sábado, 22 de setembro de 2012

Minhas manhãs (de Alma Welt)



Detalhe da "Primavera " de Sandro Botticelli

Minhas manhãs (de Alma Welt)

Para saudar a manhã me embelezo
Com uma escovadela nos cabelos
Além da dos dentes, que mais prezo,
E de raspar-me os loiros rubros pelos.

O banho matinal qual passarinho,
Espadanando a água se é verão,
Acompanhando de risos e gritinhos
Também é meu prazer e comunhão

De meu corpo com a amada Natureza
Que saúdo com um sonoro pum
Ao descer pro chimarrão do desjejum

E ainda pelada sob o mais leve tecido
Os pés descalços para ainda mais leveza
Corro ao Jardim como se houvera renascido...

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Para escrever (II) (de Alma Welt



 A Nau dos Insensatos -de Hieronimus Bosch

Para escrever (II) (de Alma Welt)

Para escrever... dispõe-te a escrever.
O que não é pouco nesta vida,
Que nada a isso leva a crer
Principalmente se Poesia é a escolhida.

E vais necessitar de imensa fé
Na razão de ser do Ser poético
E contra a Razão mesma ir, até
Pois nada corrobora o tom patético

Com que o poeta soa a ouvidos moucos
Dos que batem nas estacas e cavilhas
A construir a final Nave dos Loucos...

Mas se fores capaz de comover
E evocar as antigas maravilhas,
Então sossega: foste feito pra escrever
...

Babel, Orfeu e o Verbo (de Alma Welt)



 
Babel, Orfeu e o Verbo (de Alma Welt)

Como é possível viver sem escrever
Se no princípio era o Verbo e se fez Luz,
E se ao grafar o homem pode ver
A palavra que vibrando se traduz?
 
No meio da imensa algaravia
De milhões de vozes na Babel,
Cada um pensando que se ouvia
Mas só desconstruindo rumo ao céu...

Não só falar, mas escrever, talvez cantar.
É possível ser ouvido no final
Se a palavra tiver peso e iluminar...

Então voltemos à poesia que é o canto
Com que Orfeu adormecia o animal
E a Noite os cobria com seu manto...

A piorra e o carvalho (de Alma Welt)



 
A piorra e o carvalho (de Alma Welt) 

É precário o equilíbrio do viver.
Como uma piorra num barbante
Oscilamos e caímos num instante
Se deixamos a inércia nos vencer.

Há quem acredite em estar parado
Para fruir o fluxo da vida
Como um carvalho bem plantado
Que aos pássaros e homens dá guarida.

Não há como não louvar suas raízes,
Seu grosso tronco e copiosa fronde
Que a partir do outono tem matizes...

Mas sou pobre piorra desraigada
Que oscila, canta e nada esconde,
E girando mantenho-me aprumada...

“Dias de vinhos e de rosas” ou O elevador (de Alma Welt)


“Dias de vinhos e de rosas”
ou O elevador (de Alma Welt)


Se chegando ao teu fundo do poço
Não podendo descer mais então subiste
Não recordes os bons tempos de moço
Como o pássaro liberto lembra o alpiste,

Os tais “dias de vinhos e de rosas”
Quando tudo eram risos vaporosos
E as noites de delícias glamurosas
Ou delírios criativos enganosos...

Antes lembra-te daquele elevador
De que foste recolhido por vizinhos
Porque perdeste a chave e o pudor

E choravas o teu rumo perdido
E o imenso “desamparo de los niños”
Porque hablavas castellano sin sentido...

À meia noz (de Alma Welt)





                                                 Life...In A Nutshell- by Anji Johnston

À meia noz (de Alma Welt)

Ser feliz é superar ressentimentos,
Mágoas, dores e saudades renitentes
E aceitar ir à deriva nas correntes,
Ao sabor e capricho de outros ventos

Que não estão nos teus velhos portulanos
Que registram aquelas Ilhas Ideais
Que sonhas acordado há muitos anos,
Que te farão justiça e tudo mais...

Saiba então, felicidade é o contrário:
É estar no bote a olhar o céu
A meditar como mundo é belo e vário

E que nos coube ao menos meia noz
Onde sem remos e velames, e ao léu,
A cerebrina amendoazinha somos nós...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Contra Vulgaritas (de Alma Welt)


 
Contra Vulgaritas (de Alma Welt) 

A Poesia é um olhar especial
Sobre tudo, quase tudo deste mundo,
Mesmo o obscuro e o desigual
Menos o vulgar, que é o imundo.

A vulgaridade é que é o Demônio
E o supremo mal que tudo mancha
Pois nada resiste ao anti-sonho
Que constrói na lama sem a prancha.

A vulgaridade vive e nos persegue
No recesso da alma e nos surpreende
Às vezes numa boca que a negue

Pois consiste também num certo olhar
Sobre aquele velho fruto que nos prende
E que provado nos devia libertar...

domingo, 16 de setembro de 2012

O Último Fandango (de Alma Welt)



                                                                        A Chula
 
O Último Fandango (de Alma Welt)

Esta noite quero cantos, brindes, risos,
Sejam todos meus alegres convidados!
Não mais tímidos e menos indecisos,
Quero todos galhofeiros e ousados...
 
