terça-feira, 6 de março de 2012

O Mandarim Mágico (de Alma Welt)

                        O Mandarim Mágico- desenho de Guilherme de Faria


O Mandarim Mágico (de AlmaWelt)


Um mágico chegou em Novo Hamburgo,
Que atuou com sucessos estrondosos
Pois era mais que um mago, taumaturgo,
Que fazia uns prodígios perigosos.

Parecendo mandarim de rubra faixa,

De pronto a uma moça pediria
Que se metesse em sua bela caixa
Que ela logo desapareceria...

Então como enxerida de costume,

Voluntária adiantou-se esta guria,
Como quem para o Hall da Fama rume.

Porém devo revelar que então me vi

Num mundo encantado de Poesia
Onde até hoje eu vivo, e não saí...
.

A Prima Rosa (de Alma Welt)


A Prima Rosa - desenho de Guilherme de Faria

A Prima Rosa (de Alma Welt)

Eu tinha uma prima primorosa
Em suas maneiras finas e antiquadas
Que usava gargantilha e saia rosa
E um chapéu, alvo certo de piadas,

Que se sentava assim muito composta
Tão dura e espigada na cadeira
Que eu faria com Rodo uma aposta:
Se ela suportaria brincadeira...

Mas eu mesma haveria de chorar
Pois meu mano declarando-lhe amor
Acabou mesmo por se apaixonar...

E o feitiço que jamais tarda a virar,
Ai! Fez com que eu sentisse a sua dor
E ela o meu prazer em meu lugar...

As Alegres Comadres de Windsor (de Alma Welt


As Alegres Comadres de Windsor -desenho de Guilherme de Faria, 2011

As Alegres Comadres de Windsor (de Alma Welt)

Em Rosário, ai de mim, eu bem me lembro,
Três comadres que chamávamos de Windsor
Pois alegres como tardes de Setembro
Queriam dar uma lição a um senhor

Que às gurias dirigia frases vãs
Malgrado sua pança sem remédio
Que lembrava a de Falstaff e suas cãs
Antes de inventarem o tal de assédio.

Me pediram então que fosse a ele
Com uma boina disfarçada de guri
Para de amor uma carta devolver-lhe.

Mas previam que outra coisa se passasse
E não que agarrando a prenda aqui
O bruto por trás mesmo me pegasse...

As intrigantes (ou A Calúnia) (de Alma Welt)


A Intriga ou A Calúnia - tela de Guilherme de Faria ("fase baconiana"), 100x150cm, coleção particular, Brasília, DF


As intrigantes (ou A Calúnia) (de Alma Welt)


Havia em nossa rua em Hamburgo Novo
Três comadres solteironas transtornadas
Que tricotavam intrigas nas calçadas
Das faltas e inocências desse povo.

Meu Vati, que as via como harpías
Disse, um dia, a mim, que era guria:
"Sei minha filha que jamais isto serias
Mesmo, creio, que ficasses pra titia..."

"Esse nobre coração, sei bem tens isso,
Da tua inteligência companheiro,
Te deixará bem longe desse vício."

"Pois sabes que a calúnia é feia brisa
Como diz aquela ária do Barbeiro
Que ouviste no meu colo como frisa..."


Nota

O pai da Alma, que ela chamava de "Vati" (papai em alemão, pr. Fáti - de Vater, pai, pr. Fáter) era um músico amador mas excelente pianista e cantor erudito, barítono, e conhecedor profundo de Ópera. A ária do Barbeiro de Sevilha, de Rossini a que ele se refere e que ele cantou para a Alma no seu colo, é a famosa Ária da Calúnia ("la calumnia è un venticello"...a calúnia é uma brisa) na verdade uma ária para "baixo", mas que ele, barítono, cantava muito bem.

O Boá de Plumas Negras (de Alma Welt)


O Boá- desenho de Guilherme de Faria

O Boá de Plumas Negras (de Alma Welt)

Sonhei que eu era doce prostituta,
Longe do meu Pampa e de seus ventos,
Degustada por clientes como fruta
Num bordel dos idos de oitocentos.

Eu usava um boá de negras plumas
E um corset de cetim muito apertado
Que por si só me fazia entrar em brumas
De lírios de um sonho despertado.

Eu vivia lentamente entre coxins,
Bem longe das coxilhas do pampeiro
Num sonho de noturnos guaxinins,

Só olhando de noite a branca lua,
Esperando chegar um cavaleiro
Que dali me levaria branca e nua...

quinta-feira, 1 de março de 2012

Alma na montanha (de Alma Welt)


Alma na montanha - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Alma na montanha (de Alma Welt)

Uma tarde subindo uma montanha
Me dei conta da minha pequenez
E de minha insensatez tamanha
De julgar-me a maravilha que Deus fez

Por ser bela mulher ainda jovem
Já a cantar as mais divinas criações
Que estas, sim, a todos nos comovem,
E como eu não frustram belos corações...

De repente me dei conta que, poeta,
Sou o menos poético dos seres
Pra poder entrar nas coisas como seta,

E em palavras tudo em volta revelar,
Enquanto eu, ó solidão e seu poderes,
Quisera a um simples outro me entregar...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sagrada Família (de Alma Welt)


Sagrada Família - óleo s /tela de Guilherme de Faria, 1990, 140x120cm, coleção particular, Santo André, SP

Sagrada Família (de Alma Welt)

Sagrada é a família em sua constância,
Toda e qualquer que se respeite
E que não escandalize nossa infância
E não tenha nos negado o pão e o leite.

