segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Alegoria (de Alma Welt)

 
Alegoria (Alma Welt, o passado, o presente e o futuro)
 óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013, 100x150cm 
 
Alegoria (de Alma Welt)

Uma tarde em traje branco eu seguia
Numa estrada de onde avisto o mar

Levando pela mão uma guria
Que apontava um navio a se afastar.

Mas, me recordo, eu olhava ali ao lado
Um barquinho encalhado na barranca
Com ervas a cobri-lo, abandonado,
Em frente à casinha azul e branca...

Mas agora me dou conta simplesmente
Que esta alegoria em estado puro
Ocorria toda ela em minha mente:

Era eu mesma me levando pela mão,
Meu passado apontando o meu futuro,
Quando estarei em minha barca, mas no chão.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Testamento da Alma (de Alma Welt)



                  Martin Johson Heade - Cattleya Orchid and Three Brasilian Hummingbirds


 
 
Testamento da Alma (de Alma Welt)

Escolhi ser como pólen em pradaria
Pois seremos todos um e não mais dois.
Mas me verão dançar na ventania
Aqueles que vierem bem depois...

Disseminar-me por aí e pelo mundo
E ir muito além do meu condado,
Num perímetro maior e mais fecundo
Do que em vida me reservou o fado.

Alma fui do mundo ao ser poeta,
Então não me neguem esse direito
De estar em cada olhar que se desperta.

Fui tudo e todos, não tive só a mim.
Então tantos se viram do seu jeito
E me amaram muito mais por ser assim...


O Reencontro (de Alma Welt)


                                                        Les Amants - de Marc Chagall

O Reencontro (de Alma Welt)

Estaremos os dois juntos lá no fim...
Lá onde a ventania enfim descansa,
E o silêncio, a melhor parte de mim,
Pedirá o teu silêncio em contradança.

Não mais cobraremos as promessas
Nem as juras que fizéramos, amantes,
Mas perceberei quando começas
A marejar teus olhos como antes...

Seremos tão românticos de novo
Que me dará um pouco de vergonha
Lembrando da miséria do meu povo...

E voltando ainda mais, guria enfim,
Acreditando novamente na cegonha
Deixarei que descanses sobre mim...
 

domingo, 22 de setembro de 2013

Dos Mistérios (de Alma Welt)


 
 
Dos Mistérios (de Alma Welt)

Há tanto mistério em nossa vida:
A saúde, a sorte e o destino;
A razão de ser preciso tanta lida
Pra se fazer a corda, a torre e o sino...


Ou pra se ter razão para viver
No caso de uma mente complicada
Que questionará "ser ou não ser"
E por isso ficará meio atolada...

E o mal, maior de todos os mistérios?
Incompreensível sem a face de Satã,
Que sem ela fazem falta outros critérios...

E o bem, que sendo tão divino e claro
Que associado à luz e à manhã
Não duvidamos mais... e nele eu paro.

Das Riquezas (de Alma Welt)



Alma Welt reclinada - desenho de Guilherme de Faria
 
 
Das Riquezas (de Alma Welt)

Sejam os nossos desejos sempre nobres
Antes que realizados simplesmente.
Riquezas materiais, pois, não me cobres,
Que conheço só as pérolas da mente...

E o ouro, meus cabelos nos espelhos,
Como alhures o ébano de algum;
Rubis só a cor dos meus pentelhos,
Pelos fulvos evocando a cor do rum.

A turquesa que por certo me desejas
Seja o azul dos olhos do meu povo
A quem eu beberei umas cervejas...

Mas no final levantarei taça de prata
Que é meu ânimo sutil e sempre novo,
Como a tantas riquezas sempre grata...
 

A Garimpeira (de Alma Welt)


 
 
A Garimpeira (de Alma Welt) 

“De minério raro estou no ramo...”
Disse eu somente pra me divertir,
Respondendo a um geólogo decano
Que hospedei aqui na estância e me fez rir.


“Como? Quê minério? Talvez ouro?”
Sim, meu amigo, o equivalente:
Garimpo meu sonetos como um mouro
Ou como se agradasse a toda gente.

Mas não troco por dinheiro como todos
Os que labutam na terra da ambição
Ou os que remexem escória e lodos.

No entanto ponho em risco a minha alma
Pois se de ouro não ornei a minha mão
Levei a vida a decifrar a minha palma...