E gritando bem alto seus amores
Sobre as mesas tacões batam e esporas
Os de botas e de mais machos pendores,
Mas também os saltos finos das senhoras...

E façamos o fandango com as chulas,
Lanças caídas e a girar boleadeiras...
Haja vinho e só sangria pros caçulas!

Esta noite vou com todos repartir,
Mas na hora da dança das cadeiras
Falte assento... que não me verão partir!
 

sábado, 15 de setembro de 2012

O Mapa Secreto (de Alma Welt)

O Jardim do Éden- de Peter Paul Rubens (1577-1640) 

 
O Mapa Secreto (de Alma Welt)

O devaneio fez parte desde cedo
De minha trajetória nesta vida,
E não o considero engano ledo
Nem tempo roubado à vera lida.

Pois sonhar assim é meu ofício
De poeta, o que incorre em lucidez
Pois o onírico não é algo fictício
Onde a tal realidade não tem vez.

O sonho é antena poderosa
De tudo o que existe e nos envolve
Não como uma nuvem vaporosa

Mas como um código secreto
Que um antigo mapa nos devolve
E o nosso Jardim deixa mais perto...


A Última Vindima (de Alma Welt)




 
A Última Vindima (de Alma Welt)

As uvas estão prontas para o vinho
E eu para pisá-las no lagar.
A safra será boa, eu adivinho,
Pois o inverno esqueceu-se de gear.

Mas estarei pronta pro destino?
O fim que se aproxima é bem vindo?
Não posso nem ouvir toque de sino
Que o coração se me vai diminuindo...

E eu choro e me lamento na vindima
Quando deveria estar sorrindo
No meio destas uvas ou em cima

Com a disposição de outrora e alegria
Quando o sonho do meu vinho era lindo
E de um cálice sinistro eu não bebia...
 

A Rastreadora (de Alma Welt)


 
A Rastreadora (de Alma Welt)

O soneto é minha terra de poesia
E nele a alma está em seu cenário,
Habitat natural onde sou guia
E rastreadora ao contrário

Pois a mim é que faço me seguir
Toda vez que ausculto o coração
Para invés de perscrutar o meu porvir
Voltar à uma primeira comunhão...

Que de mim sou intérprete cigana
Nas horas vagas que não as de sonhar
Minha vida como saga pampiana.

E se procuro na Vida o seu sentido
Nos meus versos hei de o encontrar
Pois neles o meu próprio está contido...

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Último brinde (de Alma Welt)


Galeão - Litografia de Guilherme de Faria

Último brinde (de Alma Welt)

Proponho que aqui nos reencontremos
Enquanto a amizade estiver viva,

Mesmo se perdermos nossos remos
E nossos barcos conhecerem a deriva.

A amizade é um porto de chegança
Que calados não distingue, nem bandeiras,
E onde há sempre festa e muita dança
Pois, vede, ama o riso e as brincadeiras.

Nossas âncoras, amigos, levantemos,
Para ir aos quatro cantos deste mundo
Que as mãos e abraços já nos demos.

Quanto a mim, permaneço neste cais
A olhar esse horizonte tão profundo
Que talvez meu olhar não volte mais...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Minha transiberiana (Alma Welt)

 
O Trenzinho da Chapada - óleo s/ tela de Guilherme de Faria 60x60cm
 
Minha transiberiana (Alma Welt)


Quero um trem que aqui venha me buscar
Na minha varanda transformada em plataforma
E que me leve daqui de qualquer forma,
Pelo Tempo, pelo Vento, em pleno ar...

Se soltar silvos e nuvens de vapor,
Melhor, e que apareça o tal fiscal
Que tenha um quepe e bigodes a compor
O bilheteiro-mor universal...

E que eu então me refugie na cabina,
Que nunca tenho o bilhete que se quer,
Pois que tenho uma alma clandestina...

E sem fim como uma transiberiana,
Irei num embalar de bem-me-quer
Num sonho muito além da Taprobana...

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Noite estrelada (de Alma Welt)



Noite estrelada (de Alma Welt)

Dei-me conta de não só por mim falar
Se confiante no meu dom de eqüidade
Com os meus pés tingidos no lagar
Me dirijo às pessoas da cidade

E não somente aos peões, nossos gaudérios,
Quando empolgada em festas de galpão
Declamo meus sonetos de mistérios
Que evocam alguma vaga assombração

E eles ouvem atentos ou ruidosos
E aplaudem batendo suas esporas
Meus versos de relatos duvidosos

E eu então me sinto premiada
Pela vida, pelo dom de minhas horas,
Tempo, vento e mais noite estrelada...
 

domingo, 9 de setembro de 2012

O Eterno Retorno (IV) (de Alma Welt)

Desenho de Guilherme de Faria, 2010


O Eterno Retorno (IV) (de Alma Welt)


Toda a minha vida é um retorno
À idéia que fez de mim poeta
Jamais como um título ou adorno
Mas essência de toda descoberta.


