quinta-feira, 28 de julho de 2016

Depoimento (de Alma Welt)


Uns remorsos relativos, bem os tenho,
Se é possível que alguém os tenha assim.
Preservei-me somente, e me contenho
Pra não invadir ou ir muito além de mim.

Quis sempre manter meu território
Que por dentro é vasto como o pampa
Mas por fora é uma mesa de escritório,
Só espero ser maior que a minha campa.

Nunca invadi o espaço de ninguém
E evitei até mesmo dar conselhos
Que nunca deram ou darão um só vintém...

Jamais como Narciso, alheia aos fatos,
Me abismei na água fria dos espelhos,
Nem lavei as minhas mãos como Pilatos...

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28/07/2016

Aos amores passados (de Alma Welt)


Onde estão as aflições e os amores
Que passaram por minh'alma e coração
E se foram, descorados esplendores
Como as rosas quando finda a estação?

Villon, poeta, outrora perguntava *
Por longínquas neves e de antanho,
Inverno da alma que o assombrava,
Que seu amor do Mito era tamanho...

Quanto a mim, os tenho na memória
Do próprio coração envelhecido
Querendo reviver a antiga glória.

Amores meus de antanho, eu sinto tanto
Que tenhamos como as rosas fenecido
E caia nossa neve como um manto...

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27/07/2016

Nota
* Villon, poeta, outrora perguntava - François Villon, poeta medieval francês no seu célebre poema "Balada das Damas dos Tempos Idos", pergunta: "Mais où sont les neiges d'antain?" (Mas onde estão as neves de antanho?

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Unicórnio (de Alma Welt)

                                                    Alma e o Unicórnio - litografia de Guilherme de Faria, P.A. 1979

O Unicórnio (de Alma Welt)

Andarilha solitária de mim mesma
Percorro o coração desconhecido,
Também minha alma, essa abantesma
Que teima em sussurrar em meu ouvido.

Se alguém pode dizer: "Bem me conheço",
Faça bom proveito em seu engano.
Outros dizem: "Eu faço e aconteço! "
A mim nada acontece faz um ano...

Mas amo meu mistério e o confesso,
E adentro de mim a noite escura
Como um caçador louco ou possesso,

E enquanto desvendar-me não consigo,
Devaneio que em mim em vão perdura,
Meu belo unicórnio ainda persigo...
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27/ 07/2016

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Reminiscências (de Alma Welt)


"A hora do poente me é sagrada
Com sua natureza melancólica,
Mas do sol é alegre a escalada!
Queridos, como hoje estou bucólica!"

Assim, pedante, dizia minha tia,
A Irmã de minha mãe, se bem me lembro,
Enquanto, nauseada de poesia,
Me encontrava no meio de Setembro.

Pois era no absurdo que eu lastreava
Do meu estro a rebelde natureza
Que minha dura mãe castrar buscava...

Ah! Meu verso não viria da doçura
Com que eu ainda punha a minha mesa,
Mesmo sendo bela e talvez pura...

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24/07/2016

sábado, 23 de julho de 2016

Dias de vinhos e de rosas" III (de Alma Welt)

Foram-se os dias de vinhos e de rosas,
A juventude também foi-se, e o martelo
Das perdidas ilusões, tão dolorosas
Ao canto melancólico de um cello...

Que belos fomos nós, tão iludidos,
Correndo pelas ruas, e agredidos,
Sonhando estar salvando o nosso mundo
De um certo monstro cruel e iracundo...

Mas também nos divertíamos, como não?
Em grandes festas de sexo e poesia,
Embriaguez, amor, tolice e confusão...

Hoje mais brancos, céticos, mordazes
Suspiramos o fervor que nos movia,
Moços bobos a colar do Che cartazes...


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21/07/2016

Metáforas (de Alma Welt)

                                              O estancieiro (o avô da Alma)- água-forte de Guilherme de Faria, 1968

Metáforas (de Alma Welt)

"Não te vejo como parte da manada",
Disse um dia meu avô estancieiro
Dando na própria perna uma lambada,
De chibata na mão o dia inteiro...

"Mas que manada?" Pensava eu, guria
Solitária, saltitando na coxilha
Com as sílabas nos dedos da poesia,
Minhas únicas reses numa milha...

