sábado, 19 de outubro de 2013

Penélope do Pampa III (de Alma Welt)




                                          Penélope- de John William Waterhouse


Penélope do Pampa III (de Alma Welt)

“Por quê não te casas”- perguntaste
Como se eu fosse quase aberração

Pois meu modo de vida faz contraste
Com as gurias do Pampa ou do sertão.

Mas resolvi responder-te com candura
Depois de pensar por um momento:
“Casamento é efêmero, não dura.
Não merece confiança, o casamento.”

Mas na verdade consegui dizer somente:
“Casamento é destino, não me coube.
Fiz da literatura minha semente.”

E vi então que, abanando tua cabeça,
Não suspeitas que neste jogo eu roube
Nem contas com que eu teça mas desteça
...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Experimentemos (de Alma Welt)




                                          Antigo mapa do Ceilão- Taprobama

Experimentemos (de Alma Welt)

Tentemos não trocar nada em miúdos

Nem fazer as contas no final;
Não ir à guerra santa ou de Canudos
Para poder ir para casa no Natal...

Experimentemos ir além da Taprobama
Mas só se isso for dentro da alma...
Não sabemos arrumar a nossa cama
Nem consentir sobre isso, dar a palma.

Experimentemos, pois, dormir um pouco
Sobre os nossos louros e conquistas
E às trombetas fazer ouvido mouco.

E como no final dá tudo errado
Encontremos no erro novas pistas,
Pra saber onde estamos... De quê lado
?

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Inferno e Paraíso (de Alma Welt)

                           Dante e Virgílio no Inferno - ilustração de Gustave Doré
                           para A Divina Comédia

Inferno e Paraíso (de Alma Welt)

O Inferno são os outros, disse Sartre...
Mas também bem pode ser o Paraíso,.

Pois a vida contém sua contraparte
E nada é somente aquilo ou isso.

Pra tanto é preciso falsa rima
Para argumentar com alguma sedução
Como podem notar na quadra acima
Pois a tampa não se encaixa no caixão.

Pra que pisemos numa senda só de flores
É preciso fazer muita vista grossa
Para os lados do abismo e dos horrores.

Mas nisso está sabedoria ou esperteza
No melhor sentido que esta possa,
Pois malícia também sonha com a beleza...

A Ceia dos Valentes (de Alma Welt)


                                                            O Banquete - Filonov

A Ceia dos Valentes (de Alma Welt)

Aproximem-se os mais aquinhoados,
Que convido à minha mesa vos sentardes.
Não se trata de um banquete de abastados
Nem do tímido repasto dos covardes.

Aqui não se encontram os mais carentes,
Nem os tais que necessitam de consolos;
Nesta mesa só se sentam os valentes,
E que jamais nos confundam com os tolos.

Báh! Contemplem como alegres somos nós
Erguendo belos brindes à amizade
E aos amores que podem vir após...

E aos percalços passados e presentes,
Pois varamos mais de uma tempestade
Ainda que com risos delinqüentes...
 

A Entrevista (de Alma Welt)


Alma Welt ( A Entrevista Nua) - desenho de Guilherme de Faria
 
 
 
A Entrevista (de Alma Welt)

Te peço, não perguntes como vivo,
Como é a minha vida de solteira,
Ou qual é o meu processo criativo,
Se nasci no hospital ou de parteira.

Não me faças esta espécie de perguntas.
Somente escuta e deixa-me falar
Pelo fluxo da alma e mente juntas,
Que certamente só sei monologar...

Há muito abandonei todo diálogo.
Sinto muito se isto frustre a encomenda,
Já que não estava no catálogo...

Sou poeta e por isso mal respondo,
Escrevo versos, e só pra que se entenda:
Vivo nua no papel e nada escondo...

domingo, 13 de outubro de 2013

A Obra (de Alma Welt)


 
 Catavento da torre da Igreja Matriz
de São João de Lourosa, Viseu, Beira Alta, Portugal
 
 
 A Obra (de Alma Welt)
 
 
Que imenso labor é a nossa vida!
E mais se nos propomos uma obra,
O que torna nossa alma dividida
E sempre a trocar peles como cobra.

A cada obra nascemos e morremos
E passamos momentos carne-viva,
E é quando mais sentimos e sofremos
Ou nos fechamos qual frágil sensitiva...

