quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)


Alma e o Mar - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2003, 30X40cm

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)

E eis-me aqui em alta passarela
Onde eu posso avistar o mar sem fim
E saudar uma longínqua caravela
Que acena suas velas para mim.

Como e porquê o sei, se me pergunto,
Responderei que tudo sou só eu,
A montanha e o mar, esse conjunto
E o aceno que o mar me devolveu.

Irei de mim comigo, ou volto a mim?
Jamais se parto ou chego saberei,
Que ondas só conheço as do capim...

Entranhada marinha em que me vejo
Nesta rubra montanha em que me sei
Tão somente a Alma e meu Desejo!...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Carta (de Alma Welt)


A Carta- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100X80cm, coleção particular, São Paulo

A Carta (de Alma Welt)

Me recordo do ângulo em que eu via
Aquela carta que chegou com um buquê,
Cujas cores e o perfume que eu sentia
E que um puro coração ainda vê

Era, sim, todo o sentido que restou
Embora eu me lembre de seus dedos
E como a bela mão manipulou
As contas de um colar, como brinquedos.

E na alma da poeta que eu seria,
Perdoem se pareço pouco humilde,
Romântico enredo se fazia.

Mas hoje vem à mente um outro lance:
O olhar de censura da Matilde
Que me ficou gravado num relance...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor e Arte (de Alma Welt)

Quê esperei da vida senão Arte
E amor, para mim a mesma coisa?
Deus em mim, em nós e em toda parte:
Welt, Mundo, Santos, Souza, Soiza.

Tudo a respirar o mesmo amor!
Que é a única razão de haver vida,
Que sem ele é só luta e dissabor
E um penar de dor e pura lida...

Então não perdi tempo no lazer
Nem procurei jamais me divertir,
Que é sentido menor de se viver.

Mas êxtase, desejo, até delírios,
Ardência do agora, não porvir,
E os beijos da alma, como lírios...

sábado, 11 de junho de 2011

A Árvore da Inocência (de Alma Welt)

Não me fiz de rogada ao meu amor,
Que hipócrita não fui jamais na vida.
Junto à árvore encontrei-o com ardor
No pomar de nossa infância decidida...

Todavia não descarto a inocência
De tão extremo gesto, e de tão puro.
Não aceitei jamais o dedo duro
Que nos apontaram sem clemência.

Do pomo não sentimos nem o cheiro
Pois dele não havia ainda a semente
Como àquele par de irmãos primeiro

No horto ancestral da Mãe Natura
Que não precisaria da serpente:
Amor ali havia em forma pura...

sábado, 4 de junho de 2011

O Ramalhete (de Alma Welt)

Como um grande buquê ou ramalhete
A primavera não nos vem por certo
Com lisonjas d’um cartão ou só bilhete...
Mas que admirador, temos, secreto!

Cada dia vivido é um presente
E é mais fácil nos pegar surpresos
Sem mesmo merecê-lo, simplesmente,
Nós que temos mesmo rabos presos...

Quanto a mim, pra não restar suspeita,
Recebo do dia a honraria
Como se tivera eu boa receita

Do melhor viver, correto e digno
E com falsa modéstia me persigno
Quando aquele aplauso me anuncia...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Para Onde? (de Alma Welt)


Para Onde? (de Alma Welt)

Para onde terá ido o realejo
Que nostalgizava minhas ruas?
Já faz tanto tempo... não o vejo
E isso envelhece minhas luas...

E o firinfimfim do amolador?
A gaitinha de pã tão pobrezinha,
Cujo som, por si só encantador,
Afiava as facas todas da cozinha...

E o rententém, então, do paneleiro
Que chamava nossos apegados tachos
E panelas já tão gastas no braseiro?

O tequetéque dos bijus, estranho solo,
Matraca que atraía até os machos
E tirados de um latão a tiracolo...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Entre a lápide e as cinzas (de Alma Welt)


Crepúsculo no Pampa (cemitério na colina) -óleo s/ tela de Guilherme de Faria 20x50cm, coleção Giovanni Meirelles, São Paulo

Entre a lápide e as cinzas (de Alma Welt)

Meus queridos já dormem na coxilha
À sombra de um umbu também querido,
E eu hesito entre o que é pequena ilha
E o nosso vasto mar do olhar perdido,

Que é, sim, esta planura ondulada
Onde a poeira de meu corpo voaria
Fecundando a vastidão amada
Como o próprio pólen da Poesia.

E entre as flores da lápide sombria
E aquelas do meu campo em primavera
Meu coração balança em agonia.

Tão belo o epitáfio que me fiz!
Eu que tive palmas, quero bis
Para o último verso que me espera...


12/01/2007

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Traum * (de Alma Welt)

Não levantei meu punho contra a vida
Por um certo momento de desgraça
Que não revelarei, por comovida,
Ou porque até mesmo um trauma passa.

Traum, essa palavra é só um sonho
Na língua de meu avô germânico
Que um olhar legou-me assim bisonho
Que me tem evitado maior pânico.

Então sonharei, eis minha proposta,
Tudo é sonho mesmo... O que é real?
Meu próprio corpo branco é a resposta

Malgrado dores e roxa e triste mancha
Que também se apagará, creio, afinal,
Coberta d’ouro e prata, dona Sancha... *


Nota
* Traum- "sonho" em alemão e "trauma" em português, ambos os termos derivam do grego Traûma= ferida
Suponho que Alma se refere, com esse soneto, a um estupro que sofreu...

* Coberta d’ouro e prata, dona Sancha...- Alusão à antiga cantiga de roda infantil: Senhora dona Sancha, coberta de ouro e prata / Descubra seu rosto, queremos ver sua cara...

domingo, 15 de maio de 2011

O Último Verão (de Alma Welt)

Não pedirei mais que este verão
Às forças que decretam meu destino
Mas pretendo estar a postos no portão
Quando ouvir o som do violino

Aquele de soluços, de Verlaine
Que anuncia a chegada do Outono,
Já pedindo à alma que hiberne,
Quase pedindo já meu abandono.

Mas muitos me verão cantar, dançar,
Subir à mesa e pôr a saia na cabeça,
Tão certo que me venha a envergonhar...

E se não tomar um porre santo
É para que a alma não se esqueça
Do quanto amei a vida... quanto, quanto!


Nota
"Aquele de soluços de Verlaine"- Alma se refere ao poema de Paul Verlaine que começa assim: "Les sanglots longs des violons de l'automne / Blessent mon coeur d'une langueur monotone..."

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Póstuma (de Alma Welt)

Não saber o que será feito de mim
É uma dúvida voraz que me consome,
Pois em arte não vivi senão na fome,
Saciada serei eu depois do fim?

Dizem que a poesia em si se basta,
Que mais quer o jogral ou menestrel?
Manter a alma jovem e sempre casta,
Cantar como cigarra... no papel.

Mas bá! vaidade, orgulho, natureza!
Queria olhar um povo de leitores
Suspirando de pena ou de beleza

Pela musa fiel que houvera sido,
Patética, febril, cheia de dores
Por votada ao Verso ter nascido...

domingo, 1 de maio de 2011

A Mendiga (de Alma Welt)

Quero morrer encostada num barranco
Feito a mendiga de uma estória,
Com o olho arregalado muito branco,
O constelado céu olhando, em glória.

Se tiver neve, melhor, se não, lama.
Melhor relva e flores pequeninas;
O barranco, espaldar da minha cama,
E a colcha só de cardos e boninas.

Incorrigível fantasista do singelo,
No fundo espero só o merecido:
Um horizonte de livros meus no prelo.

E o sonho de que ao divisar meu rosto
Um viandante se ponha comovido
Antes que o nosso sol se tenha posto...

domingo, 24 de abril de 2011

Forever Young (de Alma Welt)

Não me verei envelhecida no cristal
De um espelho cruel ou lisonjeiro,
As faces consumidas por inteiro
Ou com leve rubor, mas desigual,

Manchada pelo tempo ou derretida
Como cera de uma derradeira vela
A mal tremeluzir-me estarrecida,
Vendo a vida já passada na janela

Como vulto patético de outrora,
Um pensamento, um sonho desmentido
Ou que somente chegou fora de hora.

Não, não me verei senão assim:
Jovem para sempre, o prometido
Pelo qual pagarei com o meu fim...

sábado, 23 de abril de 2011

O Tempo das Cegonhas (de Alma Welt)

Agradecida às vezes me dou conta
Do imenso privilégio da Poesia,
Da dádiva de estar tão cedo pronta
Para contar tudo o que eu vivia

E fazer do soneto o meu Diário
Sabendo que cada santo dia
Era único e extraordinário
Mormente pelo modo que eu sentia

A vida qual mistério irrevelado
Com surpresas como chuva de granizo
A tamborilar no meu telhado...

E que percalços, dores e vergonhas
Seriam sempre entremeados pelo riso
Como eram no tempo das cegonhas...

(sem data)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ao encontro de Holofernes (de Alma Welt)


Judith e Holofernes- de Artemísia Gentileschi 1593-1653

Eu e Holofernes (de Alma Welt)

Duplamente perderá sua cabeça,
Que perdida já estava na luxúria;
Do sono que adveio, fundo à beça,
A Assur não voltará, desta Betúlia...

Pobre comandante, frágil ser
Diante dos encantos de mulher;
Volúpia que o leva a assim morrer,
Dissipação e perda que se quer...

Sua fronte, na cidade sitiada,
Para sempre ficará depois do cerco,
Que afinal transpôs a paliçada...

Minha mão a sustém pelos cabelos
Com orgulho, que por minha vez me perco,
Sem mais minhas carícias e desvelos...




"Ao encontro de Holofernes"- litografia de Guilherme de Faria, dos anos 70, à qual a Alma dedicou o seu soneto.


Ao encontro de Holofernes (de Alma Welt)
Ao Guilherme de Faria e sua lito "Ao encontro de Holofernes"


Atravessando o campo semeado
Da cruel safra futura que se avista
Na forma de barracas de soldado
Dispostos à matança e à conquista,

Com a ama entrou na tenda principal,
Aquela mais sombria, mais sinistra
Que ela então sabia ser do General,
A Besta da Betúlia, ali, à vista.

Só estrelas ouviram seus suspiros,
Na entrevista fatal com esta Lillith,
Que só se tem com ela... e os vampiros.

Pois ainda na calada dessa noite
Viu-se a sombra furtiva de Judith
De volta com seu prêmio de pernoite...

(sem data)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A Última Mascarada (de Alma Welt)

Rodo, ainda sermos belos é o sinal
De que não estamos em pecado.
Perdida, a alma traz cenho fechado,
Ricto de agonia em signo do mal.

Vê, somos leves, rimos tanto,
A primavera não nos abandonou;
A relva que pisamos como um manto
Jogado sobre o lodo, nos honrou.

Somos nobres, ergamos a cabeça,
Mal uma voz ou outra se elevou.
Pisemos e subamos na caleça.

Um baile de alegrias nos espera,
Se não no mundo, na corte que restou
Na derradeira Mascarada desta era...

(sem data)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Querência (de Alma Welt)

Ainda vago nos prados infinitos
Que me viram guria florescente
Buscando conferir pequenos mitos
Que me espicaçavam docemente

Uma curiosa ternura sem pieguice
Que foi a nascente dos meus versos
Conquanto minha mãe me atribuísse
Propósitos e impulsos mais perversos.

Mas encontrar o amor de meu irmão
Debaixo da árvore da inocência
Foi destino disfarçado de ilusão

E outrossim o esteio de uma vida,
O senso verdadeiro de “querência”,
Que fez de mim esta Alma agradecida.

07/05/2004

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Abramos as janelas (de Alma Welt)

Abramos as janelas, meu irmão!
A vida esta penumbra não requer.
Os mortos receberam sua porção
Do respeito e pranto que se quer.

Nosso pai era alegre, bonachão
E não um melancólico qualquer.
Nossa mãe era o poder como mulher,
Agora esse poder está no chão.

Nossa índole é clara, luminosa,
Não fomos feitos para o pranto,
Nem culpas e, muito menos, glosa.

A verdade estava ali naquele prado:
A terra os cobria com o seu manto
E eu sentia tuas carícias, disfarçado...

(sem data)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Jogral (de Alma Welt)

Para prosseguir minha jornada
Lanço mão de certos artifícios,
Não os da vaidade declarada
De que dispenso os sacrifícios,

Mas plantar sementes no agora
Dos frutos do porvir, a macieira
Dos pomos dourados de uma aurora
Vislumbrada por mim a vida inteira,

"Eis a maior vaidade!" -vós direis-
"Tudo é vão, na morte tudo finda,
Até o fausto e poder de antigos reis!"

Mas eu, ainda guria, constatei
Que o jogral do rei o canta ainda,
Eis o poder maior que já encontrei.

(sem data)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Nove Sonetos recém-descobertos da Alma

Prece (de Alma Welt)

Pelas doces manhãs da juventude
Em que eu acordo a rir e a rodar
E tudo é motivo e completude:
O casarão, a pradaria e o pomar...