Borderline (de Alma Welt)



 
 
Borderline (de Alma Welt)

Um forte lado meu teme a cadeia,
Como se a lei eu possa transgredir
E eu mesma desfizesse a minha teia
De coerência e aposta no porvir,

E por um mau passo irreversível
Eu bote o pé no crime e na vergonha,
Sem querer e bem abaixo do meu nível,
Já que em bom conceito ainda me ponha.

Sim, pois no fogo não podemos pôr a mão
Pelo nosso inconsciente, por princípio,
Que a sua volúpia é a traição...

E sou eu a “borderline” extrema
Na beira de um imenso precipício,
Mariposa e luz que enfim me queima...
 

If (de Alma Welt)




 
IF (de Alma Welt)

Se do amor não te sobrou nenhuma flor
E seus acordes já nem soam, de vazios;
Se a lembrança não guardou nem o rancor
No teus vagos sonhos falsos, erradios;


Se teu maestro caiu da platibanda
E fincou-se-lhe a batuta no umbigo;
Se o teu fiel cachorro te debanda
Ou passou-se para o lado do inimigo;

Se tua hora da verdade é só mentira
E te descobres nem corda nem caçamba,
A pensar como o mundo roda e gira...

Então, meu amigo, foste humano:
Colecionas fracassos pra caramba,
E já podes ir pra casa a todo pano...

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Soneto (de Alma Welt)

                                                  A Pensadora - desenho de Guilherme de Faria
 
 
O Soneto (de Alma Welt)
 
Eu hei de escrever certo soneto
Que fale do amor do mundo inteiro
E sirva pra mim como amuleto
Como ouro fosse a tinta do tinteiro.
 
Não sei se vou gestá-lo ou o mature
Capaz de erguer e acender igual farol
Como o do “infinito enquanto dure’’,
E que brilhe entre os pares como o sol.
 
Revelei tal ambição ao meu amigo
E a resposta e reação me surpreendeu
Qual se fosse leviano isso que digo...
 
“Então não vês, ó Alma, que o poema
É conseqüência de um amor que pereceu
Quando justo ser eterno era o seu lema?”

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Calmaria (Alma Welt)

Calmaria- óleo s/tela de Guilherme de Faria


Calmaria (Alma Welt)

Ancorei o meu barco em calmaria
Para revisar meus pensamentos
E saber onde, ao certo, me perdia
A enfrentar correntes e tormentos.

Fui percebendo que a sabedoria
Da vida é, sim, estar em plena calma,
E que a procela justamente acontecia
Quando estou fora dela, a minha alma...

E parei, aquietei-me em minha mente
E o mar como instantâneo emudeceu
E nem havia mais sereias, felizmente.

E então dei-me conta que a Poesia
Nasce do encontro de Cronos com Morfeu
E o sono que resulta em calmaria...

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Regato (de Alma Welt)


 
O Regato (de Alma Welt)

Adeus, amor meu, que imensa dor
É deixá-la a chorar a minha morte!
Assim dizia o regato para a flor
Enquanto deslizava para o norte.


E eu guria lia esta bobagem
A pensar que a poesia não tem dono,
Que eu também estava de passagem
Mas podia preencher meu abandono

E grafar como morro a cada dia
Numa forte saudade que é o meu tom
Ou que era como sempre me sentia...

Quanto os meus sofrerem tenho feito,
Que me querem, por certo, o bem e o bom,
E pensam que meu leito é tão estreito!
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Grande Árvore (de Alma Welt)



A Árvore Sagradada Alma - de Guilherme de Faria


Grande Árvore (de Alma Welt) 

Árvore, ó grande árvore sagrada!
Diante de ti abro os braços e saúdo
Como se voltasse à minha morada
Na terra em que quase aprendi tudo.


Precisei ver mais da vida e do mundo,
É certo, porém só pra me reafirmar
Neste meu enraizar doce e profundo
E minha fronde assumir e ostentar.

Para sempre ficarei diante de todos
A cantar meus versos como quero,
Eqüidistante das sendas e dos lodos.

Mas, vê, ciente estou desde guria
Que sacralizei a vida e nada espero
Senão a graça do amor e da poesia...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Confissão de Abismo (de Alma Welt)



 
 
Confissão de Abismo (de Alma Welt)

Eu carrego uma dor impertinente
Da qual nem acho adequado me queixar
Já que é tão secreta em nossa mente
E comum, talvez, a todos, se calhar...


