domingo, 14 de outubro de 2012

Penélope ainda (de Alma Welt)





                                         Penélope- Litografia de Guilherme de Faria

Penélope ainda (de Alma Welt) 

Esperar por alguém fazendo planos
Quando afinal nenhum de nós venceu,
Não há mais Tróia, gregos nem troianos
E Ninguém é também nosso Odisseu...

Tecer os dias aguardando na varanda
Aquele amado que foi e não voltou,
Quando por aqui tudo desanda
E o vinho nos tonéis avinagrou...

Pois nós mesmos doravante destecemos
Nossos dias, planos, sonhos, tudo,
Para sentir que ao menos não sofremos

E entramos numa espécie de apatia
Co’aquele falso canto afinal mudo
E o barco a se arrastar na calmaria..

sábado, 13 de outubro de 2012

A Chave (II) (de Alma Welt)



 
A Chave (II) (de Alma Welt)

Descobrir uma chave pra viver
É tarefa que ocupa a melhor mente
Pois não adianta apenas aprender
Aquilo que aceita toda a gente.

É preciso encontrar aquelas sendas
Que levam a bem mais altos patamares
Do pensar e viver como nas lendas
Daqueles que corriam os sete mares...

“És só criança”- me direis- “Que pueril!”
“A última a acreditar em mitos...
Acaso sonhas que navegas num barril?”

Não tonel, casca de noz é a nossa nave
Em meio a um universo de conflitos.
Eis, não a resposta, mas a chave...
 

Velhos serões (de Alma Welt)


 
Velhos serões (de Alma Welt)

Se não passei a minha vida na janela
Foi só pra não encardir os cotovelos
Como alertava a minha tia Adela,
Que vivia a enrolar fúteis novelos...

No entanto cadeirei a de balanço
Na minha velha varanda dos poentes
Que de outros ocasos tem um ranço
Pois minha avó aqui perdeu os dentes

Tricotando a balançar os seus serões
Enquanto eu enrodilhada a seus pés
Ouvia arcaicas picardias de barões

Que lembro, ela narrando casquinava
Quando ocorria um pícaro revés,
Sobre o qual, inocente, eu meditava...
 

A prenda rubia (de Alma Welt)

                              O rosto de Alma Welt- detalhe da tela Alma Welt e Jonas no ateliê, de Guilherme de Faria 

 
A prenda rubia (de Alma Welt)

Quase nada me faltou pra pertencer

E ser completa nestes campos de coxilha
Onde os gáltchos põem água pra ferver
E derramam sobre o amargo que fervilha

E montados continuam pelos longes
Com seus ponchos sob frio de granizo
Como se ainda fossem ledos monges
Que cavalgam além do Dia do Juízo

No fim do fim do mundo infinito
Onde corre o gelado Minuano
Que há quem ainda pense ser um mito

Como esta “prenda rubia”, que sou eu,
Com forte teor luso açoriano
E poeta porque o Pampa me acolheu...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Pentimento (de Alma Welt)

 


                                                    "Pentimento"- de Nicolas Uribe

Pentimento (de Alma Welt)
 
Procurem-me aqui neste casarão
Quando tudo estiver quieto finalmente
E o vinhedo, o jardim, até o porão
For aberto, afinal, pra toda a gente.

E verão este meu quarto singelo
Com a escrivaninha dos poemas
E as cadernetas já no prelo
Abandonados o tinteiro e as penas...

E na varanda a cadeira de balanço
Onde eu restava a mirar longe
Os poentes do sol ficando manso...

E como eu, sentirão pena danada
Que do Artista o "pentimento" esponje
Nossa vida tão apenas esboçada...
 

Meus dias (de Alma Welt)



        

 Meus dias (de Alma Welt)

Os meus dias foram belos, não me queixo,
Aqui neste jardim em pleno pampa
Que pra mim é a erva, o ar o céu e o seixo
E de Pandora o vento sem a tampa

Que é o Minuano que nos coube,
A nós gáltchos, repartidos bem e mal
No começo do mundo, como eu soube
Ainda bem guria em meu quintal...

E os entes que povoam estes campos,
O pomar, o casarão e meu jardim
Salpicado pela luz dos pirilampos,

São meus amigos, e alguns até meus guias
Nas sendas que percorro dentro em mim
Para achar-me, a meta dos meus dias...

