segunda-feira, 16 de março de 2009

A ribalta (de Alma Welt)

Sou feliz, meus leitores, reconheço,
Pois amo e sou amada, nada falta.
Em torno a mim, a teia que não teço:
A platéia calorosa, eu na ribalta.

Atenta aos meus versos de guria,
(pois que piá ainda já me ouviam)
Que somente ventos fortes impediam
Declamar meus versos, que mania!

E assim se me tornou essencial,
Que como respirar eu necessito
Escrever o meu soneto matinal,

Outros tantos depois durante o dia,
Sonetos que, esses sim, tecem o mito
Que me fiz em honra mesma da Poesia!

(sem data)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Adeus Pampa (de Alma Welt)

Pampa amado de minha juventude,
Da guria que fui e ainda sou!
Dói-me demais saber que não mais pude
Prorrogar os prazos que me dou.

Devo partir, eu sei, chegou o fim,
O Grande Gáltcho recusou a apelação,
A última que fiz, não só por mim
Mas por meu amor e meu irmão.

Por Lucia, Matilde e o bom Galdério,
Pelos guris no jardim do casarão,
E o bosque que me foi um refrigério.

Ah! A biblioteca imensa e amada
Também sala do piano do patrão,
E, ai! Rodo, nossa alcova na mansarda...

18/01/2007

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A Arca (de Alma Welt)

Tendo sido aventureira em minha vida
Estive no limite, nos extremos.
Quantas vezes me julguei até perdida,
Vagando por lugares muito ermos

Da alma, onde poucos se arriscaram,
E a sentir o quanto é perigoso
Chegar onde os maiores habitaram,
Seus longínquos páramos de gozo!

É hora de fazer meu testamento
Implícito nos versos derradeiros
E legar o cabedal do pensamento:

Deixar meu tesouro nessa arca
Que veio dar a mim desde Petrarca,
Ouro d’alma em sonetos verdadeiros...

17/01/2007


Notas
Acabo de encontrar na arca da Alma este "testamento" que constatei ser inédito, nunca publicado pela Poetisa em nenhum portal. Por ele percebemos que ela considerava a sua arca como o resultado de uma vida de aventuras anímicas (a alma como uma espécie de transcendente pirata?) ou a herança do manacial de inspiração dos grandes sonetistas desde Petrarca, cuja Musa celebrada foi Laura. (Lucia Welt)

* "Ouro d'alma em sonetos verdadeiros"- Encontrei na arca uma variante deste soneto em que o terceto o final aparece assim:

Deixar meu tesouro nesta arca
Que veio dar a mim desde Petrarca,
Laureada em sonetos verdadeiros*

em que, curiosamente, a palavra "laureada" ao mesmo tempo que evoca a coroa de louros que cingem as têmporas dos grandes poetas na iconografia antiga, faz evocação de Laura, a musa celebrada de Petrarca.
Não sabemos por qual verso final Alma realmente optou no seu soneto.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Primeiro amor (de Alma Welt )

Amores como sonhos se desfazem
Tênues como teias entre as ramas
Se deixamos de urdir as nossas tramas
Enquanto as ilusões se liquefazem.

Mas resta o amor que ainda esperas,
Somente aquele um, da nossa infância,
O beijo virginal de uma criança
Que reconhecemos de outras eras.

Os olhos de uma corça em seu candor
E o cheiro, ah! o perfume de uma boca
De pequenos lábios como flor

De que perseguiremos o respiro
(conquanto uma só vida seja pouca),
De cujo alento é feito o último suspiro.


(sem data)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Balanço da Vida (de Alma Welt)

Lancei meu nome aos quatro ventos
Desde o Pampa a plena pradaria,
Levei minhas notícias de Poesia
Nas pequenas aventuras e eventos

Que me souberam assim universais,
Pois os homens são um só, o mesmo medem
A oeste, norte, sul... leste do Éden,
Quanto mais fiéis aos seus quintais.

E assim vi minha Vinha prosperar
E as ramas do vinhedo me cercarem
Com os cachos sumarentos a brilhar.

Mas sei também meus poemas como hera,
Gavinhas que pressinto se alastrarem
Nas paredes da Casa que me espera...

17/01/2007

sábado, 27 de dezembro de 2008

A Ronda (de Alma Welt)

A Ronda (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu jardim
Rever minhas memórias prediletas,
Ali, entre os eflúvios do jasmim
E o aroma mais sutil das violetas.

Como danço e giro em minha ronda!
Como sinto leves os meus braços!
Meu corpo quer rolar como uma onda
Ao rememorar os meus abraços,

Sim, dos meus amores, de guria
Que de tanto amar já me perdia
Naquela ânsia louca de entregar-me

Que fez de mim mesma minha amante
Por puro entusiasmo pela carne
Que tornava eterno cada instante...

10/01/2007

Nota
Encontrei agora, de madrugada, mais este soneto inédito, na arca da Alma, que me parece especialmente belo, e que reitera essa nota característica do "egotismo sublime" da nossa Poetisa. Por sua excepcional beleza, Alma tornou-se sua própria amante, como Narciso poético (redundância) que ela era. Não podemos culpá-la: diante dela sentia-se a legitimidade dessa paixão que transcendia a mera auto-estima. Pois nela, tudo parecia belo. Pelo tom, pelo talento, pela estética doce e natural de suas atitudes.(Lucia Welt)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O prelúdio sem fim (de Alma Welt)

Uma vez, voltando do meu prado
E já atravessando o nosso mate,
Ouvi um prelúdio executado
Por alguém que só podia ser o Vati.

Corri pelo jardim, logo o salão,
E chegando ao escritório para vê-lo
Surpreendi-me ao encontrar o irmão
Como de praxe a coçar o cotovelo.

Onde? Onde está nosso maestro?
Eu indaguei, espantada e meio tonta.
Quero ouvi-lo, me parece falta um resto!

"Minha irmã"- disse ele sério para mim-
"É um prelúdio para ti, não faça conta,
Que jamais irei tocá-lo até o fim..."

(sem data)


Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que me dei conta de ser inédito, nunca publicado por ela ou por mim. Fui testemunha desse episódio. Rodo tocava piano maravilhosamente e compunha, raramente. Alma achava que ele desperdiçava seu talento, dedicando-se cada vez mais ao pôquer. Mas me parece que, ele ter composto um prelúdio inacabado para a sua Alma, contém uma vaga alegoria... (Lucia Welt)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )/

Este soneto foi publicado primeiramente no meu blog O Espaço do Irmã da Alma na segunda-feira, 24 de Novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )

Pelos labirintos desta estância
Vagueio como outrora sob a luz
Agora com temor e esta ânsia
Que não obstante me conduz

Pelas sendas onde ontem fui feliz
E corria alada a colher flores
Para florir meu quarto de aprendiz
Da Poesia, do Amor e suas dores.

Como viver os dias que me restam?
É a pergunta recorrente, intrometida
No rol de pensamentos que me infestam.

Ruivas colunas, galgando patamares,
Ruivos cabelos flamejando pelos ares,
Eis a Alma... que corre... já ferida!

18/01/2007

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Nota
Estarrecida acabo de encontrar este soneto inédito da Alma em sua arca do sótão, em que a imagem do Labirinto se confunde com a escadaria de colunata vermelha do palácio de Cnossos, em Creta, que nitidamente é o cenário ou metáfora que perpassa o poema, de dolorosa premonição da morte. Na verdade, cheguei rapidamente a essa interpretação porque Alma tinha um cartão postal dessa escadaria ladeada de colunas ("ruivas" como os seus cabelos) pregado com alfinete num painel de cortiça, de recordações de viagens e amigos, no seu quarto. Alma acreditava ter já vivido em Creta nesse palácio do Labirinto. Mais uma vez tive que chorar... (Lucia Welt)

sábado, 16 de agosto de 2008

Odisseu (de Alma Welt)

"Somos para a Morte", disse alguém,
E desde então eu me pus a meditar,
Coisa inusitada para quem
Todas as dádivas vieram se somar.

A beleza é vã, efêmera, fugaz,
Diz Matilde, o que a Mutti já dizia,
E eu desconfio que apesar de pertinaz,
Tal pensamento deriva da apatia.

Ah! Odisseu, meu grego predileto,
Que disseste (e por isso foste honrado)
O quê é o homem? Cabal, doido completo

Que se acaba com um simples resfriado
E que no entanto, aqui como em Elêusis,
É capaz de afrontar os próprios deuses!

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A caravela (de Alma Welt)


Lanço no papel minha experiência
De ser o fulcro ou centro desta saga
Tão amada, vivaz, com tal ardência,
Como um druida, bardo ou velha maga.

Nada de queixumes ou lamento,
Mas afirmação total de vida
Que aos outros possa ser alento,
Inspiração vital e comovida.

Pois sei que a vida é mesmo bela
E o frágil ser humano, interessante
Como pode ser imenso e triunfante!

Eis porque vago pela face do papel
Como tardia, embevecida caravela
Fazendo deste espelho o próprio céu.

1401/2007

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O eterno retorno (de Alma Welt)

Contarei e cantarei até o fim
Dos meus dias como vou ao meu irmão
Encontrá-lo alta noite no seu sótão
Para entregar-me a ele e ele a mim.

E como, tateando no escuro
Nos longos corredores, já ardente,
Eu me dispo no caminho, de repente
Naquele impulso claro e escuro

Que me leva assim a dar-me e dar-me
E exausta adormecer sobre seu ombro
Depois de tanto cavalgar a sua carne.

E como, adormecida, recomponho
A clara roda de ir ao seu encontro
Na obscura clareza do meu sonho.

(sem data)
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A Fronteira e o Portal (de Alma Welt)

Saio de manhã com cuia e bomba
A vagar por minhas velhas trilhas
Até rondar o bosque em sua lomba
Que nasce no sopé destas coxilhas.

Ali penetro então chimarreando
Aquecida por dentro pelo amargo
Para ouvir a natureza despertando
E o meu alento bem mais largo.

E logo tomada de entusiasmo
Me ponho a correr por entre os troncos
E a girar no centro de um orgasmo

Até desfalecer numa clareira
Cercada por seres nada broncos,
Abertos o Portal e a Fronteira...

(sem data)

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Nota
Acabo de encontrar este curioso soneto manuscrito entre os papéis da Alma na sua arca, e dei-me conta de que nunca foi publicado. Apressei-me em digitá-lo e colocá-lo no seu blog dos Sonetos de Mistérios da Alma. Mas logo percebi que se trata, na verdade, de um soneto erótico, embora simbólico e velado. Não preciso dizer o que são "o Portal" e "a Fronteira". Ri muito e mais saudades tive de minha extraordinária irmã, de sua intensidade vital e de seu humor. (Lucia Welt)


Se me perguntarem... (de Alma Welt)

Se me perguntarem o que quero
Com tanto escrever, em catadupa
Soneto após soneto, eu reitero
Que isso me elimina toda a culpa.

Sim, a que se instala em nossa alma
Com o primeiro vagido após o tapa
E faz o ser humano ter um mapa
Do inferno gravado em sua palma.

Em sendas ocultas e entrelinhas
Eu vou, vago, vôo e deixo ir-me
Ignorando as coisas comezinhas.

Escrevendo recupero a inocência
E posso tudo, e na alma permitir-me
Ir muito além da dor e da demência.

15/12/2005

Nota
Ao encontrar há pouco este soneto, apertouse-me o coração, pois pela data percebi que fora escrito poucos dias antes da sua internação na Clínica em Dezembro de 2005, que tanta preocupação e dor nos causou, inclusive com sua fuga e percalços em caronas de caminhão pelas estradas do nosso Pampa. Este soneto testemunha a luta heróica da Alma para fugir "da dor e da demência" que rondavam a sua alma de poeta, de artista predestinada e de mulher muito bela, excepcionalmente pura e ardente.(Lucia Welt)




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Minha "Estrela de Absinto" (de Alma Welt)

Estrela minha, a mim mesma me revela!
Eu te invoco como outrora o Druida
Ou muito antes o rei da torre aquela
Etemenanki que em Babel foi destruída!

Vem ao meu encontro e me desvia
Do fatal caminho que pressinto,
Eu sei, estamos todos nessa via,
Na rota de uma estrela de Absinto,*

Mais sonhos, mais delírios, mais anseios,
Ainda não cumpri meus devaneios
E ainda faltam centenas de sonetos,

Cavalgadas, êxtases, amores,
Vagar por entre temas e motetos
A colher emoções como se flores!