Báh! Por certo há também os indolentes
A quem respeito um tal desprendimento,
Se forem puros, claros, inocentes,

Já que aqueles a quem basta só viver
Sem o verso, a torre, o cata-vento,
Têm a obra toda neles sem saber...
 

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O lótus no jardim (de Alma Welt)


                                                  Stars - ilustração de Svetlana Valueva

O lótus no jardim (de Alma Welt)

“Nossos melhores passos deixam rastro
Como também os piores, na verdade.
  Não há nada que não fique no cadastro
De uma vida que só quer felicidade.”

“Nossas boas intenções não deixam marcas,
Somente nossos feitos são gravados,
Mas são ambos conferidos pelas Parcas
E finalmente no fuso são fadados...”

“Então pesem suas ações e intenções,
Se variam como o vento sempre muda
Ao capricho e ao sabor das estações...”

Assim dizia o mestre em meu Jardim,
Sentado em flor de lótus como um Buda
Enquanto em lótus eu pensava só em mim...
 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O Raminho (de Alma Welt




                                           pintura de John William Waterhouse

 O Raminho (de Alma Welt)

Quando as manhãs perderem o seu brilho
E a névoa for mais triste que a saudade,...

Saberei que do meu trem é o fim do trilho
E que não levou-me a nada, na verdade...

Mas a vaga consciência de derrota
Não há de envergonhar a poetisa
Que não fez das conquistas sua rota,
E da Arte foi tão só sacerdotisa...

Lírica fui, de mim minha própria musa.
Além de amor e beleza não vi nada
Mais do que poesia que em mim pulsa.

Bah! Foi tão belo o meu caminho!...
Quê importa se não caminhei na estrada
E perdi-me pra colher este raminho
...


domingo, 6 de outubro de 2013

De Modos e Águas (de Alma Welt)


                                             Metamorfose de Narciso - de Salvador Dalí

De Modos e Águas (de Alma Welt)

Sei que há muitos modos de poesia,
E nada tenho contra os bons surrealistas 
Que lançam mão de imagens nunca vistas
Que no olhar da mente nem havia.

Mas estou me fazendo de simplória...
Escolhi a rima e a voz direta
Do coração ou da mente em sua glória
Da razão ou da lógica discreta.

E, suponho, me perguntam se não canso
De expor tão claro o pensamento,
Se não temo da tradição o ranço...

“Há poetas que suas águas turvam...”
(disse o Nietzsche num belo momento)
E digo: em tais espelhos mais se curvam...
 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Nos Alpes (de Alma Welt)





                          Alma nos Alpes - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2009
 

Nos Alpes (de Alma Welt) 

Nos Alpes um dia me encontrei,
De minha estirpe em busca da raíz,

E nas montanhas da Bavária procurei
A razão do que sou e do que fiz.

E longe fui parar entre o castelo
E o campo dos rudes camponeses
Que cantavam manejando seu rastelo
Mas pouco diferiam de suas reses.

Então diante de uma árvore vermelha
Cercada dos corvos do passado
Onde se iniciara a minha centelha

Eu entendi afinal minha nostalgia
Sem nome, e o meu ramo bastardo,
Que me dera a dubiedade que me guia..

Nas Nuvens (de Alma Welt)




                               The Cloud - Arthur Hacker (1858-1919) Inglaterra

Nas Nuvens (de Alma Welt) 

Nas nuvens me encontrava quando jovem,
Muito bela, propensa à fantasia,

E como as nuvens brancas que se movem
Assim iniciei minha travessia.

Cercavam-me espectros, uns eleitos,
Outros de dúbia aparição e intenções.
E eu até compartilhava de seus leitos
Pois seduzida por meneios e canções...

Só não perdia minha pureza essencial,
Que esta me mantinha na brancura
Que era meu domínio e meu quintal.

Porém das nuvens cairia ao dar-me conta
De minha humanidade e minha loucura:
Então era poeta e estava pronta...

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Alma Frankenstein (de Alma Welt)


Retrato de Mary Shelley por George Rothwell 1840
 
 
Alma Frankenstein (de Alma Welt)

Não seguirei o mundo em seus modismos
E as trilhas somente quando extremas,

Situadas na beira dos abismos,
Que não confio nas regras e nos lemas.

Senso comum, confesso, me é suspeito
Pelos dúbios resultados obtidos.
Por isso sigo as setas do meu peito
E não só eternos passos repetidos.

“Estás então na rota delinqüente...”
Me dizes, mas sem mostra de ansiedade,
Para que me abale ou apoquente...

