de Alma Welt)

Vento leva-me ao longe
Quero voar e subir,
Ver o mundo como monge,
Do alto, mas sem desistir.

Afasta-me dos desejos
Que me prendem à terra
Dá-me asas e ensejos
Como alguém que já não erra.

Como uma ave de mar,
Vento, vento, dá-me voz
Para que eu cante no ar!

Mas se for morrer nas águas
Sou leve, não tenho mágoas,
Por quê iria me arrastar?

(sem data)

Sendas da beleza (de Alma Welt)

Quando chegue o verão do nosso amor
Eu irei contigo à cascata
Para nos banharmos sem pudor,
Nuas, protegidas pela mata.

Eu sei que o perigo é permanente
De sermos vigiadas e invadidas
Por olhares de seres ou de gente
Que sempre visa as escolhidas.

E somos nós, eu sei, a dupla eleita
Que as gentes perseguem, invejosas
De nossa beleza que é perfeita.

Todavia retiremos as anáguas
E vamo-nos seguras, corajosas,
Pelas trilhas em torno dessas águas...

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Estrelas que mais brilham (de Alma Welt)

4

Me lembro do meu Vati me contar
Que as estrelas viviam e morriam
Depois de envelhecer e definhar
Mas que no final, pasme! explodiam!

Para de novo tudo tudo começar
Mas em "super-nova", em brilho incrível.
E eu então comecei a matutar
Se não ocorre o mesmo em nosso nível

Pois como estrelas que um dia pereceram
E já não estarão na Branca Via
No exato lugar onde nasceram

Tenho certeza que eu por certo voltaria
Mesmo que outro fosse o meu pomar,
Querendo (que vergonha!) mais brilhar...


20/12/2006

O lago das estrelas (de Alma Welt)

3

Quando a noite cai em meu jardim
Eu fico na varanda após a janta
Para a sobremesa de jasmim,
Sentada, nos joelhos uma manta,

Mormente quando o inverno já chegou.
Mas logo me levanto e vou andar
Entre as sebes para a lua me espiar
E às estrelas dizer "aqui estou"!

Este pampa é lago delas refletido
De coruscantes vontades de retê-las,
Não sou mais que um cintilar aqui perdido.

Levai-me convosco, ó minhas estrelas,
No carroção da Lua, pela Via
Branca como eu... e que nos guia!


05/07/2006

O sopro das estrelas (de Alma Welt)

2
Quando à noite venho à minha varanda
Para olhar minhas estrelas sentinelas
Eu sinto que uma brisa muito branda
Vem do alto e certamente delas.

O sopro das estrelas, quem diria!
É preciso ter a pele muito fina
Da alma, eu digo, e a sintonia
Co'esse alento que move a minha sina...

Estrelas, sou ainda a guria
Que meu pai ergueu para me verdes,
Consagrando-me à vós naquele dia,

E que nunca jamais me encontraria
A esmo, a descoberto, por me terdes
Encaminhada pois que sois estrada e guia!


16/12/2006

Estrelas fiandeiras (de Alma Welt)

(1)
Estrelas que me guiam, minhas estrelas
Que no imenso firmamento de minh'alma
Me olham com ternura e com calma
Sabendo que eu nunca irei perdê-las

Do meu belo horizonte de destino,
Fiel ao juramento em meu jardim
Na noite de um ajuste muito fino
Que fiz de mim mesma para mim!

Ó estrelas, fiandeiras esmeradas
Que cardais, depois fiando numa roca
O fio que liga amantes e amadas,

Não deixareis de enredar o meu amor
Até ele emergir de sua toca
Para termos nosso encontro de esplendor!



(sem data, provavelmente 2006)
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Nota da editora

Acabo de encontrar alguns belíssimos sonetos da Alma, ultra-românticos, que caracteristicamente poderiam ser separados numa série que eu chamarei de "Sonetos às estrelas". Por isso deixarei de incluí-los nos Pampianos, embora sejam da mesma época e inspirados pelas suas noites no jardim do nosso casarão aqui da estância, e que agora denominamos Jardim da Alma. (Lucia Welt)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Prece ao Minuano (de Alma Welt)

*

Ó Vento Minuano do meu Pampa,
Grande rio que desce a cordilheira
Do mundo castelhano como rampa,
Para fluir no chão em corredeira

E logo liso e frio sob as portas
Para gelar o meu peito desregrado
Que teme ter aberto suas comportas
E agora estar sendo castigado!

Rei Mino, me prosterno amedrontada
E oro ao deus dos ventos que em vigia
Abriu as tuas eclusas de enfiada

E deixou teu forte rio desatar
Do imenso coração da pradaria
Para com direito me humilhar...



(sem data)


Nota da editora

Acabo de encontrar mais este magnífico soneto perdido entre seus papéis e que não compreendo como a Alma não publicou na ocasião no site RL, onde estava colocando diariamente a série Pampiana até a sua morte tão chocante e repentina no dia 20/01/2007.

*Este soneto me faz recordar a temerosa veneração da Alma pelo vento Minuano, que quando soprava a deixava fora de si, em pânico ou delirante, de tal maneira que Matilde e eu tínhamos que amarrá-la para não sair correndo na pradaria ou debatendo-se no chão de maneira impressionante e dolorosa. Alma era demasiado sensível aos elementos e parecia ter um estranha integração com a paisagem, para a alegria ou para dor. (Lucia Welt)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Meu mundo (de Alma Welt)

*

Quando quero viajar o mundo inteiro
Me dirijo ao escritório do meu Vati
Com seus três mil livros e o tinteiro
Com sua pluma de ema de cor mate.

Ah! A bomba e a cuia ali estão
Sobre a mesa como signos do pampa
De onde partirei para o Japão
Inspirada por aquela bela estampa

Da famosa onda do Hokusai
Com o monte Fuji bem no fundo
Incluída em testamento por meu pai

E doada só a mim, com intenção
(que nem mesmo precisava tal menção)
Pois co'a pena e os livros... é meu mundo.


(sem data)


*(recém-encontrado, certamente também dos Sonetos Pampianos da Alma).

A Viúva-Negra * (de Alma Welt)

(dos Sonetos Pampianos da Alma)


Um peão aqui da estância foi picado
Por viúva negra, o pobrezinho!
Então fui visitá-lo (é meu vizinho)
E estava mal-ferido e acamado.

Mas depois de meia hora compreendi
Que ele estava era mesmo apaixonado
Pela viúva de um peão muito afamado
Que persiste morando por aqui.

Apezar de muito bela e cobiçada
Ela parece inacessível e já fatal
Pois o marido morreu de uma facada

De um outro, Antonio, o qual
Depois também tirou a própria vida,
Por conta da péssima acolhida.


Notas da editora

*Este soneto-crônica a rigor deve pertencer à série dos Pampianos da Alma, que já somam 421, mas como já estão publicados numa ordem e numerados, prefiro não mais tentar encaixar as novas descobertas para não afetar os respectivos comentários dos leitores.

Esta estória, verdadeira, da qual eu soube detalhes pela Matilde, mostra a mentalidade rígida de nossas mulheres, peonas aqui da vinha, que freqüentemente morrem para o mundo após a morte de seus maridos. O mito da viúva-negra, aqui, vai por conta do despeito dos peões pretendentes rejeitados. (Lucia Welt)