19/12/2006


Nota
* Estrela de Absinto -Obra de Oswald de Andrade, 1927. A expressão se refere à uma estrela apocalíptica, para alguns místicos e esotéricos caracterizada como o planeta Vênus(estrela Dalva). Absinto: bebida muito consumida na Belle Époque parisiense, e que, com o ópio, custou a vida de muitos poetas e pintores. No Apocalípse de São João, Absinto é o nome de uma estrela da destruição que cai sobre as fontes de águas e os rios, no final dos tempos (um meteorito?).Entretanto, não está claro, no poema, em qual sentido Alma a está usando. (Lucia Welt)

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Não irei queixar-me ao rei dos pampas (de Alma Welt)

Não irei queixar-me ao rei dos pampas,
O Minuano que selou o meu destino...
Não rezarei ao pé daquelas campas
Nem ali tocarei meu violino.

Bah! Tanto me alertaram sobre aquilo
De escolher e abraçar a "vã Poesia"
Abandonando o caminho mais tranqüilo,
Do Lar, e ainda ficando "pra titia"!

Sobretudo não irei me prosternar
Diante da matéria ou de seus signos,
Que não tenho o afã de conservar...

Pois que há muito abri minhas eclusas,
Fiz juras e votos bem mais dignos
E jamais renegarei as minhas Musas!

(sem data)
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A névoa e a Alma (de Alma Welt)

Quando a névoa ainda não se alçou
E paira sobre a relva confundindo
Céu e terra como quando começou
O mundo e Deus ainda estava urdindo

A tessitura de seu reino endiabrado,
Depois cheio de tesouros e magia,
Eu sinto que pertenço a este prado
E nutro-me de sua nostalgia.

Mas logo em alegria me desnudo
Pois orvalhada já em minha roupa
Posso sentir-me parte disso tudo:

De Deus o puro caos primevo e vago
Quando tudo ainda era parte dessa sopa
Do grande caldeirão do Eterno Mago...


(sem data)

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Nota
Acabo de encontrar na montanha dos inéditos da Alma, em sua arca do sótão, este soneto encantador sobre o qual testemunhei as cirunstâncias de sua inspiração, pois acompanhei uma vez a Alma num de seus passeios matinais, bem cedinho, e a vi impulsivamente desnudar-se para sentir a névoa da alva da manhã em sua pele, no corpo todo, rodopiando de alegria em sua integração sentida nesse "caos úmido". Alma era uma criatura profundamente telúrica e nutria-se, como ela dizia, das forças da terra e do ar, como todos os seres, é verdade, mas com mais intensa consciência poética, se podemos dizer assim, do que a maioria de nós. (Lucia Welt)


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terça-feira, 29 de julho de 2008

Da vida vivida (de Alma Welt)

Por amor, me desnudei a alma
No papel em versos escandidos,
Não me poupei em nada, dei a palma
A ler, como às ciganas os escolhidos.

Sim, por que nelas eu confio
Se vêem em nós o dedo do destino
Ou espada a pender daquele fio.
Mas ouvindo da Gitana o violino

Cantei, dancei, de mim me desnudei
E nos leitos dos amados supliquei
Que tocassem as fibras do meu ser.

E louca, penetrada e fruída
Fui verso e canção pra ouvir e ler
E nada deixei pra outra vida...


17/01/2006

Nota

Mais uma vez emocionadíssima, ao descobrir agora há pouco este soneto, me defrontei com um "testamento espiritual" da Alma, poderoso, de comovente grandeza.

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A Alma destas águas (de Alma Welt)

A trilha que leva à minha cascata,
A cantar percorro todo dia,
Descalça, pois retiro a alpargata
Para sentir do solo a energia.

E logo vou a blusa retirando
Ou o vestido inteiro, se é o caso,
Depois a calcinha, ali deixando
Na senda como rastro e ao acaso

As belas tramas um tanto obsoletas
Pois me dou à transparência destas águas
(que nunca me escondi em vãs anáguas).

Depois saio brilhando, nada feia...
E mais: para atrair as borboletas,
Me agacho crua a urinar na areia.

(sem data)

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Nota

Encantada, acabo de descobrir na arca da Alma este soneto lindo, ligeiramente erótico, que revela algo que eu mesma testemunhei algumas vezes: nua, molhada e brilhando, Alma urinava na areia da prainha da cascata, e logo ali se fazia uma revoada de borboletas que apreciavam o sal ou a amônia onde pousavam numerosas, sugando, para encanto de minha bela irmã, que eu ficava olhando, admirando, como uma ninfa que ela realmente era. (Lucia Welt)



Dúbios domingos (de Alma Welt)

Tenho com os domingos dúbia liga
Pois embora ensolarados em essência
Me fazem ver do Tempo a vã carência
E a tal fugacidade, ó minha amiga.

A contagem domingueira se revela
Ultimamente regressiva e voraz
Embora eu seja jovem, viva e bela,
Já me vejo saudosa a olhar pra trás.

Eis que me sinto assim contemplativa,
Que nunca fui alguém que muito chore,
E me ponho a vagar como uma diva

A colher florzinhas como a Core
No seio claro desta natureza viva
Antes que o escuro solo me devore.


28/11/2006


Nota
Acabo de encontrar este belo e impressionante soneto da Alma, que faz ver a persistência de seu pressentimento da morte próxima. Vale aqui relembrar o mito de Core (a Perséfone dos gregos) filha de Ceres, a deusa das colheitas(a Deméter, dos gregos) que estando a colher flores na pradaria, subitamente o solo se abriu e ela foi agarrada pelo deus Hades, do escuro subsolo do mundo (o reino de Hades)onde passaria, por intercessão de Zeus, a pedido de sua suplicante e sofrida mãe, a viver por seis meses, sendo que os outros seis poderia passar com sua mãe sobre os campos. Esses ciclos se relacionavam com o tempo do plantio e o da colheita. (Lucia Welt)

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Palavras à cigana (de Alma Welt)

Rafisa, lê depressa a minha palma
Mas não pares no meio da leitura.
Sempre o fazes como se uma ruptura
No fio do destino desta Alma.

Eu vejo como fechas minha mão
E o disfarças com um beijo ou sorriso.
Mas não conténs, cigana, o coração
E teu peito que ofega, em prejuízo

Do segredo do que é meu e tu me deves,
Pois se és vidente e quiromante
Honra a tua fama, a mal não leves,

Vai, revela tudo, não importa
Se a Morte for um hóspede galante
Que está prestes a bater na minha porta...

05/01/2007

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Nota
Descobri emocionada este soneto que mostra como Alma andava cheia de pressentimentos da morte próxima, mas não totalmente consciente, que é como o Destino brinca de se apresentar...
(Lucia Welt)

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O claro e o escuro da Alma (de Alma Welt)

Amanhã verei meu ser refeito
E envolto em aura, libertado,
Serei o ser que sou, o ser eleito
De mim mesma, aceso, iluminado.

Farol na noite eterna de esperança
Ou sol no dia claro sempiterno,
O timbre escolhi eu desde criança
Ao escolher o amor, o bom e o terno.

Mas, bah! se o Cerro esfria e escurece
E pelas faldas onduladas de coxilhas
Do Jarau o minuano escorre e desce,

Da alma o lado escuro me fascina
Ao perceber o quanto, sim, ele me anima,
Esse contraste que produz as maravilhas!

(sem data)
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Nota
Com o seu poder de criar ou de realimentar mitos, Alma parece dizer que o minuano nasce no Cerro do Jarau (vide A Salamanca do Jarau, de João Simões Lopes Neto) e quando este escurece e esfria, escorre pelas encostas e corre pela pradaria, como um desbordamento do lado escuro do mundo. (Lucia Welt)

Noite Xamânica (de Alma Welt)

Quando a noite é quente em meu jardim
Me ponho na varanda, excitada
E logo vou sair fora de mim
Para livre me sentir, e mesmo alada.

E vôo, ah! eu vôo sobre as flores
Pra de cima divisar o meu quiosque
Em que um dia iniciei-me nos amores
Pra depois consagrá-los no meu bosque

Onde então me torno loba ou cadela
Ssschhh!.. a grande coisa, um sábio disse*,
Exige que jamais falemos dela,

Pois me sinto voltar ao animal,
Enquanto vultos negros como piche,
Com seus lumes já me espreitam como tal...

29/06/2006

Nota

*"...um sábio disse"- Penso que Alma, parafraseando, se refere à famosa frase de Nietzsche: "As grandes coisas exigem que não se fale delas. A menos que falemos delas com grandeza. Com grandeza quer dizer: com cinismo e inocência".

Este soneto, de nítida inspiração xamânica, parece insinuar que Alma começa a noite como um pássaro (uma coruja?) e depois se transforma numa loba no cio (cadela), espreitada por uma alcatéia de vultos escuros mas de olhos luminosos. Alma se tranforma no seu "animal de poder". (vide Xamanismo).
(Lucia Welt)
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Reencontrando o general (de Alma Welt)

Acabo de encontrar este misterioso soneto da Alma na montanha de seus textos em sua arca do sótão. Alma parece querer dizer que, rencontrando o atual descendente direto do general Netto da Revolução Farroupilha, morto misteriosamente na Argentina
(em Corrientes) aqui indicada pela expressão "el Plata", este (por ser uma reencarnação do seu tetravô?) a reconhece como seu último grande amor (Maria Escayola) e a chama de seu "Graal", expressando a grandeza de sua procura romântica. (Lucia Welt)



Reencontrando o general (de Alma Welt)

Amarrei minha montaria no mourão
Adentrando então a estância estranha.
No peito eu sentia o coração
Pulsando como os palpos de uma aranha

Que aguardasse a si mesma como presa
No centro de uma teia que era o mundo.
E assim eu caminhava muito tesa,
A sentir que o momento era profundo.

Então me vi diante da varanda
Do herdeiro de meu Netto general,
Que tirou o chapéu, como se manda

E mostrando os cabelos cor de nata
Disse: "Voltaste, minha princesa, meu Graal,
Que te espero, há muito, desde el Plata."

(sem data)

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Palavras ao Vati (de Alma Welt)

Encontrei hoje este sugestivo soneto da Alma, que esclarece a complexa relação de minha irmã com o Vati (papai), com Rôdo, nosso irmão, e com a Mutti, nossa mãe, a "Açoriana", como Alma dizia mais comumente. (Lucia Welt)



Dá-me teu colo, Vati, estou carente,
A Açoriana acaba de afastar-me.
Eu sei, ela me acha delinqüente,
Somente tu, ó Vati, sabe amar-me.

Ela diz que me espevito ao ver "um macho",
Tu ou Rôdo, dia e noite, e sem que
Jamais, ela diz, "sossegue o facho"
Mesmo servida a minha quota de rebenque.

Mas, pai, foste tu que me criaste
E me disseste pra ser sempre verdadeira,
Que minha pele já propunha esse contraste

Com, do falso a escura face, escondida,
E que jamais porias na coleira
O ser que iluminou a tua vida!


06/11/2006



A leitoinha (de Alma Welt)

Galdério, prepara a tua charrete
Que hoje não quero cavalgar!
Leva-me como quando eu tinha sete
E dormia no teu colo ao regressar

E me tomavas nos braços com candor
Ao salão me transportando sem eu ver,
Me punhas sobre a mesa por humor,
Dizendo: “Hoje leitoinha vamos ter!”

E eu já despertada mas fingindo
Não resistia e gargalhava afinal
Sem ousar abrir os olhos, sensual,

Pois sentia o teu olhar tão inocente
Percorrer meu pequeno corpo lindo
Que queria ser tomado docemente...

09/07/2006

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Fiquei estarrecida ao descobrir hoje este soneto na arca da Alma. Senti-me primeiramente perplexa, depois chorei muito.
Ficou claro para mim, de repente, o gesto insólito, aparentemente incompreensível de Galdério ao pegar o corpo nu da Alma, quando de sua morte afogada no poço da cascata, e vir com ele nos braços como um sonâmbulo para depositá-la sobre a mesa do salão onde começou o seu espantoso velório nu, até ser interrompido pela irupção indignada de Matilde cobrindo-a com uma toalha de mesa, como um sudário.
Vide o blog "Vida e Obra de Alma Welt":(www.almawelt.blogspot.com) onde publiquei, já há tempos, a carta que escrevi na ocasião fatídica, narrando as circunstâncias da morte e do velório de minha amada irmã. (Lucia Welt)
Postado por Lúcia Welt às 18:00 0 comentários

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Pietà sulina (de Alma Welt)


Vinha o gaúcho troncho em sua sela
Ferido por adaga gravemente,
Na mão direita a rédea como vela,
A outra mão a segurar o rubro ventre.