Mas respondo como Frankenstein, o monstro:
“Báh! Há muito deixei toda sociedade”
E a minha alma é tudo o que demonstro...


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Alegoria (de Alma Welt)

 
Alegoria (Alma Welt, o passado, o presente e o futuro)
 óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013, 100x150cm 
 
Alegoria (de Alma Welt)

Uma tarde em traje branco eu seguia
Numa estrada de onde avisto o mar

Levando pela mão uma guria
Que apontava um navio a se afastar.

Mas, me recordo, eu olhava ali ao lado
Um barquinho encalhado na barranca
Com ervas a cobri-lo, abandonado,
Em frente à casinha azul e branca...

Mas agora me dou conta simplesmente
Que esta alegoria em estado puro
Ocorria toda ela em minha mente:

Era eu mesma me levando pela mão,
Meu passado apontando o meu futuro,
Quando estarei em minha barca, mas no chão.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Testamento da Alma (de Alma Welt)



                  Martin Johson Heade - Cattleya Orchid and Three Brasilian Hummingbirds


 
 
Testamento da Alma (de Alma Welt)

Escolhi ser como pólen em pradaria
Pois seremos todos um e não mais dois.
Mas me verão dançar na ventania
Aqueles que vierem bem depois...

Disseminar-me por aí e pelo mundo
E ir muito além do meu condado,
Num perímetro maior e mais fecundo
Do que em vida me reservou o fado.

Alma fui do mundo ao ser poeta,
Então não me neguem esse direito
De estar em cada olhar que se desperta.

Fui tudo e todos, não tive só a mim.
Então tantos se viram do seu jeito
E me amaram muito mais por ser assim...


O Reencontro (de Alma Welt)


                                                        Les Amants - de Marc Chagall

O Reencontro (de Alma Welt)

Estaremos os dois juntos lá no fim...
Lá onde a ventania enfim descansa,
E o silêncio, a melhor parte de mim,
Pedirá o teu silêncio em contradança.

Não mais cobraremos as promessas
Nem as juras que fizéramos, amantes,
Mas perceberei quando começas
A marejar teus olhos como antes...

Seremos tão românticos de novo
Que me dará um pouco de vergonha
Lembrando da miséria do meu povo...

E voltando ainda mais, guria enfim,
Acreditando novamente na cegonha
Deixarei que descanses sobre mim...
 

domingo, 22 de setembro de 2013

Dos Mistérios (de Alma Welt)


 
 
Dos Mistérios (de Alma Welt)

Há tanto mistério em nossa vida:
A saúde, a sorte e o destino;
A razão de ser preciso tanta lida
Pra se fazer a corda, a torre e o sino...


Ou pra se ter razão para viver
No caso de uma mente complicada
Que questionará "ser ou não ser"
E por isso ficará meio atolada...

E o mal, maior de todos os mistérios?
Incompreensível sem a face de Satã,
Que sem ela fazem falta outros critérios...

E o bem, que sendo tão divino e claro
Que associado à luz e à manhã
Não duvidamos mais... e nele eu paro.

Das Riquezas (de Alma Welt)



Alma Welt reclinada - desenho de Guilherme de Faria
 
 
Das Riquezas (de Alma Welt)

Sejam os nossos desejos sempre nobres
Antes que realizados simplesmente.
Riquezas materiais, pois, não me cobres,
Que conheço só as pérolas da mente...

E o ouro, meus cabelos nos espelhos,
Como alhures o ébano de algum;
Rubis só a cor dos meus pentelhos,
Pelos fulvos evocando a cor do rum.

A turquesa que por certo me desejas
Seja o azul dos olhos do meu povo
A quem eu beberei umas cervejas...

Mas no final levantarei taça de prata
Que é meu ânimo sutil e sempre novo,
Como a tantas riquezas sempre grata...
 

A Garimpeira (de Alma Welt)


 
 
A Garimpeira (de Alma Welt) 

“De minério raro estou no ramo...”
Disse eu somente pra me divertir,
Respondendo a um geólogo decano
Que hospedei aqui na estância e me fez rir.


“Como? Quê minério? Talvez ouro?”
Sim, meu amigo, o equivalente:
Garimpo meu sonetos como um mouro
Ou como se agradasse a toda gente.

Mas não troco por dinheiro como todos
Os que labutam na terra da ambição
Ou os que remexem escória e lodos.