Se o germe da discórdia se encontrar
No bojo deste delicado vaso
De equilíbrio precário por azar
Ou se de maldade for o caso

Então toda a Natureza se rebela
E vemos seu protesto ou sua ira,
Que de algum modo por nós ainda vela

Pelos pobres botões ainda fechados
Por todo que ao nascer ela confira
Por todos nós que estamos já contados...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Teatro de Sombras (de Alma Welt)


Teatro de Sombras (de Alma Welt)

Vou tentando descobrir o teu segredo,
Ó Morte, com as chaves que mal conto:
Razão e raciocínio... engano ledo;
Memória e intuição, avanço um ponto.

No coração, lá seja o que isto for,
Hei de descobrir o que é isso,
Para livrar-me a mim de tanto horror
E aceitar o Nada mesmo, se preciso...

Pois não é provável tanto escuro
Sem luz clara projetada na parede
Em que as sombras distorçam um futuro.

E se ao homem não é dado se saber,
Renego minha carne e minha sede
E já prefiro só na alma me caber...

A Donzela do Trigal (de Alma Welt)


A Donzela do Trigal (de Alma Welt)

Singrar meu corpo branco e irreal
Por entre espigas loiras como eu
Foi grande prazer meu quase fatal
Pois foi quando Amor arremeteu

Surpreendida fui naquelas ondas
Que o vento fazia encapelar
E que me encantavam vendo as sombras
Que macias as fazia como um mar.

E jogada entre os talos das espigas
Não puderam ver o bruto me assaltar
E ali fiquei deitada, sem amigas,

Que quando chegaram fui levada
Entre o ouro e o rubro, esfarrapada,
E perdida demais para chorar...

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Indiferente (de Alma Welt)


O Indiferente (caricatura)-desenho atípico de Guilherme de Faria, anos 70

O Indiferente (de Alma Welt)

Conheci um homem indiferente
Alheio a quase tudo neste mundo
Mas em especial à dor da gente
Que dizia ser só um poço imundo.

E provava com lógica e até arte
Com um claro e brilhante arrazoado
Baseado no seu mestre Descartes
Que o ser humano nasce condenado

E que não merecemos atenção,
Pois que se Deus há, está em desgosto
De sua bastarda e tardia criação...

Mas eu... descartando-lhe o rosto,
No terno com gravata de bom gosto
Via quanto nos prezava a opinião...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Perplexo Porto (de Alma Welt


Nau - lito de Guilherme de Faria

Perplexo Porto (de Alma Welt)

Como preencher as brechas dos minutos
E das horas preciosas as lacunas
No nosso mar de anos nas escunas,
De tédios padecendo e escorbutos;

Motins de nossas mentes rebeladas,
Forcas e pranchões nas amuradas,
E terra à vista anunciada, afinal,
Pelo gajeiro num qualquer tope real?

Eis a travessia que nos coube
No grande mar do Tempo um só segundo
Em rota que o homem nunca soube!

Para aportar num cais sinistro e frio
Num porto que sabemos bem mais fundo,
Perplexo e na foz de um novo rio...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A espreita do Pavão Misterioso (de Alma Welt)


Pavão Misterioso- 2007 óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 40x40cm

A espreita do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

O pavão nos espreita sobre um ramo,
Pobres casas no calor desta caatinga
Que esperamos o alvorecer do ano
Que verá o seco chão virar restinga

Do grande rio ou mar da Redenção
Em que vogando virá a caravela
Do nosso amado rei Dom Sebastião
Com aquela grande cruz em sua vela.

Mas, confesso, o pavão me é pavoroso
Desde que a mãe no berço me ninava
No acalanto sinistro, Misterioso...

E eu suspeito do bicho engalanado
Que se abre o leque a língua trava,
E pode ser também do outro lado...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sobre a lito "Verão", de Guilherme de Faria (de Alma Welt)


"Verão" - lito de Guilherme de Faria

É verão e me ponho negligente,
Toda nua, em volúpia, sem pudor,
Para que me veja toda a gente
No soneto, em graça e sem suor.

Sim, porque nas quadras e tercetos
Tudo posso e sou mais verdadeira,
Não em motéis, por certo, mas motetos
Em que me permito a bandalheira.

E me ponho assim anti-Narciso,
Que, ao contrário, pois, almejo Eco
Mas torno-me em flor se for preciso...

Então, leitor, voyeur, de mim disponha
Enquanto destes versos só me cerco
Tornada flor de pedra sobre a fronha...

terça-feira, 31 de janeiro de 2012


Spanish Ladscape- by Dora Carrington 1893-1932

Spanish Landscape (Alma Welt)

Eis uma paisagem imaginária
Que o talento gerou e pois existe
Numa Espanha mental e um tanto vária,
Bem mais para um deserto que não viste.

Talvez, Dora, jamais lá estiveste
E por isso tua Espanha é mais real
Para a alma e o coração mais ao oeste
De uma inglesa em seu meio rural.

Mas é a pintura em si, sua magia,
Sabemos, o que mesmo nos importa
Malgrado um certo tom de nostalgia

Nas montanhas de ouro aquém da Serra
Que afiada sentimos como corta
O olhar que busca além o fim da Terra...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Lytton Strachey- por Dora Carrington

A pintora Dora Carrington (de Alma Welt)

Algo em mim adora aquela Carrington
Com sua pintura meio pra naïve
Da qual eu invejo a forma e o tom
E a despretensão que nunca tive,

A ponto dela toda dedicar-se
Ao estranho amor de sua sina,
Aquele escritor Lytton Strachey
Que nem sequer gostava de vagina.

E eu me ponho então a comparar
A minha própria história de paixão
Por quem as cartas havia mais de amar

Que a irmã que toda se entregou
Bem antes da idade da razão
Ao preço que a Poesia lhe cobrou


Nos Banhos - pintura de Zinaida Serebriakova 1884 - 1967

Sobre um quadro de Zinaida Serebriakova (de Alma Welt)

Que imensa nudez nossa, de mulheres,
Quando muitas nos despimos juntas, todas,
Naquelas saunas, em banhos e prazeres,
Bem longe dos parceiros de outras bodas!

