sábado, 29 de junho de 2013

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)



                             Thomas Cole, 1828- Expulsion from the Garden of Eden

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)

Que imensa charada é nossa vida!
Escravos no Jardim que já foi nosso,

Trabalhando sob o azul, estranha lida,
Punição que entender sequer eu posso...

Olhai bem a plenitude desta Terra
Que devia ser o nosso Paraíso!
Somos agora a criação que aberra
Esperando pelo Dia do Juízo.

Entrementes nos matamos por um nada
Como outrora por impérios e riquezas
As nações levantavam a sua armada.

Desde então mais mesquinhos nos tornamos
Quanto mais acumulamos incertezas
Pelo tanto que a nós mesmos procuramos...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

De onde vem (de Alma Welt)




O salgueiro da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
De onde vem (de Alma Welt)
 
Queres saber de onde me vem inspiração
Já que não crês nas musas e nos deuses?
Eis o meu campo sagrado em floração,
Esta coxilha que pra mim é como Elêusis.

Olha a minha macieira do pomar
Onde conheci da carne o amor
E em seguida expulsa fui só por me dar
Como se a inocência fosse horror.

Mas olha com atenção o meu vinhedo
Que rodeia este casarão vetusto
Onde sonho embora não livre de medo.

Nada falta, o cenário está perfeito,
Mas a poesia mesma tem um custo:
Uma dor qual fosse culpa no meu peito...


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)


                                                        Rockport artists in the 30s - 79

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)

Não tenho mais lugar pra ninharias
Pois a vida é breve e a morte certa,
E não só me refiro às honrarias
Que a mais fútil vaidade nos desperta

Mas também a essa louca agitação
Que nos faz debatermo-nos noite e dia
Nas garras ferozes da ambição
E de coisas que a alma nem queria.

Pois se teu coração é orgulhoso
Tua alma ainda persegue só a luz
Que é mistério final e mais gozoso.

Não renegues pois a terra e o mundo
Como não o faço, credo em cruz,
Malgrado o grande medo lá no fundo...

terça-feira, 25 de junho de 2013

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)



           
                                                        pintura de Tom Roberts

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)

Retornaremos sempre ao que amamos
Pois não temos outro porto de chegada.

Se não mais nos aprouver o que herdamos,
O barco em que vogamos leva ao nada.

A viagem é inútil só de ida,
Pois que essa é travessia solitária.
Se não tiveres raízes na partida
Então és mais pobre do que um pária.

“O quê, então, cara Alma, preconizas?”
(assim me perguntou um hospedeiro)
“Jamais deixar o lar e suas divisas?”

“Ir-se, sim”, digo eu, “contra a corrente,
Conferindo cada dia do roteiro
Com as águas perfeitas da nascente...”

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)




 
 
O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)

Eu quis sempre admirar-me de mim mesma,
Isso foi meu escopo ou minha meta.
Versos por mês: ao menos uma resma...
Talvez menos poetisa que pateta.
 
A quem? Por quê? Pra quê? Mas quem se importa?
O mundo, sempre o mundo, no meu nome,
Tudo a que a memória se reporta,
E que é pra onde vai a nossa fome...

Mas viemos das estrelas encantadas,
Para onde voltaremos certamente,
E vejam como elas são caladas!

O silêncio surdo das esferas,
Distante do rumor da tua mente
Que indaga, perscruta, e te exasperas...


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The Silence of the Spheres (Alma Welt)

I always wanted to admire me of myself,
That was my scope or my goal.
Verses by month: at least a ream ...
Maybe less a poet than a goofy

Who? Why? For what? But who cares?
The world, the world always in my name,
Everything that the memory is referred,
And that is where it goes our hunger ...

But We came from the enchanted stars
Where we will return certainly
And look how they are silent!

The deaf silence of the spheres,
Far from the noise of your mind
That asks, peering, and you exasperates ...

terça-feira, 18 de junho de 2013

O Exílio (III) (de Alma Welt)


Queremos nos manter no esquecimento
De uma única certeza desta vida:

A chegada de um último momento
Que é nova expulsão e não guarida.