No entanto ponho em risco a minha alma
Pois se de ouro não ornei a minha mão
Levei a vida a decifrar a minha palma...

Borderline (de Alma Welt)



 
 
Borderline (de Alma Welt)

Um forte lado meu teme a cadeia,
Como se a lei eu possa transgredir
E eu mesma desfizesse a minha teia
De coerência e aposta no porvir,

E por um mau passo irreversível
Eu bote o pé no crime e na vergonha,
Sem querer e bem abaixo do meu nível,
Já que em bom conceito ainda me ponha.

Sim, pois no fogo não podemos pôr a mão
Pelo nosso inconsciente, por princípio,
Que a sua volúpia é a traição...

E sou eu a “borderline” extrema
Na beira de um imenso precipício,
Mariposa e luz que enfim me queima...
 

If (de Alma Welt)




 
IF (de Alma Welt)

Se do amor não te sobrou nenhuma flor
E seus acordes já nem soam, de vazios;
Se a lembrança não guardou nem o rancor
No teus vagos sonhos falsos, erradios;


Se teu maestro caiu da platibanda
E fincou-se-lhe a batuta no umbigo;
Se o teu fiel cachorro te debanda
Ou passou-se para o lado do inimigo;

Se tua hora da verdade é só mentira
E te descobres nem corda nem caçamba,
A pensar como o mundo roda e gira...

Então, meu amigo, foste humano:
Colecionas fracassos pra caramba,
E já podes ir pra casa a todo pano...

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Soneto (de Alma Welt)

                                                  A Pensadora - desenho de Guilherme de Faria
 
 
O Soneto (de Alma Welt)
 
Eu hei de escrever certo soneto
Que fale do amor do mundo inteiro
E sirva pra mim como amuleto
Como ouro fosse a tinta do tinteiro.
 
Não sei se vou gestá-lo ou o mature
Capaz de erguer e acender igual farol
Como o do “infinito enquanto dure’’,
E que brilhe entre os pares como o sol.
 
Revelei tal ambição ao meu amigo
E a resposta e reação me surpreendeu
Qual se fosse leviano isso que digo...
 
“Então não vês, ó Alma, que o poema
É conseqüência de um amor que pereceu
Quando justo ser eterno era o seu lema?”

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Calmaria (Alma Welt)

Calmaria- óleo s/tela de Guilherme de Faria


Calmaria (Alma Welt)

Ancorei o meu barco em calmaria
Para revisar meus pensamentos
E saber onde, ao certo, me perdia
A enfrentar correntes e tormentos.

Fui percebendo que a sabedoria
Da vida é, sim, estar em plena calma,
E que a procela justamente acontecia
Quando estou fora dela, a minha alma...

E parei, aquietei-me em minha mente
E o mar como instantâneo emudeceu
E nem havia mais sereias, felizmente.

E então dei-me conta que a Poesia
Nasce do encontro de Cronos com Morfeu
E o sono que resulta em calmaria...

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Regato (de Alma Welt)


 
O Regato (de Alma Welt)

Adeus, amor meu, que imensa dor
É deixá-la a chorar a minha morte!
Assim dizia o regato para a flor
Enquanto deslizava para o norte.


E eu guria lia esta bobagem
A pensar que a poesia não tem dono,
Que eu também estava de passagem
Mas podia preencher meu abandono

E grafar como morro a cada dia
Numa forte saudade que é o meu tom
Ou que era como sempre me sentia...

Quanto os meus sofrerem tenho feito,
Que me querem, por certo, o bem e o bom,
E pensam que meu leito é tão estreito!
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Grande Árvore (de Alma Welt)



A Árvore Sagradada Alma - de Guilherme de Faria


Grande Árvore (de Alma Welt) 

Árvore, ó grande árvore sagrada!
Diante de ti abro os braços e saúdo
Como se voltasse à minha morada
Na terra em que quase aprendi tudo.


Precisei ver mais da vida e do mundo,
É certo, porém só pra me reafirmar
Neste meu enraizar doce e profundo
E minha fronde assumir e ostentar.

Para sempre ficarei diante de todos
A cantar meus versos como quero,
Eqüidistante das sendas e dos lodos.

Mas, vê, ciente estou desde guria
Que sacralizei a vida e nada espero
Senão a graça do amor e da poesia...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Confissão de Abismo (de Alma Welt)



 
 
Confissão de Abismo (de Alma Welt)

Eu carrego uma dor impertinente
Da qual nem acho adequado me queixar
Já que é tão secreta em nossa mente
E comum, talvez, a todos, se calhar...