Pela graça de ser bela e muito mais
Por ser amada pelo Vati, meu Maestro
Pela Mutti, irmã Lucia e o irmão destro
Nos jogos de cartas e pedais

De seus bólidos brilhantes, perigosos
Que ele jura como as cartas dominar
Como fazem os talentos ociosos

E ao fim das temporadas retornar
Para os braços meus já tão saudosos...
Eu sou grata demais por tanto amar!



A jornada de outono (de Alma Welt)

Não estaremos prontos no final
Nem felizes, talvez, o que é pior.
O prêmio reservado no portal
É um remordimento bem menor,

De consciência, digo, e não é pouco
Pois o espectro daquilo que evitamos,
Agoniza ou gesticula como um louco
Exigindo a atenção que não lhe damos.

Mas um puro coração é sempre leve
E voa ao vento oeste como folha
Na jornada de outono muito breve...

Então, sentemos na varanda, meu irmão
E deixemos que o inverno nos acolha
Enquanto ardente beijas minha mão...

14/01/2007


Da Saudade (Alma Welt)

“Estranho, não desejar mais nossos desejos...”
(primeira Elegia de Duino- Rainer Maria Rilke)


“Não desejar mais nossos desejos...”
Imagino que isso chega com a idade,
Se alcançarmos o tempo da saudade
Que já não almeja os seus ensejos,

A pura saudade, conformada,
Que é dom e consolo dos idosos
Como compensação da caminhada
Igualmente para tristes ou ditosos.

Então, feliz do homem despojado
Cuja saudade é plena e não carente
E que a afaga lenta e docemente...

Vê: na nossa mente tudo temos,
Nada perdemos e tudo é renovado
Pois que só na alma é que vivemos.



Iniciação (de Alma Welt)

À meia noite o portal se abria
E tudo se passava no meu bosque.
Eu saía do meu quarto e lá eu ia
Para o mágico encontro no quiosque

Das fadas e demais elementais
Que temias, eu me lembro, e evitavas
Como conspirações de ardis fatais
Que nos mandariam e tudo às favas:

A ordem, os desígnios e o destino
Que a gente há muito construía
No plano destes prados, dia a dia.

Mas tu mesmo, Rodo, foi primeiro
A me mostrar no espelho o aço fino
Entre o bosque e o mundo verdadeiro.

(sem data)



Perdidos Amores (de Alma Welt)

Ausculto o silêncio desta casa
E ouço a algaravia de seu sonho
Distinguindo o murmurar tristonho
Dos amantes perdidos, já sem asa,

Arrojados ao solo do malogro
Quando tudo perderam, com a vida
Que ofereceu sua chance como jogo
De falsas opções cobrando a dívida...

Como é triste a estória dos amores
Que tudo apostaram sem futuro
Na fusão do ser, ó meus senhores!

E tudo enfim perderam, como soe
Acontecer na vida de um ser puro
Que crê no amor eterno, ah! como dói!



O sentido do ser (de Alma Welt)

“A poesia é o autentico real absoluto.
Quanto mais poético, mais verdadeiro”. (Novalis)


Encontrar o sentido de viver
Não é tarefa simples, corriqueira...
Percebo que a humanidade inteira
Vive a esmo acreditando ser

E existir sem ao menos suspeitar
De que possa ser parte da ilusão
Que a vida edifica em pleno ar,
Onde ser ou não ser é tudo em vão.

Questionar a existência do real
Já é parte da construção possível
Do universo em seu plano ideal

Que é o sonho lúcido em poesia
Como termo verdadeiro e mais tangível
Que o divino com o ser reconcilia...

(sem data)


Revelação (de Alma Welt)

Voltemos para casa, meu irmão,
Que sinto um aperto aqui no peito.
O Vati nos espera, eu bem suspeito,
Com a resposta ou melhor: revelação

Da pergunta que deixei plantada
Na mesa na forma de um enigma
Que pode decidir, numa cartada
E retirar de nós o nosso estigma.

Antes do que for, pois, respondido,
Saiba: eu creio não seres meu irmão
E que assim, nosso amor é permitido.

Eu sempre vi em ti um outro sangue
Que me chama ao real mundo de ação,
Que, sem ti na vida, eu era exangue...


Sonetos (de Alma Welt)

Escrever sonetos infindáveis
É a minha missão e minha meta
Embora haja quem ache memorável
Outros hão que achem-me pateta.

Mas sei que registrando em poesia
Tudo o que vivo e sinto a cada dia,
Nada perderei da quintessência
Do existir em alma e consciência.

"É um vicio, isso sim!"- dirão alguns.
"Porque então não contas o teus podres
Ou ao menos confessas os teus puns?"

Mas eu não levo a sério tais reclamos,
E tratando como se fossem meus amos,
Lhes sirvo o melhor vinho dos meus odres.


O ananque das coisas (de Alma Welt)

A graça de viver é o mistério
Maior que podemos conceber
Já que não levando-nos a sério
É que descobrimos nosso ser.

Tudo é paradoxo e enigma
O contrário explica-nos melhor
O justo se denota pelo estigma
E o mal cria o bem ao seu redor.

Assim jogados neste mundo
É fácil em labirinto nos perdermos
Pois a vida é o dédalo profundo.

O ananque das coisas rege a vida,
Impondo-nos seus controversos termos
Em meio a tanta luta e tanta lida...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cabra-Cega (de Alma Welt)

A Poesia que coloco no papel
Será sempre a imagem verdadeira
Daquilo que projeto sob o céu
Enquanto brinco a louca brincadeira

Que é este estar às cegas nesta vida
Como aquele jogo dos infantes
Cuja eterna tensão durava instantes,
Do tatear e o reencontro, comovida.

Assim, também cego é o soneto
Que me faz percorrer sombria senda
De dores, emoções e algum tropeço,

Quando, afinal, na chave do terceto,
Inaudito como o fecho de uma lenda,
Toco meu próprio rosto... e o reconheço.

(sem data)

domingo, 13 de setembro de 2009

Como Florbela (de Alma Welt)

Não me perderás, ó meu irmão
Pois perdida de te amar eu já estou,
Como dizia a Florbela desde então,
Num tempo que o vento já levou.

Sei que evitas dramas, caem mal,
E às tragédias loucas da paixão.
Nisso não és nada original
Pois é do ser humano essa aversão.

Mas não pude a sensação mais evitar
De inafastável taça em nosso horto
Desde que flagrados fomos no pomar

Pois de já dentro de mim ela arrancou
Teu pequenino membro, como aborto,
E então algo pra sempre me faltou...

(sem data)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Vindima (de Alma Welt)

Estás em mim, irmão, sou toda tua,
E o êxtase de amar já me ilumina.
Não ousarão nublar a minha lua
Os que me vêm ao sol desta Vindima,

Irradiante pela graça deste amor
Que brilhou na minha face desde cedo,
Quando guria nova o destemor
Em quem talvez se espere tanto medo.

Não haveria para nós aquela carga
Atribuída aos pares desde Adão
E Eva, que provaram fruta amarga...

Vê, o fruto se fez doce de saída
E jamais culpa e pecado caberão
A quem de tanto amar nasceu perdida!

03/08/2002

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Moratória (de Alma Welt)

ou O sono dos amores (de Alma Welt)

De noite as fragrâncias do jardim
Trazem sonhos de antigos moradores
Desta casa tão vivida, e o jasmim
Como os elos perdidos dos amores...

Tais anseios não morrem, não têm fim
Conquanto adormecidos na memória
Das coisas que já eram mesmo assim
Ao pedirem paz ou... moratória

Por sofridas perdas e fracassos
Que são como os acertos, no final,
Pois tudo são caminhos e são passos

Já que a morte deixa tudo inacabado,
Sonetos em que o fecho é sempre igual:
Gozo e dor a reflorir sobre o gramado...

17/08/2006

domingo, 6 de setembro de 2009

Amor guerreiro (de Alma Welt)

O amor triunfante que concebo
Não é a minha teima ou meu consolo
E não venci reservas de um mancebo
Com a insistência de um monjolo,

Mas colheita ideal de uma procura
Em que a nota terá sido a liberdade
E o desafio além de uma saudade
Da fonte virginal que a alma cura.

Terá sido privilégio ou coincidência
Tê-lo encontrado aqui perto de mim
Mas nunca comodismo ou indulgência

Pois o preço a pagar pela ousadia
De assumir e cantar um amor assim
Faz de mim guerreira e... não vadia.

(sem data)

domingo, 30 de agosto de 2009

De sonhos, pipas, corações (Alma Welt)

Arrastados na corrente dos eventos
Vão os corações, de cambulhada,
Sonhos empinando-se nos ventos
Como pipas infantis na madrugada.

Bah! Depois sempre a derrocada,
Enroscados em fios ou altos galhos,
Pendendo, ali, patéticos frangalhos
Como triste ilusão abandonada.

Como custa renovarmos nossos sonhos
E empinar novas pipas encarnadas
Com os mesmos propósitos bisonhos!

Subir, galgar cabeceando, ah! subir
Esperando que as alturas alcançadas
Nos chamem, como a mãe, para dormir...

(sem data)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Vida em verso (de Alma Welt)

Constato que possuo dupla vida
Revendo-me mais nítida nos versos
Que continuam a vibrar depois de lida
E perpetuam lances bons e os adversos.

E ao rever esta já vasta bagagem
Que refaz meu percurso depurado
Eu percebo que nada foi bobagem
E o que a letra grava está gravado

E passa a ser a vida verdadeira
Pois o fato e o gesto se perderam
Na fugaz e vã vida primeira.

Eco de mim mesma que me encanta,
Sou ninfa cujos dons emudeceram
Mas ao tornar-se pedra vive e canta...

(sem data)


Nota
Alma reafirma mais uma vez, com a bela metáfora do mito de Narciso e da ninfa Eco, a sua fé na realidade da Poesia, na consistência de uma vivência em dimensão poética, como propunha Novalis.(Lucia Welt)

domingo, 23 de agosto de 2009

Soneto de boêmia (de Alma Welt)

Encontrei o meu amor pelas estradas
E o fiz entrar no meu jardim.
Plantei-o entre as flores mais amadas
E esperei ele florir como o jasmim

Que de noite faz sentir o seu perfume
E me faz descer da minha mansarda
Atravessando o casarão quase sem lume
Pra não despertar a quem me guarda.

E assim, à luz da lua alcoviteira,
Que delícias me são oferecidas!
Outras tantas perscruto sorrateira...

Então, ó sol, eu peço: não me peças
Abandonar as minhas noites proibidas
Onde o meu jasmim reina às avessas...

05/11/2004

Nota
Acabo de encontrar na arca da Alma este encantador soneto de sabor quase popular, com um declarado tom de malícia ingênua, e como sempre, com velada conotação alegórica relativa ao amor proibido da Alma pelo nosso irmão Rodo, com quem ela se encontrava de noite, no jardim no verão, descendo da mansarda que era o quarto dele, na época mais proibida e vigiada desse amor, quando nossa mãe,"a guarda", era viva.(Lucia Welt)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Pássaros migrantes (de Alma Welt)

Pássaros migrantes do meu sonho!
Eu os avisto a voar em formação
A caminho do Norte e sua canção
Que conheço só do que disponho

De livros e poemas nas estantes
Desde que era a guria tão curiosa
Projetando vagar mundos distantes
Talvez como escritora já famosa...

Me alce, ó bando, e leve com você
Nesse vôo lindo em esquadrilha
Com formato sugestivo de um “V”

Do qual não almejo a liderança,
E humilde seguirei a maravilha,
O sonho de que a Alma não se cansa...

(sem data)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Edital (de Alma Welt)

Manhãs do meu sonho, esfuziantes,
Que me faziam descer o corrimão
Deslizando como todos os infantes
Que habitaram este vetusto casarão

Naquela ânsia de viver e de voar
Pelo nosso jardim e pradaria
Ou sob a macieira do pomar
Cujo pomo a passarada me anuncia!

Gloriosas e radiantes minhas manhãs
Em que por sentir-me tão vital
Fazer quisera, igualmente, um Edital

Anunciando os frutos da Poesia
Que honrei, malgrado as horas vãs,
E “o tempo que perdi em ninharia”...

05/09/2006

Nota

Acabo de encontrar este belo soneto, verdadeira "profissão de fé" de poeta, na Arca da Alma. Notem que "...o tempo que perdi em ninharia" é uma citação na íntegra de um verso do primeiro terceto do soneto de Benvenuto Cellini (célebre ourives e escultor da Renascença Italiana) que serve de epígrafe ou prólogo para a sua famosa autobiografia. O soneto termina com estes versos:
" ...benvindo (Benevenuto) fui
Na graça desta terra da Toscana!"

sábado, 6 de junho de 2009

A quermesse (de Alma Welt)

Eu gostava da quermesse na cidade
E há pouco descobri a razão disso,
Ali há uma pequena sociedade,
Arremedo do mundo a seu serviço:

Sortes, jogo, comércio e pescaria
Além os tiros, desafios e os aportes,
Um jovem descobrindo uma guria,
Os olhares, suspiros e transportes,

E, bah! Os sonhos que não morrem,
Os anseios numa eterna romaria
Do coração que busca sua poesia

Em que lança suas raízes para o fundo
E se agarra enquanto as horas correm,
O carrossel girando como o mundo...