Mas então percebi o duplo mundo
Que uma simples metáfora destampa,
Comigo num espelho mais ao fundo.

As reses, na verdade, eram as uvas,
Eu, a vinha solitária neste Pampa,
Que meu avô podava, mas com luvas...

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22/07/2016

quinta-feira, 21 de julho de 2016

"The Tell-Tale Heart" (de Alma Welt) *


Vai mal o mundo embora já o saibamos
Desde os tempos de Noé e sua Arca
Pois que bebia muito o patriarca
E seu pendor alcoólico herdamos.

Como então a violência cultuamos!
Com que prazer os "trillers" assistimos
E armamentos eficazes fabricamos
Para a outros armamentos resistirmos!

Tudo está em nós desde os primórdios!
Com que prazer li Homero sobre Tróia
E admirei de Aquiles grandes ódios!

Vamos pois encarar a hipocrisia
Que mascara nosso ódio e o apoia
Contra o próprio coração que o denuncia...

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20/07/2016


Nota
*The Tell-Tale Heart (O coração delator)- Título do célebre conto de terror de Edgar Allan Poe.

Divagando (de Alma Welt)


Manter a integridade está difícil
Pra quem quer a sintonia com o mundo.
isso outrora ideal foi, muito civil,
Tal sintonia lhe deixa agora imundo.

Eu prefiro andar sozinha em meu jardim,
Conquanto vulnerável à vã tristeza
E à uma certa pena ilícita de mim
Da qual posso nem, talvez, sair ilesa...

Mas de que estou falando? Eu já nem sei...
Comecei com uma nota de censura
E me vejo então perdida em minha lei.

Então percebo que é melhor a aceitação
Do mundo como é, mesmo sem cura
Em ti nasce e há de voltar, ó coração!...

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19/07/2016

Rostos (de Alma Welt)

                                       Rostos - desenho de Guilherme de Faria, 2011, 35x50cm

Rostos (de Alma Welt)

Nosso rosto é o retrato essencial,
Já que revela o que nos vai por dentro
Embora digam que não é assim cabal
Pois nos pode ocultar o pensamento.

"Quem vê cara... " conhecem o ditado,
E há bandidos com o rosto angelical
Nunca os vi e tenho disso duvidado,
Os olhos, creio, da alma são o vitral.

O problema consiste em nossa pressa
Que nos faz ser outrossim tão desatentos
Sem tempo pra mirar uma outra peça.

Olhemos pois nos olhos o vizinho
Se toparmos com ele por momentos
Enquanto desce o elevador devagarinho...

. 19/07/2016

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O Imaginário (de Alma Welt)


Ser poeta é ter o dom de admirar
O minuto que passa e que é tão belo, *
Sem jamais fazer sua alma pactuar
Com miragens do poder e seu castelo.

O mundo, já o tenho em minha palma
E bem posso desfrutar de seus prazeres
Pelos próprios recursos de minha alma,
E esta, sim, tem quase todos os poderes...

Um recurso nos foi dado já, de graça,
Para usufruirmos do universo
Sem por isso correr risco de desgraça,

O Imaginário é essa luz sagrada
Que compensa uma vida fracassada
Com a simples maravilha de um só verso...

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18/ 07;2016

Nota
*O minuto que passa e que é tão belo - Alusão aos termos do pacto de Fausto com Mefistófeles (no poema de Goethe): Fausto, o grande entediado, perderia a sua alma no momento que capitulasse diante das dádivas milagrosas oferecidas pelo diabo, e dissesse "ao minuto que passa": "Pára, és tão belo!"

domingo, 17 de julho de 2016

Plano para transformar o Mundo (de Alma Welt)


                                        O Ministro ( Mefisto) - litografia de Guilherme de Faria

Plano para transformar o Mundo (de Alma Welt)

Bem queria a vida toda transformar
Retirando todo o mal, raiz do mundo,
E deixando só o amor, pra começar,
E a morte esquecida lá no fundo...

Que imensa pretensão, bem reconheço,
A de querer melhorar o que Deus fez,
Mesmo sem a rebeldia do começo
Que incluía rancor e insensatez...