E vede como isso incorre em dor
Pois mesmo sendo sonho é lucidez
E por isso não exclui um certo humor,
A dose de ironia e acidez...

Mas, Amor, báh, sempre retorna
Como fruto recorrente e sazonável
Na estação fria, quente e morna...

E Amor, meta e ponto de partida,
Torna o duro percurso suportável,
Que sem amor nem quero a Vida...

A Cobrança (de Alma Welt)

Cage- Art by Cameron Gay 
 
A Cobrança (de Alma Welt)

Quanto ainda havemos de chorar
Pelas horas perdidas em conflito
Que o Tempo não costuma descontar,
Põe na conta e nos cobra qual delito

Cuja pena vem na forma de remorso
Ou de uma sensação de falha ou hiato
Como quando uma desculpa eu forço
E não convenço a mim pelo meu ato...

Perder Tempo: eis o crime sem fiança
Cujo vazio estranhamente pesa
Quando é colocado na balança.

Pois temos nossa quota fixada
Apesar de tanto choro e tanta reza
E a ânsia de uma vida eternizada...

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Almoço ao ar livre (de Alma Welt)



 
Almoço ao ar livre (de Alma Welt)

Nos juntemos pois à volta desta mesa,
Não há prazer maior entre os amigos,
Num grande repasto e sobremesa,
E vinhos, nem baratos nem antigos

Mas que sejam acessíveis ao bom gosto,
Que da uva recordem o tom e o mosto
Sem o travo final antecipado
Das vidas fracassadas ou do fado.

Que sejamos alegres, mas não fúteis;
Sensuais mas livres da luxúria,
E sem mais altercações, que são inúteis...

E se soprar o vento em plena festa
E o céu anunciar a sua fúria,
Que ninguém deva baixar a sua testa!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Pintor e o Poeta (de Alma Welt)

 
Alma ninfeta, pintora e poeta - óleo s/tela de Guilherme de Faria 1999

O Pintor e o Poeta (de Alma Welt)

Esperanças de grandeza, ledo engano
Mas a produzir tanta beleza
Nessa maré de cores sobre o pano,
Novo mundo além da natureza.

Pintor, dileto és da Potestade
Talvez mais que o mestre da palavra
Pois o Verbo foi roubado, na verdade,
E Deus confere os versos de tua lavra

E atento fica a qualquer plágio
Do Logos quando escrito nas estrelas
Do eterno em seu primeiro estágio...

Mas Lhe são gratos os infantes do pincel,
E suas garatujas Lhe apraz vê-las,
Tanta ingênua maestria sob o céu...

A Plataforma (II) (de Alma Welt)



Foto de Filipe Arozi (RGS)

A Plataforma (II) (de Alma Welt)

Quando, Rodo, partir foi quase a norma,
Eu guardava as lembranças mais queridas,
As fotos, as memórias e as saídas,
E fui a que ficou na plataforma

Quando o trem partiu com cada um
Enquanto eu ficava a acenar
Até sumir no horizonte como um zoon
E o guarda-freios ouvir meu suspirar...

Também parti um dia pra voltar
E vi como é cruel partir assim
Para aqueles que insistem em ficar,

Pois sólidos, arraigados e felizes
Tinham suas raízes já em mim,
Que então nunca parti, como tu dizes...

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A Esperança (de Alma Welt)


 
Alma e o mar- óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
A Esperança (de Alma Welt)

A Esperança é vaga e indefinida,
Vale por si só e nos sustenta;
Jamais cerceada se intimida,
Mas relacionada se apoquenta

E mostra sua malícia e faz suspense
Furtando-se a nos dar os seus favores,
Mostrando que não vale o que se pensa
Mas a realidade dos horrores.

Pra quê serve então a Esperança?
(argüireis, quase já desesperados)
Se com ela a meta não se alcança?

Um horizonte longínquo descortina
E na aurora uma face de criança,
Que é tudo a que a alma se destina...

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domingo, 2 de setembro de 2012

A Chave no Soneto (de Alma Welt)



 
Perfil leonardesco de Alma Welt- litografia de Guilherme de Faria
 
A Chave no Soneto (de Alma Welt)

Soneto é instrumento de procura
E nele mesmo encontrarei a chave,
Do mistério da vida enquanto dura,
Enquanto a fechadura não se trave.

Depois é tarde, em vão, ou outra cousa,
E o segredo permanece impenetrável
Antes de frios deitarmos sob a lousa
Quando cessa a pergunta razoável:

A que viemos? Não fora tudo inútil?
Pra que serve a vida, o sofrimento
Ainda mais quando por motivo fútil?

E as vidas tão banais, desperdiçadas,
Que nem gratas foram ao momento
E por ele nem parecem ser cobradas?
 

Viver, pensar (de Alma Welt)



 
Viver, pensar (de Alma Welt)

Viver é duro ao se pensar a Vida,
Melhor é não pensá-la e vivê-la.
Mas se não pensada é pura lida
É preciso parar para bem vê-la.
 