Mas ela tira-me o gosto no final
Deixando esse travo de amargura
Que disfarço e quase esqueço no Natal
Conquanto essa dor não tenha cura.

É essa consciência de que morro
E que vejo em vão placas e signos,
Que para o abismo ando ou corro...

Ó vocês todos, meus amigos e irmãos,
Como fazem para serem tão mais dignos
A ponto do sorriso ao dar-se as mãos?

domingo, 18 de agosto de 2013

O Simples Coração (de Alma Welt)



Noite estrelada - Van  Gogh
 
 
O Simples Coração (de Alma Welt)

Que imenso mistério impenetrável
É do ser comum a simples vida,
Já que a daqueles mais notáveis
Pode ser ao dom da arte atribuída!
 
Vê como um virtuose violino
Nos carrega para além desse mistério
Pois fica claro o propósito divino
E relevamos nosso pó no cemitério...

É muito fácil ver na arte o próprio Deus,
No pintor que captou o som do trigo
E estrelas mil rodopiando pelos céus...

Mas ver o coração em estado puro
Naqueles que assim o têm consigo
É como já enxergar além do muro...

Meu retrato (de Alma Welt)


Perfil de Alma Welt - Litografia de Guilherme de Faria
 
Meu retrato (de Alma Welt)

Estarei sempre aqui, mas só pro bem.
Se tiveres más idéias, um mau plano,
Ou me vieres como certos homens vêm,
Passe antes por meu pai e pelo mano.

Poetisa não sou nada desfrutável
E evito até pôr o meu retrato.
Um pintor amigo é responsável
Pela minha imagem, nosso trato.

Ele diz que obra de arte requer arte,
E reitera, lisonjeiro, que sou uma,
Que não posso estar aí em qualquer parte.

Quando por ele me vejo retratada
Meu ego mais levanta e mais apruma:
Serei mesmo bela ou muito amada...

A Mariposa (de Alma Welt)


 
 
 
A Mariposa (de Alma Welt)

A gente só consegue ser a gente,
Não tem jeito, a vida é uma só.
Ou então será tudo diferente
Só depois da gente virar pó....


Tenho muita pena de morrer,
Coisa que parece bem macabra.
Daquelas que eu não podia ver
Sem murmurar "abracadabra".

Tudo o que eu sei de pouco serve.
E olhem que eu sei de muita coisa,
Inútil cada vez que o sangue ferve.

Só espero que no último segundo
Minha alma se torne mariposa,
Saia do casulo e ganhe o mundo...

sábado, 17 de agosto de 2013

Improviso (de Alma Welt)



desenho de Guilherme de Faria
 
 
Improviso (de Alma Welt)

Que grande improviso é nossa vida!
Não há ensaio, sequer “passar o som”;
A boa performance é exigida
Mas geralmente está fora do tom.

A marcação é falha, a luz destoa,
Não temos diretor no nosso show,
E o silêncio é o único que ecoa,
Quando o último acorde enfim soou.

Aplausos? É possível para alguns,
Nascidos para a glória e o sucesso
Ainda que só saibam soltar puns...

Por quê o digo? Meu falar é insuspeito
Porque amada fui até o excesso
E afirmo que a vida não tem jeito...

domingo, 11 de agosto de 2013

A Princesa (de Alma Welt)


Para mim passou o tempo das desculpas...

E nem pretendo mais justificar-me.
Então está tudo certo, não há culpas
E posso prosseguir em dar-me e dar-me...

Já morreram os primeiros cobradores,
Que, afinal, felizmente eram só dois.
Embora me causassem tantas dores
Tive minha recompensa bem depois.

Desde então vivo só para a Poesia
Que ainda é o melhor modo de viver
Quando não mais se quer monotonia.

Porém outros, que falta eles me fazem
(poeta, a princesa ainda quer pajem)
Pelos cuidados que eles me queriam ter...

sábado, 10 de agosto de 2013

Compromisso (de Alma Welt)

 
 
Compromisso (de Alma Welt)

De manhã meu único compromisso
É o pensar lúcido, certo e claro...

“Mas o que o mundo tem com isso?
Acaso serás gênio ou bicho raro?”

“Quem se importa com o que tens a dizer!”
Mas eu não perco a fé no meu talento
Já que é tudo o que nós podemos ter
Pois o resto é levado pelo vento...

Desperdiçarmos um dom que recebemos,
Isto é que é pecado ou apostasia
Já que é o próprio Deus que então vemos.