Somente Zinaida entre as pintoras,
Ou bem antes, Ingres, velho e destro
Nos lograram reger como amadoras
Sem presença evidente de um maestro.

Pois que harmonia temos nesses lances!
Que belas luzes, tons, sombras em baixo!
Que formosas, tão desnudas, sem romances!

Nesses quadros vejo claro nossa sina,
Que é só embelezar o mundo macho,
Sempre à venda e expostas na vitrina...

sábado, 31 de dezembro de 2011

Saga (de Alma Welt)


Saga- Litografia de Guilherme de Faria, anos 80

Saga (de Alma Welt)

Entre os meus vivi minha grande saga
Não sem riscos no meu próprio casarão,
Pois aventura tem quem mesmo a traga
Dentro da alma e na imaginação...

Povoei o hall, o quartos e as alcovas
O escritório, a cozinha e até o sótão,
E vivi as minhas bem maiores provas
No silêncio dos serões do meu salão.

Alguns seres se mostraram perigosos
E conspiraram dentro da minha mente
Pela posse dos meus ais e dos meus gozos,

Pois que tudo nasce e morre no porão
Onde está o nosso mundo diferente,
O mundo vivo e real do coração...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Meu Sonho do Pavão Misterioso (de Alma Welt)


O Sonho da Alma Welt com o Pavão Misterioso- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2005, 100x100cm, coleção do artista

Meu Sonho do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

Sonhei comigo mesma em miniatura
Ajoelhada no meu berço voador,
E era bem outra a minha cultura
Embora de um modo encantador...

Havia uma bandinha pé-de-serra
Que tocava uma espécie de baião
Embora já não fosse aqui da terra
Mas espectros antigos do sertão.

Misterioso era o Pavão com sua cauda
De mil olhos que eram minhas estrelas
Cuja conta requeria uma lauda

Mas era eu o fruto interdito
Pudesse eu contá-las ou contê-las,
Era eu o pivô do próprio Mito...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ante a Árvore Sagrada (de Alma Welt)


A Árvore da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria,2011, 100x100cm, coleção do artista

Ante a Árvore Sagrada (de Alma Welt)

Ante a grande árvore sagrada
Postei-me e toquei-a com a mão,
Ouvia o rumor de sua ramada
E o pulsar do seu lento coração.

A tarde estava triste, muito vasta
E o horizonte a me esperar
Como alguns outros da minha casta
Que chegaram à colina pra ficar...

Então ergui os olhos e avistei
O pássaro branco do destino
E foi isso tudo o que eu pensei

Pois não havia aves nem mais nada
Além daquele som de violino
Que já era a Moira despertada...

domingo, 11 de dezembro de 2011

Iremos para casa... (de Alma Welt)


Psiqué (Alma Welt) - óleo s/tela (tondo) de Guilherme de Faria, 60cm de diâmetro, 2011, coleção do artista

Iremos para casa... (de Alma Welt)

“Iremos para casa”- disse o padre,
“Para o seio do Pai, verá, espere...”
Pena que o que penso não se enquadre
No que esse bom homem se refere...

Pois, pra mim, voltar ao lar é aqui ficar,
Ou melhor, na minha infância pampiana,
Com Rodo, as irmãs, a Açoriana,
Meu Vati, e a Matilde a me ralhar...

Reviver os lindos dias que vivia,
Uma vida quase só encantamento
Conquanto não faltasse a nostalgia

De voltar a viver cada momento
Entre os seres amados n’outro tempo,
Que a saudade de casa já existia...

09/01/2007

A Poesia da Memória (de Alma Welt)


O Rosto da Alma - Detalhe do quadro de Guilherme de Faria, O Sonho de Alma Welt com o Pavão Misterioso, 100x100cm, 2005-2011

A Poesia da Memória (de Alma Welt)

Reviver a vida toda num segundo
De síntese sonora me foi dado
Quando descobri o fim e o fundo
Do tesouro no coração guardado,

Que é o dom da alma de reter
Cada emoção vivida e seu sentido,
Se algum senso for preciso pra viver,
Já que este é puro fluxo incontido.

Como gente que cultiva o seu quintal,
Refiro-me à poesia da memória
Que desenvolvi mais que o normal.

E como as jardineiras prestimosas,
Interessadas na beleza e não na glória,
Fiz das minhas palavras minhas rosas...

08/01/2007

sábado, 10 de dezembro de 2011

Saudade de tudo... (de Alma Welt)



Saudade de tudo... (de Alma Welt)

De tudo ando morrendo de saudade
Conquanto ainda jovem, tão idosa
Como a própria a vida que se evade
Entre os dedos, tênue e vaporosa...

Tenho chorado ante fotos e canções
Até de tempos outros que não meus,
De partidas de trens ou carroções
E lágrimas mais válidas de adeus...

Então o que será, ó meu momento,
Quando a partida mesma for a minha?
Poderás ser um mais real tormento?

Ah! Quero abraçar o acontecido,
Rostos, lábios, o gosto que o amor tinha,
Tudo aquilo que foi belo pois vivido...

04/01/2007

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Flamenco (de Alma Welt)


Flamenco - pintura de John Singer Sargent


Flamenco (de Alma Welt)

Tem dias que me sobe um calor grande
E tenho que dançar feito uma louca!
Soltar os meus cabelos nem me mande,
Que nunca eu os tive numa touca...

Subir num tablado ou numa mesa
A pedir palmas e o flamenco da guitarra,
A dançar como cigana, não princesa,
E fazer jus à minha fama de cigarra.

E mais! Ficar assim naquele estado
De transe, muito perto de morrer
D'estalar dedos, e mais sapateado!