Mas se paramos começamos a pensar
E enxergamos pois o lado escuro
Que é a face da Morte a assombrar
Quanto mais do pensar se faz apuro.

Báh! Pensar e não pensar é impossível
Viver em plenitude é doloroso
Mas não querer sofrer é desprezível.

Pois se não vivemos, só pensamos,
Um gosto fica, assim, de umbu travoso
De não saber pra quê na Vida estamos...

sábado, 1 de setembro de 2012

A Plataforma (de Alma Welt)



 
A Plataforma (de Alma Welt)

Permaneci fiel aos sonhos meus
Enquanto se passaram tantas vidas
Aqui nesta plataforma do adeus,
Que nela foram tantas despedidas...

Não voltariam umas e eu sabia,
Sempre soube dos que não iam voltar
Mesmo quando era apenas a guria
Ingênua e pura demais pra duvidar...

E ver partirem carros me doía
E mais ainda o trenzinho da estação
Com aquele apito que sumia

Mas teimava em seguir, continuar
Na curva além da minha visão
E os abraços finais perpetuar...
 

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Anti-pastora (de Alma Welt) 

Reparem, nunca fui de dar conselhos
Nem de discurso moral e comportado
Considero os pastores uns pentelhos
Perdoem-me o calão extrapolado...

Mas fariseus e escribas me repugnam
Como ao Cristo, sem com ele comparar-me,
Como os padres que o seguir propugnam,
Que sempre preferi no leito dar-me...

Não quero ser exemplo, mas eu mesma
Talvez bem mais pra assustar ou divertir
Ou afastar o tédio, essa abantesma

Que na verdade não sinto, pelo medo
Que sempre primou em me invadir
E o meu prazer tornar engano ledo...

Depressão (de Alma Welt)

 
 
Depressão (de Alma Welt)

Pela ameaça, viver é um horror...
Nem me refiro ao tédio que grassa

Mas à Morte mesmo, seu pendor,
Que da Vida tira quase toda a graça.

Perdoem-me meus dois ou três leitores
Que não consiga ser edificante,
Cheia de bons conselhos condutores
No meio desse caos podre reinante.

Mas pensar no banquete da vermina
E meus ossos que nem brilharão ao sol,
A alegria natural me contamina...

E se pensam que por isso estou doente,
Podem logo me trazer o urinol
Que hoje não saio mais da cama quente...

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Pinóquio de saias (de Alma Welt)


 
O Pinóquio de saias (de Alma Welt)

Os meus sonetos são meus confidentes;
Indiscretos, eu sei, passam adiante
Os meus segredos quando ainda quentes
E os antigos guardados numa estante,

Que da alma, plena de mistérios,
Revelados não perdem o encanto
A julgar por meus seis leitores sérios,
E mais uns dois ou três fiéis se tanto.

Báh! Às vezes, desolada, me dou conta
De que vivo um permanente solilóquio,
Que não passo por certo de uma tonta.

E que, eu, perdida em minha herdade,
De saias sou uma espécie de Pinóquio
Almejando ser guria de verdade...
 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Onde dormem os bons vinhos (de Alma Welt)

 
 
Onde dormem os bons vinhos (de Alma Welt)

Sonhar é meu direito e profissão
De fé pelo menos, pois não ganho
Com meus contos e poemas um tostão
Por mais que aumente deles meu rebanho,

Que valem mas não dão uma pataca,
Pois é isso que crio em minha seara
Sem ter mais um boi ou uma vaca
Para apascentar com minha vara.

Quanto ao meu vinhedo, é bom que diga,
Embora tão rico de sentido
Não passa de metáfora já antiga.

Mas é dele que nascem os meus versos
Como o vinho que dorme envelhecido
Nos porões dos meus sonhos dispersos...

domingo, 26 de agosto de 2012

A Vinhateira (de Alma Welt)


Eu pensava revelar tudo de mim
E pra isso precisar de mil poemas
E mais mil para falar do nosso fim,
Outros tantos pra ligar os dois sistemas.

Então a vida requer mais outros mil
Pela multiplicidade dos enfoques
E aquilo que nem cabe no barril
Ou o que até vaza dos batoques...

Perdoem então se falo de tonéis
Como simples vinhateira de lagar,
Que ainda amasso as uvas com meus pés...

Pois percebo que a verdade está contida
Na simples experiência de provar
Nossa taça de vinho que é a vida...


Uvas no Vento (de Alma Welt)


De tão interessante que é a vida,
Chega a machucar, disse o Poeta.
E de pensar me ponho comovida
Em como fui em tudo a predileta.

Corri o mundo, fui do sul ao norte;
Amei, cantei, dancei, vivi a esmo;
Hei de sugar a vida até à morte,
Que ninguém deve ter pena de si mesmo.

E se mantenho ainda o entusiasmo
Que me acompanhou cada momento
Sem nunca conhecer nenhum marasmo

Pois nada foi banal ou comezinho,
Então ergo esta taça do meu vinho
Das uvas que plantei em pleno vento...