Anti-definição (de Alma Welt)


 
 EX LIBRIS ALMA WELT
 
Anti-definição (de Alma Welt)

O poema é um filho que acalma
Vindo pra salvar o casamento
Do poeta com sua própria alma,
E não um impulso de momento.

Pois a Poesia é anterior ao verso
E dele prescinde, na verdade.
Embora isto seja controverso
Há quem considere obviedade...

Traída a intimidade do seu ser,
Ao contrário dos maridos da cidade,
O poeta é o primeiro a saber...

Então, o que é, pois, a Poesia,
Já que pra uns é o culto da saudade
E pra outros só a contramão da via?
 
 
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

De não ouvir estrelas (Alma Welt)




 
De não ouvir estrelas (Alma Welt)

De manhã nascem os mais belos poemas,
Talvez só porque a vida se renove
E de tarde amadurece a duras penas
E à noitinha, é tristeza até as nove.

Mas à noite, profunda, dos amantes,
Tudo é sonho ou delírio, desvario,
E as estrelas, amigas inconstantes
São as conselheiras do desvio...

Não as ouçam, sob pena de loucura
Pois se esmeram em dar dúbios conselhos
Àquele duo que só amor procura.

Foi assim que os amantes de Verona
Tentaram o mergulho nos espelhos
De onde só a Morte vem à tona...
  

Anti-sereias (de Alma Welt)



Anti-sereias (de Alma Welt) 

Como é bela a vida, todos sabem,
Mesmo aqueles de vã filosofia,
Mas que na boa métrica não cabem
Ou aqueles cuja rima se atrofia,

Niilistas de plantão e contumazes
Negativos racionais empedernidos
Que dos velhos sofismas são capazes
Pra nos encher de dúvida os ouvidos

Pois seu zumbido é grato às orelhas
Mas somente como canto anti-sereias,
Que também requer cera de abelhas

E remar fazendo ouvidos moucos
Às palavras de negação tão cheias
A propor que os poetas estão loucos...

Os Retornos (IV) (de Alma Welt)



                                           Summer Fantasy - George Bellows 1882 - 1925

Os Retornos (IV) (de Alma Welt)

Ergamos nossos olhos para os longes,
Um poente vale mais que mil palavras,
Já o sabiam, não profetas, mas os monges,
Bem mais sábios e sem visões macabras.

Os serenos, os mansos e os humildes
Que ficam no jardim a regar flores
Ou a cuidar com Terezas e Matildes
Que da cozinha se elevem bons odores.

E destilem extratos e licores,
Bálsamos também, que tantos pedem,
Pra que a Vida se lembre dos amores

E num mundo triste e conturbado,
Os pequenos passos rumo ao Éden
Chamem mais humanidade pr’esse lado...
 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Tesouro (de Alma Welt)




Foto: a famosa Arca da Alma, fotografada por Lucia Welt quando foi descoberta no sótão do casarão da estância Sta Gertudes, da família Welt...


O Tesouro (de Alma Welt) 


Procurei-me dia e noite todo dia
Durante a vida inteira, é o que fiz.
E é verdade que o foi pela poesia
Não de vôo condoreiro nem perdiz

Como essas de vôo baixo e curto
Sujeito a tiros ou ao puro latido...
Mas perene pelo menos e não surto,
Eu, que tanta persistência tenho tido,

Pois agora a bagagem é já tamanha
Que não pode passar despercebida
Já que é grande a arca, não tacanha.

E diverte-me a idéia de um tesouro
Que eu possa ter deixado nesta vida
Pois uma alma em verso é puro ouro...

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Capitã Afunda (de Alma Welt)



Naufrágio ao luar, de Caspar David Friedrich

A Capitã Afunda (de Alma Welt)

Tenho a tentação de entregar-me
À melancolia, essa invencível
Que ora me assedia, milenar,
Com o fito de tornar-me mais sensível.

A quem quero enganar? Estou perdida.
Algo se me quebrou no coração
E falta-me aquele élan de vida
Que era a minha mágica e condão...

E este casarão vê arrastar-me
Pelas jornadas nostálgicas e frias
Que os anos trataram de deixar-me.

E agora sou uma triste capitã
Que afunda com a nave de poesias
Nesta louca travessia agora vã...
 

Balanço de Naufrágio (de Alma Welt)


 
Balanço de Naufrágio (de Alma Welt)

Não tenho mais a desculpa da saudade
E esta tristeza já me denuncia.
Fracassei em quase tudo, na verdade,
E o que restou é só Poesia...

