terça-feira, 31 de maio de 2016

Após a Tempestade (de Alma Welt)


Tivemos águas bem mais turbulentas,
Agora é só um silente deslizar...
Levantamos nossas almas violentas,
Agora é nossa hora de acalmar.

Vai o nosso barco lentamente
E podemos por fim calafetar,
Reparar as velas no poente
E com um grog de rum talvez cantar.

Bah! Como é bem vinda a calmaria
Em que então nos miramos na água calma
Já que espelho mais antigo não havia...

E voltamos ao melhor de nossa paz,
Afinal tudo se passa em nossa alma,
Tudo, dentro ou fora, ela é que faz.


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31/05/2016

domingo, 29 de maio de 2016

O desafio (de Alma Welt)


Pobres de nós, humanos seres!
A vida nos traz doença e morte,
O desenlace é ruptura ou corte,
Não adianta questionar os seus poderes.

Vivemos só por ironia, obra e graça
De um poder maior desconhecido
Que velho como o mundo faz pirraça
E ainda quer o homem agradecido.

Tudo é insensato nesta ilha
Onde viemos dar com os costados,
Quando náufragos perdemos nossa trilha.

Só nos resta do Montecchio a rebeldia *
De erguer a voz, punhos fechados
Então desafiar a estrela guia...

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29/05/2016

Nota
* A rebeldia de Montecchio - Romeo Montecchio quando pensa que Julieta está morta, ergue o punho para o céu e grita: "So I defy you, stars!"

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Velhos amores (de Alma Welt)



Já cultivei demais velhos amores
Que se desgastaram com o tempo
A custa de remendos e rancores
E erros, desculpas, contratempo.

Não posso concertar um verso só
Dos poemas que com eles redigi,
O melhor das rimas falsas e do pó
Que a vida me legou, já percebi...


Entretanto os tenho ainda em mim,
Que se tornaram em gesto e sangue
E portanto em verso e lírica por fim.

Raízes, funda lama e morno porre,
A vida é rica e vária como um mangue,
Já posso esquecê-los, nada morre.

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26/05/2016

terça-feira, 24 de maio de 2016

O retorno (de Alma Welt)



Manhã orvalhada (Alma ) - óleo / tela de Guilherme de Faria, 2002.

O retorno (de Alma Welt)

Não fixei da desvairada juventude
Mais do que as ânsias da paixão,
Cheia de tolice e incompletude
Regidas por desejos e ambição.

Que castelos loucos fiz no ar,
Sem necessariamente ser romântica
Mas sim da veleidade de voar
Nas asas dos truques de semântica...

Para poder voltar aos meus inícios
Então abandonei os artifícios
E esqueci os "ismos" da cultura:

E era uma simples guria da coxilha,
Da mãe que me cobrava ser só filha
A colher flores para a sua sepultura...

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24/05/2016

sábado, 21 de maio de 2016

Dias chuvosos (de Alma Welt)


Dias tristes, chuvosos no meu pampa
Me faziam chorar de auto-piedade
A imaginar-me já em minha campa
E numa solidão de eternidade...

Mas um piano perto sempre havia
Tocado pelos dedos do meu pai
Ou então de meu irmão por ironia
Fingindo uns suspiros, tipo "ai!"...

E então eu ria e o abraçava
E na tristeza ou dor já não me via
Pois o seu cinismo me encantava.

E logo era feliz sem mais demoras
Na volúpia de sentir o que eu sentia
Entre a sombra e a luz daquelas horas...
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21/05/2016





Sem remorsos (de Alma Welt)



Remorsos, talvez não, mas muita pena
Tenho agora do excesso de altivez
Com que aparente andei, falsa serena
Na tola juventude em minha vez...

Quanto medo eu tinha, na verdade!
Frágil em minha cândida soberba
Mas sem culpa de ser bela à saciedade
O que tornava a vida tão acerba...

Não tirarei portanto uma só linha
De tudo aquilo que sem merecer vivi
Pois blasfêmia é renegar o que me vinha.