Pois a chama que me toma é pela vida.
Ah! por meu fogo de amar tanto viver,
Peçam bis pr' adiar-me a despedida!...

12/01/2007

sábado, 8 de outubro de 2011

Lembranças do Jardim Paterno (de Alma Welt )


Lembranças do Jardim Paterno (de Alma Welt )
"Sul paterno giardinno scintillanti..." * ("Le Ricordanze", dos "CANTI" de Giacomo Leopardi)

O meu jardim paterno, cintilante
De fadas pirilampos e memórias
Volta à minha mente a todo instante
Nestes tempos de exílio e de histórias

Que passo a contar às minhas vizinhas
De apartamentos outros neste prédio
De vivências talvez mais comezinhas
Ou porque não têm outro remédio

Senão ouvir a gaúcha em nostalgia
A contar-lhes de coxilhas e lonjuras
Onde o vento corre e não desvia...

Mas por incrédulos sorrisos hesitantes
Eu, triste, lhes percebo as conjecturas
Que lhes negam minhas luzes cintilantes...

15/06/2001

Nota
* scintillanti- "cintilantes (no plural) referente às estrelas e não ao jardim, no poema de Leopardi que começa com o famoso verso "Vaghe stelle dell'Orsa, yo non credeva), que Luchino Visconti adotou como título de um seu maravilhoso filme em preto e branco dos anos 60, com Claudia Cardinale no seu momento de maior esplendor : Vagas Estrelas da Ursa.

Mais um soneto inédito descoberto hoje (!!) na Arca da Alma, e que pela data se refere ao tempo em que a Alma morou nos Jardins, no seu "auto-exílio" (como ela dizia) paulistano, na rua Oscar Freire, onde tinha seu ateliê e onde o pintor Guilherme de Faria a descobriu e lançou para o mundo (lucia Welt)

Náufraga (de Alma Welt)


Náufraga (de Alma Welt)

Quando guria li sobre Nemrod,
Poderoso caçador diante de Deus...
Que ingênua eu era, vê se pode:
Logo eu pensava em pai e irmão meus

Que a mim me pareciam soberanos,
Meu pai com seu piano na coxilha
E Rodo, jogador, com seus arcanos,
Eu, princesa prisioneira numa ilha

De onde enviava minhas mensagens
Como bilhetes de náufraga perdida
Em garrafas lançadas desde as margens

Para que alguém me viesse resgatar
De mim mesma para conhecer a vida,
Verdadeira, pois lá fora... e além-mar!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)


Alma e o Mar - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2003, 30X40cm

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)

E eis-me aqui em alta passarela
Onde eu posso avistar o mar sem fim
E saudar uma longínqua caravela
Que acena suas velas para mim.

Como e porquê o sei, se me pergunto,
Responderei que tudo sou só eu,
A montanha e o mar, esse conjunto
E o aceno que o mar me devolveu.

Irei de mim comigo, ou volto a mim?
Jamais se parto ou chego saberei,
Que ondas só conheço as do capim...

Entranhada marinha em que me vejo
Nesta rubra montanha em que me sei
Tão somente a Alma e meu Desejo!...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Carta (de Alma Welt)


A Carta- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100X80cm, coleção particular, São Paulo

A Carta (de Alma Welt)

Me recordo do ângulo em que eu via
Aquela carta que chegou com um buquê,
Cujas cores e o perfume que eu sentia
E que um puro coração ainda vê

Era, sim, todo o sentido que restou
Embora eu me lembre de seus dedos
E como a bela mão manipulou
As contas de um colar, como brinquedos.

E na alma da poeta que eu seria,
Perdoem se pareço pouco humilde,
Romântico enredo se fazia.

Mas hoje vem à mente um outro lance:
O olhar de censura da Matilde
Que me ficou gravado num relance...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor e Arte (de Alma Welt)

Quê esperei da vida senão Arte
E amor, para mim a mesma coisa?
Deus em mim, em nós e em toda parte:
Welt, Mundo, Santos, Souza, Soiza.

Tudo a respirar o mesmo amor!
Que é a única razão de haver vida,
Que sem ele é só luta e dissabor
E um penar de dor e pura lida...

Então não perdi tempo no lazer
Nem procurei jamais me divertir,
Que é sentido menor de se viver.

Mas êxtase, desejo, até delírios,
Ardência do agora, não porvir,
E os beijos da alma, como lírios...

sábado, 11 de junho de 2011

A Árvore da Inocência (de Alma Welt)

Não me fiz de rogada ao meu amor,
Que hipócrita não fui jamais na vida.
Junto à árvore encontrei-o com ardor
No pomar de nossa infância decidida...

Todavia não descarto a inocência
De tão extremo gesto, e de tão puro.
Não aceitei jamais o dedo duro
Que nos apontaram sem clemência.

Do pomo não sentimos nem o cheiro
Pois dele não havia ainda a semente
Como àquele par de irmãos primeiro

No horto ancestral da Mãe Natura
Que não precisaria da serpente:
Amor ali havia em forma pura...

sábado, 4 de junho de 2011

O Ramalhete (de Alma Welt)

Como um grande buquê ou ramalhete
A primavera não nos vem por certo
Com lisonjas d’um cartão ou só bilhete...
Mas que admirador, temos, secreto!

Cada dia vivido é um presente
E é mais fácil nos pegar surpresos
Sem mesmo merecê-lo, simplesmente,
Nós que temos mesmo rabos presos...

Quanto a mim, pra não restar suspeita,
Recebo do dia a honraria
Como se tivera eu boa receita

Do melhor viver, correto e digno
E com falsa modéstia me persigno
Quando aquele aplauso me anuncia...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Para Onde? (de Alma Welt)


Para Onde? (de Alma Welt)

Para onde terá ido o realejo
Que nostalgizava minhas ruas?
Já faz tanto tempo... não o vejo
E isso envelhece minhas luas...