Ele mora em nossos dedos e na voz
Também no olhar para a Poesia
Como Universo na tal casca de noz...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Filosofia simples (Alma Welt)

 

Filosofia simples (Alma Welt)

Viver sempre sob a égide do amor,
A mesma da beleza e da concórdia
Que afasta todo o ódio e o rancor
Que fazem do mundo esta mixórdia...


Então vocês me exijam só beleza,
Que o Amor está nela contido
E é toda a luz da Natureza
Que mantém o Cosmo ainda unido.

Não venham pois dizer que o mundo é mau
Pois só aos tristes tal coisa diz respeito,
Que Amor vive no plano do Ideal...

Ele é da gravidade a atração
Que tende a juntar peito com peito
E é deste Universo a só razão...

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Meu Pampa (de Alma Welt)







                         O Pampa de Alma Welt - pintura de Guilherme de Faria 
 

Meu Pampa (de Alma Welt) 

Meu pampa se estende ao infinito
E fica azulado no horizonte
Como um mar ondulado a cuja fonte
Nossa coxilha deve um certo mito...

Mas uma grande árvore rosada
É meu farol e referência neste mar,
E aqui queria ter minha morada
Se não puder ter minhas cinzas pelo ar.

Mas quanta solidão, quanta tristeza
Dormita nesta terra ensolarada
Que é o fim do mundo, com certeza...

Aqui vivi e fiz do vento minha voz
E cantei como ele canta na ramada,
Como um rio que encontrou a sua foz...

O Corvo (de Alma Welt

A Colina dos Mortos - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
 
O Corvo (de Alma Welt)

Profundamente dormem os nossos mortos
Na colina sob lápides singelas,

E naves carentes de melhores portos
Pombas brancas esvoaçam sobre elas.

Ai! Sempre venho aqui qual peregrina,
Primeiro me postando ante a fronde
Que é a maior das sombras da colina
E que sei a que finado corresponde...

Mas uma sombra negra por sua vez,
Pequena mas talvez a mais sinistra
Por traz me olha, assim como me vês.

Eu sei que ao voltar-me para ela
Verei quem aqui zela e administra,
E a resposta das sombras não revela...

terça-feira, 23 de julho de 2013

Teseu (III) (de Alma Welt)

Ariadne em Naxos -  pintura de Evelyn de Morgan (1877).
 
 
Teseu (III) (de Alma Welt)

Se nada podemos contra o fado,
Seremos nós meros títeres dos deuses?
C
oisa impensável pelo enfado
Malgrado as perdas e os adeuses...

Navegadores a favor do vento
Ou remando contra ondas e correntes
Nada é só tarefa de um momento
Mas de toda a vida e suas sementes...

Entretanto o destino é como as velas
Que não foram trocadas no retorno
E horrorizam o velho rei ao vê-las...

E o fracasso é o saldo da aventura
De buscar do labirinto o seu contorno
Uma vez que pra má sorte não há cura...

terça-feira, 16 de julho de 2013

Quadro a Quadro (de Alma Welt)



Litografia de Guilherme de Faria


Quadro a Quadro (de Alma Welt)

Por certo tenho feito algum esforço
Pra da vida não ter medo ou horror,
Mas o que ela apresenta nunca torço
Para transformar frio em calor.


Aceitando o que vem a cada hora
Ou mesmo a minuto ou a segundo,
As surpresas que a vida elabora
E que são a maravilha deste mundo.

Só assim posso viver em plenitude
Deixando a vida mesma dirigir
Pois que dirigi-la eu nunca pude.

A partir de “story board” sem esquadro,
Somos, ainda que pensemos decidir,
Bonecos animados quadro a quadro...

O Salgueiro Florido da Alma (de Alma Welt)

O Salgueiro Florido da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
 
O Salgueiro Florido da Alma (de Alma Welt)

Ó meu salgueiro de ramas azuladas!
Quanto tenho eu chorado junto a ti,

Sob essas tuas ramagens derramadas
A me induzir um pranto que escondi.

Agora deitas flores, mais doídas
Pois que mal amenizam tua tristeza
Já que deixam tuas dores só floridas
Como as minhas próprias, com certeza...

E então me comovo à tua sombra
Pela beleza amarga destes prados
Sobre a relva macia como alfombra

E medito a solidão do meu destino
De flores espinhosas como os cardos
Neste sonoro silêncio, como um sino...

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Quem me procura (de Alma Welt

 



                                Alma na coxilha - tela de Guilherme de Faria 

Quem me procura (de Alma Welt)

Quem me procura aqui na estância
Me encontra na varanda ou no jardim,

Longe de toda pompa e circunstância,
Por meu lado procurando, eu por mim...

Não se espante ao me ver o visitante
Com olhar demais atento ou meio vago,
Buscando no horizonte qual na estante
O compêndio do inescrutável Mago

Que me faça entender a terra e o céu,
Já que se desvelou-me tão de pronto
Como de um mau roteiro o meu papel...

Báh, morrer assim tão cedo, louca sina
Nesta minha grande sede de confronto
Com a aventura de viver, que me fascina
!...

sábado, 29 de junho de 2013

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)



                             Thomas Cole, 1828- Expulsion from the Garden of Eden

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)

Que imensa charada é nossa vida!
Escravos no Jardim que já foi nosso,

Trabalhando sob o azul, estranha lida,
Punição que entender sequer eu posso...

Olhai bem a plenitude desta Terra
Que devia ser o nosso Paraíso!
Somos agora a criação que aberra
Esperando pelo Dia do Juízo.

Entrementes nos matamos por um nada
Como outrora por impérios e riquezas
As nações levantavam a sua armada.

Desde então mais mesquinhos nos tornamos
Quanto mais acumulamos incertezas
Pelo tanto que a nós mesmos procuramos...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

De onde vem (de Alma Welt)




O salgueiro da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
De onde vem (de Alma Welt)
 
Queres saber de onde me vem inspiração
Já que não crês nas musas e nos deuses?
Eis o meu campo sagrado em floração,
Esta coxilha que pra mim é como Elêusis.

Olha a minha macieira do pomar
Onde conheci da carne o amor
E em seguida expulsa fui só por me dar
Como se a inocência fosse horror.

Mas olha com atenção o meu vinhedo
Que rodeia este casarão vetusto
Onde sonho embora não livre de medo.

Nada falta, o cenário está perfeito,
Mas a poesia mesma tem um custo:
Uma dor qual fosse culpa no meu peito...


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)


                                                        Rockport artists in the 30s - 79

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)

Não tenho mais lugar pra ninharias
Pois a vida é breve e a morte certa,
E não só me refiro às honrarias
Que a mais fútil vaidade nos desperta

Mas também a essa louca agitação
Que nos faz debatermo-nos noite e dia
Nas garras ferozes da ambição
E de coisas que a alma nem queria.

Pois se teu coração é orgulhoso
Tua alma ainda persegue só a luz
Que é mistério final e mais gozoso.

Não renegues pois a terra e o mundo
Como não o faço, credo em cruz,
Malgrado o grande medo lá no fundo...

terça-feira, 25 de junho de 2013

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)



           
                                                        pintura de Tom Roberts

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)

Retornaremos sempre ao que amamos
Pois não temos outro porto de chegada.

Se não mais nos aprouver o que herdamos,
O barco em que vogamos leva ao nada.

A viagem é inútil só de ida,
Pois que essa é travessia solitária.
Se não tiveres raízes na partida
Então és mais pobre do que um pária.

“O quê, então, cara Alma, preconizas?”
(assim me perguntou um hospedeiro)
“Jamais deixar o lar e suas divisas?”

“Ir-se, sim”, digo eu, “contra a corrente,
Conferindo cada dia do roteiro
Com as águas perfeitas da nascente...”

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)




 
 
O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)

Eu quis sempre admirar-me de mim mesma,
Isso foi meu escopo ou minha meta.
Versos por mês: ao menos uma resma...
Talvez menos poetisa que pateta.
 
A quem? Por quê? Pra quê? Mas quem se importa?
O mundo, sempre o mundo, no meu nome,
Tudo a que a memória se reporta,
E que é pra onde vai a nossa fome...

Mas viemos das estrelas encantadas,
Para onde voltaremos certamente,
E vejam como elas são caladas!

O silêncio surdo das esferas,
Distante do rumor da tua mente
Que indaga, perscruta, e te exasperas...


_______________________________________________


The Silence of the Spheres (Alma Welt)

I always wanted to admire me of myself,
That was my scope or my goal.
Verses by month: at least a ream ...
Maybe less a poet than a goofy

Who? Why? For what? But who cares?
The world, the world always in my name,
Everything that the memory is referred,
And that is where it goes our hunger ...

But We came from the enchanted stars
Where we will return certainly
And look how they are silent!

The deaf silence of the spheres,
Far from the noise of your mind
That asks, peering, and you exasperates ...

terça-feira, 18 de junho de 2013

O Exílio (III) (de Alma Welt)


Queremos nos manter no esquecimento
De uma única certeza desta vida:

A chegada de um último momento
Que é nova expulsão e não guarida.

Pois já somos banidos, naufragados
Do seio maternal da escuridão
E fomos dar à Terra e seus costados
Como se à praia, afinal, da salvação.

Mas, que tragédia é a vida humana
Nesse seu debater em sacrifício
Num mar de ninharias e chicana!

E se o pensamento é mais agudo
Damos conta do horror e desperdício
De haver um Deus cego, surdo e mudo...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Corte (Alma Welt)

Deserto - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm
 

O Corte (Alma Welt)

O pensamento irá secando em nós?
Fatalmente tendemos ao deserto?
O fim nosso se revela logo após,
De nós com ou sem outro por perto?

No final está paga a nossa égua
Tenhamos ou não fechado a conta,
Passando ou não aquela régua
Sob o montante de alta monta.

Mandarás o garoto ao mercadinho
Pagar o leite o pão que ainda deves
Pra morreres em paz, eu adivinho...

Mas se eu já for digna da morte
Nem por isso restarei, talvez, mais leve
Pois tudo é ruptura, fio e corte...


________________________

domingo, 9 de junho de 2013

Felicidade (de Alma Welt)



 
 
Felicidade (de Alma Welt) 

Do desejo és universal consenso,
Conquanto sejas de difícil precisão
Com esse teu catálogo imenso
Das tentativas de melhor definição.

Mas o que és, senão vago bem estar
Uma modorra depois de um bom repasto
Com as abelhas a zumbir e a revoar
Ao meu redor neste tão florido pasto?

Felicidade então és pertencer,
Se sentir, como se diz, “pinto no lixo”
Entregue ao mais puro estar e ser.

E dançar sob este céu de claro azul
Ou sob o mais brilhante crucifixo
No véu negro cravejado, do meu Sul...

sábado, 8 de junho de 2013

Gente de Circo (de Alma Welt)



                           Gente de Circo- fase baconiana de Guilherme de Faria, o s/t 1991, 90x70cm, 
 

Gente de Circo (de Alma Welt)


Sempre me fez chorar gente de circo...
A vida com seu número mesclada
Em que já não distinguimos mais o rico
De sua imensa miséria disfarçada.

O ser em poesia conservado
Como exemplar em vidro e álcool,
Afinal, sentido triste e ultimado
Do ser no picadeiro que é seu palco.

Mas os anões, isso é atroz e me derrota.
E já não posso assistir ou deles rir
Que uma espécie de culpa me sabota.

E vejo que eles são nosso reflexo
Com tudo que do espelho possa vir
De volta ao coração nosso, perplexo...



domingo, 2 de junho de 2013

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)




                                   Adão e Eva - gravura de William Blake

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)

Pra tudo tinham Adão e Eva uma só dose,
Coisa muito pouco vista em nossos dias,
Que nem se preza mais tal simbiose,
Preferimos caminhar em duas vias...

Se a própria tentação foi feita ao par
Então não venham culpar a pobre Eva
Que era ingênua demais pra recusar
O duplo fruto da maldição primeva...

Mas o mais imperdoável de repente
Foi ter sido separado um tal casal
E essa intriga ter chegado até à gente.

Fruto da Injustiça, eis a História:
Procuramos nosso par universal
Como descoberta e não memória...
 

A Mensageira (de Alma Welt)


A Mensageira (de Alma Welt) 

Tantas vezes quis gritar, quis me exceder
E garanto, não de dor ou desespero,

Mas do mais puro entusiasmo de viver,
Um dom que é essência e não tempero.

Mas devo confessar: é doloroso
Ser sensível à beleza deste mundo
Alternando sempre a dor e o gozo
E ainda procurando ir mais fundo.

Só por isso sou artista, mensageira
Não dos deuses, mas intérprete dos homens
No seu momento sério ou brincadeira

Pois se na vida descartamos o humor
Temos o lobo, só, nos lobisomens,
Ou um palhaço triste em cada ator...
 