28/10/2006

terça-feira, 26 de maio de 2009

Plantei um poema em meu jardim (Alma Welt)

Plantei um poema em meu jardim,
Mais secreto e apto a dar flores
E que oculto permanece quieto assim
No tempo em que se agitam os amores.

Enquanto a juventude canta e geme
Lançando sua semente aos quatro ventos,
As minúsculas embarcações sem leme
Que vão dar às praias e tormentos,

Esta semente do poema da velhice
Lança suas raízes bem mais fundo
Antes de alcançar a superfície.

Pois meu poema sábio e despojado
Ainda não nasceu e é tão calado
Que talvez nem seja deste mundo.


05/10/2006


Nota
Acabo de encontrar este soneto na Arca da Alma, e que me parece uma obra-prima.
Este soneto parece ter nacido já como um "clássico" e contém as características fundamentais da poesia da grande Musa: o lirismo e nostalgia inconfundíveis da Alma, sempre mesclados de uma fina ironia, sugerida por sutis paradoxos. ( Lucia Welt)

sábado, 2 de maio de 2009

De eras, heras e medos (de Alma Welt)

"...Où sont les neiges d'antan?"
(Balada das Damas dos Tempos Idos -(François Villon)


As vetustas paredes desta casa
Guardam sonhos da farroupilha era,
Também medo tardio que extravasa
E se alastra agora como a hera

A recobrir daninha esta fachada
Tornando-a mais sombria que vital
E nada hospitaleira à convidada
Que eu trouxe da longínqua capital

E que de noite acorda e se me agarra
A debater-se qual barca em sua amarra
Na torrente dos soluços e das mágoas

Das prendas que qual "neves d’antanho"
Ora permitem degelar as suas águas
Pois que então o heroísmo era tamanho...

2004


Nota

Acabei de encontrar este soneto inédito que percebi corresponder aos primeiros tempos da estada de Aline na estância. A namorada paulistana da Alma teve um filho de nosso irmão Rodo e acabou voltando com a criança (Marco) para São Paulo, contra a nossa vontade (que a amávamos), depois de dois anos (vide o romance O Sangue da Terra, de Alma Welt, no blog com este nome). (Lucia Welt)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

A ânfora em vermelho (de Alma Welt)

(ou Auto-biografia breve)

Eu sinto que estou perto da vida
Quando observo o mundo e sua lida
A partir deste reduto aonde vim
Viver desde que me dei por mim,

Guria entre piás, e deslumbrada,
Chegada da pequena Novo Hamburgo
Onde após me ver parida numa estrada
Meu pai fora viver qual demiurgo.

E aqui fui, neste vetusto casarão
Educada para ser o seu orgulho
E não a simples filha do patrão,

Mas aquela que seria o seu espelho,
E como grega ânfora em vermelho
Compensar do passado o mero entulho.

(sem data)

Nota
...grega ânfora em vermelho- Alma (que era ruiva) se refere àquele tipo característico de cerâmica ática (da antiga Grécia) que tem como característica as figuras pintadas somente em vermelho (ficando assim chamadas pelos arqueólogos, colecionadores e museus), das quais constam tantas obras-primas, e que quando encontradas numa escavação compensam toneladas de entulho, ou simples terra e pedras inúteis. (Lucia Welt)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Álbum de memórias (de Alma Welt)

Meu álbum fotográfico do Pampa!
Bah! Como narram minha história
As fotos em que o rosto meu se estampa
Fundidas co’as que guardo na memória!

Ali me vejo pequena e cacheada,
Com estranho vestido até os pés,
De antiga gola branca e rendada
E co’aquele olharzinho de viés.

Depois, donzela branca e sensível
A colher flor no jardim ou na campina,
A Infanta que a si mesma se imagina.

Depois ainda, a pintora-poetisa
Pincel na mão e a paleta indefectível
Melhor ali que o quadro, e mais precisa...

(sem data)

O Iceberg (de Alma Welt)


O Abismo da Alma (ou O Iceberg)- óleo s/ tela de Guilherme de Faria


Deus criou o mundo inconsciente
Onde somos todos Anima e magia.
A razão é um universo penitente,
Diminuto, limitado, dia a dia.

Mas na base imensa do iceberg,
Que riqueza, que cosmos, que amplidão,
No sonho que a alma ainda persegue
Ao despertar pela manhã em solidão!

Como, pois, duvidar do dom divino
Se a própria divindade compartilha
O poder, o mito e a alegoria

No sono do velho e do menino?
E desta Alma desperta em sua ilha
A sonhar um oceano de alegria...

15/12/2006

terça-feira, 28 de abril de 2009

Fênix (de Alma Welt)

Toda a experiência acumulada
Foi vã diante da força do momento
De emoção pungente e desatada
Produzida por antigo sentimento

Que voltou a mim como um pampeiro
Quando confrontei meu próprio amor
Ao vê-lo adentrar o meu terreiro
Vindo em minha direção... o predador!

E então, ó santa ingenuidade!
Um rubor me sobe, ó inocência!
E o tremor substitui toda a saudade.

E como uma donzela de outra era
Voltei a sonhar a tal quimera
Do primeiro amor em sua demência...

(sem data)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O pêndulo parado (de Alma Welt)

Vou-me daqui, Rôdo, por ora.
Não posso mais, não passarei na prova,
Nosso pai amado foi-se embora,
Eu mesma o vi descer àquela cova.

Tudo por aqui clama ou ilude,
Meu coração tropeça em sua sombra,
Ouço ainda seus passos sobre a alfombra
Que deveria guardá-los em quietude.

Mas os livros, mudos, o piano...
E o relógio da sala é só silêncio,
Os ponteiros no vão doze romano,

Imóveis congelados no momento,
O pêndulo inerte, ponte pênsil
Sobre o nada eterno e seu tormento...

(sem data(1999?)

domingo, 26 de abril de 2009

Manhãs (de Alma Welt)

Belas manhãs, esplêndidas manhãs
Quando após um breve chimarrão,
A geléia e o queijo sobre o pão,
Eu corria para o prado e seus afãs.

E abrindo meus braços para o céu
Azul de doer de tão perfeito,
Eu experimentava vir do peito
Das andorinhas o mágico escarcéu.

E no calor girava até cair
De tontura, emoção e euforia
Por estar viva e tanto isso sentir.

Mas eis que a sombra começava a vir,
Não do umbu a fronde que alivia,
Mas do afoito coração que entardecia.

(sem data)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Noite do Maestro (de Alma Welt)

5

Noite perplexa, pálida e demente
A se estender da casa à pradaria
Desde o coração da minha gente
Concentrada no salão e escadaria,

Todos à roda do corpo tão presente
A que só eu via a grande espada
Entre as mãos no peito e repousada
Longitudinal e reluzente...

O maestro jazia inanimado
Mas a música de seus dedos se ouvia
A tocar num gravador ultrapassado,

Parecendo vir de longe, muito longe,
D’uma idade recheada de magia
Onde fora grão-senhor, guerreiro e monge...

03/01/2001


Nota
Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que junto à serie dos "Delirantes", embora seja bem claro e descritivo do velório do Vati (papai) que para os novos leitores esclareço que também era chamado de Maestro pelos peões e alguns de nós, pois era um grande pianista embora fosse médico (só exerceu a medicina na juventude). (Lucia Welt)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Sonetos delirantes da Alma (de Alma Welt)


pintura de autoria de Alma Welt


Sonetos delirantes da Alma (de Alma Welt)

O gaucho triste (de Alma Welt)
1

Vinha o gaucho ereto em sua sela,
Montado no vento e sem cavalo.
A noite carecia de uma vela
Que a lua era negra e sem um halo.

“Vai-te”, disse eu, “por quem me tomas?”
“Sou a prenda fiel de pai e irmão,
E não deixarei que escuras formas
Venham entrever meu coração!”

E o gaucho espectral continuava
Ali, com a face branca e triste,
E o zum de seu silêncio se arrastava.

Longos bigodes, chapéu de barbicacho,
No seu punho uma lâmina em riste,
A outra mão a conter o rubro facho...

05/02/2004


Sob a figueira (de Alma Welt)
2

Sob a figueira em sonho estava ela,
A branca peregrina de uma noite,
Sentada de viés em sua sela
Os olhos a pedir que não me afoite.

E eu me aproximei arrepanhando
Minha longa saia de cetim
Com meus pés inseguros caminhando
Numa espécie sedosa de capim

Dourado, como a bruma que luzia
E envolvia tudo em doce flama
Que por si apaziguava e seduzia.

E eu ouvi a voz que se me canta,
E o coração, ao recordar, ainda inflama:
"Virás comigo em breve, Alma, Infanta."



A Cavalhada (de Alma Welt)
3

A cavalhada vem durante o sono
E passa por mim em sobressalto,
Que desperto então em pleno Outono
Com as folhas varridas para o alto.

E corro, bah! eu corro desde então
Das minhas horas em fluxo contrário
Que buscam varrer-me para o chão
Com seu vento forte e arbitrário,

O Minuano, sim, que se diz dono,
E me quer não como às folhas, mas mulher,
Eu que prefiro os cavalos do meu sono

Que brancos como ondas me seduzem
E no abismal galope me conduzem
Aos páramos profundos do meu ser...

10/03/2005



Noites abrasadas (de Alma Welt)
4

Noites abrasadas, tão freqüentes
De minha grande dor transfigurada,
Quando o vão clamor pelos ausentes
Deixava o meu rastro pela escada.

Madrugadas doridas entre os galos
E os latidos longínquos na estrada;
Os minutos escorrendo pelos ralos,
Dedos e passos percorrendo o nada.

Depois o som há muito ausente do piano
Negro e mudo, a vir do tétrico Steinway
Que o mestre dedilhava e outrora amei,

Agora que só tons graves se ouvem
Tangidos pelo intruso Minuano
Como arremedo surdo de um Beethoven...

06/01/2007


Nota
Acabo de descobrir um novo tesouro na Arca da Alma: um grosso maço de papel contendo sonetos manuscritos que pelo seu timbre e conteúdo resolvi entitular "Sonetos Delirantes da Alma".
A grande poetisa cultivava também uma vertente obscura e misteriosa, por vezes assustadora, na sua imaginação tão rica de mundos e timbres.
À medida que os for compilando e digitando, irei publicando numerados. Talvez tome a liberdade de entitulá-los, para efeito de melhor divulgação no Google, pois Alma não fez, nem sequer os numerou.
(Lucia Welt)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Amo colher flores (de Alma Welt)

Amo muito colher flores nestes prados
Já tangidos pela aragem da manhã,
E cercada por volteios e agrados
Das abelhas e os zumbidos feito imã

Como disse o canoro Djavan
Do som dos besouros e seu ouro
Em torno à brancura tão louçã
De minha própria carne e pêlo louro,

Em sossego também entre as ervinhas
Que me fazem, bah! lembrar-te, “linda Inês”
E “o nome que no peito escrito tinhas”,

Eu que não passo, cercada de mensagens
E poemas do antigo amor cortês,
De uma prenda a vagar entre pastagens...

08/06/2006

Notas

*...zumbidos feito imã- alusão ao refrão da famosa canção de Djavan:
"Açaí, guardiã/
Zum de besouro um imã/
Branca é a tez da manhã "

*chinoca- diminutivo de "china", expressão gauchesca do pampa riograndense para rapariga, guria.

*"...linda Inês"..."o nome que no peito..."- citação dos versos famosos dos Luziadas, de Camões: "Estavas, linda Inês, posta em sossego/ dos teus verdes anos colhendo o doce fruito.../
..."ensinando ao monte e às ervinhas, o nome que no peito escrito tinhas."

Perdidas ilusões (de Alma Welt)

Sonhos meus, perdidas ilusões!
Como diziam as que me precederam,
Tolas donzelas, as que excederam
As regras, como eu, com os varões.

Quebrei contratos, talvez, e mesmo a cara,
Como dizem agora, e com razão.
Recolho-me ao meu sexo, mais avara,
Que não provoco mais nenhum machão.

Traumatizada? Sim. Eu me confesso.
Fui invadida mesmo, sem mercê,
Mas à mercê de fato de um possesso.

Trago ventre e traseiro doloridos,
A retaguarda mais, como se vê
Pelo mau passo e sorriso, tão sofridos...

14/10/2004

Nota
Acabo de encontrar na arca este singular soneto, que pela data corresponde ao período logo após a chegada de volta ao nosso casarão, depois de sofrer o estupro (inclusive anal!) por parte do namorado de Aline, que invadiu o ateliê-apartamento de São Paulo quando Alma se encontrava sozinha encaixotando os livros para retornar com Aline à estância. Alma tinha se tornado amante de sua modelo que abandonara o namorado de mais de um ano, por ela, a pintora e poetisa que a contratara e por quem se apaixonara ( episódio que consta no romance autobiográfico inédito A Herança, de Alma Welt).
Resolvi publicar aqui, e não nos “Eróticos” simplesmente, este patético e estranho soneto revelador, de humor auto-crítico e ligeiramente amargo, pois pretendo me manter fiel ao voto de respeitar o seu desejo de revelar tudo, de tudo narrar, sem nenhuma auto-censura, a extraordinária e por vezes sofrida trajetória anímica e existencial que fez dela uma das mais extraordinárias autoras confessionais da literatura universal, ao meu ver e já no de muitos leitores. (Lucia Welt )

Voltem meus amores

Voltem, oh! voltem meus amores,
Que aqui os espero em meu tugúrio!
Agora o meu amor e seus humores
Devem menos a Eros que a Mercúrio,

O esperto deus ligeiro das mensagens
Dos amantes, dos deuses e ladrões,
E tanto aos vãos amores temporões
Como àqueles precoces e selvagens.