Poesia a encher arcas e estantes
Como um tesouro naufragado
Ou como o segredo dos amantes
Que no fundo o sonham revelado...

Poesia que é o fica para trás
Quando nada mais pode dar certo
E o nosso desajuste é contumaz,

E sonha com bilhete, corda e banco
Ao descer da cama, mal desperto,
Antes do coração pegar no tranco...
 

domingo, 7 de outubro de 2012

Nocaute (de Alma Welt)


                                        A Stag at Sharkey’s, 1917 -  litho de George Bellows

Nocaute (de Alma Welt)

A gente se aborrece, eis a verdade,
Por mais que a alegria procuremos,
E com ela a tal graça da bondade...
O fato é que do rumo nos perdemos.

Ninguém é de ferro, é muito chato
Ser lúcido integral e nunca bobo.
Os instintos afloram, isto é fato,
E rilhamos os dentes como um lobo.

E se não podemos dar tabefe
Vamos ver nos ringues o nocaute
De um peso pesado ou mequetrefe.

E torcemos, báh, como torcemos!
Para que a gana não nos falte
Para virar o jogo que perdemos...
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Premissa (de Alma Welt)



Desenho de Guilherme de Faria
 
Premissa (de Alma Welt) 

Escrevemos primeiro para nós mesmos
E do que foi escrito, sem reserva,
Isto é certo, é preciso que gostemos
E que nosso seja o voto de Minerva...

Pois somos mesmo nós que decidimos
Se o nosso escrito é competente,
Se foi legítimo ou se talvez fingimos
E estávamos logrando a boa gente...

Ai do artista que perguntar a alguém:
“É bom isto que fiz? O que é que achou?”
E ainda esperando pelo Amém...

Pois Arte é certeza, é segurança,
E mostrar tudo aquilo que encontrou
Qual se fosse fácil o que se alcança...

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ars Longa, Vita Brevis (de Alma Welt)



 
Ars Longa, Vita Brevis (de Alma Welt)

Que imensa valentia todos temos
Tão somente por viver e insistirmos
Apesar do muito que perdemos
Ao longo de tremores como sismos

Que acometem a vida mais banal,
Aparentemente a mais segura
Mas que contém também o tom fatal
Já que quase nada em nós perdura.

Mas se deixas uma obra ou um filho
Tens a chance de um pouco mais durar
Na memória de um justo ou peralvilho...

E afinal, quê mais podes querer?
Viver na tela, no papel, na relva ou ar,
Se temes tanto o mundo te esquecer...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Minha Saga (de Alma Welt)



                                 Retrato de Anita Garibaldi

Minha Saga (de Alma Welt)

De minha janela para a vida
Foi-me dado visitar todos os vultos
Da História em mim mesma refletida,
E eu fazendo parte dos tumultos.

Estive na guerra farroupilha
Ao lado de Anita e do italiano
Quando este doido fez o plano
De arrastar navios pela coxilha...

Mas vivandeira férrea de mim mesma
Corro atrás dos meus sonhos nesta luta
Que é preencher papel resma por resma

De meu grande arquivo de memória
De guerreira, poeta e semi-puta
Na minha própria saga transitória...
 

À Margem (de Alma Welt)


Going West - de Jackson Pollok c.1934-1935

À Margem (de Alma Welt) 

Construir um mundo em mim por dentro,
Sim, foi possível, e isso é tanto!
Afinal cada um de nós é o centro
Do mundo, para si, eis o encanto

De viver, que é pura liberdade,
Mas que somente o é se consciente,
No exercício de ser humanidade
Não na norma mas só contra-corrente...

Quanto a mim, dediquei-me a construí-lo,
Meu profícuo mundo afeito às margens
Como aquela dádiva do Nilo...

Pois aqui, da minha varanda sobre o nada
Eu me debruço sobre versos e aragens
E minha terra prometida é alcançada...

domingo, 30 de setembro de 2012

A Tecelã (de Alma Welt)



                                           A Bela Adormecida- Foto de Eugenio Recuenco

A Tecelã (de Alma Welt)

Para sentir a vida miro a Morte
Sempre muito aproximada, tentadora,
Não como ameaça ou simples corte,
Bem mais como uma interlocutora...

Dela ouço estórias de arrepio
E noto-lhe a constante ironia
Com que carda e esgarça o fio
Enquanto sua roca roda e fia...

E admiro ser também a tecelã
Que produz a nossa vã tapeçaria
Destecendo o trabalho da manhã...