Eu quis subir (de Alma Welt)

 
Eu quis subir (de Alma Welt) 

Eu quis subir ao alto de nós mesmos,
Lá onde demoram os grandes sonhos,
Secretos, ideais, belos, supremos,
Mesmo que a alguns soem bisonhos...

Sempre é necessária uma razão
Para viver e prosseguir acreditando
Quando a Morte faz conosco ligação
E propõe aquele pacto nefando...

Simplesmente então viver simples não é,
Estamos doravante conscientes,
O vau da vida começa a não dar pé.

E ora nadamos em mais profundas águas,
Lentas braçadas dolorosas nas correntes,
Quando queríamos subir em Aconcáguas...


sábado, 25 de agosto de 2012

Aos Amores (de Alma Welt)


Brindemos aos amores que se foram
Como nossos filhos que abrem alas
E voando para o mundo nunca morram,
Que na Morte não façam suas escalas

 Porque têm a vocação da eternidade,
Que eterno, por princípio, o Amor é.
Báh, morrer é da carne a propriedade
Nada tem a haver com amor e fé...

E se na Terra queremos que perdurem,
Cantemo-los pois em verso e prosa
E em canções que os sons apurem

E então façam-nos a alma mais voar
Como no sonho que em vigília goza
E do qual jamais devia despertar...


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O Último Verão (de Alma Welt)


Saga - litografia de Guilherme de Faria
 
O Último Verão (de Alma Welt)

Compartilhemos, amigos, esta mesa,
Em último convívio picaresco,
Pelos anos vindouros de incerteza,
Que por certo virão em tom goyesco,


Escuros, talvez, como a tormenta
Que já se anuncia no horizonte
E agitará aquela nuvem meio lenta
E a fará correr como um bisonte.

Nossas almas também serão movidas
Para outra dimensão ou território
Em busca de consolos e guaridas

Mas sempre recolher-se poderão,
Oásis em meio ao purgatório,
À memória deste dia de verão...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Trauma e Poesia (de Alma Welt


Quisera retornar àqueles dias
Quando rolhas espocavam em meio ao riso,
Cantigas, danças, brindes e alegrias
De nossa juventude sem juízo.
Ou ainda antes, na inocência,
Quando flores no jardim, a ave, o bicho
Eram todo o encanto e evidência
De que no belo mundo eu tinha um nicho.
Mas os livros... aos livros dou a palma,
Que me ligaram cada fase e cada idade
Às eras e ao saber da humanidade
E então reconhecer naquele trauma
Que a uma outra tornaria nulidade,
A poesia que cresceu na minha alma...





Partitura (de Alma Welt)


Partitura (de Alma Welt) 

Adeus minha alegria e meus sorrisos
Que deixei para trás a certa altura
Quando se mostraram indecisos
E nem seguiam mais a partitura

Que precoce para mim mesma escrevi
E foi se fazendo em lento adágio
Resvalando em dó, caindo em si,
De quem pega uma via só pedágio...

E eu, de mim mesma a maestrina,
Que vaidade ainda me faz reger assim
Esta louca partitura de auto-estima

Que leva ao coração puro do Nada
Onde tudo é gran finale ou simples fim
De uma sinfonia inacabada...

sábado, 18 de agosto de 2012

A Charada (de Alma Welt)



A Charada (de Alma Welt)

A vida é uma charada, isto sim,
Da qual falta-nos a chave, de saída,
Pois que jamais hei de saber tudo de mim
Como tu não saberás da tua vida

Senão aquela data do início,
O do primeiro vagido doloroso
Do qual muitos outros, por princípio,
Se seguirão antes do primeiro gozo

Não são prerrogativas tão divinas
Mistérios dolorosos e gozosos
Que não comecem e acabem nas latrinas.

Pois o tal sentido último de tudo
Permanece oculto aos olhos nossos
E o bom Deus nos parece surdo-mudo...

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Para Escrever (de Alma Welt)


Pra escrever bem é preciso não pensar
E deixar extravasar a tua mente

Diretamente para o plano de grafar,
Do enganoso coração passando rente

Mas nunca nesse órgão se detendo
Pra não ficar sentimental, meloso
Ou lisonjeiro demais pra quem for lendo
Mas preservando seu prazer até o gozo.

Pois se assim fores capaz de adentrar
Da tua vida o abdômen animal,
Isso é bom, terás um texto visceral.

E se consegues a ti mesmo assombrar
E, sim, aprender com o que escreveste,
Valeu, escriba, teu tempo não perdeste.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Os poemas se apresentam (de Alma Welt)




Os poemas  se apresentam (de Alma Welt)

Os poemas se apresentam quando querem
E não ao sabor dos meus caprichos.
Inspiração é coisa que requerem,
Não há como tirá-los de seus nichos
Se não estiverem prontos e acabados
No plano astral correspondente
Com uma urgência de serem captados
E com muito pra dizer a toda gente.

E se acaso os forçamos ou forjamos
Se comportam de forma vingativa
E de nós mesmos nos cansamos.