Fui visitada por um senhor sinistro
Me propondo sociedade no projeto
Ou então ser uma espécie de ministro.

Então logo percebi a armadilha
De que meu próprio plano era objeto:
A do primeiro anjo e sua quadrilha...

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11/07/2016

A vã prudência (de Alma Welt)


Busquei dentro de mim mesma o meu amor,
Pra que não me confundisse com Narciso
Que amava só o que mirava e virou flor,
Enquanto eu procurei o que é preciso

Pois logo armada do que encontrei em mim
Fui aonde está vagando o ser humano
Para agora lhe dizer o não e o sim
Já que amar não exclui erro ou engano.

Mas não fui poupada em minha prudência
E malgrado as providências que tomei
Pra superar a ancestral e vã carência

Sofreria o mal de amor como as princesas,
Tão perdidas nos castelos de tristezas
Quanto eu que de mim mesma tanto sei...

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17/07/2016

A viajante (de Alma Welt)


Vivo tão mais curiosa que perplexa
Pois não sei o que virá em um segundo.
Que palavra, qual o alvo, qual a flecha?
A vida é uma aventura em cada mundo.

Na verdade não preciso ir por aí
Ao sabor de ambições que nunca tive,
Meu quintal vai por certo até o Chuí
E o pampa é meu olhar de detetive.

Quantos mundos nesta casa e meu jardim
De onde descortino estas coxilhas,
Cuja planura ondulada está em mim!...

E se quero descansar das aventuras,
Vou na varanda acumulando milhas
De ir ao sol poente e suas lonjuras...

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16/07/2016

Parnaso (de Alma Welt)


Aventurei-me nas águas de minha alma
Com risco de afogar-me em seus meandros
E no limite, levantando a minha palma,
Faltando o ar implorei por escafandros.

"Exagero" - direis- "quanta eloquência!
Fazes do versejar uma tragédia
Pra dos novos afastar a concorrência
Ou ao estro dos mais velhos fazer média..."

"És romântica, isso sim, e demodée,
Agora ninguém sofre ao fazer verso,
Estás então mitificando, já se vê..."

Mas eu, humildemente imploro à Musa,
De um Parnaso, por aí ora disperso:
"Quero ir pra casa, perdão, estou confusa..."
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15/07/2016

O Jogo (de Alma Welt)


Diante da folha em branco titubeio:
Não sei o que virá se nela verto
Uma primeira gota do meu seio
E em verso límpido a converto.

O mistério do reino das palavras,
Claras sejam, ou escuras, mas lançadas,
Revelando minhas verdadeiras lavras,
Feição plena das coisas semeadas...

Não há total controle, aqui, da mente,
Neste jogo de cartas duvidoso
Pois o blefe não terá um oponente.

Mas, por fim, cartas baixadas, mão exposta,
Fichas não recolherei, mas só o gozo
Da beleza, que é só o que a alma gosta...

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13/07/2016

Velho tema (de Alma Welt)


Tenho tudo o que quero e nada tenho
Que a pouco me agarro, simplesmente,
Pois persigo apenas versos, vão empenho,
Que sempre estão um pouco à minha frente...

"-Isso é só mania"- alguns me alertam
Pois já me vêm perder a cor e o viço;
Já outros a inveja em si despertam
Pelo verso conquistado e submisso.

Quanto mais me completo mais me isolo
Pois construo com areia sobre a areia,
E com fração do eterno me consolo...

E no final verei meu rosto num relance
No alto d'uma torre, em sua ameia,
Antes que o próprio castelo se desmanche...

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12/07/2016

O Figo (de Alma Welt)



O Figo (de Alma Welt)

Há coisas misteriosas, meu amigo,
Que não sabemos mais se é fruto ou flor,
Como ocorre, por exemplo, com o figo,
Flor voltada para dentro por pudor.

Há também quem na falta de uma escolta
Prefere a toca de modo permanente
Pelo horror que é o mundo à sua volta,
Lugar não recomendável à boa gente...

Mas se escolhes a Arte e a Poesia
Em vez de simplesmente estar e ser,
Abrirás o coração que se anuncia

Como o cerne de nossa plena dor
Que dá sentido ao mistério de viver,
Trazendo para a luz o mel e a cor...