Mas temo, numa noite qualquer dessas,
Pretendente de que não se desconfia,
Ela mesma cobrará minhas promessas...
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A Visita da Jovem Senhora (de Alma Welt)

Desenho de Guilherme de Faria, 2012
 
A Visita da Jovem Senhora (de Alma Welt)

Quando a abandonar-me estou prestes
E a volúpia me toma o corpo inteiro,

Tu, dama vigilante, me apareces
Tão composta, vestida com esmero.

E ao lado do meu corrompido leito
Permaneces qual visita de doente
Até eu ter vergonha do meu peito
E cobri-lo com um gesto ineficiente.

Pois começo a sentir-me como aquelas,
Pobres mulheres das casas de Argel,
Les chiennes, nada mais do que cadelas,

Mas de outros tempos, no Oriente,
Quando minhas fantasias de bordel
Não eram só poesia decadente...

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Transfigurações (de Alma Welt)




Transfigurações (de Alma Welt)
 
De repente o olhar a vida estranha
E o mundo como que se transfigura,
Pois vemos o real como patranha
E o senso verdadeiro na loucura.
 
E é então que queremos mais viver
Para poder conhecer o novo mundo
Que assim se apresentou no alvorecer
E levou nosso olhar muito mais fundo.

Mas eis que logo vemos que persiste
Todo signo só com sinal trocado
E tudo se equivale e mais resiste...

E percebemos que tudo estava certo:
Só amamos o que outrora foi amado,
Quando do sonho estávamos mais perto...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Os Alegres Camaradas ( de Alma Welt)




                                                Banquete- Alessandro Allori (1535-1607)

Os Alegres Camaradas (de Alma Welt)

Não percamos, amigos, o entusiasmo
E saudemos com alegria as manhãs!

Uns dos outros riamos sem sarcasmo,
E as juras evitemos, sempre vãs...

Bah! Abraços vigorosos com palmadas
Nas costas dos amigos mais valentes!
Evitem tais extremos com as amadas
A quem os beijos são mais eloqüentes...

Depois vamos à mesa dos repastos
Onde se provam os verdadeiros apetites
Como o nosso olhar por estes pastos...

E brindemos ao amor e à coragem
Renovando nossos votos e convites,
Todos nós estamos cá só de passagem!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Desabafo (de Alma Welt)





                                                           Foto de Jarosław Datta

Desabafo (de Alma Welt)

Eu queria não gostar tanto da vida
Pra não sofrer o fardo de morrer
E dar vexame na hora da partida
Coisa que já nem posso esconder,

Pois vivo assombrada por sinais,
Sobretudo antevisões do meu velório
Inusitadamente nu, branca e em paz
Entre as peonas e seu pranto simplório.

Tenho mesmo imensa pena de deixar
Este pampa amado e o casarão
Com tantas lembranças pra levar...

E confesso que queria a eternidade
Nem que fosse como espectro chorão

Vagando para sempre minha saudade...

A Navegante (de Alma Welt)



                                                         Penélope - de David Ligare

A Navegante (de Alma Welt) 

Quantos planos deixei pelo caminho,
Tantos mapas que perdi ou portulanos
Que afinal me tirariam deste ninho
E me fariam percorrer os oceanos

Que não o figurado da coxilha
Na qual, demasiado habituada,
Me vou do casarão como uma ilha
A navegar aqui na minha sacada.

E vejo que o que vivo é puro sonho
E que pouco do que narro aconteceu
Num plano real que nem disponho.

Pois meu mundo é o mesmo dos sonetos
Com apenas duas quadras pra Odisseu
E uma Ítaca medindo dois tercetos...

Vida, ciência ou arte (de Alma Welt)


                                                          Art by Khuong Nguyen
                                                       
Vida, ciência ou arte (de Alma Welt)

Cada um de nós é uma experiência
Que a Vida faz pra mesma se afirmar.
Eis o que meu pai, em sua ciência
Concluía cultivando seu pomar.

Mas creio que a Vida é mais artista
E faz seu som sem partitura e de cor
Ou improviso, como boa musicista
Co’afinação em si e em dó maior...

É por isso que pra um nada dá certo
E destoa, ou mesmo desafina
E com a pedra topa... ou passa perto.

Aquela mesma, do meio do caminho,
Que os nossos belos sonhos mina,
E de Raimundo só temos o mundinho...
 

Anti-fadas (de Alma Welt)


                                              The Dream Tree - Ilustração de LeUyen Pham

Anti-fadas (de Alma Welt) 

A Vida é tão bonita que até dói,
Tanto mais porque costuma ser traída
Por certo antigo ciúmes que remói
De uma irmã mais feia e preterida

Que é a nossa Morte, a deserdada
Que nos assombra, assustadora,
Também desde o berço, na calada
E conspira contra nós, usurpadora...

Duas irmãs, Vida e Morte, tão rivais!
No anti conto-de-fadas de certezas
Que nos assusta com desfechos mais fatais

De um sono do qual não despertamos,
Pois no final não há valsas de princesas,
E engolimos o sapo que beijamos...
 

sábado, 22 de setembro de 2012

Sem querer (de Alma Welt)

"A Mulher do Baloneiro" - litografia de Guilherme de Faria, 1978

Sem querer (de Alma Welt)

Esperando sempre algo acontecer

Despendemos grande parte desta vida,
E esse tempo é vazio de saída
Pois não vemos o que tem pra oferecer.

Não esperem nada ou disfarcem
Numa espécie de “sem querer querendo”,
A sábia expressão de um personagem
Que quase sem querer acabei vendo...

Entretanto longe estou de dar conselhos
Porque os dar se torna insustentável
Se acaso nos miramos nos espelhos.

Então viver nossa vida ao bel prazer,
Não é conselho, mas sim recomendável,
E aconteça o que tem que acontecer...

Minhas manhãs (de Alma Welt)



Detalhe da "Primavera " de Sandro Botticelli

Minhas manhãs (de Alma Welt)

Para saudar a manhã me embelezo
Com uma escovadela nos cabelos
Além da dos dentes, que mais prezo,
E de raspar-me os loiros rubros pelos.

O banho matinal qual passarinho,
Espadanando a água se é verão,
Acompanhando de risos e gritinhos
Também é meu prazer e comunhão

De meu corpo com a amada Natureza
Que saúdo com um sonoro pum
Ao descer pro chimarrão do desjejum

E ainda pelada sob o mais leve tecido
Os pés descalços para ainda mais leveza
Corro ao Jardim como se houvera renascido...

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Para escrever (II) (de Alma Welt



 A Nau dos Insensatos -de Hieronimus Bosch

Para escrever (II) (de Alma Welt)

Para escrever... dispõe-te a escrever.
O que não é pouco nesta vida,
Que nada a isso leva a crer
Principalmente se Poesia é a escolhida.

E vais necessitar de imensa fé
Na razão de ser do Ser poético
E contra a Razão mesma ir, até
Pois nada corrobora o tom patético

Com que o poeta soa a ouvidos moucos
Dos que batem nas estacas e cavilhas
A construir a final Nave dos Loucos...

Mas se fores capaz de comover
E evocar as antigas maravilhas,
Então sossega: foste feito pra escrever
...

Babel, Orfeu e o Verbo (de Alma Welt)



 
Babel, Orfeu e o Verbo (de Alma Welt)

Como é possível viver sem escrever
Se no princípio era o Verbo e se fez Luz,
E se ao grafar o homem pode ver
A palavra que vibrando se traduz?
 
No meio da imensa algaravia
De milhões de vozes na Babel,
Cada um pensando que se ouvia
Mas só desconstruindo rumo ao céu...

Não só falar, mas escrever, talvez cantar.
É possível ser ouvido no final
Se a palavra tiver peso e iluminar...

Então voltemos à poesia que é o canto
Com que Orfeu adormecia o animal
E a Noite os cobria com seu manto...

A piorra e o carvalho (de Alma Welt)



 
A piorra e o carvalho (de Alma Welt) 

É precário o equilíbrio do viver.
Como uma piorra num barbante
Oscilamos e caímos num instante
Se deixamos a inércia nos vencer.

Há quem acredite em estar parado
Para fruir o fluxo da vida
Como um carvalho bem plantado
Que aos pássaros e homens dá guarida.

Não há como não louvar suas raízes,
Seu grosso tronco e copiosa fronde
Que a partir do outono tem matizes...

Mas sou pobre piorra desraigada
Que oscila, canta e nada esconde,
E girando mantenho-me aprumada...