Não cuspirei no lindo prato que me deram
Com que a vida me serviu e bem comi
E em que provavelmente me comeram...


21/05/2016

Louca juventude (de Alma Welt)


Juventude louca quão depressa passas
Sem que nos demos conta ou importância
Como um mero novilho que tu laças
Ou boleias por esporte aqui na estância...

O quê não daria eu para deter-te
Agora que te vejo no horizonte
A dourar o passado, e converter-te
Em novas esperanças com que conte.

Velha como o mundo assim me sinto,
Sentada a embalar-me na varanda
A tomar o chimarrão meu absinto...

No entanto meus cabelos, sei, flamejam
Perfumados a jasmim ou a lavanda
Que beijar os colibris ainda almejam...


21/05/2016

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A sibila líbica (de Alma Welt)



            A Sibila Líbica - de Michelangelo (Capela Sistina)

A sibila líbica (de Alma Welt)


*Rafisa, a minha líbica sibila
Cigana, respondendo ao meu anseio
Sobre tudo em que meu saber vacila
Me disse pondo a mão sobre o meu seio:

Alma, és o universo feminino
Com tudo o que nele está oculto
E teus versos de desvelo sibilino,
Objeto serão de novo culto.

As coisas que se escondem nas caladas
Das mentes mais brilhantes contra o vulgo,
Haverão de ser um dia reveladas.

E nesse dia, teu nome se erguerá
Como um flor nascida no refugo
De um século de horror e Deus-dará...

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18/05/2016

Notas
* Rafisa- este é o nome da cigana profetisa que se tornou amiga da Alma Welt quando sua tribo acampou pela primeira vez nas terras da família Welt (estância Santa Gertrudes) no pampa riograndense. O artista plástico e poeta Guilherme de Faria a retratou no seu mais famoso cordel "Romance da Vidência" Vide www.guilhermedefariacordel.blogspot.com


A sibila líbia ou sibila líbica era a sacerdotisa profética que presidia o oráculo de Zeus Amon (Zeus representado com os chifres de Amon) no oásis de Siva no deserto da Líbia.

A palavra «sibila» procede, através do latim, do grego σίβυλλα sibylla, ‘profetisa’. Havia muitas sibilas no mundo antigo, mas a sibila líbica predisse a «chegada do dia em que tudo o que está oculto será revelado».

A Sibila de Cumas (O pedido) (de Alma Welt)

                                         A sibila de Cumas - Michelangelo (Capela Sistina)


A Sibila de Cumas (O pedido) (de Alma Welt)

Eu me aproximei do umbu-pampeiro
E logo na primeira e final prece
Pedi só juventude e com dinheiro
E que seja eterno e nunca cesse.

Mas não implorei a mocidade pura
Para eu não cair numa armadilha
Como a cumana e sibilante criatura
Pr'a quem a juventude era uma ilha.

Pois como a eternidade sem frescor,
Sem a sabedoria é uma "roubada",
(perdoai-me a gíria velha e o humor),

E então, exigiu-me certa lábia,
Coisa nunca vista ou imaginada
Pedi ao Pampa a juventude sábia...


18/05/2016


Nota
A Sibila de Cumas na Antiguidade era considerada como a mais importante das dez sibilas conhecidas. Era também conhecida como a Deífoba - palavra que significa deidade, ou que tem a forma de deusa. Apolo era o deus que inspirava as profecias das sibilas. À Sibila de Cumas consta que havia prometido realizar um grande desejo. A Sibila então colocou um punhado de areia em sua mão e pediu-lhe para viver tantos anos quantos fossem as partículas de terra que tinha ali. Mas esqueceu-se de pedir, também, a eterna juventude, assim foi que com os anos tornou-se tão consumida pela idade que teve de ser encerrada no templo de Apolo em Cumas. A lenda diz que viveu nove vidas humanas de 110 anos cada. Encerrada numa jaula no templo, encarquilhada como uma bruxa de mil anos, só conseguia murmurar: "Quero morrer".

terça-feira, 17 de maio de 2016

A humana barca (de Alma Welt)

    Nau grega - aquarela de Guilherme de Faria, anos 80

A humana barca (de Alma Welt)

A humana barca roda e dança
E como nós gritamos, remadores,
Enquanto a barca louca não avança
Mas furada afunda entre clamores!