E se um poeta de si sente cansaço,
Já sabemos qual é a alternativa:
A carta, um tranco, a trave, o laço...


terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Rendeira (de Alma Welt)

A Rendeira, 1664, de Vermeer de Delft 

 A Rendeira (de Alma Welt)

Vivo só para servir a minha alma
E deixá-la fazer o que não pude
Nos versos que produzem minha calma
E equilibram minha ânsia e inquietude.

Mas devo confessar: nada me basta,
E sob a placidez desta coxilha
Dorme o vulcão de uma alma casta
Que anseia emergir como uma ilha.

Tanto amor pra dar! Tanto desejo
Contido na amplidão de campos lisos,
E que de mencioná-lo tenho pejo

Pois os peões já notam, como as prendas
Que ao passar por mim sufocam risos
Pelo fiar e desfiar das minhas rendas...

domingo, 12 de agosto de 2012

Contrição (de Alma Welt)

Pintura de Jacob Collins

Contrição (de Alma Welt)

Perdoai-me, meu Deus, pela repulsa
Que sinto por burgueses e políticos,
Pelo desprezo que tenho pelos ricos
E até pelo amor que em mim pulsa

Por esta natureza incestuosa
Que me coube desde os dias do pomar
Quando aos gritos e com mão vigorosa
Vosso anjo houve por bem nos expulsar.

E perdoai também se menosprezo
Esses padres eunucos e piegas
E sua cartilha que não rezo;

E do homem medíocre e rotineiro
Meu desdém imenso pelas regras
Que nos infestaram o mundo inteiro...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Terra para pertencer (Alma Welt)




Terra para pertencer (Alma Welt)

Eu era jovem, feliz e bem sabia
Tive tudo que um ser pode querer
Beleza, sim... fortuna, amor, poesia
E este pampa, terra para pertencer...

Nele lancei minhas raízes qual umbu
Que permanece solitário e sobranceiro
No meio da coxilha, como tu,
Meu querido casarão, lar derradeiro

Que foi de estancieiros indomáveis
E hospedou Anita e o italiano
E outros casais também notáveis

Que ainda assombram madrugadas
Quando o azafamado minuano
Os traz pelas varandas e sacadas...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Protesto (de Alma Welt)


Protesto (de Alma Welt)

Sejamos livres, francos e sinceros:
A vida está malfeita, é o que digo...
Morrer é um festival de desesperos
E vivemos sob um sórdido perigo.


Projetamos os deuses imortais
Somente por serem nossa imagem
Mas nos nossos termos ideais,
O que não é simples bobagem,

Mas do nosso antigo vão protesto
Contra a mortalidade, é uma prova,
Pois o fim estraga todo o resto.

Ser pasto de vermes é um assombro
Que Deus jogou no nosso ombro
Com a tal perspectiva de uma cova...

O Retorno (de Alma Welt)

Odisseu e Penélope - de Francesco Primaticcio (1504 - 1570)

O Retorno (de Alma Welt)

Cultivar um amor por toda a vida
Emoção maior não há, eu asseguro.

É aventura, suspense e torcida
Por happy end depois de tanto apuro.

Monotonia não há para quem ama
A tecer e destecer a própria saga
De um retorno fabuloso para a cama
Cuja noite de entrega não se apaga

E é como o tal leito de oliveiras *
Com o dossel de ramos entrançados
E invisível às vistas estrangeiras.

E no final, após de sangue o banho *
Te entregas ao maior dos esforçados *
Que só quer recuperar o seu rebanho... *


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Notas
Como muitos já podem ter percebido, a Alma Welt é uma "poetisa da cultura", isto é, na sua obra em sonetos faz uma releitura dos momentos-chave dos maiores clássicos da literatura, com especial ênfase na Odisséia de Homero (são inúmeros os sonetos dela que fazem alusão a Odisseu e Penélope )

* depois de sangue o banho - Alusão ao massacre por Odisseu, dos pretendentes de Penélope.

*.. o tal leito de oliveiras- Depois do massacre dos pretendentes, Odisseu vai ter com Penélope, e ela, assustada com sua brutalidade, tenta se precaver, provando a sua fidelidade. Esperta, ela propõe, para ter certeza de que ele é o seu marido retornado, que ele descreva o leito nupcial secreto deles, que só o casal viu e jamais um outro homem. Ele então descreve o leito mítico formado de quatro oliveiras vivas enraizadas, cujas copas de galhos entrançados formavam o dossel.

* .. o maior dos esforçados - Alusão ao verso da primeira estância dos Luzíadas : " E em perigos e guerras esforçados..."

* Que só quer recuperar o seu rebanho - É curioso que a última cena da Odisséia consista na saída de madrugada de Odisseu e seu filho Telêmaco, furtivamente, do palácio, armados de arco e flechas para ir roubar reses de fazendeiros vizinhos afim de refazer seu rebanho devorado nos banquetes dos pretendentes parasitas que assediavam Penélope...