“Dias de vinhos e de rosas” ou O elevador (de Alma Welt)


“Dias de vinhos e de rosas”
ou O elevador (de Alma Welt)


Se chegando ao teu fundo do poço
Não podendo descer mais então subiste
Não recordes os bons tempos de moço
Como o pássaro liberto lembra o alpiste,

Os tais “dias de vinhos e de rosas”
Quando tudo eram risos vaporosos
E as noites de delícias glamurosas
Ou delírios criativos enganosos...

Antes lembra-te daquele elevador
De que foste recolhido por vizinhos
Porque perdeste a chave e o pudor

E choravas o teu rumo perdido
E o imenso “desamparo de los niños”
Porque hablavas castellano sin sentido...

À meia noz (de Alma Welt)





                                                 Life...In A Nutshell- by Anji Johnston

À meia noz (de Alma Welt)

Ser feliz é superar ressentimentos,
Mágoas, dores e saudades renitentes
E aceitar ir à deriva nas correntes,
Ao sabor e capricho de outros ventos

Que não estão nos teus velhos portulanos
Que registram aquelas Ilhas Ideais
Que sonhas acordado há muitos anos,
Que te farão justiça e tudo mais...

Saiba então, felicidade é o contrário:
É estar no bote a olhar o céu
A meditar como mundo é belo e vário

E que nos coube ao menos meia noz
Onde sem remos e velames, e ao léu,
A cerebrina amendoazinha somos nós...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Contra Vulgaritas (de Alma Welt)


 
Contra Vulgaritas (de Alma Welt) 

A Poesia é um olhar especial
Sobre tudo, quase tudo deste mundo,
Mesmo o obscuro e o desigual
Menos o vulgar, que é o imundo.

A vulgaridade é que é o Demônio
E o supremo mal que tudo mancha
Pois nada resiste ao anti-sonho
Que constrói na lama sem a prancha.

A vulgaridade vive e nos persegue
No recesso da alma e nos surpreende
Às vezes numa boca que a negue

Pois consiste também num certo olhar
Sobre aquele velho fruto que nos prende
E que provado nos devia libertar...

domingo, 16 de setembro de 2012

O Último Fandango (de Alma Welt)



                                                                        A Chula
 
O Último Fandango (de Alma Welt)

Esta noite quero cantos, brindes, risos,
Sejam todos meus alegres convidados!
Não mais tímidos e menos indecisos,
Quero todos galhofeiros e ousados...
 
E gritando bem alto seus amores
Sobre as mesas tacões batam e esporas
Os de botas e de mais machos pendores,
Mas também os saltos finos das senhoras...

E façamos o fandango com as chulas,
Lanças caídas e a girar boleadeiras...
Haja vinho e só sangria pros caçulas!

Esta noite vou com todos repartir,
Mas na hora da dança das cadeiras
Falte assento... que não me verão partir!
 

sábado, 15 de setembro de 2012

O Mapa Secreto (de Alma Welt)

O Jardim do Éden- de Peter Paul Rubens (1577-1640) 

 
O Mapa Secreto (de Alma Welt)

O devaneio fez parte desde cedo
De minha trajetória nesta vida,
E não o considero engano ledo
Nem tempo roubado à vera lida.

Pois sonhar assim é meu ofício
De poeta, o que incorre em lucidez
Pois o onírico não é algo fictício
Onde a tal realidade não tem vez.

O sonho é antena poderosa
De tudo o que existe e nos envolve
Não como uma nuvem vaporosa

Mas como um código secreto
Que um antigo mapa nos devolve
E o nosso Jardim deixa mais perto...


A Última Vindima (de Alma Welt)




 
A Última Vindima (de Alma Welt)

As uvas estão prontas para o vinho
E eu para pisá-las no lagar.
A safra será boa, eu adivinho,
Pois o inverno esqueceu-se de gear.

Mas estarei pronta pro destino?
O fim que se aproxima é bem vindo?
Não posso nem ouvir toque de sino
Que o coração se me vai diminuindo...

E eu choro e me lamento na vindima
Quando deveria estar sorrindo
No meio destas uvas ou em cima

Com a disposição de outrora e alegria
Quando o sonho do meu vinho era lindo
E de um cálice sinistro eu não bebia...
 

A Rastreadora (de Alma Welt)


 
A Rastreadora (de Alma Welt)

O soneto é minha terra de poesia
E nele a alma está em seu cenário,
Habitat natural onde sou guia
E rastreadora ao contrário

Pois a mim é que faço me seguir
Toda vez que ausculto o coração
Para invés de perscrutar o meu porvir
Voltar à uma primeira comunhão...