E estacando o seu pingo emfim cedeu,
Fez um aceno vago e foi caindo
Nos braços do Galdério que acorreu
A ampará-lo como a um guri dormindo.

E enquanto a alma ia sem adeus
Eu gravei a cena em minha retina
Como uma Pietà leda e sulina

Pois agora já estava entre os seus,
Como o outro na estação divina
Fixando a morte insólita de um deus.


(sem data)

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Conluios da Noite (de Alma Welt)


Elevam-se na noite os murmúrios
Das conspirações que aqui houveram
Nos tempos farroupilhas, e os conluios
Que nos ecos desta casa ainda prosperam.

E ouço: Canabarro se rebela
Contra Bento nosso grande comandante
Enquanto o bravo Netto se revela
O mais fiel amigo doravante.

Mas bah! são as prendas que os inspiram
Com seu doce pranto derradeiro
Na paixão ardente em que deliram,

Juntas, pelos quartos, e ao fogão
Cujas cinzas liberam um rico cheiro
Que, alta noite, invade o casarão...

02/10/2006


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Meu overmundo (de Alma Welt)

Tive um sonho esta noite, recorrente,
Pois me pareceu bem familiar:
Eu morria jovem, de repente,
E podia decidir como voltar

Mas antes me era dado ver o mundo,
Escolher a hora e o lugar
E teria assim meu overmundo
Pois que Deus me queria premiar.

Mas, bah! eu chorava de saudade
Do meu pampa, estância e casarão,
Minha querência, Rôdo, nossa herdade!

E tanto solucei, e o pé batia,
Que Deus não suportando a confusão
De cabeça me atirou na pradaria!...


14/11/2006

(Encontrei hoje de manhã este soneto inédito da Alma, em sua arca, que evidencia que ela conhecia o poema de Murilo Mendes, e que este a inspirou de maneira singular. Mas pode-se perceber também a semelhança da cena por ela descrita com um outro texto, um belíssimo monólogo de Cathy Earnshaw (depois Cathy Linton), do romance O Morro dos Ventos Uivantes( Wuthering Heights) de Emily Brönte, que Alma amava sobretudo, por sua imensa identificação com a personagem da charneca inglesa vitoriana). (Lucia Welt)

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Memória do bosque sagrado (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu pomar
Acender a pira dos meus deuses
Ali eles verão eu me ajoelhar
Como outrora no bosque de Elêusis.

E ao ver o fumo branco ascender
Do nosso mate em proporção secreta,
Eu me regozijarei ao perceber
Que os deuses aceitaram minha oferta.

E então eu abrirei meu coração
Para que vejam o ardor do meu desejo
Que não exclui pureza e devoção,

Pois quero somente preservar
A união de todos em que vejo
A mesma solidão, o mesmo olhar...

24/12/2006
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(Encontrei agora mais este soneto que me fez chorar. Alma previa sua morte iminente e expressava seu amor desmedido por isto tudo, sua vontade de permanecer para sempre por aqui, mesmo vagando, sem manhãs orvalhadas. Mas... ela se via a vagar eternamente com Rôdo, o irmão amado.(Lucia Welt)

Aqui estarei (de Alma Welt)


Aqui estarei, meu Rôdo, quando tudo
Naufragar em nós com o navio
Que é este casarão já quedo e mudo
A crepitar como uma vela sem pavio,

E nós, como sombras sorrateiras
Esgueirarmo-nos por estes corredores
Ou por este salão e suas soleiras
Que olharão para os últimos albores

Já a nos ver espectrais em cavalgadas
Ou mesmo a pé a vagar nas pradarias
Nas novas noites, eternas e tão frias...

Ai! Não mais claras manhãs, e orvalhadas,
Onde rindo perdoavas meus deslizes
E eu aos teus, por sermos tão felizes!

14/01/2007



De sonhos e de vinho (de Alma Welt)


Os sonhos dos meus antepassados
Perpassam meus sonhos, eu percebo,
Mas nem por isso são sobressaltados.
E assim posso amá-los, e os recebo

Densos, encorpados, como o vinho
Que legaram a nós no casarão,
Ali sob meus pés, que os advinho
Dormitando mansos no porão

E que quando vêm à mesa entre risos
E o tilintar dos brindes e desejos
Trazem lágrimas de amor por entre beijos

Que estalam nos lábios como guizos
De uma canção ouvida dos avós
Ou como um só coração dentro de nós.

(sem data)


Meu trem fantasma (de Alma Welt)

(Acabo de encontrar na arca da Alma, este magnífico e misterioso soneto, até então desconhecido por mim, que evoca como metáfora a estaçãozinha e o trem maria-fumaça que serve as nossas terras, imagem recorrente em outros sonetos e também em crônicas e romances de minha saudosa irmã. (Lucia Welt)


Meu trem fantasma (de Alma Welt)


Venham formas-pensamentos, devaneios,
E invadam-me de noite o casarão!
Meus amores estão longe, e os anseios
Preservam-me da negra solidão.

Mas o vazio... a custo eu o evito
Pois sei que ele, só, pode matar-me.
Venha aquele trem, pois, assombrar-me
Com seus brancos fumos e o apito

Naquela plataforma enevoada
Onde sempre deixei os meus queridos
Para vê-los partir em revoada

Envoltos no vapor de suas glórias,
Me deixando aqui, como os banidos,
Num comboio eterno de memórias...

29/12/2006

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A título de curiosidade republico aqui este soneto da série Pampiana, para evidenciar a recorrência dessa imagem da estaçãozita e do trenzito maria-fumaça que serve nossas terras e que era tão querido por minha saudosa irmã. (Lucia Welt)


O trem (de Alma Welt)

(193)

Quando aqui chegava o nosso trem
Na pequena estação perto da estância
Era uma festa enorme para alguém
Que amava os signos da infância.

Os ruidos, silvos e a fumaça,
O vapor envolvendo qual neblina
O vulto espectral de uma menina
Muito branca atrás de uma vidraça...

Era eu que olhava e que me via
Como sempre em tudo em minha vida
Narradora e personagem escolhida

E que esperava a mim na plataforma
Para abraçar-me em meio a algaravia
Daquela multidão quase sem forma.

17/11/2006

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Os últimos brindes (de Alma Welt)

Por ser filha amada de meu pai
Eu pude acreditar em ser poeta,
E suspeito que o mundo um dia vai
Fruir e degustar a predileta

Nascida sob estrela de abastança,
Interior, quero dizer, e dadivosa
Meu desejo é desbordar-me generosa
Como o cálice servido na festança

Quando o "gáltcho" grato na querência
Começa a discursar aos seus compadres
E a mão já lhe treme em conseqüência

Pois os brindes brotam já em borbotões,
Junto com as juras aos confrades
De veraz fidelidade entre peões.

19/12/2006



Sonhos (de Alma Welt)
"El sueño de la razón produces monstruos" (Goya)



Meu corpo traz em sua memória
O toque e as carícias dos amados,
Homens e mulheres, e a história
Dos murmúrios e silêncios encontrados.

E assim, abandono-me no sonho
Carregada de vívidas lembranças
Como arquivo vivo que disponho
Para os dias de menos esperanças.

Eis porque acordo perturbada,
Menos por carência e mais paixão,
Por vezes uma ânsia exasperada,

E erguendo-me da noite na calada
Vou ao seu leito, em sonho da razão,*
Insinuar-me nua, assim, colada...


(sem data)

*Nota

O fato de Alma ter colocado como epígrafe a famosa frase encontrada numa gravura de Goya da série Caprichos denota a consciência plena de sua relação proibida, já bem conhecida de seus leitores. Todavia sempre achei que a beleza lírica que ela punha na abordagem dessa relação, a fazia transcendente, a justificava e absolvia. (Lucia Welt)

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O recurso Münchhausen (de Alma Welt)


Como viver depois de ter vivido
Não o amor mas horror do coração
Após golpe, desonra, humilhação
Ou violação da carne sem sentido?

Como viver com o sonho desfeito
Do que era a própria imagem do viver?
Cair das nuvens ou mesmo desse leito
Onde se foi feliz, e não morrer?

Bah! Há que puxar-se por cabelos
Da alma como o lance do barão
Que afundava só e sem apelos

No poço de uma movediça lama,
E com o baio magro da razão
Alçar-se bem acima dessa cama!


08/03/2002

Nota

Acabo de encontrar mais este soneto inédito da Alma, na sua arca. Publiquei-o imediatamente no blog dela dos Metafísicos. Entretanto detectei nas duas estrofes uma alusão a um estupro real sofrido por ela, não sei se aqui na estância ou em São Paulo. Mas ela se refere a um leito. A julgar por outras narrativas suas eu teria que descartar a imagem de uma cama, que aqui seria meramente simbólica, pois as ocorrências que eu conhecia descartavam esse artefato e mais horrorizavam pelos locais e circunstâncias. Mas, por outro lado, admito a possibilidade de estar equivocada e o soneto da Alma ser uma pura alegoria das desiluções, das dores da alma e da capacidade do ser humano de recompor-se com as próprias forças. Devo lembrar também que a evocação desse episódio das aventuras do famoso barão bávaro é recorrente na obra da Alma, e já fora citado, por exemplo, no final do belíssimo conto Aline, dos Contos da Alma de Alma Welt, publicado pela Editora Palavras & Gestos, de São Paulo.(Lucia Welt)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Agradecida (de Alma Welt)

Pelos amores que quis ou que vivi
Nos dias e nas noites estreladas,
Em apelos à lua e às amadas
Estrelas cujas luzes recebi;

Pelo dom que assim me fora dado
Quando erguida nos braços de meu Vati
Fui consagrada como ser predestinado
A ser um ser de luzes, mesmo um Vate;

Pelas doces coisas que me deram
Aqueles que tão logo rodearam
A guria que em contentar se esmeram,

Mimada, servida, tão louvada...
E a alguns que até me bajularam
Como se princesa fora... OBRIGADA!

16/01/2007

Nota

Descobri nesta madrugada este sugestivo e comovente soneto de minha irmã, que ao mesmo tempo que reflete seu reconhecimento pelos privilégios de sua vida, soa como uma despedida, sim, um agradecimento final de quem está prestes a sair de cena, o que ocorreria quatro dias depois, no fatídico 20/01/2007. E novamente chorei... (Lucia Welt)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Altas horas (de Alma Welt)

Altas horas, o sono interrompido
Pelas batidas do relógio pendular
De meu avô, o boche pouco lido
Que o instalou na sala de jantar

Para ser um marco ou referência
De sua passagem tão austera
Por este casarão e sua esfera:
O vinhedo, o pomar e a querência...

Então eu me levanto e saio nua
Quando estamos do verão no suadouro
Ou de camisola, menos crua,

Para ir ao mundo dos meus livros
Pousados nas estantes, logradouro
Dos mortos que permanecem vivos.


17/12/2006

domingo, 15 de junho de 2008

De sonhos e de vinhos (Alma Welt)

Os sonhos dos meus antepassados
Perpassam os meus sonhos, eu percebo,
E nem por isso são sobressaltados
E assim posso amá-los e os recebo

Densos, encorpados, como o vinho
Que nos legaram em torno ao casarão
E sob os meus pés, que os adivinho
Dormitando mansos no porão.

E quando vêm à mesa entre risos
E o tilintar dos brindes e desejos
Trazem lágrimas de amor por entre beijos

Que estalam nos lábios como guizos
De uma canção herdada dos avós
Ou de um só coração dentro de nós...

17/08/2006

sábado, 17 de maio de 2008

Versos à Poesia (de Alma Welt)

Cantarei a Amada nestes versos,
Aquela que conhece o que a alma quer,
A do prazer e dos momentos adversos,
A das forças que transcendem à mulher

Para além do ser humano, a do esteta
Que faz do próprio dia um soneto,
Um poema, um dueto, uma coleta
De versos descartando o obsoleto

Que tentam impingir à grande Musa,
Aquela que não morrerá nunca
E que existe sem precisar escusa,

A que dá sentido à vã jornada,
Que é de uma rainha em espelunca,
Sabeis, agora, então, quem é a Amada?