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13/07/2016

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Espera (de Alma Welt)


Intensamente vivermos nosso brilho,
Brilhar, brilhar, brilhar como as estrelas,
É o que querem de nós o Pai e o Filho,
Também a Pomba branca entre centelhas.

Não nascemos para o caos e escuridão
Nem pro desperdício da Maldade.
Outrora fomos anjos de verdade,
Por aí alguns de nós ainda o são.

O orgulho foi a perda e nosso dote
E se descendemos de algum símio,
O coitado nem quer ser nosso mascote.

Mas se pura mantenhamos nossa alma
Como antes do tal fruto e seu fascínio,
Precisamos esperar mantendo a calma...

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09/07/2016

Revendo o mundo (de Alma Welt)


Venham ver comigo estes prodígios!
Olhem ali aquela flor, aquele ninho,
Esqueçam diferenças, vãos litígios,
E recomecem a olhar devagarinho.

Está tudo por se ver com novos olhos
Depois de tanta luta em terra e mar
Para se separar águas de óleos,
Que um no outro só fizemos derramar...

Nem falo das ambientais catástrofes
Mas aos vícios do cotidiano olhar
Incapaz de apreciar velhas estrofes.

Ora vamo-nos daqui pra Trás-os-Montes,*
Que um frescor recuperamos do pensar
Ao voltarmos a beber nas velhas fontes...
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10/07/2016

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Esperando o bonde (de Alma Welt)


Tantas vezes por um lapso ou um triz
Perdemos por descuido nosso bonde,
Aquele mesmo que achávamos feliz
E que então nos levaria a não sei onde.

"Desejo" ele é chamado pelos gringos,
Mas aqui nesta terra modorrenta
Ele existe mas só passa nos domingos
E com aquela eterna marcha lenta.

Quisera o resultado dessa espera
Ser um salto do olhar, acuidade
Que desfaz o bonde e sua quimera,

Eu não mais nesta varanda-plataforma
Esperando o viajor de uma cidade
Que me leve daqui de alguma forma...

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08/07/2016

Mais preceitos (de Alma Welt)


Sejamos simples, claros e diretos
E nunca falsamente nebulosos,
Mas guardemos nossos ricos objetos
Como pérolas, mistérios mais gozosos,

Pra não sermos corpo nu ou tão despido
Que nos venha aparecer o vão trazeiro
Ou aquele cofrinho intrometido
Às vezes feito para colocar dinheiro.

Intimidade é bom e até eu gosto,
E escolho o angulo e o perfil
Pra dar ao fotógrafo em que aposto.

Cuidarei se o resultado é belo ou triste
Mas que não seja jamais visto como vil
Nem por um ninguém com o dedo em riste.

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08/07/2016

Crescer (de Alma Welt)


                                   Alma e a  árvore - óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2014


        Crescer (de Alma Welt)

Crescer como uma árvore para o alto
Às vezes retorcida no elevar-se
Em função do nosso ser incauto
Que produz um nó, se não catarse.

Quantos erros na afoita juventude!
Sobreviventes heroicos de nós mesmos
Não cheguemos afinal na completude
Cobertos de farrapos ou enfermos

Mas como os tais guerreiros de outrora
Perdoando nossos crimes sob a aurora,
Por muitas cicatrizes, poucas glórias,

Ou então, tão humildes como monjes
Daqueles que habitavam antigos longes
Dos livros de figuras e de histórias...

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08/07/2016

A escolha da Poesia (Alma Welt)



Para viver neste duvidoso mundo
Onde as respostas beiram o enganoso
E temos que encontrar, não nosso gozo,
Mas a própria razão de ir mais fundo,

Optei pela poesia, não resposta,
Mas viés universal, um certo olhar
Que é um pouco mais que mera aposta
No jeito de uma coisa se encantar.

Perdida a esperança de certeza
Tenho um mundo em forma de pergunta
Que traz nela mesma sua clareza.

Assim percorro minha vida como trilha
Que só eu vejo no meio da coxilha,
Vasto plaino que com céu azul se junta...

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08/07/2016