Que de mim sou intérprete cigana
Nas horas vagas que não as de sonhar
Minha vida como saga pampiana.

E se procuro na Vida o seu sentido
Nos meus versos hei de o encontrar
Pois neles o meu próprio está contido...

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Último brinde (de Alma Welt)


Galeão - Litografia de Guilherme de Faria

Último brinde (de Alma Welt)

Proponho que aqui nos reencontremos
Enquanto a amizade estiver viva,

Mesmo se perdermos nossos remos
E nossos barcos conhecerem a deriva.

A amizade é um porto de chegança
Que calados não distingue, nem bandeiras,
E onde há sempre festa e muita dança
Pois, vede, ama o riso e as brincadeiras.

Nossas âncoras, amigos, levantemos,
Para ir aos quatro cantos deste mundo
Que as mãos e abraços já nos demos.

Quanto a mim, permaneço neste cais
A olhar esse horizonte tão profundo
Que talvez meu olhar não volte mais...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Minha transiberiana (Alma Welt)

 
O Trenzinho da Chapada - óleo s/ tela de Guilherme de Faria 60x60cm
 
Minha transiberiana (Alma Welt)


Quero um trem que aqui venha me buscar
Na minha varanda transformada em plataforma
E que me leve daqui de qualquer forma,
Pelo Tempo, pelo Vento, em pleno ar...

Se soltar silvos e nuvens de vapor,
Melhor, e que apareça o tal fiscal
Que tenha um quepe e bigodes a compor
O bilheteiro-mor universal...

E que eu então me refugie na cabina,
Que nunca tenho o bilhete que se quer,
Pois que tenho uma alma clandestina...

E sem fim como uma transiberiana,
Irei num embalar de bem-me-quer
Num sonho muito além da Taprobana...

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Noite estrelada (de Alma Welt)



Noite estrelada (de Alma Welt)

Dei-me conta de não só por mim falar
Se confiante no meu dom de eqüidade
Com os meus pés tingidos no lagar
Me dirijo às pessoas da cidade

E não somente aos peões, nossos gaudérios,
Quando empolgada em festas de galpão
Declamo meus sonetos de mistérios
Que evocam alguma vaga assombração

E eles ouvem atentos ou ruidosos
E aplaudem batendo suas esporas
Meus versos de relatos duvidosos

E eu então me sinto premiada
Pela vida, pelo dom de minhas horas,
Tempo, vento e mais noite estrelada...
 

domingo, 9 de setembro de 2012

O Eterno Retorno (IV) (de Alma Welt)

Desenho de Guilherme de Faria, 2010


O Eterno Retorno (IV) (de Alma Welt)


Toda a minha vida é um retorno
À idéia que fez de mim poeta
Jamais como um título ou adorno
Mas essência de toda descoberta.


E vede como isso incorre em dor
Pois mesmo sendo sonho é lucidez
E por isso não exclui um certo humor,
A dose de ironia e acidez...

Mas, Amor, báh, sempre retorna
Como fruto recorrente e sazonável
Na estação fria, quente e morna...

E Amor, meta e ponto de partida,
Torna o duro percurso suportável,
Que sem amor nem quero a Vida...

A Cobrança (de Alma Welt)

Cage- Art by Cameron Gay 
 
A Cobrança (de Alma Welt)

Quanto ainda havemos de chorar
Pelas horas perdidas em conflito
Que o Tempo não costuma descontar,
Põe na conta e nos cobra qual delito

Cuja pena vem na forma de remorso
Ou de uma sensação de falha ou hiato
Como quando uma desculpa eu forço
E não convenço a mim pelo meu ato...

Perder Tempo: eis o crime sem fiança
Cujo vazio estranhamente pesa
Quando é colocado na balança.

Pois temos nossa quota fixada
Apesar de tanto choro e tanta reza
E a ânsia de uma vida eternizada...

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Almoço ao ar livre (de Alma Welt)



 
Almoço ao ar livre (de Alma Welt)

Nos juntemos pois à volta desta mesa,
Não há prazer maior entre os amigos,
Num grande repasto e sobremesa,
E vinhos, nem baratos nem antigos

Mas que sejam acessíveis ao bom gosto,
Que da uva recordem o tom e o mosto
Sem o travo final antecipado
Das vidas fracassadas ou do fado.

Que sejamos alegres, mas não fúteis;
Sensuais mas livres da luxúria,
E sem mais altercações, que são inúteis...