E o firinfimfim do amolador?
A gaitinha de pã tão pobrezinha,
Cujo som, por si só encantador,
Afiava as facas todas da cozinha...

E o rententém, então, do paneleiro
Que chamava nossos apegados tachos
E panelas já tão gastas no braseiro?

O tequetéque dos bijus, estranho solo,
Matraca que atraía até os machos
E tirados de um latão a tiracolo...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Entre a lápide e as cinzas (de Alma Welt)


Crepúsculo no Pampa (cemitério na colina) -óleo s/ tela de Guilherme de Faria 20x50cm, coleção Giovanni Meirelles, São Paulo

Entre a lápide e as cinzas (de Alma Welt)

Meus queridos já dormem na coxilha
À sombra de um umbu também querido,
E eu hesito entre o que é pequena ilha
E o nosso vasto mar do olhar perdido,

Que é, sim, esta planura ondulada
Onde a poeira de meu corpo voaria
Fecundando a vastidão amada
Como o próprio pólen da Poesia.

E entre as flores da lápide sombria
E aquelas do meu campo em primavera
Meu coração balança em agonia.

Tão belo o epitáfio que me fiz!
Eu que tive palmas, quero bis
Para o último verso que me espera...


12/01/2007

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Traum * (de Alma Welt)

Não levantei meu punho contra a vida
Por um certo momento de desgraça
Que não revelarei, por comovida,
Ou porque até mesmo um trauma passa.

Traum, essa palavra é só um sonho
Na língua de meu avô germânico
Que um olhar legou-me assim bisonho
Que me tem evitado maior pânico.

Então sonharei, eis minha proposta,
Tudo é sonho mesmo... O que é real?
Meu próprio corpo branco é a resposta

Malgrado dores e roxa e triste mancha
Que também se apagará, creio, afinal,
Coberta d’ouro e prata, dona Sancha... *


Nota
* Traum- "sonho" em alemão e "trauma" em português, ambos os termos derivam do grego Traûma= ferida
Suponho que Alma se refere, com esse soneto, a um estupro que sofreu...

* Coberta d’ouro e prata, dona Sancha...- Alusão à antiga cantiga de roda infantil: Senhora dona Sancha, coberta de ouro e prata / Descubra seu rosto, queremos ver sua cara...

domingo, 15 de maio de 2011

O Último Verão (de Alma Welt)

Não pedirei mais que este verão
Às forças que decretam meu destino
Mas pretendo estar a postos no portão
Quando ouvir o som do violino

Aquele de soluços, de Verlaine
Que anuncia a chegada do Outono,
Já pedindo à alma que hiberne,
Quase pedindo já meu abandono.

Mas muitos me verão cantar, dançar,
Subir à mesa e pôr a saia na cabeça,
Tão certo que me venha a envergonhar...

E se não tomar um porre santo
É para que a alma não se esqueça
Do quanto amei a vida... quanto, quanto!


Nota
"Aquele de soluços de Verlaine"- Alma se refere ao poema de Paul Verlaine que começa assim: "Les sanglots longs des violons de l'automne / Blessent mon coeur d'une langueur monotone..."

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Póstuma (de Alma Welt)

Não saber o que será feito de mim
É uma dúvida voraz que me consome,
Pois em arte não vivi senão na fome,
Saciada serei eu depois do fim?

Dizem que a poesia em si se basta,
Que mais quer o jogral ou menestrel?
Manter a alma jovem e sempre casta,
Cantar como cigarra... no papel.

Mas bá! vaidade, orgulho, natureza!
Queria olhar um povo de leitores
Suspirando de pena ou de beleza

Pela musa fiel que houvera sido,
Patética, febril, cheia de dores
Por votada ao Verso ter nascido...

domingo, 1 de maio de 2011

A Mendiga (de Alma Welt)

Quero morrer encostada num barranco
Feito a mendiga de uma estória,
Com o olho arregalado muito branco,
O constelado céu olhando, em glória.

Se tiver neve, melhor, se não, lama.
Melhor relva e flores pequeninas;
O barranco, espaldar da minha cama,
E a colcha só de cardos e boninas.

Incorrigível fantasista do singelo,
No fundo espero só o merecido:
Um horizonte de livros meus no prelo.

E o sonho de que ao divisar meu rosto
Um viandante se ponha comovido
Antes que o nosso sol se tenha posto...

domingo, 24 de abril de 2011

Forever Young (de Alma Welt)

Não me verei envelhecida no cristal
De um espelho cruel ou lisonjeiro,
As faces consumidas por inteiro
Ou com leve rubor, mas desigual,

Manchada pelo tempo ou derretida
Como cera de uma derradeira vela
A mal tremeluzir-me estarrecida,
Vendo a vida já passada na janela

Como vulto patético de outrora,
Um pensamento, um sonho desmentido
Ou que somente chegou fora de hora.

Não, não me verei senão assim:
Jovem para sempre, o prometido
Pelo qual pagarei com o meu fim...

sábado, 23 de abril de 2011

O Tempo das Cegonhas (de Alma Welt)

Agradecida às vezes me dou conta
Do imenso privilégio da Poesia,
Da dádiva de estar tão cedo pronta
Para contar tudo o que eu vivia

E fazer do soneto o meu Diário
Sabendo que cada santo dia
Era único e extraordinário
Mormente pelo modo que eu sentia

A vida qual mistério irrevelado
Com surpresas como chuva de granizo
A tamborilar no meu telhado...

E que percalços, dores e vergonhas
Seriam sempre entremeados pelo riso
Como eram no tempo das cegonhas...