Saibam que os espero em concílio,
Todos à roda do perdido coração,
Que acabo de voltar do meu exílio...

Estou de volta à terra do meu ser:
Aqui posso amar sem exclusão,
Abraçá-los todos juntos e... morrer.

05/07/2004

Nota
Este belo soneto já revela o pressentimento da Alma de que o ciclo de sua vida se fechava e que não viveria muito mais. Ela queria reunir poeticamente todos os seus amores e paixões, reconciliando-se com todos, inclusive com os que duraram tão pouco. Alma conseguiu expressar algo difícil como este concílio simbólico dos amores de toda uma vida num abraço final, carinhoso, redentor... ( Lucia Welt)

segunda-feira, 16 de março de 2009

A ribalta (de Alma Welt)

Sou feliz, meus leitores, reconheço,
Pois amo e sou amada, nada falta.
Em torno a mim, a teia que não teço:
A platéia calorosa, eu na ribalta.

Atenta aos meus versos de guria,
(pois que piá ainda já me ouviam)
Que somente ventos fortes impediam
Declamar meus versos, que mania!

E assim se me tornou essencial,
Que como respirar eu necessito
Escrever o meu soneto matinal,

Outros tantos depois durante o dia,
Sonetos que, esses sim, tecem o mito
Que me fiz em honra mesma da Poesia!

(sem data)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Adeus Pampa (de Alma Welt)

Pampa amado de minha juventude,
Da guria que fui e ainda sou!
Dói-me demais saber que não mais pude
Prorrogar os prazos que me dou.

Devo partir, eu sei, chegou o fim,
O Grande Gáltcho recusou a apelação,
A última que fiz, não só por mim
Mas por meu amor e meu irmão.

Por Lucia, Matilde e o bom Galdério,
Pelos guris no jardim do casarão,
E o bosque que me foi um refrigério.

Ah! A biblioteca imensa e amada
Também sala do piano do patrão,
E, ai! Rodo, nossa alcova na mansarda...

18/01/2007

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A Arca (de Alma Welt)

Tendo sido aventureira em minha vida
Estive no limite, nos extremos.
Quantas vezes me julguei até perdida,
Vagando por lugares muito ermos

Da alma, onde poucos se arriscaram,
E a sentir o quanto é perigoso
Chegar onde os maiores habitaram,
Seus longínquos páramos de gozo!

É hora de fazer meu testamento
Implícito nos versos derradeiros
E legar o cabedal do pensamento:

Deixar meu tesouro nessa arca
Que veio dar a mim desde Petrarca,
Ouro d’alma em sonetos verdadeiros...

17/01/2007


Notas
Acabo de encontrar na arca da Alma este "testamento" que constatei ser inédito, nunca publicado pela Poetisa em nenhum portal. Por ele percebemos que ela considerava a sua arca como o resultado de uma vida de aventuras anímicas (a alma como uma espécie de transcendente pirata?) ou a herança do manacial de inspiração dos grandes sonetistas desde Petrarca, cuja Musa celebrada foi Laura. (Lucia Welt)

* "Ouro d'alma em sonetos verdadeiros"- Encontrei na arca uma variante deste soneto em que o terceto o final aparece assim:

Deixar meu tesouro nesta arca
Que veio dar a mim desde Petrarca,
Laureada em sonetos verdadeiros*

em que, curiosamente, a palavra "laureada" ao mesmo tempo que evoca a coroa de louros que cingem as têmporas dos grandes poetas na iconografia antiga, faz evocação de Laura, a musa celebrada de Petrarca.
Não sabemos por qual verso final Alma realmente optou no seu soneto.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Primeiro amor (de Alma Welt )

Amores como sonhos se desfazem
Tênues como teias entre as ramas
Se deixamos de urdir as nossas tramas
Enquanto as ilusões se liquefazem.

Mas resta o amor que ainda esperas,
Somente aquele um, da nossa infância,
O beijo virginal de uma criança
Que reconhecemos de outras eras.

Os olhos de uma corça em seu candor
E o cheiro, ah! o perfume de uma boca
De pequenos lábios como flor

De que perseguiremos o respiro
(conquanto uma só vida seja pouca),
De cujo alento é feito o último suspiro.


(sem data)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Balanço da Vida (de Alma Welt)

Lancei meu nome aos quatro ventos
Desde o Pampa a plena pradaria,
Levei minhas notícias de Poesia
Nas pequenas aventuras e eventos

Que me souberam assim universais,
Pois os homens são um só, o mesmo medem
A oeste, norte, sul... leste do Éden,
Quanto mais fiéis aos seus quintais.

E assim vi minha Vinha prosperar
E as ramas do vinhedo me cercarem
Com os cachos sumarentos a brilhar.

Mas sei também meus poemas como hera,
Gavinhas que pressinto se alastrarem
Nas paredes da Casa que me espera...

17/01/2007

sábado, 27 de dezembro de 2008

A Ronda (de Alma Welt)

A Ronda (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu jardim
Rever minhas memórias prediletas,
Ali, entre os eflúvios do jasmim
E o aroma mais sutil das violetas.

Como danço e giro em minha ronda!
Como sinto leves os meus braços!
Meu corpo quer rolar como uma onda
Ao rememorar os meus abraços,

Sim, dos meus amores, de guria
Que de tanto amar já me perdia
Naquela ânsia louca de entregar-me

Que fez de mim mesma minha amante
Por puro entusiasmo pela carne
Que tornava eterno cada instante...

10/01/2007

Nota
Encontrei agora, de madrugada, mais este soneto inédito, na arca da Alma, que me parece especialmente belo, e que reitera essa nota característica do "egotismo sublime" da nossa Poetisa. Por sua excepcional beleza, Alma tornou-se sua própria amante, como Narciso poético (redundância) que ela era. Não podemos culpá-la: diante dela sentia-se a legitimidade dessa paixão que transcendia a mera auto-estima. Pois nela, tudo parecia belo. Pelo tom, pelo talento, pela estética doce e natural de suas atitudes.(Lucia Welt)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O prelúdio sem fim (de Alma Welt)

Uma vez, voltando do meu prado
E já atravessando o nosso mate,
Ouvi um prelúdio executado
Por alguém que só podia ser o Vati.

Corri pelo jardim, logo o salão,
E chegando ao escritório para vê-lo
Surpreendi-me ao encontrar o irmão
Como de praxe a coçar o cotovelo.

Onde? Onde está nosso maestro?
Eu indaguei, espantada e meio tonta.
Quero ouvi-lo, me parece falta um resto!

"Minha irmã"- disse ele sério para mim-
"É um prelúdio para ti, não faça conta,
Que jamais irei tocá-lo até o fim..."

(sem data)


Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que me dei conta de ser inédito, nunca publicado por ela ou por mim. Fui testemunha desse episódio. Rodo tocava piano maravilhosamente e compunha, raramente. Alma achava que ele desperdiçava seu talento, dedicando-se cada vez mais ao pôquer. Mas me parece que, ele ter composto um prelúdio inacabado para a sua Alma, contém uma vaga alegoria... (Lucia Welt)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )/

Este soneto foi publicado primeiramente no meu blog O Espaço do Irmã da Alma na segunda-feira, 24 de Novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )

Pelos labirintos desta estância
Vagueio como outrora sob a luz
Agora com temor e esta ânsia
Que não obstante me conduz

Pelas sendas onde ontem fui feliz
E corria alada a colher flores
Para florir meu quarto de aprendiz
Da Poesia, do Amor e suas dores.

Como viver os dias que me restam?
É a pergunta recorrente, intrometida
No rol de pensamentos que me infestam.

Ruivas colunas, galgando patamares,
Ruivos cabelos flamejando pelos ares,
Eis a Alma... que corre... já ferida!

18/01/2007

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Nota
Estarrecida acabo de encontrar este soneto inédito da Alma em sua arca do sótão, em que a imagem do Labirinto se confunde com a escadaria de colunata vermelha do palácio de Cnossos, em Creta, que nitidamente é o cenário ou metáfora que perpassa o poema, de dolorosa premonição da morte. Na verdade, cheguei rapidamente a essa interpretação porque Alma tinha um cartão postal dessa escadaria ladeada de colunas ("ruivas" como os seus cabelos) pregado com alfinete num painel de cortiça, de recordações de viagens e amigos, no seu quarto. Alma acreditava ter já vivido em Creta nesse palácio do Labirinto. Mais uma vez tive que chorar... (Lucia Welt)

sábado, 16 de agosto de 2008

Odisseu (de Alma Welt)

"Somos para a Morte", disse alguém,
E desde então eu me pus a meditar,
Coisa inusitada para quem
Todas as dádivas vieram se somar.

A beleza é vã, efêmera, fugaz,
Diz Matilde, o que a Mutti já dizia,
E eu desconfio que apesar de pertinaz,
Tal pensamento deriva da apatia.

Ah! Odisseu, meu grego predileto,
Que disseste (e por isso foste honrado)
O quê é o homem? Cabal, doido completo

Que se acaba com um simples resfriado
E que no entanto, aqui como em Elêusis,
É capaz de afrontar os próprios deuses!

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A caravela (de Alma Welt)


Lanço no papel minha experiência
De ser o fulcro ou centro desta saga
Tão amada, vivaz, com tal ardência,
Como um druida, bardo ou velha maga.

Nada de queixumes ou lamento,
Mas afirmação total de vida
Que aos outros possa ser alento,
Inspiração vital e comovida.

Pois sei que a vida é mesmo bela
E o frágil ser humano, interessante
Como pode ser imenso e triunfante!

Eis porque vago pela face do papel
Como tardia, embevecida caravela
Fazendo deste espelho o próprio céu.

1401/2007

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O eterno retorno (de Alma Welt)

Contarei e cantarei até o fim
Dos meus dias como vou ao meu irmão
Encontrá-lo alta noite no seu sótão
Para entregar-me a ele e ele a mim.

E como, tateando no escuro
Nos longos corredores, já ardente,
Eu me dispo no caminho, de repente
Naquele impulso claro e escuro

Que me leva assim a dar-me e dar-me
E exausta adormecer sobre seu ombro
Depois de tanto cavalgar a sua carne.

E como, adormecida, recomponho
A clara roda de ir ao seu encontro
Na obscura clareza do meu sonho.

(sem data)
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A Fronteira e o Portal (de Alma Welt)

Saio de manhã com cuia e bomba
A vagar por minhas velhas trilhas
Até rondar o bosque em sua lomba
Que nasce no sopé destas coxilhas.

Ali penetro então chimarreando
Aquecida por dentro pelo amargo
Para ouvir a natureza despertando
E o meu alento bem mais largo.

E logo tomada de entusiasmo
Me ponho a correr por entre os troncos
E a girar no centro de um orgasmo

Até desfalecer numa clareira
Cercada por seres nada broncos,
Abertos o Portal e a Fronteira...

(sem data)

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Nota
Acabo de encontrar este curioso soneto manuscrito entre os papéis da Alma na sua arca, e dei-me conta de que nunca foi publicado. Apressei-me em digitá-lo e colocá-lo no seu blog dos Sonetos de Mistérios da Alma. Mas logo percebi que se trata, na verdade, de um soneto erótico, embora simbólico e velado. Não preciso dizer o que são "o Portal" e "a Fronteira". Ri muito e mais saudades tive de minha extraordinária irmã, de sua intensidade vital e de seu humor. (Lucia Welt)


Se me perguntarem... (de Alma Welt)

Se me perguntarem o que quero
Com tanto escrever, em catadupa
Soneto após soneto, eu reitero
Que isso me elimina toda a culpa.

Sim, a que se instala em nossa alma
Com o primeiro vagido após o tapa
E faz o ser humano ter um mapa
Do inferno gravado em sua palma.

Em sendas ocultas e entrelinhas
Eu vou, vago, vôo e deixo ir-me
Ignorando as coisas comezinhas.

Escrevendo recupero a inocência
E posso tudo, e na alma permitir-me
Ir muito além da dor e da demência.

15/12/2005

Nota
Ao encontrar há pouco este soneto, apertouse-me o coração, pois pela data percebi que fora escrito poucos dias antes da sua internação na Clínica em Dezembro de 2005, que tanta preocupação e dor nos causou, inclusive com sua fuga e percalços em caronas de caminhão pelas estradas do nosso Pampa. Este soneto testemunha a luta heróica da Alma para fugir "da dor e da demência" que rondavam a sua alma de poeta, de artista predestinada e de mulher muito bela, excepcionalmente pura e ardente.(Lucia Welt)




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Minha "Estrela de Absinto" (de Alma Welt)

Estrela minha, a mim mesma me revela!
Eu te invoco como outrora o Druida
Ou muito antes o rei da torre aquela
Etemenanki que em Babel foi destruída!