19/01/2007

quinta-feira, 6 de março de 2008

O reencontro (de Alma Welt)

Quero reencontrar os meus amores
Todos nos meu braços novamente,
E minha idéia recebeu louvores
Do meu mano afoito e imprudente.

Aline, Vânia, Andrea, e Laís
Antonio e Chiara, a linda Fiora,
Mayra ex-ninfeta tão feliz,
Gino que, parece, ainda me adora.

Todos aceitaram meu convite
Para conhecer o "grande prado"
E minha excitação não tem limite.

Mas ainda não sabem qual o nexo
Desse reencontro inusitado:
Brindarmos ao amor, à vida e ao sexo.

01/01/2007

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Nota da editora

Este fato realmente aconteceu, aliás como tudo o que a Alma conta, às vezes ligeiramente transfigurado e sempre com sentido alegórico. Eu fui testemunha. Minha irmã conseguiu reunir quase todos os seus antigos amores aqui por quinze dias, uns com o pretexto de férias e outros pela curiosidade de conhecer a estância e o casarão. Acredito que ela os teve a todos novamente nos seus braços no seu leito, e suspeito que alguns simultaneamente. Mas a verdade é que ao mesmo tempo que uma celebração isso fazia parte de sua despedida. (Lucia Welt)

quarta-feira, 5 de março de 2008

Prece ao Vento (de Alma Welt)

Vento leva-me ao longe
Quero voar e subir,
Ver o mundo como monge,
Do alto, mas sem desistir.

Afasta-me dos desejos
Que me prendem à terra
Dá-me asas e ensejos
Como alguém que já não erra.

Como uma ave de mar,
Vento, vento, dá-me voz
Para que eu cante no ar!

Mas se for morrer nas águas
Sou leve, não tenho mágoas,
Por quê iria me arrastar?

(sem data)

Sendas da beleza (de Alma Welt)

Quando chegue o verão do nosso amor
Eu irei contigo à cascata
Para nos banharmos sem pudor,
Nuas, protegidas pela mata.

Eu sei que o perigo é permanente
De sermos vigiadas e invadidas
Por olhares de seres ou de gente
Que sempre visa as escolhidas.

E somos nós, eu sei, a dupla eleita
Que as gentes perseguem, invejosas
De nossa beleza que é perfeita.

Todavia retiremos as anáguas
E vamo-nos seguras, corajosas,
Pelas trilhas em torno dessas águas...

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Estrelas que mais brilham (de Alma Welt)

4

Me lembro do meu Vati me contar
Que as estrelas viviam e morriam
Depois de envelhecer e definhar
Mas que no final, pasme! explodiam!

Para de novo tudo tudo começar
Mas em "super-nova", em brilho incrível.
E eu então comecei a matutar
Se não ocorre o mesmo em nosso nível

Pois como estrelas que um dia pereceram
E já não estarão na Branca Via
No exato lugar onde nasceram

Tenho certeza que eu por certo voltaria
Mesmo que outro fosse o meu pomar,
Querendo (que vergonha!) mais brilhar...


20/12/2006

O lago das estrelas (de Alma Welt)

3

Quando a noite cai em meu jardim
Eu fico na varanda após a janta
Para a sobremesa de jasmim,
Sentada, nos joelhos uma manta,

Mormente quando o inverno já chegou.
Mas logo me levanto e vou andar
Entre as sebes para a lua me espiar
E às estrelas dizer "aqui estou"!

Este pampa é lago delas refletido
De coruscantes vontades de retê-las,
Não sou mais que um cintilar aqui perdido.

Levai-me convosco, ó minhas estrelas,
No carroção da Lua, pela Via
Branca como eu... e que nos guia!


05/07/2006

O sopro das estrelas (de Alma Welt)

2
Quando à noite venho à minha varanda
Para olhar minhas estrelas sentinelas
Eu sinto que uma brisa muito branda
Vem do alto e certamente delas.

O sopro das estrelas, quem diria!
É preciso ter a pele muito fina
Da alma, eu digo, e a sintonia
Co'esse alento que move a minha sina...

Estrelas, sou ainda a guria
Que meu pai ergueu para me verdes,
Consagrando-me à vós naquele dia,

E que nunca jamais me encontraria
A esmo, a descoberto, por me terdes
Encaminhada pois que sois estrada e guia!


16/12/2006

Estrelas fiandeiras (de Alma Welt)

(1)
Estrelas que me guiam, minhas estrelas
Que no imenso firmamento de minh'alma
Me olham com ternura e com calma
Sabendo que eu nunca irei perdê-las

Do meu belo horizonte de destino,
Fiel ao juramento em meu jardim
Na noite de um ajuste muito fino
Que fiz de mim mesma para mim!

Ó estrelas, fiandeiras esmeradas
Que cardais, depois fiando numa roca
O fio que liga amantes e amadas,

Não deixareis de enredar o meu amor
Até ele emergir de sua toca
Para termos nosso encontro de esplendor!



(sem data, provavelmente 2006)
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Nota da editora

Acabo de encontrar alguns belíssimos sonetos da Alma, ultra-românticos, que caracteristicamente poderiam ser separados numa série que eu chamarei de "Sonetos às estrelas". Por isso deixarei de incluí-los nos Pampianos, embora sejam da mesma época e inspirados pelas suas noites no jardim do nosso casarão aqui da estância, e que agora denominamos Jardim da Alma. (Lucia Welt)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Prece ao Minuano (de Alma Welt)

*

Ó Vento Minuano do meu Pampa,
Grande rio que desce a cordilheira
Do mundo castelhano como rampa,
Para fluir no chão em corredeira

E logo liso e frio sob as portas
Para gelar o meu peito desregrado
Que teme ter aberto suas comportas
E agora estar sendo castigado!

Rei Mino, me prosterno amedrontada
E oro ao deus dos ventos que em vigia
Abriu as tuas eclusas de enfiada

E deixou teu forte rio desatar
Do imenso coração da pradaria
Para com direito me humilhar...



(sem data)


Nota da editora

Acabo de encontrar mais este magnífico soneto perdido entre seus papéis e que não compreendo como a Alma não publicou na ocasião no site RL, onde estava colocando diariamente a série Pampiana até a sua morte tão chocante e repentina no dia 20/01/2007.

*Este soneto me faz recordar a temerosa veneração da Alma pelo vento Minuano, que quando soprava a deixava fora de si, em pânico ou delirante, de tal maneira que Matilde e eu tínhamos que amarrá-la para não sair correndo na pradaria ou debatendo-se no chão de maneira impressionante e dolorosa. Alma era demasiado sensível aos elementos e parecia ter um estranha integração com a paisagem, para a alegria ou para dor. (Lucia Welt)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Meu mundo (de Alma Welt)

*

Quando quero viajar o mundo inteiro
Me dirijo ao escritório do meu Vati
Com seus três mil livros e o tinteiro
Com sua pluma de ema de cor mate.

Ah! A bomba e a cuia ali estão
Sobre a mesa como signos do pampa
De onde partirei para o Japão
Inspirada por aquela bela estampa

Da famosa onda do Hokusai
Com o monte Fuji bem no fundo
Incluída em testamento por meu pai

E doada só a mim, com intenção
(que nem mesmo precisava tal menção)
Pois co'a pena e os livros... é meu mundo.


(sem data)


*(recém-encontrado, certamente também dos Sonetos Pampianos da Alma).

A Viúva-Negra * (de Alma Welt)

(dos Sonetos Pampianos da Alma)


Um peão aqui da estância foi picado
Por viúva negra, o pobrezinho!
Então fui visitá-lo (é meu vizinho)
E estava mal-ferido e acamado.

Mas depois de meia hora compreendi
Que ele estava era mesmo apaixonado
Pela viúva de um peão muito afamado
Que persiste morando por aqui.

Apezar de muito bela e cobiçada
Ela parece inacessível e já fatal
Pois o marido morreu de uma facada

De um outro, Antonio, o qual
Depois também tirou a própria vida,
Por conta da péssima acolhida.


Notas da editora

*Este soneto-crônica a rigor deve pertencer à série dos Pampianos da Alma, que já somam 421, mas como já estão publicados numa ordem e numerados, prefiro não mais tentar encaixar as novas descobertas para não afetar os respectivos comentários dos leitores.

Esta estória, verdadeira, da qual eu soube detalhes pela Matilde, mostra a mentalidade rígida de nossas mulheres, peonas aqui da vinha, que freqüentemente morrem para o mundo após a morte de seus maridos. O mito da viúva-negra, aqui, vai por conta do despeito dos peões pretendentes rejeitados. (Lucia Welt)

domingo, 11 de novembro de 2007

Dueto de Alma Welt com Anderson Julio Lobone


Fac-símile do manuscrito do soneto final da Alma para o dueto que ela mantinha com o poeta Anderson Julio, no Recanto das Letras. Encontrei há dois dias este soneto inédito, que pelo visto Alma não teve tempo de publicar em sua página lá no RL, ora apagada.

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Dueto de Alma Welt com o excelente poeta carioca Anderson Julio Lobone, que ocorreu no Recanto das Letras entre 02/01/2007 e 18/01/2007, lamentavelmente interrompido pela morte da Alma dois dias depois (em 20/01/2007).



02/01/2007 13:33 hs

Alma , simplesmente lindo.
Parabéns!

Anderson Julio

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02/01/2007 - 15:15 hs

Obrigada Anderson querido

Continua me lendo sem parar...
pois navegares em mim é preciso
para que eu, como Narciso
possa nos teus olhos me banhar

(risos)

Beijos da Alma

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02/01/2007 - 15:28 hs

Mas o que dizes alma minha?
Também necessitas do lago espelhado?
Aquele em que me afogo encantado
ao me ver em cada linha?

Em minh'alma as vaidades voam,
minhas linhas tolas se insinuam
como as tuas poesias flutuam
e em tua pele branca ressoam

Vai segue encantando por ai
pobre daquele que olha em ti
e se perde lá pelas tantas

Pois dizem os poetas do Rio
que o perigo além do frio, são
as musas que vêm dos pampas

(risos)

beijos na Alma


Anderson Julio

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02/01/2007 - 17:57 hs

Ah! Belo poeta carioca...
Não poderias fazer-me maior loa
Do que aplaudir-me como foca
E dizer que a poesia em mim ressoa.

Resisto aos galanteios e louvores,
Sei bem as intenções que eles escondem;
Outrora me perdi pelos amores,
Não vi a que armadilha correspondem.

Juro, porém, que estou tentada
Ultimamente a deixar-me apaixonar:
Li uns teus poemas, e encantada,

Ouvi aquele canto de sereia
(que há muito não ouvia assim cantar)
mas o canto vem da praia e... entra areia!

Alma Welt

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02/01/2007 - 19:27 hs

Mas será o Benedito?
Até nisso parecemos!
Foi o dito por não dito
os amores que vivemos?

Causa-me sim calafrios
pensar em me apaixonar
Até me atiro nos desvios
para dos amores escapar

sinto paz em caminhar só
sem amarras, sem buquê...
sem estar minha vida em nó

nenhum canto em meu ouvido...
mas se tu me sussurras "ô tchê"
me pergunto: estarei perdido?

Anderson Julio

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02/01/2007 – 22:03 hs


Não será por certo "o Benedito",
e já que queres o meu "ô tchê"
eu antes prefiro aquele Che
que era guerrilheiro e bonito.

Mas tenho que reconhecer teu charme
de poeta carioca e quarentão
que sabe versejar com precisão
e não teme a ironia revidar-me.

Pois começo a acreditar que este dueto
Vai dar samba, fandango ou fará rir
Pelo insólito do tom e do moteto

Que entre o praiano e a pampiana
Muito verso flertado há de vir,
Antes de vir a ser Copacabana...

Alma Welt

( - Oi Anderson. Que tal irmos publicando nosso dueto em nossas páginas do Recanto? )

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02/01/2007 - 23:11 hs

“Do dito “40tão” charmoso para a Gaúcha Invisível”

Lá se vai minha vidinha calma
que agora contigo se depara.
te disfarças a falar de Guevara
Mas só queres é ser minh'alma

Revido-te sem dó e sem pena
pois se eu te der minha paixão
levas o perfume tal qual canção
como o de uma flor de açucena

Se o dueto tem fim, não sei
como as brisas das paixões
como as tantas que eu tentei

Mas deixe minha poesia confusa
pois já temos os nossos senões.
Ou já não te basta ser a musa?