(sem data)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ao encontro de Holofernes (de Alma Welt)


Judith e Holofernes- de Artemísia Gentileschi 1593-1653

Eu e Holofernes (de Alma Welt)

Duplamente perderá sua cabeça,
Que perdida já estava na luxúria;
Do sono que adveio, fundo à beça,
A Assur não voltará, desta Betúlia...

Pobre comandante, frágil ser
Diante dos encantos de mulher;
Volúpia que o leva a assim morrer,
Dissipação e perda que se quer...

Sua fronte, na cidade sitiada,
Para sempre ficará depois do cerco,
Que afinal transpôs a paliçada...

Minha mão a sustém pelos cabelos
Com orgulho, que por minha vez me perco,
Sem mais minhas carícias e desvelos...




"Ao encontro de Holofernes"- litografia de Guilherme de Faria, dos anos 70, à qual a Alma dedicou o seu soneto.


Ao encontro de Holofernes (de Alma Welt)
Ao Guilherme de Faria e sua lito "Ao encontro de Holofernes"


Atravessando o campo semeado
Da cruel safra futura que se avista
Na forma de barracas de soldado
Dispostos à matança e à conquista,

Com a ama entrou na tenda principal,
Aquela mais sombria, mais sinistra
Que ela então sabia ser do General,
A Besta da Betúlia, ali, à vista.

Só estrelas ouviram seus suspiros,
Na entrevista fatal com esta Lillith,
Que só se tem com ela... e os vampiros.

Pois ainda na calada dessa noite
Viu-se a sombra furtiva de Judith
De volta com seu prêmio de pernoite...

(sem data)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A Última Mascarada (de Alma Welt)

Rodo, ainda sermos belos é o sinal
De que não estamos em pecado.
Perdida, a alma traz cenho fechado,
Ricto de agonia em signo do mal.

Vê, somos leves, rimos tanto,
A primavera não nos abandonou;
A relva que pisamos como um manto
Jogado sobre o lodo, nos honrou.

Somos nobres, ergamos a cabeça,
Mal uma voz ou outra se elevou.
Pisemos e subamos na caleça.

Um baile de alegrias nos espera,
Se não no mundo, na corte que restou
Na derradeira Mascarada desta era...

(sem data)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Querência (de Alma Welt)

Ainda vago nos prados infinitos
Que me viram guria florescente
Buscando conferir pequenos mitos
Que me espicaçavam docemente

Uma curiosa ternura sem pieguice
Que foi a nascente dos meus versos
Conquanto minha mãe me atribuísse
Propósitos e impulsos mais perversos.

Mas encontrar o amor de meu irmão
Debaixo da árvore da inocência
Foi destino disfarçado de ilusão

E outrossim o esteio de uma vida,
O senso verdadeiro de “querência”,
Que fez de mim esta Alma agradecida.

07/05/2004

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Abramos as janelas (de Alma Welt)

Abramos as janelas, meu irmão!
A vida esta penumbra não requer.
Os mortos receberam sua porção
Do respeito e pranto que se quer.

Nosso pai era alegre, bonachão
E não um melancólico qualquer.
Nossa mãe era o poder como mulher,
Agora esse poder está no chão.

Nossa índole é clara, luminosa,
Não fomos feitos para o pranto,
Nem culpas e, muito menos, glosa.

A verdade estava ali naquele prado:
A terra os cobria com o seu manto
E eu sentia tuas carícias, disfarçado...

(sem data)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Jogral (de Alma Welt)

Para prosseguir minha jornada
Lanço mão de certos artifícios,
Não os da vaidade declarada
De que dispenso os sacrifícios,

Mas plantar sementes no agora
Dos frutos do porvir, a macieira
Dos pomos dourados de uma aurora
Vislumbrada por mim a vida inteira,

"Eis a maior vaidade!" -vós direis-
"Tudo é vão, na morte tudo finda,
Até o fausto e poder de antigos reis!"

Mas eu, ainda guria, constatei
Que o jogral do rei o canta ainda,
Eis o poder maior que já encontrei.

(sem data)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Nove Sonetos recém-descobertos da Alma

Prece (de Alma Welt)

Pelas doces manhãs da juventude
Em que eu acordo a rir e a rodar
E tudo é motivo e completude:
O casarão, a pradaria e o pomar...

Pela graça de ser bela e muito mais
Por ser amada pelo Vati, meu Maestro
Pela Mutti, irmã Lucia e o irmão destro
Nos jogos de cartas e pedais

De seus bólidos brilhantes, perigosos
Que ele jura como as cartas dominar
Como fazem os talentos ociosos

E ao fim das temporadas retornar
Para os braços meus já tão saudosos...
Eu sou grata demais por tanto amar!



A jornada de outono (de Alma Welt)

Não estaremos prontos no final
Nem felizes, talvez, o que é pior.
O prêmio reservado no portal
É um remordimento bem menor,

De consciência, digo, e não é pouco
Pois o espectro daquilo que evitamos,
Agoniza ou gesticula como um louco
Exigindo a atenção que não lhe damos.

Mas um puro coração é sempre leve
E voa ao vento oeste como folha
Na jornada de outono muito breve...

Então, sentemos na varanda, meu irmão
E deixemos que o inverno nos acolha
Enquanto ardente beijas minha mão...

14/01/2007


Da Saudade (Alma Welt)

“Estranho, não desejar mais nossos desejos...”
(primeira Elegia de Duino- Rainer Maria Rilke)


“Não desejar mais nossos desejos...”
Imagino que isso chega com a idade,
Se alcançarmos o tempo da saudade
Que já não almeja os seus ensejos,

A pura saudade, conformada,
Que é dom e consolo dos idosos
Como compensação da caminhada
Igualmente para tristes ou ditosos.

Então, feliz do homem despojado
Cuja saudade é plena e não carente
E que a afaga lenta e docemente...