Vem ao meu encontro e me desvia
Do fatal caminho que pressinto,
Eu sei, estamos todos nessa via,
Na rota de uma estrela de Absinto,*

Mais sonhos, mais delírios, mais anseios,
Ainda não cumpri meus devaneios
E ainda faltam centenas de sonetos,

Cavalgadas, êxtases, amores,
Vagar por entre temas e motetos
A colher emoções como se flores!

19/12/2006


Nota
* Estrela de Absinto -Obra de Oswald de Andrade, 1927. A expressão se refere à uma estrela apocalíptica, para alguns místicos e esotéricos caracterizada como o planeta Vênus(estrela Dalva). Absinto: bebida muito consumida na Belle Époque parisiense, e que, com o ópio, custou a vida de muitos poetas e pintores. No Apocalípse de São João, Absinto é o nome de uma estrela da destruição que cai sobre as fontes de águas e os rios, no final dos tempos (um meteorito?).Entretanto, não está claro, no poema, em qual sentido Alma a está usando. (Lucia Welt)

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Não irei queixar-me ao rei dos pampas (de Alma Welt)

Não irei queixar-me ao rei dos pampas,
O Minuano que selou o meu destino...
Não rezarei ao pé daquelas campas
Nem ali tocarei meu violino.

Bah! Tanto me alertaram sobre aquilo
De escolher e abraçar a "vã Poesia"
Abandonando o caminho mais tranqüilo,
Do Lar, e ainda ficando "pra titia"!

Sobretudo não irei me prosternar
Diante da matéria ou de seus signos,
Que não tenho o afã de conservar...

Pois que há muito abri minhas eclusas,
Fiz juras e votos bem mais dignos
E jamais renegarei as minhas Musas!

(sem data)
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A névoa e a Alma (de Alma Welt)

Quando a névoa ainda não se alçou
E paira sobre a relva confundindo
Céu e terra como quando começou
O mundo e Deus ainda estava urdindo

A tessitura de seu reino endiabrado,
Depois cheio de tesouros e magia,
Eu sinto que pertenço a este prado
E nutro-me de sua nostalgia.

Mas logo em alegria me desnudo
Pois orvalhada já em minha roupa
Posso sentir-me parte disso tudo:

De Deus o puro caos primevo e vago
Quando tudo ainda era parte dessa sopa
Do grande caldeirão do Eterno Mago...


(sem data)

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Nota
Acabo de encontrar na montanha dos inéditos da Alma, em sua arca do sótão, este soneto encantador sobre o qual testemunhei as cirunstâncias de sua inspiração, pois acompanhei uma vez a Alma num de seus passeios matinais, bem cedinho, e a vi impulsivamente desnudar-se para sentir a névoa da alva da manhã em sua pele, no corpo todo, rodopiando de alegria em sua integração sentida nesse "caos úmido". Alma era uma criatura profundamente telúrica e nutria-se, como ela dizia, das forças da terra e do ar, como todos os seres, é verdade, mas com mais intensa consciência poética, se podemos dizer assim, do que a maioria de nós. (Lucia Welt)


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terça-feira, 29 de julho de 2008

Da vida vivida (de Alma Welt)

Por amor, me desnudei a alma
No papel em versos escandidos,
Não me poupei em nada, dei a palma
A ler, como às ciganas os escolhidos.

Sim, por que nelas eu confio
Se vêem em nós o dedo do destino
Ou espada a pender daquele fio.
Mas ouvindo da Gitana o violino

Cantei, dancei, de mim me desnudei
E nos leitos dos amados supliquei
Que tocassem as fibras do meu ser.

E louca, penetrada e fruída
Fui verso e canção pra ouvir e ler
E nada deixei pra outra vida...


17/01/2006

Nota

Mais uma vez emocionadíssima, ao descobrir agora há pouco este soneto, me defrontei com um "testamento espiritual" da Alma, poderoso, de comovente grandeza.

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A Alma destas águas (de Alma Welt)

A trilha que leva à minha cascata,
A cantar percorro todo dia,
Descalça, pois retiro a alpargata
Para sentir do solo a energia.

E logo vou a blusa retirando
Ou o vestido inteiro, se é o caso,
Depois a calcinha, ali deixando
Na senda como rastro e ao acaso

As belas tramas um tanto obsoletas
Pois me dou à transparência destas águas
(que nunca me escondi em vãs anáguas).

Depois saio brilhando, nada feia...
E mais: para atrair as borboletas,
Me agacho crua a urinar na areia.

(sem data)

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Nota

Encantada, acabo de descobrir na arca da Alma este soneto lindo, ligeiramente erótico, que revela algo que eu mesma testemunhei algumas vezes: nua, molhada e brilhando, Alma urinava na areia da prainha da cascata, e logo ali se fazia uma revoada de borboletas que apreciavam o sal ou a amônia onde pousavam numerosas, sugando, para encanto de minha bela irmã, que eu ficava olhando, admirando, como uma ninfa que ela realmente era. (Lucia Welt)



Dúbios domingos (de Alma Welt)

Tenho com os domingos dúbia liga
Pois embora ensolarados em essência
Me fazem ver do Tempo a vã carência
E a tal fugacidade, ó minha amiga.

A contagem domingueira se revela
Ultimamente regressiva e voraz
Embora eu seja jovem, viva e bela,
Já me vejo saudosa a olhar pra trás.

Eis que me sinto assim contemplativa,
Que nunca fui alguém que muito chore,
E me ponho a vagar como uma diva

A colher florzinhas como a Core
No seio claro desta natureza viva
Antes que o escuro solo me devore.


28/11/2006


Nota
Acabo de encontrar este belo e impressionante soneto da Alma, que faz ver a persistência de seu pressentimento da morte próxima. Vale aqui relembrar o mito de Core (a Perséfone dos gregos) filha de Ceres, a deusa das colheitas(a Deméter, dos gregos) que estando a colher flores na pradaria, subitamente o solo se abriu e ela foi agarrada pelo deus Hades, do escuro subsolo do mundo (o reino de Hades)onde passaria, por intercessão de Zeus, a pedido de sua suplicante e sofrida mãe, a viver por seis meses, sendo que os outros seis poderia passar com sua mãe sobre os campos. Esses ciclos se relacionavam com o tempo do plantio e o da colheita. (Lucia Welt)

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Palavras à cigana (de Alma Welt)

Rafisa, lê depressa a minha palma
Mas não pares no meio da leitura.
Sempre o fazes como se uma ruptura
No fio do destino desta Alma.

Eu vejo como fechas minha mão
E o disfarças com um beijo ou sorriso.
Mas não conténs, cigana, o coração
E teu peito que ofega, em prejuízo

Do segredo do que é meu e tu me deves,
Pois se és vidente e quiromante
Honra a tua fama, a mal não leves,

Vai, revela tudo, não importa
Se a Morte for um hóspede galante
Que está prestes a bater na minha porta...

05/01/2007

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Nota
Descobri emocionada este soneto que mostra como Alma andava cheia de pressentimentos da morte próxima, mas não totalmente consciente, que é como o Destino brinca de se apresentar...
(Lucia Welt)

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O claro e o escuro da Alma (de Alma Welt)

Amanhã verei meu ser refeito
E envolto em aura, libertado,
Serei o ser que sou, o ser eleito
De mim mesma, aceso, iluminado.

Farol na noite eterna de esperança
Ou sol no dia claro sempiterno,
O timbre escolhi eu desde criança
Ao escolher o amor, o bom e o terno.

Mas, bah! se o Cerro esfria e escurece
E pelas faldas onduladas de coxilhas
Do Jarau o minuano escorre e desce,

Da alma o lado escuro me fascina
Ao perceber o quanto, sim, ele me anima,
Esse contraste que produz as maravilhas!

(sem data)
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Nota
Com o seu poder de criar ou de realimentar mitos, Alma parece dizer que o minuano nasce no Cerro do Jarau (vide A Salamanca do Jarau, de João Simões Lopes Neto) e quando este escurece e esfria, escorre pelas encostas e corre pela pradaria, como um desbordamento do lado escuro do mundo. (Lucia Welt)

Noite Xamânica (de Alma Welt)

Quando a noite é quente em meu jardim
Me ponho na varanda, excitada
E logo vou sair fora de mim
Para livre me sentir, e mesmo alada.

E vôo, ah! eu vôo sobre as flores
Pra de cima divisar o meu quiosque
Em que um dia iniciei-me nos amores
Pra depois consagrá-los no meu bosque

Onde então me torno loba ou cadela
Ssschhh!.. a grande coisa, um sábio disse*,
Exige que jamais falemos dela,

Pois me sinto voltar ao animal,
Enquanto vultos negros como piche,
Com seus lumes já me espreitam como tal...

29/06/2006

Nota

*"...um sábio disse"- Penso que Alma, parafraseando, se refere à famosa frase de Nietzsche: "As grandes coisas exigem que não se fale delas. A menos que falemos delas com grandeza. Com grandeza quer dizer: com cinismo e inocência".

Este soneto, de nítida inspiração xamânica, parece insinuar que Alma começa a noite como um pássaro (uma coruja?) e depois se transforma numa loba no cio (cadela), espreitada por uma alcatéia de vultos escuros mas de olhos luminosos. Alma se tranforma no seu "animal de poder". (vide Xamanismo).
(Lucia Welt)
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Reencontrando o general (de Alma Welt)

Acabo de encontrar este misterioso soneto da Alma na montanha de seus textos em sua arca do sótão. Alma parece querer dizer que, rencontrando o atual descendente direto do general Netto da Revolução Farroupilha, morto misteriosamente na Argentina
(em Corrientes) aqui indicada pela expressão "el Plata", este (por ser uma reencarnação do seu tetravô?) a reconhece como seu último grande amor (Maria Escayola) e a chama de seu "Graal", expressando a grandeza de sua procura romântica. (Lucia Welt)



Reencontrando o general (de Alma Welt)

Amarrei minha montaria no mourão
Adentrando então a estância estranha.
No peito eu sentia o coração
Pulsando como os palpos de uma aranha

Que aguardasse a si mesma como presa
No centro de uma teia que era o mundo.
E assim eu caminhava muito tesa,
A sentir que o momento era profundo.

Então me vi diante da varanda
Do herdeiro de meu Netto general,
Que tirou o chapéu, como se manda

E mostrando os cabelos cor de nata
Disse: "Voltaste, minha princesa, meu Graal,
Que te espero, há muito, desde el Plata."

(sem data)

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Palavras ao Vati (de Alma Welt)

Encontrei hoje este sugestivo soneto da Alma, que esclarece a complexa relação de minha irmã com o Vati (papai), com Rôdo, nosso irmão, e com a Mutti, nossa mãe, a "Açoriana", como Alma dizia mais comumente. (Lucia Welt)



Dá-me teu colo, Vati, estou carente,
A Açoriana acaba de afastar-me.
Eu sei, ela me acha delinqüente,
Somente tu, ó Vati, sabe amar-me.

Ela diz que me espevito ao ver "um macho",
Tu ou Rôdo, dia e noite, e sem que
Jamais, ela diz, "sossegue o facho"
Mesmo servida a minha quota de rebenque.

Mas, pai, foste tu que me criaste
E me disseste pra ser sempre verdadeira,
Que minha pele já propunha esse contraste

Com, do falso a escura face, escondida,
E que jamais porias na coleira
O ser que iluminou a tua vida!


06/11/2006



A leitoinha (de Alma Welt)

Galdério, prepara a tua charrete
Que hoje não quero cavalgar!
Leva-me como quando eu tinha sete
E dormia no teu colo ao regressar

E me tomavas nos braços com candor
Ao salão me transportando sem eu ver,
Me punhas sobre a mesa por humor,
Dizendo: “Hoje leitoinha vamos ter!”

E eu já despertada mas fingindo
Não resistia e gargalhava afinal
Sem ousar abrir os olhos, sensual,

Pois sentia o teu olhar tão inocente
Percorrer meu pequeno corpo lindo
Que queria ser tomado docemente...

09/07/2006

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Fiquei estarrecida ao descobrir hoje este soneto na arca da Alma. Senti-me primeiramente perplexa, depois chorei muito.
Ficou claro para mim, de repente, o gesto insólito, aparentemente incompreensível de Galdério ao pegar o corpo nu da Alma, quando de sua morte afogada no poço da cascata, e vir com ele nos braços como um sonâmbulo para depositá-la sobre a mesa do salão onde começou o seu espantoso velório nu, até ser interrompido pela irupção indignada de Matilde cobrindo-a com uma toalha de mesa, como um sudário.
Vide o blog "Vida e Obra de Alma Welt":(www.almawelt.blogspot.com) onde publiquei, já há tempos, a carta que escrevi na ocasião fatídica, narrando as circunstâncias da morte e do velório de minha amada irmã. (Lucia Welt)
Postado por Lúcia Welt às 18:00 0 comentários

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Pietà sulina (de Alma Welt)


Vinha o gaúcho troncho em sua sela
Ferido por adaga gravemente,
Na mão direita a rédea como vela,
A outra mão a segurar o rubro ventre.

E estacando o seu pingo emfim cedeu,
Fez um aceno vago e foi caindo
Nos braços do Galdério que acorreu
A ampará-lo como a um guri dormindo.