O Pacto (de Alma Welt)

A Humana Condição - óleo s/ duratex de Guilherme de Faria, 1959, 20,5x28cm


 O Pacto (de Alma Welt)

Para viver, um pacto selamos
Com a Morte que vive a nos seguir

Aonde quer que porventura vamos,
Desde o nascedouro até o porvir,

Que este na verdade presumimos
Pois não sabemos da Moira a natureza,
Se é bela depois que a assumimos
Como as amadas revelam sua beleza...

Mas a julgar pelo seu vale das sombras
Com as nossas carcaças alvadias
A clamar sob a terra e suas alfombras,

Com seus dentes cerrados ou em riso
E as órbitas atônitas, vazias,
Creio que vamos ficar no prejuízo...


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De Livros e Abismos (de Alma Welt



De Livros e Abismos (de Alma Welt)

Minhas horas passadas entre os livros
Levaram meu espírito bem mais longe
Ao mundo de perigos muito vivos
Não só como se fosse antigo monge


Numa biblioteca de um mosteiro
A copiar letra por letra os manuscritos
De escribas fiéis do mundo inteiro
E até mesmo aqueles mais proscritos

Como Safo, Sade, Lautréamont, Artaud,
Byron *, Alan Poe, Henry e Anaïs,
Laclos, Genet, Nietzsche, Rimbaud…

E congratulo-me co’a vida perigosa
Que provei, escapando por um triz
De abismos cruéis em verso e prosa..

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Nota
*Byron - Alma incluiu Lord Byron, o grande poeta do romantismo inglês, entre os "proscritos" , isto é, "malditos", por suas posições provocativas. Byron escreveu um longo poema épico em louvor de Lúcifer, e dava festas góticas (há quem diga satânicas) nas ruínas de uma abadia medieval que havia nas terras que herdou de seu parente o Lord Byron que o antecedeu no título de Par do Reino. A lenda diz que nessas festas, mascaradas, o poeta bebia vinho numa taça feita com um crânio humano.

Dias Chuvosos (de Alma Welt)


Dias Chuvosos (de Alma Welt) 

Dias chuvosos, tristes, que eu recordo
Com especial carinho, pois ficava
Dentro do casarão como se a bordo
De um submarino que afundava.

E era eu mesma na descida
Com um livro no quarto, na minha cama
Ou na biblioteca escurecida
A procurar o livro que se ama...

E eu então fechava a escotilha
E me sentia inteira concentrada,
Pois o profundo mar era a coxilha.

Então eu percorria os sete mares
Emergindo a cada ilha encantada
Nas páginas de aventuras e azares...

O Exílio (de Alma Welt)

A Árvore da Alma- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100x100cm,  

O Exílio (de Alma Welt)

Quanta solidão para quem ama
Sem certeza do amor de seu amado...
Pois só tens teu corpo e tua cama
Para assegurar o teu reinado.

E esse corpo se corrompe, se derrete
Com o passar dos anos implacáveis
E cada inverno nele se reflete
Mais que as primaveras inefáveis

Que só podes guardar no coração
Onde tens teu jardim acalentado
De renovada e doce tentação.

Mas não sei se poderás voltar pro Éden
Onde está, não tua árvore do pecado,
Mas a eterna inocência que te pedem...

Arte, Vida (de Alma Welt)

A procissão do Cavalo de Troia", por Giovanni Domenico

Arte, Vida (de Alma Welt) 

É eterno o que gravado em Arte esteja,
Em folhas de papel, pedras e telas
Mas só quando o gênio nos bafeja
Como vento a favor nas nossas velas.

E não sai o teu navio e nem a frota
Se o vento não soprar vindo da terra
Pois do contrário a vida toda emperra,
Teu burro não dá passo e menos trota.

E teu projeto grandioso é um fiasco
Se não criares um cavalo de madeira
Desde a bela crina até o casco,

Já que a vida é guerra de conquista
Que sem arte e manha é uma asneira
Com um final de ruínas para a vista...

Lúdica (de Alma Welt)


Para mim só a beleza vale a pena
Já que o bom e o belo se confundem
Para tornar a vida mais amena,
Pois o feio e o mal também se fundem.

Eu me pergunto qual a serventia
Da dor e da maldade neste mundo
Se o bem e da justiça a garantia
É de Deus o desígnio mais profundo.

Tais perguntas milenares sem resposta
Não me permitem felicidade plena
Embora com beleza e mesa posta...

Mas quando me canso de indagar,
Eu ligo o lado lúdico de Atena
E vou a vã e venal Venus visitar...

Desabafo (de Alma Welt)


Quantos sapos temos que beijar
E tantos, tantos outros que engolir
Para o nosso príncipe encontrar
Ou para o nosso reino dividir!...

Nós mulheres arrastamos um vagão
E comemos um saco de sal
Para ter direito a um varal
Um tanque, um berço e um varão.

E me pergunto se homem vale a pena
Com esse balde de testosterona
Que é a base toda do sistema...

Às vezes vejo em mim a amazona...
Sem seio amputado, Deus me livre! *
Também ódio de homem nunca tive...


Nota
*...amazona... sem seio amputado...- As amazonas eram mulheres guerreiras da mitologia grega, que combatiam os homens e amputavam o seio direito para melhor manejar a lança e a espada...