Anderson Julio

(- Pode ser sim Alma... como quiseres! Bj )

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03/01/2007 – 02:44 hs

Queres a vidinha, a moleza?
Não há paz para quem é da poesia!
Se sou tua musa, com certeza
Vou espicaçar-te à agonia.

Mas se tu revidas-me sem pena,
Que pode uma alma depenada,
Se penada já estou nesta roubada
Com quem já me fala de "açucena"?

Dizes que tua poesia anda confusa!
Confusa estou eu, musa difusa,
Oclusa, inconclusa, semifusa...

Perdi o senso e, obtusa, até o fuso
Com que tecia a trama em forma lusa
Com que dava o verso por concluso.

Alma Welt

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06/01/2007 - 03:23 hs

Não há roubada no poeta do bem
nem agonia na hora da estrela
Não construo a utopia de vê-la...
espicaçar-me? A mando de quem?

Mas hei de escapar de tuas teias
com frases de efeito... escapismo...
E de tuas telas de puro lirismo
me defendo com semicolcheias!

Se tu falas do poeta carioca
quarentão, de olhar traiçoeiro
que a tua poesia assim retoca

É por que tua alma se expande
nas luzes do meu Rio de Janeiro
e no perfume do teu Rio Grande.

Anderson Julio

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07/01/2007 – 22:30hs

Estou muito tentada a dar-te a palma,
Se não o faço é por orgulho de mulher.
Diz o lado mais passivo de minh'alma:
"Deixa o poeta dizer o que quizer..."

Mas então vem uma onda de pudor
e levanta o meu brio e o meu estro:
preciso defender-me com ardor,
pois tal poeta, é sinistro ou é destro?

Cabe a ti, Alma confusa, decidir
se aceitas galanteios meios dúbios
revelando ardores de desertos núbios
que não parecem de uma praia vir.

E então entre temor e tentação
eu prefiro terçar armas de soneto
e desejar que num último terceto

Eu o faça sentir a sensação
de ter vencido(que a derrota muito dói)
dizendo aquele doce: "Meu herói!"

Alma Welt

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07/01/2007 – 22:58 hs

Não te aflijas poetiza sem rosto
Este poeta vazio nada te pede.
Guarde as armas, que isto posto
Minha alma, só poesia te concede.

Não me dê a palma, nem o sonho
Só os versos que ainda me puderes
Nada mais que isso eu te proponho
Mas te dou a maresia se tu quiseres

Pouco sei de ti, moça da terra do frio
Somente nuances de tuas rimas belas
Tão longe no Rio, em tempo de estio

Eu faço canções que valem um vintém
que farão dançar teus contos e aquarelas
e te dizer que eu apenas te quero... bem!

Anderson Julio

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08/01/2007 - 16:08 hs

Me chamas poetisa sem rosto
E acho que não devo a ti mostrá-lo
Pois o mistério tão a gosto
Iria num instante pelo ralo.

O que é o mero palmo desta cara
Bonita ou bela, diante da poesia?
Quem a vira ou quem um dia a amara,
Antes não devera à fantasia?

Perdoa, nem o palmo nem a palma,
Se dou a face logo quererás a Alma
E em troca me darás tuas maresias

Que confesso, declino e agradeço
Pois sendo deste sul das pradarias
Mareada estou antes mesmo do começo...

Alma Welt

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08/01/2007 - 18:05 hs

Ah poetisa, mas o que tens afinal?
Achas que a aparição de tua face
será desenlace para meu carnaval
ou de um desencanto que nasce?

Não me temas, mas não te iluda
esses teus olhos, espero não têlos
até carrego o meu galho de arruda
pra que eu resista a tais pesadelos

navegues o mar que quiseres então
não te preocupes com meu olhar só
eles confessam cada noite em vão

E meu caminho de poesia tão rara
é cantada em acorde perfeito maior.
Então, nem precisas mostrar tua cara.

Anderson Julio

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09/01/2007 – 02:46 hs

Não confio no teu desencanto
Pois quem desencanta quer cantar
E minha face tem, eu te garanto
Um carnaval de encantos para dar.

Como podes chamar de pesadêlos
Os sonhos que já te fiz sonhar?
Diante do impossível que é tê-los
Galho de arruda não vai adiantar.

Se só navego em mares onde há pó
Embora me preocupe o olhar só
Que tu mesmo confessas ser em vão,

Era uma vez uma poesia muito rara
Que não podendo ter o que amara
Desiludida posava de ilusão...

Alma Welt

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11/01/2007 - 00:58hs

Tu me dizes ser tão bela
branca, loira... irresistível
retratada sempre em tela
Deusa nua e invencível

Mas já penso no contrário
que nao passa de cascata
nesses contos do vigário
tu pretendes ser exata

teu intuíto é apenas seduzir
o poeta do rio que te encanta
que te faz sonhar e presumir

olhares doces e um fino trato
da voz grossa que hoje canta
e que muito te seduz... de fato

Anderson Julio

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12/01/2007 – 01:07hs

(Lá vai Anderson... rsrsrs... )


Bela fui, sou, continuarei,
Pois somente quem não gosta
De mulher ou quem é gay
Faria essa tua aposta.

Cascata na minha vida...
Somente a da minha estância,
Que ao me leres com constância
Te ficou meio embutida.

Nunca, jamais vigarista
Mas teimando em ser exata
Estou mais para analista

De uma figura inexata
Que pretende ter voz grossa
Longe do fino e da bossa.

Alma Welt

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12/01/2007 – 10:51hs

(Seguuuuuuura gaúcha! Rsrsrsrs)


Agora eu tenho mais certeza
daquilo que eu já pensava
tu vens blefando tua beleza
a cada um que te encontrava

Se tu tens preconceitos, não sei
mas tuas nuances estão turvas
ao insinuares que eu seja gay
por não desejar as tuas curvas

Mas isso é pertinente a quem
não confessa os seus desejos:
Pisa, xinga e trata com desdém

Se contradiz, indo na contramão
pois tu já desejas meus beijos
e de mim só tens o meu... não!

Anderson Julio

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13/01/2007 – 02:32hs

Examinei com cuidado, isso sim
e cheguei à conclusão, ora veja,
que, noblesse oblige, cabe a mim
levantar o nível da peleja.

Se não podes ter cavalheirismo
de levar uns tapinhas de mulher
sem passares recibo de machismo
e queres dos meus dotes desfazer,

Proponho,pois, vamos mudar o diapasão,
Que até as leoas desconfiam
Da pata mais pesada do leão.

Pois motivo de brigarmos eu não vejo,
que leoa e leão já perseguiam
A mesma caça: o verso e seu ensejo.

Alma Welt

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(Alminha, depois da bossa nova chegamos ao Funk)

13/01/2007 - 20:05hs

Aqui fico a pensar no que me dizes
E até me proponho a uma reflexão
Estará a gaúcha banhada em crises,
Ou será apenas delírio da solidão

Tantos os adjetivos que me falas?
Pata pesada, gay, também machista
Cavalheirice e ternura assim tão ralas
Alguém a ser deixado longe da vista.

Pobre de mim tão cheio de adjetivos
De lirismo e poesia tão pouco vivos
Alvo fácil da uma vaidade que corrói

Eu que um dia só queria tua poesia admirar
Hoje lembro: Quem desdenha quer comprar
Quem foi que disse que “um tapinha não dói”?

Anderson Julio

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14/01/2007 - 00:18hs

( Iiihhh, Anderson, acho melhor a gente mudar
o tom do nosso dueto, que virou duelo,
e começa a machucar...
Mas como sou vaidosa... Aliás somos!!! rsrs
Vamos recomeçar devagarzinho, topas? )



Ah! Na verdade estou magoada!
Preferia o poeta que queria
Pelo menos uma fotografia
Desta Alma agora perturbada...

Ao defender-me, ataquei-o e me detesta
e agora não vejo mais o jeito
de recuperar o lúdico da festa,
pois o poeta traz rancor no peito,

E parece ter torcido ou esquecido
suas loas que fizeram ter início
este dueto que virou um estropício

dum duelo dúbio e amesquinhado
por vaidade de um e outro lado,
E que melhor era nunca ter nascido...

Alma Welt

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14/01/2007 - 04:46hs

( E me diga porque se contigo for, não topar?
Outra vez...aponte a direção que eu te sigo...
Alma minha... ou quase...rsrsrs
Isso não estava previsto em minha vaidade...rsrs
Entregamos as armas enfim...
Isso não cabe em mim...
Machucar vc nem pensar...
Nossa poesia só há de cuidar!
bj )



Uma Alma magoada, juro não queria.
Por mais que não assuma, confesso,
espero ancioso, a imagem que pedia.
Teus carinhos leves, espero regresso.

E do sorriso leve que ainda não vejo
ao dizer: Ah Anderson... quase muda
ante minha "fina moldura" de desejo
ao largo dessa tua poesia tão aguda

Nossas vaidades, essas armas letais
agora deixadas rumo ao nunca mais
é como a alvorada em nossa canção

Se esses poetas ferinos e amantes
não sabem compor a poesia de antes,
então de que valeu tanta inspiração?

Anderson Julio

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14/01/2007 - 12:52hs


(Ops! Anderson, perdoa, estou meio perdida nos meus textos... Não encontro na minha caixa a tua resposta anterior... sumiu. Ando louca.)


Ah! Agora me puzeste aliviada,
conquanto não possa aliviar-te,
pois me queres só fotografada
enquanto dou somente obras de arte.

Mas quanto ao sorriso que desejas,
esse já tens, eu te garanto
com a condição: que não me vejas
senão por muito tempo, por enquanto.

Não posso desvelar meu frontispício,
muito menos ao público fiel
que me faz propor-te este armistício,

Pois junto com o mel há algum fel:
"Na bela face uma máscara de giz,
a esconder uma feia cicatriz..."

Alma Welt

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14/01/2007 - 13:08hs


(Alma... De fato estamos perdidos... rsrsrsrsrsrs Bj)


Alivia-me por estares agora sob a paz
ao cerrarmos nossos olhos ao combate.
A imagem de tua poesia é que me apraz,
Com nuances de bombachas, cuia e mate.

Poeta do Rio, entre samba e rock and roll
Se treme ante o frio, do cortante minuano
Imagina tua face, escondida de onde vou,
Branca seda luminosa, salvo meu engano.

Como disse em esquecível hora...ríspida,
Me basta saber desses teus belos versos,
Para te ter aqui numa imagem límpida.

A malandragem carioca e a bravura do sul,
De mãos dadas e de verbos assim diversos,
Agora querem poesia, em tonalidade... azul.

Anderson Julio

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15/01/2007 - 10:58hs

Que bom que afinal te conformaste
e aceitaste a bandeira branca
que produziu tão logo esse contraste
entre aquela e esta forma franca

de nos comunicarmos sonetando
tu na praia e eu na pradaria,
porquanto o alvo véu me respeitando
tu chegaste bem mais perto da guria

e concentrando no meu verso a atenção
poderás ver talvez ainda este ano
a beleza final de minha canção:

meu rosto finalmente desvelado
como o pampa após passar o minuano
e ao sol do teu Rio revelado.

Alma Welt

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16/01/2007 - 17:52hs

( Nossa Alma... estamos tão amáveis que até estranho... rsrs Bj )


Não te preocupa, minha guría.
Já fiz morada nas terras do sul.
O rosto crescido nas pradarias
há de ser mais belo que o azul

do céu dessa minha guanabara
onde recordo a face da prenda
que esse poeta se apaixonara...
Mas não poetisa, não se ofenda.

Em tua face hoje ainda velada
de certo está todo o encanto
que em tua poesia é contada

Das moças dos ventos sulistas
confesso estão por enquanto
entre as mais belas já vistas.

Anderson Julio

-----------------------------------

16/01/2007 - 18:54hs


Não sei se a morada que fizeste
é metáfora ou ali já habitaste,
mas o sul que sou não conheceste:
extrema sou como jamais pensaste.

E só temo, ao me conheceres,
Não a decepção pelo meu rosto,
mas por teu coração, por assim seres
e no pedestal me teres posto.

Sim, sou a prenda mais sulista
que o vento do pampa já banhou
e entre as mais belas dou na vista

E sei que ao me veres algum dia
no meio da massa como estou,
dirás: "Ali está a Alma que eu não via!"