E enquanto a alma ia sem adeus
Eu gravei a cena em minha retina
Como uma Pietà leda e sulina

Pois agora já estava entre os seus,
Como o outro na estação divina
Fixando a morte insólita de um deus.


(sem data)

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Conluios da Noite (de Alma Welt)


Elevam-se na noite os murmúrios
Das conspirações que aqui houveram
Nos tempos farroupilhas, e os conluios
Que nos ecos desta casa ainda prosperam.

E ouço: Canabarro se rebela
Contra Bento nosso grande comandante
Enquanto o bravo Netto se revela
O mais fiel amigo doravante.

Mas bah! são as prendas que os inspiram
Com seu doce pranto derradeiro
Na paixão ardente em que deliram,

Juntas, pelos quartos, e ao fogão
Cujas cinzas liberam um rico cheiro
Que, alta noite, invade o casarão...

02/10/2006


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Meu overmundo (de Alma Welt)

Tive um sonho esta noite, recorrente,
Pois me pareceu bem familiar:
Eu morria jovem, de repente,
E podia decidir como voltar

Mas antes me era dado ver o mundo,
Escolher a hora e o lugar
E teria assim meu overmundo
Pois que Deus me queria premiar.

Mas, bah! eu chorava de saudade
Do meu pampa, estância e casarão,
Minha querência, Rôdo, nossa herdade!

E tanto solucei, e o pé batia,
Que Deus não suportando a confusão
De cabeça me atirou na pradaria!...


14/11/2006

(Encontrei hoje de manhã este soneto inédito da Alma, em sua arca, que evidencia que ela conhecia o poema de Murilo Mendes, e que este a inspirou de maneira singular. Mas pode-se perceber também a semelhança da cena por ela descrita com um outro texto, um belíssimo monólogo de Cathy Earnshaw (depois Cathy Linton), do romance O Morro dos Ventos Uivantes( Wuthering Heights) de Emily Brönte, que Alma amava sobretudo, por sua imensa identificação com a personagem da charneca inglesa vitoriana). (Lucia Welt)

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Memória do bosque sagrado (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu pomar
Acender a pira dos meus deuses
Ali eles verão eu me ajoelhar
Como outrora no bosque de Elêusis.

E ao ver o fumo branco ascender
Do nosso mate em proporção secreta,
Eu me regozijarei ao perceber
Que os deuses aceitaram minha oferta.

E então eu abrirei meu coração
Para que vejam o ardor do meu desejo
Que não exclui pureza e devoção,

Pois quero somente preservar
A união de todos em que vejo
A mesma solidão, o mesmo olhar...

24/12/2006
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(Encontrei agora mais este soneto que me fez chorar. Alma previa sua morte iminente e expressava seu amor desmedido por isto tudo, sua vontade de permanecer para sempre por aqui, mesmo vagando, sem manhãs orvalhadas. Mas... ela se via a vagar eternamente com Rôdo, o irmão amado.(Lucia Welt)

Aqui estarei (de Alma Welt)


Aqui estarei, meu Rôdo, quando tudo
Naufragar em nós com o navio
Que é este casarão já quedo e mudo
A crepitar como uma vela sem pavio,

E nós, como sombras sorrateiras
Esgueirarmo-nos por estes corredores
Ou por este salão e suas soleiras
Que olharão para os últimos albores

Já a nos ver espectrais em cavalgadas
Ou mesmo a pé a vagar nas pradarias
Nas novas noites, eternas e tão frias...

Ai! Não mais claras manhãs, e orvalhadas,
Onde rindo perdoavas meus deslizes
E eu aos teus, por sermos tão felizes!

14/01/2007



De sonhos e de vinho (de Alma Welt)


Os sonhos dos meus antepassados
Perpassam meus sonhos, eu percebo,
Mas nem por isso são sobressaltados.
E assim posso amá-los, e os recebo

Densos, encorpados, como o vinho
Que legaram a nós no casarão,
Ali sob meus pés, que os advinho
Dormitando mansos no porão

E que quando vêm à mesa entre risos
E o tilintar dos brindes e desejos
Trazem lágrimas de amor por entre beijos

Que estalam nos lábios como guizos
De uma canção ouvida dos avós
Ou como um só coração dentro de nós.

(sem data)


Meu trem fantasma (de Alma Welt)

(Acabo de encontrar na arca da Alma, este magnífico e misterioso soneto, até então desconhecido por mim, que evoca como metáfora a estaçãozinha e o trem maria-fumaça que serve as nossas terras, imagem recorrente em outros sonetos e também em crônicas e romances de minha saudosa irmã. (Lucia Welt)


Meu trem fantasma (de Alma Welt)


Venham formas-pensamentos, devaneios,
E invadam-me de noite o casarão!
Meus amores estão longe, e os anseios
Preservam-me da negra solidão.

Mas o vazio... a custo eu o evito
Pois sei que ele, só, pode matar-me.
Venha aquele trem, pois, assombrar-me
Com seus brancos fumos e o apito

Naquela plataforma enevoada
Onde sempre deixei os meus queridos
Para vê-los partir em revoada

Envoltos no vapor de suas glórias,
Me deixando aqui, como os banidos,
Num comboio eterno de memórias...

29/12/2006

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A título de curiosidade republico aqui este soneto da série Pampiana, para evidenciar a recorrência dessa imagem da estaçãozita e do trenzito maria-fumaça que serve nossas terras e que era tão querido por minha saudosa irmã. (Lucia Welt)


O trem (de Alma Welt)

(193)

Quando aqui chegava o nosso trem
Na pequena estação perto da estância
Era uma festa enorme para alguém
Que amava os signos da infância.

Os ruidos, silvos e a fumaça,
O vapor envolvendo qual neblina
O vulto espectral de uma menina
Muito branca atrás de uma vidraça...

Era eu que olhava e que me via
Como sempre em tudo em minha vida
Narradora e personagem escolhida

E que esperava a mim na plataforma
Para abraçar-me em meio a algaravia
Daquela multidão quase sem forma.

17/11/2006

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Os últimos brindes (de Alma Welt)

Por ser filha amada de meu pai
Eu pude acreditar em ser poeta,
E suspeito que o mundo um dia vai
Fruir e degustar a predileta

Nascida sob estrela de abastança,
Interior, quero dizer, e dadivosa
Meu desejo é desbordar-me generosa
Como o cálice servido na festança

Quando o "gáltcho" grato na querência
Começa a discursar aos seus compadres
E a mão já lhe treme em conseqüência

Pois os brindes brotam já em borbotões,
Junto com as juras aos confrades
De veraz fidelidade entre peões.

19/12/2006



Sonhos (de Alma Welt)
"El sueño de la razón produces monstruos" (Goya)



Meu corpo traz em sua memória
O toque e as carícias dos amados,
Homens e mulheres, e a história
Dos murmúrios e silêncios encontrados.

E assim, abandono-me no sonho
Carregada de vívidas lembranças
Como arquivo vivo que disponho
Para os dias de menos esperanças.

Eis porque acordo perturbada,
Menos por carência e mais paixão,
Por vezes uma ânsia exasperada,

E erguendo-me da noite na calada
Vou ao seu leito, em sonho da razão,*
Insinuar-me nua, assim, colada...


(sem data)

*Nota

O fato de Alma ter colocado como epígrafe a famosa frase encontrada numa gravura de Goya da série Caprichos denota a consciência plena de sua relação proibida, já bem conhecida de seus leitores. Todavia sempre achei que a beleza lírica que ela punha na abordagem dessa relação, a fazia transcendente, a justificava e absolvia. (Lucia Welt)

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O recurso Münchhausen (de Alma Welt)


Como viver depois de ter vivido
Não o amor mas horror do coração
Após golpe, desonra, humilhação
Ou violação da carne sem sentido?

Como viver com o sonho desfeito
Do que era a própria imagem do viver?
Cair das nuvens ou mesmo desse leito
Onde se foi feliz, e não morrer?

Bah! Há que puxar-se por cabelos
Da alma como o lance do barão
Que afundava só e sem apelos

No poço de uma movediça lama,
E com o baio magro da razão
Alçar-se bem acima dessa cama!


08/03/2002

Nota

Acabo de encontrar mais este soneto inédito da Alma, na sua arca. Publiquei-o imediatamente no blog dela dos Metafísicos. Entretanto detectei nas duas estrofes uma alusão a um estupro real sofrido por ela, não sei se aqui na estância ou em São Paulo. Mas ela se refere a um leito. A julgar por outras narrativas suas eu teria que descartar a imagem de uma cama, que aqui seria meramente simbólica, pois as ocorrências que eu conhecia descartavam esse artefato e mais horrorizavam pelos locais e circunstâncias. Mas, por outro lado, admito a possibilidade de estar equivocada e o soneto da Alma ser uma pura alegoria das desiluções, das dores da alma e da capacidade do ser humano de recompor-se com as próprias forças. Devo lembrar também que a evocação desse episódio das aventuras do famoso barão bávaro é recorrente na obra da Alma, e já fora citado, por exemplo, no final do belíssimo conto Aline, dos Contos da Alma de Alma Welt, publicado pela Editora Palavras & Gestos, de São Paulo.(Lucia Welt)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Agradecida (de Alma Welt)

Pelos amores que quis ou que vivi
Nos dias e nas noites estreladas,
Em apelos à lua e às amadas
Estrelas cujas luzes recebi;

Pelo dom que assim me fora dado
Quando erguida nos braços de meu Vati
Fui consagrada como ser predestinado
A ser um ser de luzes, mesmo um Vate;

Pelas doces coisas que me deram
Aqueles que tão logo rodearam
A guria que em contentar se esmeram,

Mimada, servida, tão louvada...
E a alguns que até me bajularam
Como se princesa fora... OBRIGADA!

16/01/2007

Nota

Descobri nesta madrugada este sugestivo e comovente soneto de minha irmã, que ao mesmo tempo que reflete seu reconhecimento pelos privilégios de sua vida, soa como uma despedida, sim, um agradecimento final de quem está prestes a sair de cena, o que ocorreria quatro dias depois, no fatídico 20/01/2007. E novamente chorei... (Lucia Welt)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Altas horas (de Alma Welt)

Altas horas, o sono interrompido
Pelas batidas do relógio pendular
De meu avô, o boche pouco lido
Que o instalou na sala de jantar

Para ser um marco ou referência
De sua passagem tão austera
Por este casarão e sua esfera:
O vinhedo, o pomar e a querência...

Então eu me levanto e saio nua
Quando estamos do verão no suadouro
Ou de camisola, menos crua,

Para ir ao mundo dos meus livros
Pousados nas estantes, logradouro
Dos mortos que permanecem vivos.


17/12/2006

domingo, 15 de junho de 2008

De sonhos e de vinhos (Alma Welt)

Os sonhos dos meus antepassados
Perpassam os meus sonhos, eu percebo,
E nem por isso são sobressaltados
E assim posso amá-los e os recebo

Densos, encorpados, como o vinho
Que nos legaram em torno ao casarão
E sob os meus pés, que os adivinho
Dormitando mansos no porão.

E quando vêm à mesa entre risos
E o tilintar dos brindes e desejos
Trazem lágrimas de amor por entre beijos

Que estalam nos lábios como guizos
De uma canção herdada dos avós
Ou de um só coração dentro de nós...

17/08/2006

sábado, 17 de maio de 2008

Versos à Poesia (de Alma Welt)

Cantarei a Amada nestes versos,
Aquela que conhece o que a alma quer,
A do prazer e dos momentos adversos,
A das forças que transcendem à mulher

Para além do ser humano, a do esteta
Que faz do próprio dia um soneto,
Um poema, um dueto, uma coleta
De versos descartando o obsoleto

Que tentam impingir à grande Musa,
Aquela que não morrerá nunca
E que existe sem precisar escusa,

A que dá sentido à vã jornada,
Que é de uma rainha em espelunca,
Sabeis, agora, então, quem é a Amada?

19/01/2007

quinta-feira, 6 de março de 2008

O reencontro (de Alma Welt)

Quero reencontrar os meus amores
Todos nos meu braços novamente,
E minha idéia recebeu louvores
Do meu mano afoito e imprudente.

Aline, Vânia, Andrea, e Laís
Antonio e Chiara, a linda Fiora,
Mayra ex-ninfeta tão feliz,
Gino que, parece, ainda me adora.

Todos aceitaram meu convite
Para conhecer o "grande prado"
E minha excitação não tem limite.

Mas ainda não sabem qual o nexo
Desse reencontro inusitado:
Brindarmos ao amor, à vida e ao sexo.

01/01/2007

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Nota da editora

Este fato realmente aconteceu, aliás como tudo o que a Alma conta, às vezes ligeiramente transfigurado e sempre com sentido alegórico. Eu fui testemunha. Minha irmã conseguiu reunir quase todos os seus antigos amores aqui por quinze dias, uns com o pretexto de férias e outros pela curiosidade de conhecer a estância e o casarão. Acredito que ela os teve a todos novamente nos seus braços no seu leito, e suspeito que alguns simultaneamente. Mas a verdade é que ao mesmo tempo que uma celebração isso fazia parte de sua despedida. (Lucia Welt)

quarta-feira, 5 de março de 2008

Prece ao Vento (de Alma Welt)

Vento leva-me ao longe
Quero voar e subir,
Ver o mundo como monge,
Do alto, mas sem desistir.