Mas ela tira-me o gosto no final
Deixando esse travo de amargura
Que disfarço e quase esqueço no Natal
Conquanto essa dor não tenha cura.

É essa consciência de que morro
E que vejo em vão placas e signos,
Que para o abismo ando ou corro...

Ó vocês todos, meus amigos e irmãos,
Como fazem para serem tão mais dignos
A ponto do sorriso ao dar-se as mãos?

domingo, 18 de agosto de 2013

O Simples Coração (de Alma Welt)



Noite estrelada - Van  Gogh
 
 
O Simples Coração (de Alma Welt)

Que imenso mistério impenetrável
É do ser comum a simples vida,
Já que a daqueles mais notáveis
Pode ser ao dom da arte atribuída!
 
Vê como um virtuose violino
Nos carrega para além desse mistério
Pois fica claro o propósito divino
E relevamos nosso pó no cemitério...

É muito fácil ver na arte o próprio Deus,
No pintor que captou o som do trigo
E estrelas mil rodopiando pelos céus...

Mas ver o coração em estado puro
Naqueles que assim o têm consigo
É como já enxergar além do muro...

Meu retrato (de Alma Welt)


Perfil de Alma Welt - Litografia de Guilherme de Faria
 
Meu retrato (de Alma Welt)

Estarei sempre aqui, mas só pro bem.
Se tiveres más idéias, um mau plano,
Ou me vieres como certos homens vêm,
Passe antes por meu pai e pelo mano.

Poetisa não sou nada desfrutável
E evito até pôr o meu retrato.
Um pintor amigo é responsável
Pela minha imagem, nosso trato.

Ele diz que obra de arte requer arte,
E reitera, lisonjeiro, que sou uma,
Que não posso estar aí em qualquer parte.

Quando por ele me vejo retratada
Meu ego mais levanta e mais apruma:
Serei mesmo bela ou muito amada...

A Mariposa (de Alma Welt)


 
 
 
A Mariposa (de Alma Welt)

A gente só consegue ser a gente,
Não tem jeito, a vida é uma só.
Ou então será tudo diferente
Só depois da gente virar pó....


Tenho muita pena de morrer,
Coisa que parece bem macabra.
Daquelas que eu não podia ver
Sem murmurar "abracadabra".

Tudo o que eu sei de pouco serve.
E olhem que eu sei de muita coisa,
Inútil cada vez que o sangue ferve.

Só espero que no último segundo
Minha alma se torne mariposa,
Saia do casulo e ganhe o mundo...

sábado, 17 de agosto de 2013

Improviso (de Alma Welt)



desenho de Guilherme de Faria
 
 
Improviso (de Alma Welt)

Que grande improviso é nossa vida!
Não há ensaio, sequer “passar o som”;
A boa performance é exigida
Mas geralmente está fora do tom.

A marcação é falha, a luz destoa,
Não temos diretor no nosso show,
E o silêncio é o único que ecoa,
Quando o último acorde enfim soou.

Aplausos? É possível para alguns,
Nascidos para a glória e o sucesso
Ainda que só saibam soltar puns...

Por quê o digo? Meu falar é insuspeito
Porque amada fui até o excesso
E afirmo que a vida não tem jeito...

domingo, 11 de agosto de 2013

A Princesa (de Alma Welt)


Para mim passou o tempo das desculpas...

E nem pretendo mais justificar-me.
Então está tudo certo, não há culpas
E posso prosseguir em dar-me e dar-me...

Já morreram os primeiros cobradores,
Que, afinal, felizmente eram só dois.
Embora me causassem tantas dores
Tive minha recompensa bem depois.

Desde então vivo só para a Poesia
Que ainda é o melhor modo de viver
Quando não mais se quer monotonia.

Porém outros, que falta eles me fazem
(poeta, a princesa ainda quer pajem)
Pelos cuidados que eles me queriam ter...

sábado, 10 de agosto de 2013

Compromisso (de Alma Welt)

 
 
Compromisso (de Alma Welt)

De manhã meu único compromisso
É o pensar lúcido, certo e claro...

“Mas o que o mundo tem com isso?
Acaso serás gênio ou bicho raro?”

“Quem se importa com o que tens a dizer!”
Mas eu não perco a fé no meu talento
Já que é tudo o que nós podemos ter
Pois o resto é levado pelo vento...