Alma Welt

---------------------------------------------

18/01/2007 - 10:38hs

(Acho que isso vai virar livro... rsrsrs Bjs)


Vivi por longos anos nestas terras
Entre as araucárias e os fandangos
Nas danças mais frias dessas serras
Tão longe dos sambas e dos tangos

Vida escrita em poesia, inesquecível
Um poeta carioca ali tão encantado
por mulheres de olhar inconfundível
histórias de um tempo ora intocado

E agora tu vens em meu caminho
trazendo a pele branca em neve
e os cabelos leves, como um ninho

Onde em versos tantos fazem pouso
no aconchego dessa tua poesia leve
que em pensamento, é meu repouso

Anderson Julio

..............................................

O soneto acima foi o último do dueto dos dois poetas a ser publicado no Recanto das Letras. No dia 20/01 Alma foi encontrada morta, afogada no poço (pequeno lago) da nossa cascata aqui na estância, não muito distante da sede. Alma silenciara. Entretanto, há poucos dias atrás, encontrei na montanha de textos inéditos da Alma dentro de uma arca no sótão aqui do casarão, e que descobri uma semana após o falecimento de minha irmã, uma folha de papel solta que continha o soneto manuscrito que aqui transcrevo e que me parece ser uma nítida resposta ao último soneto do poeta Anderson Julio no dueto. Tomei a liberdade, portanto, de transcrevê-lo aqui, acreditando que a Alma aprovaria, pois acredito que ela apenas não teve tempo de publicá-lo na sua página no RL. Ei-lo:

19/01/2007


Como pudeste entre fandangos e araucárias
ter vivido sem saberes desta Alma?
Informações e pistas tão precárias
não ajudam como as linhas da minha palma

onde procuro encontrar-te em meu destino:
linha imprecisa, tênue, vaga ou morta
como no prado ao passar nosso rei Mino*
nublando por instantes nossa rota.

E ora me vês neste caminho virtual
vagando branca para ti qual Blancanieves,*
os cabelos como um ninho de pardal...

Bah! guri poeta, a mal não leves
mas estou num turbilhão em teu repouso
como Francesca abraçada mas sem pouso...

Alma Welt

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Notas da editora:


* Rei Mino- era como Alma chamava o vento Minuano que ela temia e respeitava, como um ícone de sua mitologia poética particular.

* Blancanieves- é como os "castelhanos" (uruguayos e argentinos) aqui no Pampa se referem à personagem Branca de Neve.


Este pode ser portanto o último soneto escrito por Alma (seu parceiro do dueto provavelmente não o conhece) já que não tenho como saber se foi escrito antes ou depois de A Carruagem, pois Alma infelizmente não registrava os horários nos seus textos. O que me inquieta é que mesmo com a dose de humor típica da Alma, vejo neste soneto uma nota de inquietação e tormento ao fazer alusão ao episódio de Francesca da Rimini (e Paolo) do segundo círculo do Inferno na Divina Comédia de Dante Alighieri, que ela conhecia tão bem e com cujo turbilhão eterno e sem pouso ela parece identificar sua vida naqueles instantes finais, talvez pressentidos. (Lucia Welt)

quarta-feira, 31 de outubro de 2007


Capa do folheto "Sonetos Mitológicos da Alma", de Alma Welt, publicados pelas Edições do Pavão Misterioso (Ver na Livraria da Vila, da Alameda Lorena)

SONETOS MITOLÓGICOS DA ALMA ( de Alma Welt)

SONETOS MITOLÓGICOS DA ALMA



Índice

1. Prólogo (Teogonia )
2. Ariadne em Creta
3. Ariadne em Náxos ( Dionisos )
4. Narciso
5. Perséfone
6. Perséfone II ( Deméter )
7. Penélope
8. Penélope II (A Teia)
9. Helena de Tróia *
10. Psiqué
11. Psiqué II ( o Rato)
12. Psique III ( No Hades)
13. Epílogo ( O Triunfo de Psiqué )

* (este soneto foi recentemente descoberto, inédito, na Arca da Alma)

Alma Welt

Sonetos Mitológicos da Alma



Prólogo (Teogonia)

1
No princípio era Crono, como um fole,
Acasalou-se com Ananke, pois faminto,
Mas não a Adrastéia, que não minto,
Mas aquela que lhe deu tríplice prole:

O Éter, o Caos e o Érebo profundo,
E deles gerou o imenso mundo
Onde num ovo colocou o grande Zeus
Como o filho que escapou aos dentes seus.

Mas Ananke, a cruel Necessidade,
Tem, um dia, um ataque de saudade
Recordando sua pureza, e então se acalma

Ao resolver criar a bela Alma
Que nasceria mortal, nesse roldão,
E chamou-a Psiqué... em solidão.




Ariadne em Creta

2
Ariadne outrora fui, perdida
De amores por Teseu, em labirinto.
O fio do meu destino era a partida,
E o Minotauro, meu irmão (eu tanto sinto),

Era a chegada, não um torpe obstáculo
Colocado por meu pai, o feroz Minos
( que ele próprio tinha chifres como báculo),
Para truncar de sua filha os desatinos.

E eu, que de mim só tinha um fio
Como Aracne, sem a trama dedálica,
Tudo esperei do herói de fama fálica

Que despejou no meu ventre um doce rio
Numa Náxos, de passagem, na partida
Esquecendo-me depois, adormecida.


Ariadne em Naxos- John William Waterhouse


Ariadne em Náxos

( Dionisos )

3
Nesta Náxos, perdida, abandonada
Fui por Teseu logo esquecida,
Ou então foi a vela, assim, quadrada,
Que não pode interromper sua partida.

Por isso, ou razões da deusa Ananke
Fiquei a Zeus dará, meio perdida,
Com o fluir do meu destino assim estanque,
A ver crescer meu ventre, embevecida.

Até que o deus alegre, brincalhão,
Aportou nesta Náxos sem nexo
Trazendo um grande falo, como sexo

De madeira, polido, ornamentado,
Com correias preso, pendurado,
E pediu-me que o servisse... esse bufão!




Narciso

4
De Narciso fui a doce ninfa,
Rejeitada, triste, obstinada,
A quem foi negada seiva ou linfa
De uma árvore sequer: petrificada!

Olho-me em ti, compreendo-te, Narciso,
Teu triste rosto contempla eternamente
A tua beleza, e nem ao menos um sorriso
Se vê no teu olhar deliqüescente.

Como é triste a beleza extraordinária
Que traz aos olhos a fonte onde se espelha
Para sempre incompreendida, solitária,

Que não cabe à pobre Eco partilhar
De tão fundo cismar, sem ficar velha,
E poder em flor se transformar!





Perséfone

5
Nos prados de minha mãe, então floridos,
Andava eu, colhendo de braçada
Sempre-vivas e outras, e os zumbidos
Distraíram-me, e não vi a debandada

Dos pequenos animais, que alertaria
Mais atenta criatura, ou temerosa.
E eu que na inocência só vivia,
Vi-me colhida por mão tão cobiçosa,

Arrastada ao solo assim fendido
E levada em grito lancinante
Ao fundo da terra fumegante

Onde senti afoito o grande falo
Invadir-me, rasgar-me, em meio ao halo
Que abriu-se em torno ao meu marido.




Perséfone II

(Deméter)
6
Minha mãe chorou por meio ano
E bateu à porta dos poderes
Enquanto eu, perdida em novo engano,
Esquecida do mundo e afazeres,

Tornei-me fogo, rainha tenebrosa,
Mas doce para o meu escuro rei,
A quem nem sob o sol esquecerei
Quando buscar-me a mãe tão extremosa.

Disputada, afinal, fui dividida
Entre mãe e esposo, meio a meio,
E a colheita enfim foi conseguida.

Sol e terra, a amplidão florida
E depois a noite tão comprida
De obscuro prazer e... tanto enleio.





Penélope

7
Na doce Ítaca, rochedo em mar de anil
Fui esposa zelosa de Odisseu
No início relutante, que partiu
Por poucos meses, conforme prometeu,

Mas que as Parcas retiveram ao bel prazer,
Girando os pesos do seu fuso incompreensível
De modo a fazê-lo se perder
Em aventuras e o amor do impossível.

E eu, cercada de um povo sedentário,
Cobiçoso do seu trono e nosso leito
(aquele que ele mesmo havia feito)

Cujo segredo eu haveria de cobrar
Do mesmo estrangeiro sanguinário
Que os pretendentes acabara de matar.





Penélope II

( A Teia )

8
Penélope fui, da Teia inacabada,
Que em tecer e destecer eu me esmerava,
Para ganhar tempo, desolada,
Mas numa estranha fé que me amparava.

Por dez anos, de príncipes cercada,
Que em orgias devoravam meu rebanho,
E cujo vinho me fazia cobiçada,
Pondo-me em perigo até no banho.

Telêmaco meu filho ameaçado
Quis partir, mas retive-o implorando
Para mais aguardar o nosso amado,

Que camuflado de mendigo, já tornara
E estava entre nós espionando...
Ai de mim, se a fé me abandonara!


Helena de Tróia (de Alma Welt)
9

Fui Helena de Tróia, com certeza,
Sua nudez esplêndida em mim sinto,
A tal guerra também, por minha beleza,
E sobre minha culpa já não minto:

Com o príncipe fugindo, como todas,
Para sempre felizes... ai de nós!
A começar sem as festas e as bodas
Que prenunciariam dor atroz...

E no final caí nas mãos primeiras
De meu marido, o maior daqueles brutos
Que conclamavam guerra pelas feiras,

O meu mesquinho e traído Menelau
Que me levou consigo em sua nau
De volta para o leito dos estupros...


Psiqué

10
Minha alma é toda Psiqué
E tenho sua memória em mim plasmada,
Os Zéfiros levando-me até
Eu lembro, ao palácio enfim levada,

E como por sombras fui servida
E à doce alcova encaminhada
Para a grande cama escurecida
Que me engolfava em prazeres, desvairada.

E como, depois envenenada
Pelas irmãs, somente pelo ouvido,
Encaminhei-me com a foice iluminada

Por lanterna de azeite, até o leito
Onde acabei queimando meu marido
Ao cair de borco no seu peito.




Psiqué II

( O Rato )

11
Quanto peregrinei em penitência
Até atingir a colunata
Do templo do “Amor plenipotência”,
Representado pela minha sogra chata!

Que agarrando-me os cabelos me arrastou
Por entre as colunas, e açoitada
Deixou-me quando quase me matou,
Para voltar depois com a empreitada

De eu tecer com palha suas esteiras
Pra que, em ouro, as deixasse amarelas,
Pra que eu “não fizesse mais besteiras”,

Enquanto, eu dormindo, vinha a sogra
Como um rato, roendo minhas telas...
Assim é que o Amor a Alma logra!





Psiqué III

( O Hades )

12
Foi-me dado enfim pesado encargo
Por Vênus (que devia ser do Amor)
Descer ao Hades, sem embargo,
Para pedir à sua comadre um favor:

De Perséfone eu devia receber
Uma pomada, um perfume, que sei eu?
Que sã e salva voltar me prometeu,
Se lhe trouxesse o embrulho sem saber

O conteúdo, que enfim não resisti,
Abri, e fui por ele envolvida
Em nuvem infernal, e sucumbi.

Prostrada fiquei até o momento
Em que levada fui, e absolvida
Diante de Zeus, cessando meu tormento.



Epílogo

( O Triunfo de Psiqué )

13
Eis que narrei tua saga, ó Psiqué,
Em três sonetos, o que é coisa de maga,
E que somente é explicado, fácil até,
Pelo fato de ser minha própria saga.

Venho de longe, de um tempo inconcebível
E Alma, poeta sou, eternizada
Pelo brinde de Zeus, inesquecível,
Convidando-me a viver em sua morada:

“ Vinde a nós, Psiqué, que tanto amaste,
Abrace teu marido, o deus alado,
E pertença-lhe pra sempre, que o roubaste

À sua mãe, Vênus do amor (ó vingativa!)
Bebe conosco o néctar sagrado,
Sê imortal, e ama, nova diva!”