Afasta-me dos desejos
Que me prendem à terra
Dá-me asas e ensejos
Como alguém que já não erra.

Como uma ave de mar,
Vento, vento, dá-me voz
Para que eu cante no ar!

Mas se for morrer nas águas
Sou leve, não tenho mágoas,
Por quê iria me arrastar?

(sem data)

Sendas da beleza (de Alma Welt)

Quando chegue o verão do nosso amor
Eu irei contigo à cascata
Para nos banharmos sem pudor,
Nuas, protegidas pela mata.

Eu sei que o perigo é permanente
De sermos vigiadas e invadidas
Por olhares de seres ou de gente
Que sempre visa as escolhidas.

E somos nós, eu sei, a dupla eleita
Que as gentes perseguem, invejosas
De nossa beleza que é perfeita.

Todavia retiremos as anáguas
E vamo-nos seguras, corajosas,
Pelas trilhas em torno dessas águas...

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Estrelas que mais brilham (de Alma Welt)

4

Me lembro do meu Vati me contar
Que as estrelas viviam e morriam
Depois de envelhecer e definhar
Mas que no final, pasme! explodiam!

Para de novo tudo tudo começar
Mas em "super-nova", em brilho incrível.
E eu então comecei a matutar
Se não ocorre o mesmo em nosso nível

Pois como estrelas que um dia pereceram
E já não estarão na Branca Via
No exato lugar onde nasceram

Tenho certeza que eu por certo voltaria
Mesmo que outro fosse o meu pomar,
Querendo (que vergonha!) mais brilhar...


20/12/2006

O lago das estrelas (de Alma Welt)

3

Quando a noite cai em meu jardim
Eu fico na varanda após a janta
Para a sobremesa de jasmim,
Sentada, nos joelhos uma manta,

Mormente quando o inverno já chegou.
Mas logo me levanto e vou andar
Entre as sebes para a lua me espiar
E às estrelas dizer "aqui estou"!

Este pampa é lago delas refletido
De coruscantes vontades de retê-las,
Não sou mais que um cintilar aqui perdido.

Levai-me convosco, ó minhas estrelas,
No carroção da Lua, pela Via
Branca como eu... e que nos guia!


05/07/2006

O sopro das estrelas (de Alma Welt)

2
Quando à noite venho à minha varanda
Para olhar minhas estrelas sentinelas
Eu sinto que uma brisa muito branda
Vem do alto e certamente delas.

O sopro das estrelas, quem diria!
É preciso ter a pele muito fina
Da alma, eu digo, e a sintonia
Co'esse alento que move a minha sina...

Estrelas, sou ainda a guria
Que meu pai ergueu para me verdes,
Consagrando-me à vós naquele dia,

E que nunca jamais me encontraria
A esmo, a descoberto, por me terdes
Encaminhada pois que sois estrada e guia!


16/12/2006

Estrelas fiandeiras (de Alma Welt)

(1)
Estrelas que me guiam, minhas estrelas
Que no imenso firmamento de minh'alma
Me olham com ternura e com calma
Sabendo que eu nunca irei perdê-las

Do meu belo horizonte de destino,
Fiel ao juramento em meu jardim
Na noite de um ajuste muito fino
Que fiz de mim mesma para mim!

Ó estrelas, fiandeiras esmeradas
Que cardais, depois fiando numa roca
O fio que liga amantes e amadas,

Não deixareis de enredar o meu amor
Até ele emergir de sua toca
Para termos nosso encontro de esplendor!



(sem data, provavelmente 2006)
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Nota da editora

Acabo de encontrar alguns belíssimos sonetos da Alma, ultra-românticos, que caracteristicamente poderiam ser separados numa série que eu chamarei de "Sonetos às estrelas". Por isso deixarei de incluí-los nos Pampianos, embora sejam da mesma época e inspirados pelas suas noites no jardim do nosso casarão aqui da estância, e que agora denominamos Jardim da Alma. (Lucia Welt)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Prece ao Minuano (de Alma Welt)

*

Ó Vento Minuano do meu Pampa,
Grande rio que desce a cordilheira
Do mundo castelhano como rampa,
Para fluir no chão em corredeira

E logo liso e frio sob as portas
Para gelar o meu peito desregrado
Que teme ter aberto suas comportas
E agora estar sendo castigado!

Rei Mino, me prosterno amedrontada
E oro ao deus dos ventos que em vigia
Abriu as tuas eclusas de enfiada

E deixou teu forte rio desatar
Do imenso coração da pradaria
Para com direito me humilhar...



(sem data)


Nota da editora

Acabo de encontrar mais este magnífico soneto perdido entre seus papéis e que não compreendo como a Alma não publicou na ocasião no site RL, onde estava colocando diariamente a série Pampiana até a sua morte tão chocante e repentina no dia 20/01/2007.

*Este soneto me faz recordar a temerosa veneração da Alma pelo vento Minuano, que quando soprava a deixava fora de si, em pânico ou delirante, de tal maneira que Matilde e eu tínhamos que amarrá-la para não sair correndo na pradaria ou debatendo-se no chão de maneira impressionante e dolorosa. Alma era demasiado sensível aos elementos e parecia ter um estranha integração com a paisagem, para a alegria ou para dor. (Lucia Welt)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Meu mundo (de Alma Welt)

*

Quando quero viajar o mundo inteiro
Me dirijo ao escritório do meu Vati
Com seus três mil livros e o tinteiro
Com sua pluma de ema de cor mate.

Ah! A bomba e a cuia ali estão
Sobre a mesa como signos do pampa
De onde partirei para o Japão
Inspirada por aquela bela estampa

Da famosa onda do Hokusai
Com o monte Fuji bem no fundo
Incluída em testamento por meu pai

E doada só a mim, com intenção
(que nem mesmo precisava tal menção)
Pois co'a pena e os livros... é meu mundo.


(sem data)


*(recém-encontrado, certamente também dos Sonetos Pampianos da Alma).

A Viúva-Negra * (de Alma Welt)

(dos Sonetos Pampianos da Alma)


Um peão aqui da estância foi picado
Por viúva negra, o pobrezinho!
Então fui visitá-lo (é meu vizinho)
E estava mal-ferido e acamado.

Mas depois de meia hora compreendi
Que ele estava era mesmo apaixonado
Pela viúva de um peão muito afamado
Que persiste morando por aqui.

Apezar de muito bela e cobiçada
Ela parece inacessível e já fatal
Pois o marido morreu de uma facada

De um outro, Antonio, o qual
Depois também tirou a própria vida,
Por conta da péssima acolhida.


Notas da editora

*Este soneto-crônica a rigor deve pertencer à série dos Pampianos da Alma, que já somam 421, mas como já estão publicados numa ordem e numerados, prefiro não mais tentar encaixar as novas descobertas para não afetar os respectivos comentários dos leitores.

Esta estória, verdadeira, da qual eu soube detalhes pela Matilde, mostra a mentalidade rígida de nossas mulheres, peonas aqui da vinha, que freqüentemente morrem para o mundo após a morte de seus maridos. O mito da viúva-negra, aqui, vai por conta do despeito dos peões pretendentes rejeitados. (Lucia Welt)

domingo, 11 de novembro de 2007

Dueto de Alma Welt com Anderson Julio Lobone


Fac-símile do manuscrito do soneto final da Alma para o dueto que ela mantinha com o poeta Anderson Julio, no Recanto das Letras. Encontrei há dois dias este soneto inédito, que pelo visto Alma não teve tempo de publicar em sua página lá no RL, ora apagada.

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Dueto de Alma Welt com o excelente poeta carioca Anderson Julio Lobone, que ocorreu no Recanto das Letras entre 02/01/2007 e 18/01/2007, lamentavelmente interrompido pela morte da Alma dois dias depois (em 20/01/2007).



02/01/2007 13:33 hs

Alma , simplesmente lindo.
Parabéns!

Anderson Julio

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02/01/2007 - 15:15 hs

Obrigada Anderson querido

Continua me lendo sem parar...
pois navegares em mim é preciso
para que eu, como Narciso
possa nos teus olhos me banhar

(risos)

Beijos da Alma

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02/01/2007 - 15:28 hs

Mas o que dizes alma minha?
Também necessitas do lago espelhado?
Aquele em que me afogo encantado
ao me ver em cada linha?

Em minh'alma as vaidades voam,
minhas linhas tolas se insinuam
como as tuas poesias flutuam
e em tua pele branca ressoam

Vai segue encantando por ai
pobre daquele que olha em ti
e se perde lá pelas tantas

Pois dizem os poetas do Rio
que o perigo além do frio, são
as musas que vêm dos pampas

(risos)

beijos na Alma


Anderson Julio

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02/01/2007 - 17:57 hs

Ah! Belo poeta carioca...
Não poderias fazer-me maior loa
Do que aplaudir-me como foca
E dizer que a poesia em mim ressoa.

Resisto aos galanteios e louvores,
Sei bem as intenções que eles escondem;
Outrora me perdi pelos amores,
Não vi a que armadilha correspondem.

Juro, porém, que estou tentada
Ultimamente a deixar-me apaixonar:
Li uns teus poemas, e encantada,

Ouvi aquele canto de sereia
(que há muito não ouvia assim cantar)
mas o canto vem da praia e... entra areia!

Alma Welt

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02/01/2007 - 19:27 hs

Mas será o Benedito?
Até nisso parecemos!
Foi o dito por não dito
os amores que vivemos?

Causa-me sim calafrios
pensar em me apaixonar
Até me atiro nos desvios
para dos amores escapar

sinto paz em caminhar só
sem amarras, sem buquê...
sem estar minha vida em nó

nenhum canto em meu ouvido...
mas se tu me sussurras "ô tchê"
me pergunto: estarei perdido?

Anderson Julio

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02/01/2007 – 22:03 hs


Não será por certo "o Benedito",
e já que queres o meu "ô tchê"
eu antes prefiro aquele Che
que era guerrilheiro e bonito.

Mas tenho que reconhecer teu charme
de poeta carioca e quarentão
que sabe versejar com precisão
e não teme a ironia revidar-me.

Pois começo a acreditar que este dueto
Vai dar samba, fandango ou fará rir
Pelo insólito do tom e do moteto

Que entre o praiano e a pampiana
Muito verso flertado há de vir,
Antes de vir a ser Copacabana...

Alma Welt

( - Oi Anderson. Que tal irmos publicando nosso dueto em nossas páginas do Recanto? )

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02/01/2007 - 23:11 hs

“Do dito “40tão” charmoso para a Gaúcha Invisível”

Lá se vai minha vidinha calma
que agora contigo se depara.
te disfarças a falar de Guevara
Mas só queres é ser minh'alma

Revido-te sem dó e sem pena
pois se eu te der minha paixão
levas o perfume tal qual canção
como o de uma flor de açucena

Se o dueto tem fim, não sei
como as brisas das paixões
como as tantas que eu tentei

Mas deixe minha poesia confusa
pois já temos os nossos senões.
Ou já não te basta ser a musa?

Anderson Julio

(- Pode ser sim Alma... como quiseres! Bj )

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03/01/2007 – 02:44 hs

Queres a vidinha, a moleza?
Não há paz para quem é da poesia!
Se sou tua musa, com certeza
Vou espicaçar-te à agonia.

Mas se tu revidas-me sem pena,
Que pode uma alma depenada,
Se penada já estou nesta roubada
Com quem já me fala de "açucena"?

Dizes que tua poesia anda confusa!
Confusa estou eu, musa difusa,
Oclusa, inconclusa, semifusa...

Perdi o senso e, obtusa, até o fuso
Com que tecia a trama em forma lusa
Com que dava o verso por concluso.

Alma Welt

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06/01/2007 - 03:23 hs

Não há roubada no poeta do bem
nem agonia na hora da estrela
Não construo a utopia de vê-la...
espicaçar-me? A mando de quem?

Mas hei de escapar de tuas teias
com frases de efeito... escapismo...
E de tuas telas de puro lirismo
me defendo com semicolcheias!

Se tu falas do poeta carioca
quarentão, de olhar traiçoeiro
que a tua poesia assim retoca

É por que tua alma se expande
nas luzes do meu Rio de Janeiro
e no perfume do teu Rio Grande.

Anderson Julio

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07/01/2007 – 22:30hs

Estou muito tentada a dar-te a palma,
Se não o faço é por orgulho de mulher.
Diz o lado mais passivo de minh'alma:
"Deixa o poeta dizer o que quizer..."

Mas então vem uma onda de pudor
e levanta o meu brio e o meu estro:
preciso defender-me com ardor,
pois tal poeta, é sinistro ou é destro?

Cabe a ti, Alma confusa, decidir
se aceitas galanteios meios dúbios
revelando ardores de desertos núbios
que não parecem de uma praia vir.

E então entre temor e tentação
eu prefiro terçar armas de soneto
e desejar que num último terceto

Eu o faça sentir a sensação
de ter vencido(que a derrota muito dói)
dizendo aquele doce: "Meu herói!"

Alma Welt

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07/01/2007 – 22:58 hs

Não te aflijas poetiza sem rosto
Este poeta vazio nada te pede.
Guarde as armas, que isto posto
Minha alma, só poesia te concede.