Desperdiçarmos um dom que recebemos,
Isto é que é pecado ou apostasia
Já que é o próprio Deus que então vemos.

Ele mora em nossos dedos e na voz
Também no olhar para a Poesia
Como Universo na tal casca de noz...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Filosofia simples (Alma Welt)

 

Filosofia simples (Alma Welt)

Viver sempre sob a égide do amor,
A mesma da beleza e da concórdia
Que afasta todo o ódio e o rancor
Que fazem do mundo esta mixórdia...


Então vocês me exijam só beleza,
Que o Amor está nela contido
E é toda a luz da Natureza
Que mantém o Cosmo ainda unido.

Não venham pois dizer que o mundo é mau
Pois só aos tristes tal coisa diz respeito,
Que Amor vive no plano do Ideal...

Ele é da gravidade a atração
Que tende a juntar peito com peito
E é deste Universo a só razão...

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Meu Pampa (de Alma Welt)







                         O Pampa de Alma Welt - pintura de Guilherme de Faria 
 

Meu Pampa (de Alma Welt) 

Meu pampa se estende ao infinito
E fica azulado no horizonte
Como um mar ondulado a cuja fonte
Nossa coxilha deve um certo mito...

Mas uma grande árvore rosada
É meu farol e referência neste mar,
E aqui queria ter minha morada
Se não puder ter minhas cinzas pelo ar.

Mas quanta solidão, quanta tristeza
Dormita nesta terra ensolarada
Que é o fim do mundo, com certeza...

Aqui vivi e fiz do vento minha voz
E cantei como ele canta na ramada,
Como um rio que encontrou a sua foz...

O Corvo (de Alma Welt

A Colina dos Mortos - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
 
O Corvo (de Alma Welt)

Profundamente dormem os nossos mortos
Na colina sob lápides singelas,

E naves carentes de melhores portos
Pombas brancas esvoaçam sobre elas.

Ai! Sempre venho aqui qual peregrina,
Primeiro me postando ante a fronde
Que é a maior das sombras da colina
E que sei a que finado corresponde...

Mas uma sombra negra por sua vez,
Pequena mas talvez a mais sinistra
Por traz me olha, assim como me vês.

Eu sei que ao voltar-me para ela
Verei quem aqui zela e administra,
E a resposta das sombras não revela...

terça-feira, 23 de julho de 2013

Teseu (III) (de Alma Welt)

Ariadne em Naxos -  pintura de Evelyn de Morgan (1877).
 
 
Teseu (III) (de Alma Welt)

Se nada podemos contra o fado,
Seremos nós meros títeres dos deuses?
C
oisa impensável pelo enfado
Malgrado as perdas e os adeuses...

Navegadores a favor do vento
Ou remando contra ondas e correntes
Nada é só tarefa de um momento
Mas de toda a vida e suas sementes...

Entretanto o destino é como as velas
Que não foram trocadas no retorno
E horrorizam o velho rei ao vê-las...

E o fracasso é o saldo da aventura
De buscar do labirinto o seu contorno
Uma vez que pra má sorte não há cura...

terça-feira, 16 de julho de 2013

Quadro a Quadro (de Alma Welt)



Litografia de Guilherme de Faria


Quadro a Quadro (de Alma Welt)

Por certo tenho feito algum esforço
Pra da vida não ter medo ou horror,
Mas o que ela apresenta nunca torço
Para transformar frio em calor.


Aceitando o que vem a cada hora
Ou mesmo a minuto ou a segundo,
As surpresas que a vida elabora
E que são a maravilha deste mundo.

Só assim posso viver em plenitude
Deixando a vida mesma dirigir
Pois que dirigi-la eu nunca pude.

A partir de “story board” sem esquadro,
Somos, ainda que pensemos decidir,
Bonecos animados quadro a quadro...

O Salgueiro Florido da Alma (de Alma Welt)

O Salgueiro Florido da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
 
O Salgueiro Florido da Alma (de Alma Welt)

Ó meu salgueiro de ramas azuladas!
Quanto tenho eu chorado junto a ti,

Sob essas tuas ramagens derramadas
A me induzir um pranto que escondi.

Agora deitas flores, mais doídas
Pois que mal amenizam tua tristeza
Já que deixam tuas dores só floridas
Como as minhas próprias, com certeza...