 

 

 




terça-feira, 28 de maio de 2013

No quarto (de Alma Welt)

No Quarto- Desenho de Guilherme de Faria, no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo
 
 
No quarto (de Alma Welt) 

No meu quarto sou senhora, sou rainha
Reinando sobre coisas camufladas
Que pouco têm a haver com a minha vinha
E tudo com outras almas tão amadas...

Um tecido, uma cadeira, fita ou laço
Uma poltrona ou um retalho de cetim,
Podem dos mortos conter o melhor traço
Tanto quanto este soneto tem de mim.

E eu vago deslizando minha mão
Pela pele hipersensível disso tudo
Tateando o que de mim devolverão

Pois neste território insuspeitado
De colóquio sutil sereno e mudo
Meu próprio coração está plasmado.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A Última Ceia (de Alma Welt)


                                                        A Última Ceia - de Stanley Spencer 

A Última Ceia (de Alma Welt)

Também quero minha derradeira ceia
Entre amigos fiéis e não aflitos;
No centro da mesa uma candeia,
Sem sobressaltos, sem discussões e gritos.

Em paz, suavemente, em comunhão,
Com gargalhadas sóbrias, no limite,
Uma piada ou outra se permite,
Mas que não haja tumulto e confusão.

Sobriedade, se possível, se haja vinho.
Pois farei o balanço do caminho
Evitando o drama e o patético...

Mas eu, ao imaginar que tal congresso
Triste seria até para o mais cético,
Me emociono, desisto, e me despeço...
 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A Equilibrista (de Alma Welt)


 
A Equilibrista (de Alma Welt)

Tenho tido estranho sonho recorrente
Mal pouso a cabeça sobre as fronhas
Pois do meu mundo é muito diferente
Andar na corda bamba entre montanhas.

Então de que assim vivo me dou conta
Mesmo no simples vagar pela coxilha
Que pela planura me põe tonta
Se antes não escolho alguma trilha...

Os pólos são Nascimento e Morte
E na trilha um monocórdio realejo
Mantém meu passo firme para o norte.

Então vejo que a vida é que é assim:
Vagando entre essas torres que me vejo,
E que são certezas únicas de mim...
 

domingo, 19 de maio de 2013

Bem gostaria (de Alma Welt)


 
 
 
 
 
 
 
  


O Pranto de Alma Welt - óleo s/ tela de Guilherme de Faria. 2006, 80x100cm 
Bem gostaria (de Alma Welt)
 
Bem gostaria eu de amar cantando
Como esses cantos de amor nos fazem crer,
Tanta candura romântica ostentando
Sem questionar jamais o Nada e o Ser...

Entregar-me assim ao outro por paixão
Como se fora uma donzela de outra era,
E chorar se fosse o caso e ir ao chão
Por ter acreditado em tal quimera...

Que digo? Já o faço em verso e prosa!
Não deixem, meus leitores, que lhes minta,
Nunca fui uma modelo que a si posa,

Mas talvez seja uma alma desbordada
Cuja dor demasiada se requinta
Em ser bem mais o amor do que a amada...
 

Reflexões da Alma (de Alma Welt)


                                                          foto de Alla Alborova

Reflexões da Alma (de Alma Welt)

Desamparados nós, por certo, todos somos
Diante da nossa sina sobre a Terra
Ao sabor do acaso ou sorte que dispomos
Quem de nós, tolos, na vida nunca erra?

Somos peregrinos, não no espaço
Mas nesse tempo de nós mesmos,
Nessa dura jornada pelo escasso
Com os parcos recursos que nós temos...
 
Existem, sim, os abonados reis e lordes
Mas nem sequer poderás tê-los em conta
A não ser no teu sonhar antes que acordes.

E se és rico de idéias e de sonhos
Nesse caso a tua alma já está pronta,
Podes distribuí-la aos mais tristonhos...
 

Odisséia (III) (de Alma Welt)

O remador - James Ensor
 
 
Odisséia (III) (de Alma Welt)

A vida é uma saga misteriosa
Com certos lances gratuitos incluídos
Muitas vezes tão dramáticos em prosa,
Em versos talvez mais divertidos...

Para estar à altura de nós mesmos
Como os seres poéticos que somos
É melhor arriar vela e ir a remos
Nos barcos precários que dispomos.

Mas é melhor remar sempre de costas
Para olhar só pra de onde nós viemos
E deixar sempre aos outros as apostas.