Vê: na nossa mente tudo temos,
Nada perdemos e tudo é renovado
Pois que só na alma é que vivemos.



Iniciação (de Alma Welt)

À meia noite o portal se abria
E tudo se passava no meu bosque.
Eu saía do meu quarto e lá eu ia
Para o mágico encontro no quiosque

Das fadas e demais elementais
Que temias, eu me lembro, e evitavas
Como conspirações de ardis fatais
Que nos mandariam e tudo às favas:

A ordem, os desígnios e o destino
Que a gente há muito construía
No plano destes prados, dia a dia.

Mas tu mesmo, Rodo, foi primeiro
A me mostrar no espelho o aço fino
Entre o bosque e o mundo verdadeiro.

(sem data)



Perdidos Amores (de Alma Welt)

Ausculto o silêncio desta casa
E ouço a algaravia de seu sonho
Distinguindo o murmurar tristonho
Dos amantes perdidos, já sem asa,

Arrojados ao solo do malogro
Quando tudo perderam, com a vida
Que ofereceu sua chance como jogo
De falsas opções cobrando a dívida...

Como é triste a estória dos amores
Que tudo apostaram sem futuro
Na fusão do ser, ó meus senhores!

E tudo enfim perderam, como soe
Acontecer na vida de um ser puro
Que crê no amor eterno, ah! como dói!



O sentido do ser (de Alma Welt)

“A poesia é o autentico real absoluto.
Quanto mais poético, mais verdadeiro”. (Novalis)


Encontrar o sentido de viver
Não é tarefa simples, corriqueira...
Percebo que a humanidade inteira
Vive a esmo acreditando ser

E existir sem ao menos suspeitar
De que possa ser parte da ilusão
Que a vida edifica em pleno ar,
Onde ser ou não ser é tudo em vão.

Questionar a existência do real
Já é parte da construção possível
Do universo em seu plano ideal

Que é o sonho lúcido em poesia
Como termo verdadeiro e mais tangível
Que o divino com o ser reconcilia...

(sem data)


Revelação (de Alma Welt)

Voltemos para casa, meu irmão,
Que sinto um aperto aqui no peito.
O Vati nos espera, eu bem suspeito,
Com a resposta ou melhor: revelação

Da pergunta que deixei plantada
Na mesa na forma de um enigma
Que pode decidir, numa cartada
E retirar de nós o nosso estigma.

Antes do que for, pois, respondido,
Saiba: eu creio não seres meu irmão
E que assim, nosso amor é permitido.

Eu sempre vi em ti um outro sangue
Que me chama ao real mundo de ação,
Que, sem ti na vida, eu era exangue...


Sonetos (de Alma Welt)

Escrever sonetos infindáveis
É a minha missão e minha meta
Embora haja quem ache memorável
Outros hão que achem-me pateta.

Mas sei que registrando em poesia
Tudo o que vivo e sinto a cada dia,
Nada perderei da quintessência
Do existir em alma e consciência.

"É um vicio, isso sim!"- dirão alguns.
"Porque então não contas o teus podres
Ou ao menos confessas os teus puns?"

Mas eu não levo a sério tais reclamos,
E tratando como se fossem meus amos,
Lhes sirvo o melhor vinho dos meus odres.


O ananque das coisas (de Alma Welt)

A graça de viver é o mistério
Maior que podemos conceber
Já que não levando-nos a sério
É que descobrimos nosso ser.

Tudo é paradoxo e enigma
O contrário explica-nos melhor
O justo se denota pelo estigma
E o mal cria o bem ao seu redor.

Assim jogados neste mundo
É fácil em labirinto nos perdermos
Pois a vida é o dédalo profundo.

O ananque das coisas rege a vida,
Impondo-nos seus controversos termos
Em meio a tanta luta e tanta lida...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cabra-Cega (de Alma Welt)

A Poesia que coloco no papel
Será sempre a imagem verdadeira
Daquilo que projeto sob o céu
Enquanto brinco a louca brincadeira

Que é este estar às cegas nesta vida
Como aquele jogo dos infantes
Cuja eterna tensão durava instantes,
Do tatear e o reencontro, comovida.

Assim, também cego é o soneto
Que me faz percorrer sombria senda
De dores, emoções e algum tropeço,

Quando, afinal, na chave do terceto,
Inaudito como o fecho de uma lenda,
Toco meu próprio rosto... e o reconheço.

(sem data)

domingo, 13 de setembro de 2009

Como Florbela (de Alma Welt)

Não me perderás, ó meu irmão
Pois perdida de te amar eu já estou,
Como dizia a Florbela desde então,
Num tempo que o vento já levou.

Sei que evitas dramas, caem mal,
E às tragédias loucas da paixão.
Nisso não és nada original
Pois é do ser humano essa aversão.

Mas não pude a sensação mais evitar
De inafastável taça em nosso horto
Desde que flagrados fomos no pomar

Pois de já dentro de mim ela arrancou
Teu pequenino membro, como aborto,
E então algo pra sempre me faltou...

(sem data)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Vindima (de Alma Welt)

Estás em mim, irmão, sou toda tua,
E o êxtase de amar já me ilumina.
Não ousarão nublar a minha lua
Os que me vêm ao sol desta Vindima,

Irradiante pela graça deste amor
Que brilhou na minha face desde cedo,
Quando guria nova o destemor
Em quem talvez se espere tanto medo.

Não haveria para nós aquela carga
Atribuída aos pares desde Adão
E Eva, que provaram fruta amarga...

Vê, o fruto se fez doce de saída
E jamais culpa e pecado caberão
A quem de tanto amar nasceu perdida!

03/08/2002

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Moratória (de Alma Welt)

ou O sono dos amores (de Alma Welt)

De noite as fragrâncias do jardim
Trazem sonhos de antigos moradores
Desta casa tão vivida, e o jasmim
Como os elos perdidos dos amores...