E então me comovo à tua sombra
Pela beleza amarga destes prados
Sobre a relva macia como alfombra

E medito a solidão do meu destino
De flores espinhosas como os cardos
Neste sonoro silêncio, como um sino...

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Quem me procura (de Alma Welt

 



                                Alma na coxilha - tela de Guilherme de Faria 

Quem me procura (de Alma Welt)

Quem me procura aqui na estância
Me encontra na varanda ou no jardim,

Longe de toda pompa e circunstância,
Por meu lado procurando, eu por mim...

Não se espante ao me ver o visitante
Com olhar demais atento ou meio vago,
Buscando no horizonte qual na estante
O compêndio do inescrutável Mago

Que me faça entender a terra e o céu,
Já que se desvelou-me tão de pronto
Como de um mau roteiro o meu papel...

Báh, morrer assim tão cedo, louca sina
Nesta minha grande sede de confronto
Com a aventura de viver, que me fascina
!...

sábado, 29 de junho de 2013

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)



                             Thomas Cole, 1828- Expulsion from the Garden of Eden

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)

Que imensa charada é nossa vida!
Escravos no Jardim que já foi nosso,

Trabalhando sob o azul, estranha lida,
Punição que entender sequer eu posso...

Olhai bem a plenitude desta Terra
Que devia ser o nosso Paraíso!
Somos agora a criação que aberra
Esperando pelo Dia do Juízo.

Entrementes nos matamos por um nada
Como outrora por impérios e riquezas
As nações levantavam a sua armada.

Desde então mais mesquinhos nos tornamos
Quanto mais acumulamos incertezas
Pelo tanto que a nós mesmos procuramos...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

De onde vem (de Alma Welt)




O salgueiro da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
De onde vem (de Alma Welt)
 
Queres saber de onde me vem inspiração
Já que não crês nas musas e nos deuses?
Eis o meu campo sagrado em floração,
Esta coxilha que pra mim é como Elêusis.

Olha a minha macieira do pomar
Onde conheci da carne o amor
E em seguida expulsa fui só por me dar
Como se a inocência fosse horror.

Mas olha com atenção o meu vinhedo
Que rodeia este casarão vetusto
Onde sonho embora não livre de medo.

Nada falta, o cenário está perfeito,
Mas a poesia mesma tem um custo:
Uma dor qual fosse culpa no meu peito...


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)


                                                        Rockport artists in the 30s - 79

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)

Não tenho mais lugar pra ninharias
Pois a vida é breve e a morte certa,
E não só me refiro às honrarias
Que a mais fútil vaidade nos desperta

Mas também a essa louca agitação
Que nos faz debatermo-nos noite e dia
Nas garras ferozes da ambição
E de coisas que a alma nem queria.

Pois se teu coração é orgulhoso
Tua alma ainda persegue só a luz
Que é mistério final e mais gozoso.

Não renegues pois a terra e o mundo
Como não o faço, credo em cruz,
Malgrado o grande medo lá no fundo...

terça-feira, 25 de junho de 2013

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)



           
                                                        pintura de Tom Roberts

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)

Retornaremos sempre ao que amamos
Pois não temos outro porto de chegada.

Se não mais nos aprouver o que herdamos,
O barco em que vogamos leva ao nada.

A viagem é inútil só de ida,
Pois que essa é travessia solitária.
Se não tiveres raízes na partida
Então és mais pobre do que um pária.

“O quê, então, cara Alma, preconizas?”
(assim me perguntou um hospedeiro)
“Jamais deixar o lar e suas divisas?”

“Ir-se, sim”, digo eu, “contra a corrente,
Conferindo cada dia do roteiro
Com as águas perfeitas da nascente...”

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)




 
 
O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)

Eu quis sempre admirar-me de mim mesma,
Isso foi meu escopo ou minha meta.
Versos por mês: ao menos uma resma...
Talvez menos poetisa que pateta.
 
A quem? Por quê? Pra quê? Mas quem se importa?
O mundo, sempre o mundo, no meu nome,
Tudo a que a memória se reporta,
E que é pra onde vai a nossa fome...

Mas viemos das estrelas encantadas,
Para onde voltaremos certamente,
E vejam como elas são caladas!

O silêncio surdo das esferas,
Distante do rumor da tua mente
Que indaga, perscruta, e te exasperas...


_______________________________________________


The Silence of the Spheres (Alma Welt)

I always wanted to admire me of myself,
That was my scope or my goal.
Verses by month: at least a ream ...
Maybe less a poet than a goofy

Who? Why? For what? But who cares?
The world, the world always in my name,
Everything that the memory is referred,
And that is where it goes our hunger ...