E se naufragarmos com as sereias
(que ouvidos a elas sempre demos),
Que o canto delas corra em nossas veias...

sábado, 18 de maio de 2013

Alma náufraga (de Alma Welt)

 

 Alma náufraga (de Alma Welt)

Quem sou eu? Sou marinheira de derrotas
À deriva em neblina de amplidão,
Tendo comido a sola das minhas botas

E os cadarços como fino macarrão.


Quem sou? Sou mesma a flor dos naufragados
Que escolheram a praia de si mesmos,
Onde perplexa fui dar com os costados,

Onde os porcos cozinham seus torresmos.


Princesa me erigi dos derrotados,
Aqueles que se voltam para os versos
Qual fosse a pátria-mãe dos exilados.


E se deliro um pouco ainda agora,
É que viva conheci dois universos:

Dentro e fora da caixa de Pandora...


_______________________________


Notas

* Tendo comido a sola das minhas botas / e os cadarços como fino macarrão - evocação da famosa cena de A Corrida do Ouro, de Charles Chaplin, em que Carlitos faminto numa cabana no inverno do Alaska, cozinha e devora com requintes hilariantes a sua botina... 


 * onde os porcos cozinham seus torresmos - Este aparentemente estranho verso, na verdade alude à cenas do  magnífico livro de Michel Tournier, "Sexta-Feira ou os Limbos do Pacífico" (prêmio Goncourt) em que o autor francês reconta a saga de Robinson Crusoe como um retrospecto da jornada histórica da Humanidade através de sua lenta evolução social e espiritual. Ao chegar náufrago numa ilha tropical paradisíaca, não precisava na verdade de trabalhar para sobreviver, e ficava de molho junto com os porcos numa agradável água quente vulcânica por horas e horas por dia, até que afinal fez um imenso esforço para reagir ao marasmo mortal e construiu um arado para começar a jornada civilizatória de si mesmo, encontrar o nativo Sexta-feira, salvá-lo de outros nativos e em seguida escravisá-lo por anos, até percebê-lo como seu irmão em humanidade, afinal, e pedir o seu perdão e abraçá-lo...


quinta-feira, 16 de maio de 2013

O espelho e a sombra (de Alma Welt)



                                       Alma no Espelho - lito de Guilherme de Faria, anos 70

O espelho e a sombra (de Alma Welt)

Muitas vezes consulto a minha sombra
Que é mais confiável que o espelho
Que devolve uma imagem que me assombra
Pela brancura e o cabelo tão vermelho,

Mas também pelo cinismo e ironia
Com que responde à nota de ansiedade
Que é o cerne vital da minha poesia
Preocupada com uma única Verdade...

Mas a Verdade? A quê procuro? Vou dizer:
Saber da vida a oculta idéia e intenção
Com esse imenso mistério de morrer...

Quanto à sombra, esta imagem mais fiel,
Me acompanha como faz um nobre cão
Sem me mentir nem bajular, nem ir ao léu...
 

terça-feira, 14 de maio de 2013

O Livro Preto (de Alma Welt)

 
 
O Livro Preto (de Alma Welt)

Bem sei que os meus dias são contados,
E quem não os tem no Livro Preto?
Mas sabê-lo é o pior dos tristes fados,
Pois tal cômputo outrora era secreto.

Agora... como voam as minhas horas!
E não tenho o fecho pro arremate
Do meu último soneto de demoras
Enquanto aguardo o verso que me mate.

Então fico na varanda a olhar o sol
Que é como me consolo de morrer
Sonhando com meu último arrebol.

Debalde! Não me adianta o expediente,
Pois quanto mais intensamente sinto ser
Mais me dói abandonar a minha mente...

Também os lobos uivam (de Alma Welt)




                                                      Satimbancos - Picasso

Também os lobos uivam (de Alma Welt) 

Também os lobos uivam para a Lua
Como o fazemos nós desde os primórdios.
Nós, os angustiados de alma nua
Dedilhando teclas, cravos, clavicórdios,


Pintando telas, manipulando ceras,
Dando saltos no palco, saltimbancos
Nas praças das aldeias e nas feiras,
De pés quebrados, compondo versos mancos...

Agora tantos, só dois antes da malta,
Criados tarde no Jardim logo perdido
Pela mais discutível e ingênua falta

Somos homens, reunidos em quadrilhas
Ou solitários num mundo dividido
Em Inferno e País das Maravilhas...