FIM

23/04/2005

Notas
*Teogonia- neste prólogo Alma reproduz o inicio da Teogonia de Helânico, autor órfico do século VI AC, que diversamente à famosa Teogonia de Hesíodo (que coloca a Noite e o Caos como princípios teogônicos), tem Crono (o Tempo) se acasalando com Ananke (a Nescessidade) para gerar uma tríplice prole: o Éter úmido, o Caos infinito, e o Érebo nebuloso. A seguir Crono insere no Éter o Ôvo Primogênito, que daria nascimento a Zeus, o "princípio ordenador" e aos protágonos (primeiros deuses).
O detalhe de Ananke ter criado Psiqué (a alma, a princípio mortal) por saudades de sua pureza perdida, é uma contribuição genial da própria Alma Welt ao mito, pois isso não consta de nenhuma teogonia conhecida.


Ariadne em Naxos- Este episódio, muito celebrado por pintores, se refere ao abandono de Ariadne na ilha de Náxos por Teseu após este ter penetrado no labirinto de Creta com a ajuda dela, princesa, filha do rei Minos, para matar o Minotauro, seu monstruoso meio-irmão. Como todos sabem, Ariadne empregou um ardil muito simples: amarrou a ponta de um longo novelo de lã à cintura de Teseu para que este pudesse voltar sem se perder depois do duelo com o monstro no centro do labirinto. A seguir o casal foge para ilha de Náxos onde Teseu engravida Ariadne na primeira noite ali, e parte na manhã do dia seguinte, bem cedo, deixando Ariadne adormecida. Já em alto mar se lembra que que deixou (por esquecimento !!) a sua amante para trás, mas não pode voltar pois as velas quadradas do seu barco só funcionavam com o vento a favor, isto é, por trás (os gregos ainda não tinham inventado a vela tringular para singrar em ângulo contra o vento). Ariadne abandonada, é encontrada pelo deus Dioniso, que apreciava essa ilha, e tinha acabado de inventar o "dildo" (consolo) pois estava apaixonado por um homem. Antes de se relacionar com Ariadne de quem por sua vez terá filhos, obrigou-a a servi-lo com aquele instrumento recém inventado (!!!).
Alma tomou conhecimento desse espantoso detalhe do mito num texto Junguiano de curiosa interpretação e, ao que parece, de fontes gregas fidedignas (risos). Como os leitores percebem, Alma lança mão do humor em diversos momentos deste seu ciclo de sonetos mitológicos.

Demeter*- A deusa das colheitas (Ceres, entre os romanos), mãe de Perséfone (Core), depois de muito chorar pela filha raptada pelo deus Hades que surgiu do fundo da terra quando a donzela colhia flores no campo, conseguiu que Zeus permitisse que a filha saisse temporariamente do Hades, deixando o marido, e vivesse seis meses com ela, sua mãe, a cada ano. Estes ciclos correspondiam ao plantio e a colheita.

* O triunfo de Psiqué- É curioso ver como Alma se identifica e celebra a si própria neste soneto, por profunda identificação com o mito, até porque seu nome, Alma Welt, significa "Alma do Mundo" (Anima Mundi). Aliás, a identificação plena da poetisa com as diferentes personagens femininas dos mitos que ela aborda, constitui a graça maior e originalidade de seus sonetos.
((Guilherme de Faria)

domingo, 21 de outubro de 2007

A volta (de Alma Welt)

Preciso voltar para o meu Pampa
Onde fui infanta e então princesa.
Aqui nestes Jardins à beira-rampa
Da Augusta, talvez ninguém me veja,

A não ser como um modelo no desfile
Desta Oscar Freire abominada
Onde vim parar e em que me exile
Talvez porque me sinta tão culpada.

Morto o meu Vati, que era o rei,
Como então restar no casarão?
E pensando assim me desterrei...

Mas o sangue, as veias qual raízes
Chorando clamam e buscam por meu chão,
E a promessa de dias mais felizes.


11/12/2005

Sonetos da Pintora IV ( de Alma Welt)

Índice

1. Prólogo
Ergue-se em mim...
2.
Solidão, mar desta barca...
3. Como posso prosseguir...
4.O quadro que pintei...
5.Vem, minha amiga...
6.Amigas, amigos...
7.Hoje bateu-me...
8.Volto a abrir...
9.Amores, amor, música...
10. Epílogo
Raia o dia, ó glória...


Prólogo

1
Ergue-se em mim a manhã do meu amor
Em primavera urbana de esperança.
Renovo o meu olhar e o meu ardor
Em ser como pintora... uma criança.

E assim, abro as janelas do ateliê,
Que dão pra esta Oscar Freire saturada,
Passarela do Fútil que se vê,
E que consiste em ter tudo e em ser nada.

A mim cabe pintar um universo
Cujas raízes estão longe daqui,
No Pampa, onde está o meu anverso.

E recriando o mundo em verso e prosa,
Deixar a minha marca aqui e ali
Num retângulo de tela preciosa.


2
Solidão, mar desta barca criadora,
Estou em mim, inspira-me, eu me entrego!
Quero cantar, dizer a fala da pintora,
Fazer fluir o verso a que me apego.

Cobrir minhas paredes de mim mesma,
Projetar-me em cor, poesia e canto;
A dança de uma alegre abantesma
Que a si mesma reconhece o seu espanto.

Pois numa era triste de marasmo,
Em que as mentes voltam pra si mesmas
Perdido todavia o entusiasmo,

Eu continuo, heróica, acreditando,
Polindo versos e juntando resmas,
Na branca fibra a alma projetando.


3
Como posso prosseguir acreditando,
Manter aceso o olhar, a meta e o desejo,
Se o coração carente traz o ensejo
De perder-se no outro, assim amando?

Refiro-me à pulsão que cria, à Arte,
Da qual não posso certamente prescindir.
Mulher-artista, como prosseguir
Se o doido coração quer liqüidar-te?

Ser só mulher, entregue , possuída,
Fêmea total, à raias da Odalisca,
Da puta gloriosa e assumida,

Assim quer o branco corpo, o alvo seio,
Os lábios cheios de paixão arisca,
As amplas curvas com a fenda ao meio!


4
O quadro que pintei hoje, me guia,
Amanhã serei outra, em plenitude.
A obra que não fiz neste meu dia,
Nunca verá sua completude.

Assim dizia um velho amigo meio sábio
Enquanto eu me achava "meio grávida".
Quero dizer com isso o quanto hábil
Era o meu amigo e... eu, tão ávida!

A sede de viver me confundia,
E na louca juventude dispersiva,
Por delicadeza me perdia... *

E assim, entre ânsias e desejos,
Quanta hora perdida, quão lasciva
Era esta bela Alma, e... quantos beijos!

*Paráfrase do célebre verso de Rimbaud:
"Par délicatesse jái perdu ma vie
".


5
Vem, minha amiga, vem comigo
Para o quarto, já que queres premiar-me.
Pintei o teu retrato, e não consigo
Deixar de a ti, agora querer dar-me.

Terás de possuir-me de algum modo.
Quero que entre em mim o que tiveres:
Lábios, língua, dedo, enquanto rodo
Como frango no espeto. Não me queres?

Adoro sentir-me aniquilada
Depois de ser assim tão obediente:
Não sou mais a pintora, não sou nada!

Conquanto eu não te veja preparada,
Quero, enquanto ainda esteja quente,
Com este relho de meu pai ser fustigada.


6
Amigas, amigos e meus livros;
Telas, desenhos, música e poemas,
Eis o universo: estamos vivos,
Nada a haver com o tal "vale de penas"

Aqui um traço, puro encantamento,
Um verso com a rima sedutora;
Outro ali, livre, um pensamento,
Um bater de asas e.. já se fora.

E como então não ajoelhar-se,
Colocar a grata fronte neste chão
Do ateliê bendito, prosternar-se

Perante o deus da Arte, o ser sortudo
Que reconheço neste rico coração,
Nesta Alma capaz de quase tudo?


7
Hoje bateu-me, eu presumo, um "mal estar
Civil", como dizia um velho mestre.
Um não-sei-quê, a dor de não me dar,
Não pertencer, como um pássaro pedestre.

Nunca fui, certamente "boba alegre",
Pois minha alegria vem do fundo
Mesmo de onde nasce esta febre
De sofrer por quase toda dor do mundo.

Rasgo poemas, choro só de os ler;
Olho meus quadros e viro-os contra o muro,
Dirão vocês que é "coisa de mulher".*

Mas não desqualifiquem, é muito duro!
Sou Alma, não sou uma qualquer,
E tenho orgulho até mesmo de sofrer...

* Alma se refere à chamada tpm (tensão pré-menstrual)


8
Volto a abrir a persiana
Que não existe e que estava tão cerrada.
Minha sala escura há uma semana
Voltou a sorrir, iluminada.

Coloco a tela, o fundo preparado
Branco como um lírio de verbete
No cavalete sujo, tão usado,
Como deve ser um cavalete.

E então boto um Wagner triunfal
No pequeno aparelho de CD
E ataco qual se fora Parsifal.

E vendo nascer um novo mundo
De cores fluidas qual poesia que se vê,
Meu canto de alegria vem do fundo!


9
Amores, amor, música e sexo,
Eis a receita de uma vida em plenitude;
Também escrever versos sem nexo,
Coisa que, no entanto, nunca pude.

Percebo como sou tão racional
E como meu poema vem da mente,
Conquanto o coração fique contente
Com seu próprio poder residual.

E embora eu me debata com freqüência
Com este seu teor conceitual,
Vem do coração essa carência.

E como nos Mistérios de Elêusis
Busca libertar-se, imortal,
Qual Dioniso, do cárcere dos deuses.


EPÍLOGO

Raia o dia, ó glória, raia o dia!
Eis-me defronte à tela iluminada
Por um raio de luz que inicia
Meu trabalho com a primeira pincelada.

Diante destas cores milagrosas
Eu me dispo, branca como a telas,
Ou antes das primeiras aquarelas
O papel com suas fibras generosas.

E como numa espécie de corrida,
Maratona em busca da beleza
Que parece ser o dom da minha vida,

Eu volto a sentir a minha lida
Como um cântico perpétuo à Natureza
Que me doou esta Alma dividida.

FIM

11/11/2005

Perfil "leonardesco" de Alma Welt feito em litografia por Guilherme de Faria em 2001, quando a conheceu no seu ateliê, em São Paulo.

Sonetos da Pintora III (de Alma Welt)

Índice

Prólogo
1 Longos prados de ouro...
2 No reino da pintura...
3 Para poder pintar...
4 Aline, meu amor...
5 Hoje me vejo...
6 Voltei a harmonizar...
7 Ontem, eu corria...
8 Aline, hoje não pinto...
9 Vou desenhar-te, Aline...
10 Prólogo
Abro as janelas amplas...


Prólogo
1
Longos prados de ouro no poente
Eu diviso aqui deste ateliê
Sobre um vasto pampa imanente
Que somente em mim a alma vê

Cercada dos caixotes de cimento
Que queria saber apreciar
Abrindo a janela ao nascimento
De uma nova fase em meu pintar.

Talvez o segredo da metrópole
Se abra para mim nestes Jardins
Expulsando por fim aquela Acrópole*

Talvez eu harmonize Yin e Yang
Propondo outros meios, outros fins
Para persistir... “forever young!”



2
No reino da pintura, eterna luta
Com o caos, para ordenar, em harmonia
Mesma, o conflito e a permuta
Entre o Self e o Ego, e sua mania.

Como religar a mediação
Entre os dois pólos subjacentes
Que lutam sob a carne, em ação
Gestual, debatendo-se, emergentes?

Questão que não devo aprofundar
Pois sei que a cor mesma e a pincelada
Nascem do impulso como se do Nada,

E a pintura, como a fome num asceta,
No próprio nascedouro vou matar
Se ponho-me a pensar como poeta.


3
Para poder pintar ainda teimo
Em me manter acesa, erotizada,
Não resisto aos apelos desse reino
Do sexo e da carne insaciada.

Procuro, no entanto associar
Essa pulsão, em mim tão poderosa,
Da libido que insiste em reinar
Sobre tudo em minha vida generosa,

Ao impulso da alma, ascendente
Que busca elevar-se no poente
E descer as trevas na aurora,

Nessa depressão após vigília
De exaltação, pintura agora,
Mar de cores a cercar-me como ilha.