But We came from the enchanted stars
Where we will return certainly
And look how they are silent!

The deaf silence of the spheres,
Far from the noise of your mind
That asks, peering, and you exasperates ...

terça-feira, 18 de junho de 2013

O Exílio (III) (de Alma Welt)


Queremos nos manter no esquecimento
De uma única certeza desta vida:

A chegada de um último momento
Que é nova expulsão e não guarida.

Pois já somos banidos, naufragados
Do seio maternal da escuridão
E fomos dar à Terra e seus costados
Como se à praia, afinal, da salvação.

Mas, que tragédia é a vida humana
Nesse seu debater em sacrifício
Num mar de ninharias e chicana!

E se o pensamento é mais agudo
Damos conta do horror e desperdício
De haver um Deus cego, surdo e mudo...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Corte (Alma Welt)

Deserto - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm
 

O Corte (Alma Welt)

O pensamento irá secando em nós?
Fatalmente tendemos ao deserto?
O fim nosso se revela logo após,
De nós com ou sem outro por perto?

No final está paga a nossa égua
Tenhamos ou não fechado a conta,
Passando ou não aquela régua
Sob o montante de alta monta.

Mandarás o garoto ao mercadinho
Pagar o leite o pão que ainda deves
Pra morreres em paz, eu adivinho...

Mas se eu já for digna da morte
Nem por isso restarei, talvez, mais leve
Pois tudo é ruptura, fio e corte...


________________________

domingo, 9 de junho de 2013

Felicidade (de Alma Welt)



 
 
Felicidade (de Alma Welt) 

Do desejo és universal consenso,
Conquanto sejas de difícil precisão
Com esse teu catálogo imenso
Das tentativas de melhor definição.

Mas o que és, senão vago bem estar
Uma modorra depois de um bom repasto
Com as abelhas a zumbir e a revoar
Ao meu redor neste tão florido pasto?

Felicidade então és pertencer,
Se sentir, como se diz, “pinto no lixo”
Entregue ao mais puro estar e ser.

E dançar sob este céu de claro azul
Ou sob o mais brilhante crucifixo
No véu negro cravejado, do meu Sul...

sábado, 8 de junho de 2013

Gente de Circo (de Alma Welt)



                           Gente de Circo- fase baconiana de Guilherme de Faria, o s/t 1991, 90x70cm, 
 

Gente de Circo (de Alma Welt)


Sempre me fez chorar gente de circo...
A vida com seu número mesclada
Em que já não distinguimos mais o rico
De sua imensa miséria disfarçada.

O ser em poesia conservado
Como exemplar em vidro e álcool,
Afinal, sentido triste e ultimado
Do ser no picadeiro que é seu palco.

Mas os anões, isso é atroz e me derrota.
E já não posso assistir ou deles rir
Que uma espécie de culpa me sabota.

E vejo que eles são nosso reflexo
Com tudo que do espelho possa vir
De volta ao coração nosso, perplexo...



domingo, 2 de junho de 2013

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)




                                   Adão e Eva - gravura de William Blake

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)

Pra tudo tinham Adão e Eva uma só dose,
Coisa muito pouco vista em nossos dias,
Que nem se preza mais tal simbiose,
Preferimos caminhar em duas vias...

Se a própria tentação foi feita ao par
Então não venham culpar a pobre Eva
Que era ingênua demais pra recusar
O duplo fruto da maldição primeva...

Mas o mais imperdoável de repente
Foi ter sido separado um tal casal
E essa intriga ter chegado até à gente.

Fruto da Injustiça, eis a História:
Procuramos nosso par universal
Como descoberta e não memória...
 

A Mensageira (de Alma Welt)


A Mensageira (de Alma Welt) 

Tantas vezes quis gritar, quis me exceder
E garanto, não de dor ou desespero,

Mas do mais puro entusiasmo de viver,
Um dom que é essência e não tempero.

Mas devo confessar: é doloroso
Ser sensível à beleza deste mundo
Alternando sempre a dor e o gozo
E ainda procurando ir mais fundo.

Só por isso sou artista, mensageira
Não dos deuses, mas intérprete dos homens
No seu momento sério ou brincadeira

Pois se na vida descartamos o humor
Temos o lobo, só, nos lobisomens,
Ou um palhaço triste em cada ator...