E se soprar o vento em plena festa
E o céu anunciar a sua fúria,
Que ninguém deva baixar a sua testa!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Pintor e o Poeta (de Alma Welt)

 
Alma ninfeta, pintora e poeta - óleo s/tela de Guilherme de Faria 1999

O Pintor e o Poeta (de Alma Welt)

Esperanças de grandeza, ledo engano
Mas a produzir tanta beleza
Nessa maré de cores sobre o pano,
Novo mundo além da natureza.

Pintor, dileto és da Potestade
Talvez mais que o mestre da palavra
Pois o Verbo foi roubado, na verdade,
E Deus confere os versos de tua lavra

E atento fica a qualquer plágio
Do Logos quando escrito nas estrelas
Do eterno em seu primeiro estágio...

Mas Lhe são gratos os infantes do pincel,
E suas garatujas Lhe apraz vê-las,
Tanta ingênua maestria sob o céu...

A Plataforma (II) (de Alma Welt)



Foto de Filipe Arozi (RGS)

A Plataforma (II) (de Alma Welt)

Quando, Rodo, partir foi quase a norma,
Eu guardava as lembranças mais queridas,
As fotos, as memórias e as saídas,
E fui a que ficou na plataforma

Quando o trem partiu com cada um
Enquanto eu ficava a acenar
Até sumir no horizonte como um zoon
E o guarda-freios ouvir meu suspirar...

Também parti um dia pra voltar
E vi como é cruel partir assim
Para aqueles que insistem em ficar,

Pois sólidos, arraigados e felizes
Tinham suas raízes já em mim,
Que então nunca parti, como tu dizes...

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A Esperança (de Alma Welt)


 
Alma e o mar- óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
A Esperança (de Alma Welt)

A Esperança é vaga e indefinida,
Vale por si só e nos sustenta;
Jamais cerceada se intimida,
Mas relacionada se apoquenta

E mostra sua malícia e faz suspense
Furtando-se a nos dar os seus favores,
Mostrando que não vale o que se pensa
Mas a realidade dos horrores.

Pra quê serve então a Esperança?
(argüireis, quase já desesperados)
Se com ela a meta não se alcança?

Um horizonte longínquo descortina
E na aurora uma face de criança,
Que é tudo a que a alma se destina...

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domingo, 2 de setembro de 2012

A Chave no Soneto (de Alma Welt)



 
Perfil leonardesco de Alma Welt- litografia de Guilherme de Faria
 
A Chave no Soneto (de Alma Welt)

Soneto é instrumento de procura
E nele mesmo encontrarei a chave,
Do mistério da vida enquanto dura,
Enquanto a fechadura não se trave.

Depois é tarde, em vão, ou outra cousa,
E o segredo permanece impenetrável
Antes de frios deitarmos sob a lousa
Quando cessa a pergunta razoável:

A que viemos? Não fora tudo inútil?
Pra que serve a vida, o sofrimento
Ainda mais quando por motivo fútil?

E as vidas tão banais, desperdiçadas,
Que nem gratas foram ao momento
E por ele nem parecem ser cobradas?
 

Viver, pensar (de Alma Welt)



 
Viver, pensar (de Alma Welt)

Viver é duro ao se pensar a Vida,
Melhor é não pensá-la e vivê-la.
Mas se não pensada é pura lida
É preciso parar para bem vê-la.
 
Mas se paramos começamos a pensar
E enxergamos pois o lado escuro
Que é a face da Morte a assombrar
Quanto mais do pensar se faz apuro.

Báh! Pensar e não pensar é impossível
Viver em plenitude é doloroso
Mas não querer sofrer é desprezível.

Pois se não vivemos, só pensamos,
Um gosto fica, assim, de umbu travoso
De não saber pra quê na Vida estamos...

sábado, 1 de setembro de 2012

A Plataforma (de Alma Welt)



 
A Plataforma (de Alma Welt)

Permaneci fiel aos sonhos meus
Enquanto se passaram tantas vidas
Aqui nesta plataforma do adeus,
Que nela foram tantas despedidas...

Não voltariam umas e eu sabia,
Sempre soube dos que não iam voltar
Mesmo quando era apenas a guria
Ingênua e pura demais pra duvidar...

E ver partirem carros me doía
E mais ainda o trenzinho da estação
Com aquele apito que sumia

Mas teimava em seguir, continuar
Na curva além da minha visão
E os abraços finais perpetuar...