4
Aline, meu amor, com seu desvelo
Está diante de mim em sua nudez,
E eu, que não preciso de modelo,
A ela só, retrato em nitidez,

Como minha musa, minha maja*
Para encantá-la e retê-la
Na minha tela, como amarra
No porto do ateliê, pra não perde-la.*

Pois jovem como eu, ainda me quis
Com essa alma antiga que herdei
E que me faz conhecer esses ardis;

E como um Goya que só Alba retrata
Deitada nua e branca eu a pintei,
Eu, que sou pintora... abstrata.

5
Hoje me vejo especialmente inquieta
Não cabendo em minha pele desvairada
Tentando versos, já que sou poeta
Levantando, pra mais uma pincelada.

E então percebo que preciso é ser amada
Agarrada à força, penetrada
Por algo ou alguém dominador
Que me fizesse sentir alguma dor.

Eu sei que o leitor diagnostica
Histeria ou tpm, tudo indica,
Não me ofendo, mas discordo (antes fora)

O que quero é ser mulher, mais do que musa,
Não ser sequer poeta ou pintora
E ter esta alma assim difusa.


6
Voltei a harmonizar meu interior
Que se reflete em novo quadro e sua cor
Com a presença de um fundo dominante
De um azul mediterrâneo, apaziguante.

E então, minimalista, de repente
Uma mancha, um reflexo, o que for,
Sobre a água plácida que mente
Sua profundeza e sua dor.

Assim, pressinto a erupção em minha mente
De um semi-deus marinho emergente,
Leviatã, Cila e Caribde, até Netuno

E preparo-me pro tumulto dessas águas
Que foram produzidas pelas mágoas
Que surgem como um monstro inoportuno.

7
Ontem, eu corria, livre em mim
Em torno à minha casa avarandada
Soprando as sementes do capim,
Mais que observando: integrada

Às lindas coisas da relvas e do ar,
Pequenas flores, insetos a voar,
Aves, nuvens, o vento nas coxilhas
Nesse desfilar de maravilhas.

Então ouvindo o piano, o som do rei,
Eu corria para vê-lo no escritório
(já que era ali seu território)

E de bruços me punho estendida
Num tapetinho debaixo do Steinway,
Que era a prova do quanto era querida...


8
Aline, hoje não pinto, vou dançar
Contigo o nosso belo pas-de-deux.
Faz tempo que deixamos de lembrar
A nossa parceria no ballet

Que fizemos, ao nos conhecemos,
Quando a emoção nossa transcendeu
Ao dançarmos assim sem percebermos
O tema que então nos comoveu:

Um duo final do Quebra-Nozes
Entre um príncipe e uma fada muito séria
Cujo amor encontra apoteoses

De carne e espírito em fusão perfeita
Produzindo a leveza da matéria
Cuja imensa dor resta insuspeita.

9
Vou desenhar-la, Aline, a puro traço
Para fixar o seu perfil
E a sua silhueta no espaço
Do plano do papel que você viu

De uma pura trama como linho
Vindo de longe, talvez Jerusalém
Ou colhido na beira do caminho
Da estrada que leva até Belém,

E delirando assim sobre o papel
Coloco sobre a mesa o material
Depois de organizar esta Babel

E oficiando, enfim, como vestal,
Invoco os velhos deuses meus do traço:
Leonardo, Hokusai, e até Picasso.



10
Abro as janelas amplas do ateliê:
Entrem o sol, a poeira, e o ar também,
Entre o vento dos Jardins, que aqui me vê
Entre as calmarias e o desdém...

Já que o meu Pampa é tão distante
E aqui me asilei, perdido o Vati,
Aqui encontrei meu amor fati *
Vivendo a glória do meu coração amante.

E cercada de mil telas multicores
Compus o meu cenário sem rancores
Apesar desta “Augusta per angusta”*

Que busquei como a tal saída justa
Para criar, dar ao mundo o puro verso
E amando tanto, recriar meu universo .


FIM
19/07/2006

Nota
*..."amor fati"- Expressão exclusiva da Renascença italiana(século XVI ) do sentido de amor predestinado e por vezes fatal, preconizado pelos poetas daquele período.

Sonetos da Angústia (de Alma Welt


O Ex-libris de Alma Welt, feito em litografia por Guilherme de Faria, quando se conheceram em 2001. O mote latino AD AUGUSTA PER ANGUSTA, descoberto pelo pintor, significa CHEGAR A RESULTADOS MAGNÍFICOS POR VIAS ESTREITAS, o que é bem o caso da Alma. O curioso é que ao pé da letra o mote permite, com certa legitimidade, a seguinte tradução: À AUGUSTA PELA ANGÚSTIA, sugerindo o estado de espírito da poetisa auto-exilada em São Paulo numa tranversal bem próxima da rua Augusta, quando da morte de seu pai (O Vati). Esse mote é a senha dos rebelados da peça Hernani de Victor Hugo.

Alma Welt
Sonetos da Angústia

Índice

1.Prólogo
Noite escura, declive...
2. Quantos planos, amores...
3. Amor meu, tesão...
4. Na manhã do auge...
5. Quando afinal chegou...
6.E assim começou...
7.Aline, reconheço...
8. Aline, eu me lembro...
9. Ali fui encontra-los...
10. Vou perder-te, Aline...
11.Noite, noite atroz...
12. Volto ao meu jardim...


Alma Welt

Sonetos da Angústia


Prólogo
1
Noite escura, declive, estreita via
Nos quais me vejo, nestes dias, novamente,
Sabendo que este ciclo já havia
Aparecido outrora em minha mente,

Mas que eu julgava ter exorcizado
Como tristes demônios da incerteza,
Afastando fantasmas do Passado,
Da dor de um destino sem clareza.

Agora aqui me vejo em novas garras
Do monstro interior que a alma teme
Debatendo-me entre pesos e amarras

Neste barco da vida já sem leme
Mas que ainda almeja o mar e o mundo
Ainda que no cais se vá ao fundo...


2.
Quantos planos, amores, ilusão!
Quanto ideal que na alma mal perdura,
Perdida a esperança e a pulsão
Que me atirava esmo e com candura

Na torrente obstinada e atrevida
De um rio feroz e obstinado
Correndo para o imenso mar da vida,
Mas sendo o próprio leito o fim e o fado!

Então, percebo enfim a ironia,
E enxergo no fluxo deste rio
A própria resposta que eu pedia

E veio até mim, ramo florido,
Num gesto de aparente desfastio,
Num remanso à margem recolhido.



3.
Amor meu, tesão, alma e ternura,
Eu tive do amor a plenitude
Dos meus trinta anos a loucura,
Para amargar agora a finitude.

Aline, meu modelo deslumbrante,
Imagem de beleza e de candura
Cuja falta n’alma mesma inda perdura
Mas com ligeira nota redundante,

Pois se bela sou, o quê procuro?
Porquê o vazio e tão triste carência,
Por quê, Amor, revela-te tão duro?

E arrasto-me em mim, na solidão
De uma dor que revela insuficiência,
Mistérios do meu rico coração...


4
Na manhã do auge deste mal
Ligado à solidão e à carência
Procurei nas amarelas o ramal
Do cadastro de modelos de uma agência,

Cuja secretária Lusinete
Me deu a ficha do setor “modelo nu”
Que eu podia ver pela Internet
E então escolher como um menu.

E foi assim que vi Aline, de primeira,
Um rosto acachapante de beleza
E com ligeiro laivo de tristeza

Que me conquistou como uma rima
E pareceu-me a imagem derradeira
Que faltava ao verso de auto-estima.


5
Quando afinal chegou o meu modelo
E o interfone anunciou como ao “Amor”,
Coloquei-me bem de frente ao elevador
E abri os braços com num apelo,

Saudação ou abraço festejante
Como quem espera filha pródiga,
Mas que então desfiz no mesmo instante
Recuando pra a soleira, bem mais módica.

E a porta abrindo, me vi diante da beleza
Mais pura e perfeita jamais vista
Que avançou com perfeita realeza

Também com o seu abraço aberto,
Disse, girando em minha sala mista:
“Que belo tudo aqui... Tá tudo certo!”


6
E assim começou o nosso caso
De amor e de loucura, minha Aline,
Por quem me ergueria em meu ocaso
Em pleno verão, sem que eu atine.

Pois minha alma velha em corpo jovem
Precisa de injeção de juventude
Para que afinal se erga e mude
Em ágil, como os dias que se movem

Neste ateliê febril de amor e arte
De onde saem telas e poemas,
Desenhos e sonetos, como gemas

De um garimpo feliz e sem descarte
De poluidor mercúrio, e n’outros temas
Refazer-me, Aline... por amar-te!

7
Aline, reconheço, eu te seduzo
No ateliê, como se fosses aprendiz.
Eu te envolvi como um novelo no meu fuso,
A ti, que eras noiva, e até feliz.

Até que te atirasses nos meus braços
E faminta como eu te revelaste,
No amor e na ternura dos abraços
E carícias que também me prodigaste.

E que tardes! Tanto gozo exaltado,
Experimentamos no leito, teta a teta
E até sobre o assoalho pintalgado,

Onde desnudadas confundimos
Modelo e pintora, sem paleta,
Corpos e funções, que assim fundimos.


8
Aline, eu me lembro, começaste
A revelar teu jogo ao namorado
E como a um e outro revelaste
A natureza do prazer fruído e dado.

De repente estava assim acontecendo
O ménage-a-trois inesperado
Mas previsível, na verdade, neste quadro
Tão ambíguo, que estávamos vivendo

E foi assim, no auge da volúpia
Que teu Pedro mudou então o jogo
Por cobiça ou mesmo por astúcia

E Ulisses desastrado e demagogo
Pretextando um ménage sem tramóia
Propôs encontro no novo “Café Tróia”.

9
Ali fui encontrá-los, vou lembrando
Como pra isso me flagrei me enfeitando!
Entrei no café novo, a armadilha
Que teu Pedro armou à maravilha

E ali no ambiente barulhento
E fútil, me vi quase devorada
Por olhares cobiçosos da moçada
E depois pelo de um deles mais atento

Que era o teu Pedro, falso Ulisses
Que me viu até antes que me visses,
E tremeu, eu senti, ele tremeu

Sentindo que teu corpo era meu
E como tu tremias ao me ver
Do medo que me tinhas de perder!


10
Vou perder-te, Aline, é quase certo
Depois do nosso encontro desastroso
A três, naquele bar (Pedro é esperto
E percebeu quanto o ménage é enganoso).

Pois ele me queria como pasto
Junto a ti, somente algo noturno,
E então, vendo-me assim, logo me afasto
E a ti reivindico, por meu turno.

Outrora, eras dele; eu: como “puta”,
Julgava não ter maior direito
E amava num espaço assim estreito.

E eis que se instala a disputa
E és tu que estás no meio, minha amada,
E já não posso te ceder, assim sem luta.


11
Noite, noite atroz e tão sombria
Em que me vejo na descida de minh’alma
Perdida a minha Aline (eu bem sabia
Que não podia perder a minha calma!)

E pus tudo a perder por puro medo
No beco sem saída de uma escolha
Que faria de Aline um brinquedo,
Que sempre me pedia: “Não me tolha!”

E por puro orgulho de mulher
Acabou ficando c’o mais forte:
Aquele que sabia mais tolher...

E eu, fraca mulher (só sei amar
E dar-me, e servir... e mais me dar),
Perdido o meu amor, estou... na morte!


12
Volto ao meu jardim, e ao meu pomar...
Após longa jornada, o casarão!
Percorro o vinhedo e o lagar
Mas não toco vinho ou chimarrão;

Prefiro percorrer estas lombadas
Das obras outrora tão amadas,
Livros do meu pai, tão doloridos
Em solidão, como eu, e tão feridos!

E então retiro um tomo, meio a esmo,
E o abro (meu espanto!): é o Barão
De Münchausen, o mentiroso, aquele mesmo!

E me vejo flutuando em seu cavalo,
Meu cabelo repuxado em sua mão,
Subindo, arrancada deste valo.


13.
Volto ao Jardim de arranha-céu
Onde montei meu ateliê
E onde em telas ou painel
Plantei pequeno mundo, que se vê.

Como Aline, no dia em que chegou
Eu giro e olho em torno meu cenário
E percebo como o mundo meu é vário,
E como me bastar sendo o que sou.

Assim, comigo vou reconciliar
A mim mesma, fazendo minha parte
Com Deus, que me deu beleza e arte.

E entrego meu destino, apaziguada,
Sabendo que estarei mais elevada
Quando de novo o interfone ressoar...

FIM

03/11/05