Novos Brindes (de Alma Welt)


Nossos melhores dias estão vivos
Quando os recordamos entre nós

Em alegria e brindes incisivos
Projetados para adiante à viva voz.

Como é belo estarmos reunidos
Relembrando a face divertida
Sem sarcasmos, que esses são banidos,
Mas ironia terna é permitida...

Que espoquem os champanhes suas rolhas
Como os únicos tiros que daremos
Em toda vida nossa, tão serenos...

Mas descartemos os pulhas e os trolhas
Que acaso macularam nosso sonho.
E só o bom lembremos, eu proponho!

Um Soneto Mais (de Alma Welt)

Tapeçaria de Pastrana 

Um Soneto Mais (de Alma Welt)

Um soneto mais o Amor merece
Pois Amor vem célere a cavalo,
Que não fora suficiente celebrá-lo
Em odes e canções e mesmo em prece.

E nas tendas que se erguem e estandartes
Amor acampa e logo a festa surge
Com fanfarras, tambores e outras artes
Enquanto a ave canta e a fera ruge.

Amor é um condottiere universal
E não tem vagos receios nem pudores
Pois que quando os tem é apenas sal.

E se preciso for mais descrevê-lo,
Amor que fome tem de mais amores,
Debruçado sobre um rei, sobra desvelo...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O compositor Modest Mussorgsky - por Ilya Repin 1881


Quadros de uma Exposição (de Alma Welt) 

Pra mim não há fronteira entre o real
E o mundo dos livros, suas estórias

Em poemas e lendas do Graal
E tantas outras belas, mais inglórias.

A nossa vida é, pois, muito maior
Que este nosso dia-a-dia linear.
É como uma música de cor
De harmonias feitas pra gravar

Em imagens de muitos quadros belos
De uma mostra espectral e abantesma
Como um Mussorgsky só de violoncelos.

E eu me vejo mergulhada num concerto,
Orquestra e maestrina de mim mesma
Nas ondas desses sons que me desperto...

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Nota
* "Quadros de uma Exposição" é o título de um famosíssimo poema sinfônico de Mussorgsky que descreve musicalmente quadro por quadro de uma exposição de pintura que o compositor viu. A descrição musical é tão viva e brilhante, que foi possível pesquisadores russos do século XX identificarem a Exposição por catálogos de época e os quadros descritos, um por um.
"Se queres ser um poeta deves te colocar em sintonia anímica com toda a humanidade. Se não conseguires, não te metas, porque acabarás falando somente de ti mesmo, e isso é pouco." (Alma Welt)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Utopia (de Alma Welt)

 Penélope


Utopia (de Alma Welt) 



Viver sem esperar o inesperado
Como a desejar o impossível
Que seja repensar o impensado
E só acreditando crer no incrível.

Amar o ser amado só por sê-lo,
Sem cobranças, ciúmes, posse, mágoas
E muito menos a dor de cotovelo
Se acaso me tornar passadas águas.

Tudo isso que de mim mesma pretenda
Talvez não alcance mas espero
Que pela esperança não me venda

Pois os sonhos mais caros são de graça
E pela graça de ser só o que quero
Tenho todo o tempo que em mim passa...

Enigmas (de Alma Welt)



Enigmas (de Alma Welt) 

Temos sempre um enigma por dia.
A própria vida já é uma charada
Só decifrável pela arte da poesia
Quando não água turva estagnada.

Pois há poetas que turvam suas águas,*
Como disse o filósofo poeta *
Que, sim, enlouqueceu, mas não de mágoas,
Mas de doença infame e abjeta. *

Só que aquilo não vem ao nosso caso,
Que estou falando de um mistério
Que perpassa nossas vidas sem acaso.

Porque tudo que acontece estava escrito,
Só que ninguém sabe o critério
Que te traz abençoado ou maldito...
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Notas
*Há poetas que turvam suas águas para parecerem profundas. - Frase do filósofo e poeta Frederich Nietzsche.

*... enlouqueceu, mas não de mágoas,
Mas de doença infame e abjeta. *
Nietzsche morreu louco por causa da sífilis adquirida num bordel.



sábado, 28 de julho de 2012

Esboço para um Retrato do Amado (de Alma Welt)

Foto - o olho direito da Alma (do retrato de Alma Welt em pintura de Guilherme de Faria)


Esboço para um Retrato do Amado (de Alma Welt)

Hoje espero receber o amor meu...
Não que venha ele em carne e osso,
Que isso nem sequer me prometeu.
Refiro-me ao que tenho num esboço.

Sua imagem, a de que fiz um layout,
É bela mas está muito em aberto
E espero que a destreza não me falte
Para a arte final, com tudo certo.

“Bah! És mesmo fantasista!”- me dirão.
“Põe aí cavalo branco e a pluma,
Não aceites só visconde e nem barão.”

Mas eu, empertigada, lhes respondo:
“Se o cavaleiro não bebe e nem fuma,
Prometo que na tela já vou pondo...”

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