Toda nau é heroica e insensata
E sua vocação é o naufrágio
Pois ao deus dos mares desacata
E em terra se prolonga como um ágio.

Mas se estamos fadados ao desastre
Pior restar na praia preguiçosa
Se a calmaria o ímpeto nos castre...

Não temos pois escolha: alçar velas,
Negras velas na partida temerosa
E também no retorno, a salvo, delas...*

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17/05/ 2016

Nota
*Negras na partida temerosa
E também no retorno, a salvo, delas - alusão Ao episódio da saga de Teseu, em que seu pai, o rei Egeu, proveu a nau de seu filho de velas negras para partir para Creta afim de libertar os jovens de Atenas, que todos os anos eram enviados ao Labirinto do rei Minos para alimentar o Minotauro, como tributo da guerra vencida por Creta sobre os atenienses. Como recomendação de seu pai, Teseu se saísse vencedor deveria trocar as velas por brancas. Teseu se esqueceu disso no retorno e não as trocou. Seu pai que todos os dias ficava no alto de um penhasco olhando o horizonte aguardando ansioso a o retorno de seu filho, quando avistou velas negras, julgou seu filho derrotado e morto e se atirou a mar, que passou a se chamar Mar Egeu, em sua honra..





quarta-feira, 4 de maio de 2016

A tapera do fim do mundo (de Alma Welt)

                     A tapera do fim do mundo  - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2015, 30x40cm

Fui até o fim tristonho do meu mundo
Lá mesmo onde fica uma tapera
Em que me vejo só e mais a fundo
E onde meu eu real a mim me espera.

Fica lá onde o arroio corre, do Chuí
O extremo do extremo do meu pampa
Onde o frio minuano dobra ali
E volta porque encontra sua campa...

Ó solidão extrema, insustentável,
Que a nenhum vivente coube igual
Que se mantivesse ainda amável!...

E eu acordo ofegante e esbaforida
Procurando em torno meu quintal
Onde rica minha alma tem guarida...


04/05/2016

Esperanças (de Alma Welt)



Esperanças (de Alma Welt)

Guardei minhas secretas esperanças
De maneira tão discreta, e sutilmente,
Que não fossem roubadas de minha mente
Pelos jogos da ambição e suas ânsias.

Nada quis de material, um alfinete,
Um iate pra singrar por entre as ondas,
Um reino, um corcel e seu ginete,
Nem mergulhos imortais em novas sondas.

Quê esperanças foram essas? Me perguntas.
E eu só posso dizer quase corada
Que sonhei com as pessoas todas juntas

Sem o ódio e o rancor de tantos anos,
Uma bandeira nova em novos panos,
Numa pátria feliz e restaurada...


04/05/2016

terça-feira, 3 de maio de 2016

Ontem hoje amanhã (de Alma Welt)

                                    Litografia de autoria de Guilherme de Faria

Ontem hoje amanhã (de Alma Welt)

Viver o ontem, o hoje e o amanhã
Tudo junto num mesmo aqui-agora
Não é bravata ou mera pose vã,
Mas sim prerrogativa da memória.

Como é bom sentar nesta varanda
E olhar ao longe, dourando no horizonte,
Pr’onde a grande manada se debanda
Das nuvens, nosso derradeiro front

A mente sonhadora conta as rezes
De um tesouro de lembranças, inefável,
De que a alma desfruta tantas vezes...

E oscilo na cadeira de balanço
Onde fruo o meu saldo memorável
Descontados as mágoas, dor e ranço...


03/05/2016