Não me dê a palma, nem o sonho
Só os versos que ainda me puderes
Nada mais que isso eu te proponho
Mas te dou a maresia se tu quiseres

Pouco sei de ti, moça da terra do frio
Somente nuances de tuas rimas belas
Tão longe no Rio, em tempo de estio

Eu faço canções que valem um vintém
que farão dançar teus contos e aquarelas
e te dizer que eu apenas te quero... bem!

Anderson Julio

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08/01/2007 - 16:08 hs

Me chamas poetisa sem rosto
E acho que não devo a ti mostrá-lo
Pois o mistério tão a gosto
Iria num instante pelo ralo.

O que é o mero palmo desta cara
Bonita ou bela, diante da poesia?
Quem a vira ou quem um dia a amara,
Antes não devera à fantasia?

Perdoa, nem o palmo nem a palma,
Se dou a face logo quererás a Alma
E em troca me darás tuas maresias

Que confesso, declino e agradeço
Pois sendo deste sul das pradarias
Mareada estou antes mesmo do começo...

Alma Welt

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08/01/2007 - 18:05 hs

Ah poetisa, mas o que tens afinal?
Achas que a aparição de tua face
será desenlace para meu carnaval
ou de um desencanto que nasce?

Não me temas, mas não te iluda
esses teus olhos, espero não têlos
até carrego o meu galho de arruda
pra que eu resista a tais pesadelos

navegues o mar que quiseres então
não te preocupes com meu olhar só
eles confessam cada noite em vão

E meu caminho de poesia tão rara
é cantada em acorde perfeito maior.
Então, nem precisas mostrar tua cara.

Anderson Julio

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09/01/2007 – 02:46 hs

Não confio no teu desencanto
Pois quem desencanta quer cantar
E minha face tem, eu te garanto
Um carnaval de encantos para dar.

Como podes chamar de pesadêlos
Os sonhos que já te fiz sonhar?
Diante do impossível que é tê-los
Galho de arruda não vai adiantar.

Se só navego em mares onde há pó
Embora me preocupe o olhar só
Que tu mesmo confessas ser em vão,

Era uma vez uma poesia muito rara
Que não podendo ter o que amara
Desiludida posava de ilusão...

Alma Welt

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11/01/2007 - 00:58hs

Tu me dizes ser tão bela
branca, loira... irresistível
retratada sempre em tela
Deusa nua e invencível

Mas já penso no contrário
que nao passa de cascata
nesses contos do vigário
tu pretendes ser exata

teu intuíto é apenas seduzir
o poeta do rio que te encanta
que te faz sonhar e presumir

olhares doces e um fino trato
da voz grossa que hoje canta
e que muito te seduz... de fato

Anderson Julio

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12/01/2007 – 01:07hs

(Lá vai Anderson... rsrsrs... )


Bela fui, sou, continuarei,
Pois somente quem não gosta
De mulher ou quem é gay
Faria essa tua aposta.

Cascata na minha vida...
Somente a da minha estância,
Que ao me leres com constância
Te ficou meio embutida.

Nunca, jamais vigarista
Mas teimando em ser exata
Estou mais para analista

De uma figura inexata
Que pretende ter voz grossa
Longe do fino e da bossa.

Alma Welt

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12/01/2007 – 10:51hs

(Seguuuuuuura gaúcha! Rsrsrsrs)


Agora eu tenho mais certeza
daquilo que eu já pensava
tu vens blefando tua beleza
a cada um que te encontrava

Se tu tens preconceitos, não sei
mas tuas nuances estão turvas
ao insinuares que eu seja gay
por não desejar as tuas curvas

Mas isso é pertinente a quem
não confessa os seus desejos:
Pisa, xinga e trata com desdém

Se contradiz, indo na contramão
pois tu já desejas meus beijos
e de mim só tens o meu... não!

Anderson Julio

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13/01/2007 – 02:32hs

Examinei com cuidado, isso sim
e cheguei à conclusão, ora veja,
que, noblesse oblige, cabe a mim
levantar o nível da peleja.

Se não podes ter cavalheirismo
de levar uns tapinhas de mulher
sem passares recibo de machismo
e queres dos meus dotes desfazer,

Proponho,pois, vamos mudar o diapasão,
Que até as leoas desconfiam
Da pata mais pesada do leão.

Pois motivo de brigarmos eu não vejo,
que leoa e leão já perseguiam
A mesma caça: o verso e seu ensejo.

Alma Welt

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(Alminha, depois da bossa nova chegamos ao Funk)

13/01/2007 - 20:05hs

Aqui fico a pensar no que me dizes
E até me proponho a uma reflexão
Estará a gaúcha banhada em crises,
Ou será apenas delírio da solidão

Tantos os adjetivos que me falas?
Pata pesada, gay, também machista
Cavalheirice e ternura assim tão ralas
Alguém a ser deixado longe da vista.

Pobre de mim tão cheio de adjetivos
De lirismo e poesia tão pouco vivos
Alvo fácil da uma vaidade que corrói

Eu que um dia só queria tua poesia admirar
Hoje lembro: Quem desdenha quer comprar
Quem foi que disse que “um tapinha não dói”?

Anderson Julio

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14/01/2007 - 00:18hs

( Iiihhh, Anderson, acho melhor a gente mudar
o tom do nosso dueto, que virou duelo,
e começa a machucar...
Mas como sou vaidosa... Aliás somos!!! rsrs
Vamos recomeçar devagarzinho, topas? )



Ah! Na verdade estou magoada!
Preferia o poeta que queria
Pelo menos uma fotografia
Desta Alma agora perturbada...

Ao defender-me, ataquei-o e me detesta
e agora não vejo mais o jeito
de recuperar o lúdico da festa,
pois o poeta traz rancor no peito,

E parece ter torcido ou esquecido
suas loas que fizeram ter início
este dueto que virou um estropício

dum duelo dúbio e amesquinhado
por vaidade de um e outro lado,
E que melhor era nunca ter nascido...

Alma Welt

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14/01/2007 - 04:46hs

( E me diga porque se contigo for, não topar?
Outra vez...aponte a direção que eu te sigo...
Alma minha... ou quase...rsrsrs
Isso não estava previsto em minha vaidade...rsrs
Entregamos as armas enfim...
Isso não cabe em mim...
Machucar vc nem pensar...
Nossa poesia só há de cuidar!
bj )



Uma Alma magoada, juro não queria.
Por mais que não assuma, confesso,
espero ancioso, a imagem que pedia.
Teus carinhos leves, espero regresso.

E do sorriso leve que ainda não vejo
ao dizer: Ah Anderson... quase muda
ante minha "fina moldura" de desejo
ao largo dessa tua poesia tão aguda

Nossas vaidades, essas armas letais
agora deixadas rumo ao nunca mais
é como a alvorada em nossa canção

Se esses poetas ferinos e amantes
não sabem compor a poesia de antes,
então de que valeu tanta inspiração?

Anderson Julio

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14/01/2007 - 12:52hs


(Ops! Anderson, perdoa, estou meio perdida nos meus textos... Não encontro na minha caixa a tua resposta anterior... sumiu. Ando louca.)


Ah! Agora me puzeste aliviada,
conquanto não possa aliviar-te,
pois me queres só fotografada
enquanto dou somente obras de arte.

Mas quanto ao sorriso que desejas,
esse já tens, eu te garanto
com a condição: que não me vejas
senão por muito tempo, por enquanto.

Não posso desvelar meu frontispício,
muito menos ao público fiel
que me faz propor-te este armistício,

Pois junto com o mel há algum fel:
"Na bela face uma máscara de giz,
a esconder uma feia cicatriz..."

Alma Welt

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14/01/2007 - 13:08hs


(Alma... De fato estamos perdidos... rsrsrsrsrsrs Bj)


Alivia-me por estares agora sob a paz
ao cerrarmos nossos olhos ao combate.
A imagem de tua poesia é que me apraz,
Com nuances de bombachas, cuia e mate.

Poeta do Rio, entre samba e rock and roll
Se treme ante o frio, do cortante minuano
Imagina tua face, escondida de onde vou,
Branca seda luminosa, salvo meu engano.

Como disse em esquecível hora...ríspida,
Me basta saber desses teus belos versos,
Para te ter aqui numa imagem límpida.

A malandragem carioca e a bravura do sul,
De mãos dadas e de verbos assim diversos,
Agora querem poesia, em tonalidade... azul.

Anderson Julio

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15/01/2007 - 10:58hs

Que bom que afinal te conformaste
e aceitaste a bandeira branca
que produziu tão logo esse contraste
entre aquela e esta forma franca

de nos comunicarmos sonetando
tu na praia e eu na pradaria,
porquanto o alvo véu me respeitando
tu chegaste bem mais perto da guria

e concentrando no meu verso a atenção
poderás ver talvez ainda este ano
a beleza final de minha canção:

meu rosto finalmente desvelado
como o pampa após passar o minuano
e ao sol do teu Rio revelado.

Alma Welt

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16/01/2007 - 17:52hs

( Nossa Alma... estamos tão amáveis que até estranho... rsrs Bj )


Não te preocupa, minha guría.
Já fiz morada nas terras do sul.
O rosto crescido nas pradarias
há de ser mais belo que o azul

do céu dessa minha guanabara
onde recordo a face da prenda
que esse poeta se apaixonara...
Mas não poetisa, não se ofenda.

Em tua face hoje ainda velada
de certo está todo o encanto
que em tua poesia é contada

Das moças dos ventos sulistas
confesso estão por enquanto
entre as mais belas já vistas.

Anderson Julio

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16/01/2007 - 18:54hs


Não sei se a morada que fizeste
é metáfora ou ali já habitaste,
mas o sul que sou não conheceste:
extrema sou como jamais pensaste.

E só temo, ao me conheceres,
Não a decepção pelo meu rosto,
mas por teu coração, por assim seres
e no pedestal me teres posto.

Sim, sou a prenda mais sulista
que o vento do pampa já banhou
e entre as mais belas dou na vista

E sei que ao me veres algum dia
no meio da massa como estou,
dirás: "Ali está a Alma que eu não via!"

Alma Welt

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18/01/2007 - 10:38hs

(Acho que isso vai virar livro... rsrsrs Bjs)


Vivi por longos anos nestas terras
Entre as araucárias e os fandangos
Nas danças mais frias dessas serras
Tão longe dos sambas e dos tangos

Vida escrita em poesia, inesquecível
Um poeta carioca ali tão encantado
por mulheres de olhar inconfundível
histórias de um tempo ora intocado

E agora tu vens em meu caminho
trazendo a pele branca em neve
e os cabelos leves, como um ninho

Onde em versos tantos fazem pouso
no aconchego dessa tua poesia leve
que em pensamento, é meu repouso

Anderson Julio

..............................................

O soneto acima foi o último do dueto dos dois poetas a ser publicado no Recanto das Letras. No dia 20/01 Alma foi encontrada morta, afogada no poço (pequeno lago) da nossa cascata aqui na estância, não muito distante da sede. Alma silenciara. Entretanto, há poucos dias atrás, encontrei na montanha de textos inéditos da Alma dentro de uma arca no sótão aqui do casarão, e que descobri uma semana após o falecimento de minha irmã, uma folha de papel solta que continha o soneto manuscrito que aqui transcrevo e que me parece ser uma nítida resposta ao último soneto do poeta Anderson Julio no dueto. Tomei a liberdade, portanto, de transcrevê-lo aqui, acreditando que a Alma aprovaria, pois acredito que ela apenas não teve tempo de publicá-lo na sua página no RL. Ei-lo:

19/01/2007


Como pudeste entre fandangos e araucárias
ter vivido sem saberes desta Alma?
Informações e pistas tão precárias
não ajudam como as linhas da minha palma

onde procuro encontrar-te em meu destino:
linha imprecisa, tênue, vaga ou morta
como no prado ao passar nosso rei Mino*
nublando por instantes nossa rota.

E ora me vês neste caminho virtual
vagando branca para ti qual Blancanieves,*
os cabelos como um ninho de pardal...

Bah! guri poeta, a mal não leves
mas estou num turbilhão em teu repouso
como Francesca abraçada mas sem pouso...

Alma Welt

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Notas da editora:


* Rei Mino- era como Alma chamava o vento Minuano que ela temia e respeitava, como um ícone de sua mitologia poética particular.

* Blancanieves- é como os "castelhanos" (uruguayos e argentinos) aqui no Pampa se referem à personagem Branca de Neve.


Este pode ser portanto o último soneto escrito por Alma (seu parceiro do dueto provavelmente não o conhece) já que não tenho como saber se foi escrito antes ou depois de A Carruagem, pois Alma infelizmente não registrava os horários nos seus textos. O que me inquieta é que mesmo com a dose de humor típica da Alma, vejo neste soneto uma nota de inquietação e tormento ao fazer alusão ao episódio de Francesca da Rimini (e Paolo) do segundo círculo do Inferno na Divina Comédia de Dante Alighieri, que ela conhecia tão bem e com cujo turbilhão eterno e sem pouso ela parece identificar sua vida naqueles instantes finais, talvez pressentidos. (Lucia Welt)