terça-feira, 27 de setembro de 2022

As Neves de Antes (de Alma Welt)

A Arte é minha pura água de fonte,
Não o meu rio escuro e derradeiro.
Não pagarei o óbulo ao barqueiro:
Nada devo ao par de remos de Caronte.

Pro céu eu vou, nem que seja mesmo a pau,
Como disse um Matraga das Gerais;
Meu corvo é na verdade um bacurau
E jamais me disse aquele "nunca mais."

Meu escuro é um luzir de pirilampos
Não um céu de estrelas vagas cujos lumes
Da Ursa eu nem me lembro nestes campos,

Que se não jardins paternos cintilantes,
Talvez do meu sonhar maior dos cumes
Onde estão as minhas neves, pois, de antes...
.
27/09/2022
Notas
*... rio escuro e derradeiro - o rio Letes que as almas tinham que obrigatóriamente atravessar para entrar no Hades, o reino dos mortos... ( Mitologia grega)

*Não pagarei o óbulo ao barqueiro:
* Nada devo ao par de remos de Caronte- as almas levavam comsigo um óbulo (moeda) para pagar o barqueiro Caronte para que ele as levasse na barca para atravessar o rio Letes e assim entrar no reino de Hades, onde ficariam pela eternidade.

"Pro céu eu vou, nem que seja mesmo a pau,
"Como disse um Matraga das Gerais - alusão à frase: "Pro céu eu vou nem que seja à paulada" do personagem malvado penitente no famoso conto de Guimarães Rosa , "A Hora e A Vez de Augusto Matraga" .

* Meu corvo é na verdade um bacurau
E jamais me disse aquele "nunca mais" - Alusão ao célebre poema The Raven (O Corvo) de Edgar Allan Poe, em que o corvo respondia sempre às perguntas desesperadas do poeta: "Nevermore" (Nunca mais...).
 
*Não um céu de estrelas vagas cujos lumes
*Da Ursa eu nem me lembro nestes campos - alusão ao primeiro verso do famoso poema Ricordanze, do poeta romantico italiano Giacomo Leopardi, que começa assim: "Vaghe stelle de l'Orsa, io non credeva" (Vagas estrelas da Ursa, eu não acreditava...)

*Que se não jardins paternos cintilantes - alusão ao ao terceiro verso do poema Ricordanze, de Leopardi : "Il paterno giardino cintillante..." (O jardim paterno cintilante...)

*Onde estão as minhas neves, pois, de antes - alusão ao refrão interrogativo do famoso poema "Balada das Damas dos Tempos Idos", do poeta medieval francês François Villon : "Mais où sont les neiges dantan?" (Mas donde estão as neves de antanho? "

Nenhum comentário: