quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Fausto (de Alma Welt)





                                             Cartaz de uma encenação holandesa do Fausto de Goethe,
                                                     dirigida por Willem Royaards 1867 - 1929
                                                         

Fausto (de Alma Welt)
 
Acreditar que a vida é mesmo bela

É grande requisito para a Arte,
Como para se ir até a janela
E parar para ver o sol que parte.

As estrelas também são muito fortes
Como claro argumento da beleza,
Assim como a lua em seus recortes
E os rios com a sua correnteza.

Uma árvore, uma flor, o som do vento,
As mulheres... tudo coube no contrato *
E o mundo todo cabe num momento.

E se a beleza do minuto perceberes, *
E parares de cuspir no grande prato
Podes morrer: pagaste os teus poderes...


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Nota
*E se a beleza do minuto perceberes-... - no Fausto de Goethe, o contrato do sábio com Mefistófeles dizia que quando após todos os seus desejos de homem entediado fossem realizados e ele finalmente dissesse ao minuto que passa: "Pára! És tão belo!", nesse momento ele cairia morto e Mefisto poderia levar a sua alma. Mas insolitamente, Deus que fizera uma aposta com o Diabo ( Mefistófeles) no Prólogo no Céu, da peça, ludibria o demônio e escamoteia a alma de Fausto no último momento, enviando um anjo serafim que com sua beleza adolescente distrai Mefisto quando este está prestes a colher a alma que escapa pela boca do cadáver. É muito curioso: Deus não paga a aposta e usa um truque erótico através do anjo que volteia hipnoticamente incitando a lubricidade caprina do demônio. Goethe era um maravilhoso doido cheio de humor politicamente incorreto!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Confidência (de Alma Welt)

                                    Detalhe do quadro "Alma e o Lobo", de Guilherme de Faria, 2006, de 150x150cm

Confidência (de Alma Welt)

Bem cedo fui ao encontro de mim mesma,
A despeito dos temores de minha mãe,

Munida de papel A4 em resma
E aceitando meus versos como saem.

O combate, e houve, dentro e fora,
Empreendi contra essas forças obscuras
Investindo meu cavalo sem espora
Contra o vão moinho das loucuras.

Clarear, elucidar, lucidamente,
Foi sempre o meu propósito aguerrido
E pra isso só contei com a minha mente.

Mas agora, depois de tanto verso
Percebo que faz muito mais sentido
Quando temo, hesito e tergiverso...

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Prometeu (de Alma Welt)




 
 
Prometeu (de Alma Welt)

O Tempo não me dá outra certeza
Maior do que me deu no nascedouro,
Que é de que Beleza é que põe mesa,
Que o bom soneto requer chave-de-ouro;

De que mais vale uma boa pincelada
E uma obra perfeita ganha o dia.
Um toque, um brilho, um quase nada
E entramos no domínio da Poesia

Que abrange quase tudo à nossa volta
E faz do corriqueiro um bom romance
E de uma fagulha uma revolta

Como aquela do gigante Prometeu
Que, rebelde, marca ousado lance
Com o fogo da Arte que nos deu...

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Palavra (de Alma Welt

A Barca da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013, 33x46cm
 
A Palavra (de Alma Welt)

A palavra canta e dança quase sempre
Em festa quando não em desespero
Ou quando da morte não se lembre

De ser de tal banquete um bom tempero.

Também a palavra quando em verso
Está paramentada para a gala
De um baile mascarado e controverso
Sobre o qual normalmente não se fala.

“Em verdade o verbo se fez carne”
Devo com o Evangelho concordar
Ou ver a poesia abandonar-me...

Pois a vida em verso é tão real
Quanto o sonho em que me vejo bracejar
Para vir morrer exausta no areal...

A Alma Comovida (de Alma Welt)


 
                                                 secção de cranio -códice de Leonardo da Vinci

A Alma Comovida (de Alma Welt)

Viver sempre deslumbrada pela vida
Qual se tivesse acabado de nascer,

Esse é o dom da alma comovida
Que assim jamais irá envelhecer.

Também da Poesia é o segredo,
Pois é a indagação, não a resposta.
É a curiosidade e não o medo,
Menos raciocínio e mais aposta.