Pois já somos banidos, naufragados
Do seio maternal da escuridão
E fomos dar à Terra e seus costados
Como se à praia, afinal, da salvação.

Mas, que tragédia é a vida humana
Nesse seu debater em sacrifício
Num mar de ninharias e chicana!

E se o pensamento é mais agudo
Damos conta do horror e desperdício
De haver um Deus cego, surdo e mudo...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Corte (Alma Welt)

Deserto - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm
 

O Corte (Alma Welt)

O pensamento irá secando em nós?
Fatalmente tendemos ao deserto?
O fim nosso se revela logo após,
De nós com ou sem outro por perto?

No final está paga a nossa égua
Tenhamos ou não fechado a conta,
Passando ou não aquela régua
Sob o montante de alta monta.

Mandarás o garoto ao mercadinho
Pagar o leite o pão que ainda deves
Pra morreres em paz, eu adivinho...

Mas se eu já for digna da morte
Nem por isso restarei, talvez, mais leve
Pois tudo é ruptura, fio e corte...


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domingo, 9 de junho de 2013

Felicidade (de Alma Welt)



 
 
Felicidade (de Alma Welt) 

Do desejo és universal consenso,
Conquanto sejas de difícil precisão
Com esse teu catálogo imenso
Das tentativas de melhor definição.

Mas o que és, senão vago bem estar
Uma modorra depois de um bom repasto
Com as abelhas a zumbir e a revoar
Ao meu redor neste tão florido pasto?

Felicidade então és pertencer,
Se sentir, como se diz, “pinto no lixo”
Entregue ao mais puro estar e ser.

E dançar sob este céu de claro azul
Ou sob o mais brilhante crucifixo
No véu negro cravejado, do meu Sul...

sábado, 8 de junho de 2013

Gente de Circo (de Alma Welt)



                           Gente de Circo- fase baconiana de Guilherme de Faria, o s/t 1991, 90x70cm, 
 

Gente de Circo (de Alma Welt)


Sempre me fez chorar gente de circo...
A vida com seu número mesclada
Em que já não distinguimos mais o rico
De sua imensa miséria disfarçada.

O ser em poesia conservado
Como exemplar em vidro e álcool,
Afinal, sentido triste e ultimado
Do ser no picadeiro que é seu palco.

Mas os anões, isso é atroz e me derrota.
E já não posso assistir ou deles rir
Que uma espécie de culpa me sabota.

E vejo que eles são nosso reflexo
Com tudo que do espelho possa vir
De volta ao coração nosso, perplexo...



domingo, 2 de junho de 2013

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)




                                   Adão e Eva - gravura de William Blake

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)

Pra tudo tinham Adão e Eva uma só dose,
Coisa muito pouco vista em nossos dias,
Que nem se preza mais tal simbiose,
Preferimos caminhar em duas vias...

Se a própria tentação foi feita ao par
Então não venham culpar a pobre Eva
Que era ingênua demais pra recusar
O duplo fruto da maldição primeva...

Mas o mais imperdoável de repente
Foi ter sido separado um tal casal
E essa intriga ter chegado até à gente.

Fruto da Injustiça, eis a História:
Procuramos nosso par universal
Como descoberta e não memória...
 

A Mensageira (de Alma Welt)


A Mensageira (de Alma Welt) 

Tantas vezes quis gritar, quis me exceder
E garanto, não de dor ou desespero,

Mas do mais puro entusiasmo de viver,
Um dom que é essência e não tempero.

Mas devo confessar: é doloroso
Ser sensível à beleza deste mundo
Alternando sempre a dor e o gozo
E ainda procurando ir mais fundo.

Só por isso sou artista, mensageira
Não dos deuses, mas intérprete dos homens
No seu momento sério ou brincadeira

Pois se na vida descartamos o humor
Temos o lobo, só, nos lobisomens,
Ou um palhaço triste em cada ator...