sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Tela em branco com moldura (de Alma Welt)

Viver, como pintar, é uma aventura
Porque a gente nunca sabe o que vai dar.
Temos uma tela em branco com a moldura
Que é a nossa origem, nosso lar.

Com primeiras pinceladas manchas faço
Para ver se algo ali se configura
Com a energia de um Picasso
E buscando a esmo a forma pura...

Mas logo minha imagem se embadurna *
Em desastrada e vã baconiana
E a esquadria passa a ser a urna

De minha tentativa quase insana
De escapar dos limites da moldura
Dourada, pronta, estática e segura...

.
07/10/2016

Nota
*... imagem se "embadurna" - palavra técnica em espanhol, usada pelo pintor Francis Bacon numa entrevista, designa um estado de embaçamento de pintura suja, irreversível, que quando ocorria em sua pintura gestual em processo, o fazia desistir e destruir a tela imediatamente, jogando-a fora e começando logo outra.

Esse soneto da Alma tem uma nítida conotação alegórico-psicanalítica, ao se referir à nossa "moldura" familiar, rígida, dourada, que herdamos e que nos aprisiona no nosso processo de construir uma auto-imagem própria, que extrapole aquelas formas rígidas que já existem quando ainda somos uma tela em branco...

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