Então eis a cartilha do Poeta,
Os primeiros passos de noviço
Se amarmos mais o arco que a seta.

Finalmente, aos fiéis da ambigüidade
Não daremos a chave ou o serviço
Mas a face ambivalente da Verdade...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Final do Show (de Alma Welt)


 
“Meus leitores, não me deixem tão sozinha!”
Sempre tive vontade de exclamar...
Mas acabo mantendo-me “na minha”,
Como diria se estivéssemos num bar.

 
Mas, bar? Há muito não os adentro,
E isso me faz falta ao ser humano
Comum que por estranho tenho dentro
E que quando aparece até me abano.

Vivendo como planta de redoma,
Se isso existisse e não “de estufa”,
Um mau silêncio à solidão se soma...

Então vejo a platéia mais vazia
Enquanto a trompa soa, a caixa rufa,
E fico nua ao cair-me a fantasia...

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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Prólogo (de Alma Welt)

Dediquei meus dias à Poesia,
Quero dizer, ao puro ato de viver
Mais pelo real que à fantasia,
Que esta sonha, nem gosta de escrever...

Sempre repousei na terra os pés.
Afirmo isto no sentido literal,
Pressentindo esse pulsar sutil do rés
Onde nasce a pura fonte mineral

Dos infinitos versos e idéias
Que compõem um universo inteiro
Que há entre as flores e as colméias.

Então não perdi as minhas horas
Só molhando a pena no tinteiro,
Mas sugando a essência das demoras...
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sábado, 5 de janeiro de 2013

Fechando para balanço (de Alma Welt)

 
Quantos versos afinal ainda restam
Que me venham só da alma ou coração?
Os verdadeiros, e não os que se prestam
A algum outro propósito ou missão...

Não, não posso assumir o compromisso
De ser, pois, edificante ou moral.
Meus versos contêm tudo, menos isso.
Talvez nem sejam publicáveis em jornal...

Mas cantar livremente a alegria
Tanto quando as dores e vergonhas,
Que tudo é matéria de poesia...

E então, as confissões inconfessáveis
Que outros só expõem às suas fronhas
Na calada das noites insondáveis...
 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Revelação (de Alma Welt)


De tão bela que foi a minha vida,
Quisera uma nova temporada.
Por isso envio versos, comovida,
Ao poeta a quem fui recomendada.


Dentro dele estou, eis o segredo,
Conquanto falecida e retornada
Não sou uma abantesma que dá medo,
Estou mais pra sua amiga ou uma fada.

Há quem diga que sou a sua alma,
Ou sou um fantoche em sua palma...
Nada entendo dos mistérios do bom Deus.

E poeta que me fez, meio abstrusa,
Tenho tantos versos de lambuja,
Que ainda tenho os dele como meus...

Quero voltar (de Alma Welt)






                             Marc Chagall- Litografia da série La Féerie e le Royaume


Quero voltar (de Alma Welt)

Quero voltar ao tempo da gazela

E das intermináveis brincadeiras,
Ninar cantando bonecas de macela
E ouvir estórias à beira das fogueiras.

Quero de volta a inocência em mim,
Que nunca a perdi completamente
Porque nunca aceitei que tenha fim
E a guardei num canto da minha mente.

Então, guris, com Rodo, de mãos dadas
Percorrer o jardim em torno a casa,
Que era o reino habitado pelas fadas

E reaver a pureza que constranjo
No meu vestido branco como asa,

E ser de novo tola como um anjo...

Sintonia e mistérios (de Alma Welt)



 
Sintonia e mistérios (de Alma Welt)

Procuro a sintonia com a beleza
E com o amor, como fonte da Alegria;
Mas a rima que me ocorre é a tristeza
E esta por si só não faz poesia...

Então vou ao jardim de minha avó
E escolho suas ervas de segredos
Que espero que me deixem menos só
Ou expulsem meus derradeiros medos

E prossiga minha sina de poesia
Com o pássaro do peito em minha mão,
Que palpita mesmo à minha revelia...

E me dou conta, verdade, isto é sério,
De que tudo que me cerca é mistério,
E o maior... és tu mesmo, ó coração!