Tais anseios não morrem, não têm fim
Conquanto adormecidos na memória
Das coisas que já eram mesmo assim
Ao pedirem paz ou... moratória

Por sofridas perdas e fracassos
Que são como os acertos, no final,
Pois tudo são caminhos e são passos

Já que a morte deixa tudo inacabado,
Sonetos em que o fecho é sempre igual:
Gozo e dor a reflorir sobre o gramado...

17/08/2006

domingo, 6 de setembro de 2009

Amor guerreiro (de Alma Welt)

O amor triunfante que concebo
Não é a minha teima ou meu consolo
E não venci reservas de um mancebo
Com a insistência de um monjolo,

Mas colheita ideal de uma procura
Em que a nota terá sido a liberdade
E o desafio além de uma saudade
Da fonte virginal que a alma cura.

Terá sido privilégio ou coincidência
Tê-lo encontrado aqui perto de mim
Mas nunca comodismo ou indulgência

Pois o preço a pagar pela ousadia
De assumir e cantar um amor assim
Faz de mim guerreira e... não vadia.

(sem data)

domingo, 30 de agosto de 2009

De sonhos, pipas, corações (Alma Welt)

Arrastados na corrente dos eventos
Vão os corações, de cambulhada,
Sonhos empinando-se nos ventos
Como pipas infantis na madrugada.

Bah! Depois sempre a derrocada,
Enroscados em fios ou altos galhos,
Pendendo, ali, patéticos frangalhos
Como triste ilusão abandonada.

Como custa renovarmos nossos sonhos
E empinar novas pipas encarnadas
Com os mesmos propósitos bisonhos!

Subir, galgar cabeceando, ah! subir
Esperando que as alturas alcançadas
Nos chamem, como a mãe, para dormir...

(sem data)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Vida em verso (de Alma Welt)

Constato que possuo dupla vida
Revendo-me mais nítida nos versos
Que continuam a vibrar depois de lida
E perpetuam lances bons e os adversos.

E ao rever esta já vasta bagagem
Que refaz meu percurso depurado
Eu percebo que nada foi bobagem
E o que a letra grava está gravado

E passa a ser a vida verdadeira
Pois o fato e o gesto se perderam
Na fugaz e vã vida primeira.

Eco de mim mesma que me encanta,
Sou ninfa cujos dons emudeceram
Mas ao tornar-se pedra vive e canta...

(sem data)


Nota
Alma reafirma mais uma vez, com a bela metáfora do mito de Narciso e da ninfa Eco, a sua fé na realidade da Poesia, na consistência de uma vivência em dimensão poética, como propunha Novalis.(Lucia Welt)

domingo, 23 de agosto de 2009

Soneto de boêmia (de Alma Welt)

Encontrei o meu amor pelas estradas
E o fiz entrar no meu jardim.
Plantei-o entre as flores mais amadas
E esperei ele florir como o jasmim

Que de noite faz sentir o seu perfume
E me faz descer da minha mansarda
Atravessando o casarão quase sem lume
Pra não despertar a quem me guarda.

E assim, à luz da lua alcoviteira,
Que delícias me são oferecidas!
Outras tantas perscruto sorrateira...

Então, ó sol, eu peço: não me peças
Abandonar as minhas noites proibidas
Onde o meu jasmim reina às avessas...

05/11/2004

Nota
Acabo de encontrar na arca da Alma este encantador soneto de sabor quase popular, com um declarado tom de malícia ingênua, e como sempre, com velada conotação alegórica relativa ao amor proibido da Alma pelo nosso irmão Rodo, com quem ela se encontrava de noite, no jardim no verão, descendo da mansarda que era o quarto dele, na época mais proibida e vigiada desse amor, quando nossa mãe,"a guarda", era viva.(Lucia Welt)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Pássaros migrantes (de Alma Welt)

Pássaros migrantes do meu sonho!
Eu os avisto a voar em formação
A caminho do Norte e sua canção
Que conheço só do que disponho

De livros e poemas nas estantes
Desde que era a guria tão curiosa
Projetando vagar mundos distantes
Talvez como escritora já famosa...

Me alce, ó bando, e leve com você
Nesse vôo lindo em esquadrilha
Com formato sugestivo de um “V”

Do qual não almejo a liderança,
E humilde seguirei a maravilha,
O sonho de que a Alma não se cansa...

(sem data)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Edital (de Alma Welt)

Manhãs do meu sonho, esfuziantes,
Que me faziam descer o corrimão
Deslizando como todos os infantes
Que habitaram este vetusto casarão

Naquela ânsia de viver e de voar
Pelo nosso jardim e pradaria
Ou sob a macieira do pomar
Cujo pomo a passarada me anuncia!

Gloriosas e radiantes minhas manhãs
Em que por sentir-me tão vital
Fazer quisera, igualmente, um Edital

Anunciando os frutos da Poesia
Que honrei, malgrado as horas vãs,
E “o tempo que perdi em ninharia”...

05/09/2006

Nota

Acabo de encontrar este belo soneto, verdadeira "profissão de fé" de poeta, na Arca da Alma. Notem que "...o tempo que perdi em ninharia" é uma citação na íntegra de um verso do primeiro terceto do soneto de Benvenuto Cellini (célebre ourives e escultor da Renascença Italiana) que serve de epígrafe ou prólogo para a sua famosa autobiografia. O soneto termina com estes versos:
" ...benvindo (Benevenuto) fui
Na graça desta terra da Toscana!"

sábado, 6 de junho de 2009

A quermesse (de Alma Welt)

Eu gostava da quermesse na cidade
E há pouco descobri a razão disso,
Ali há uma pequena sociedade,
Arremedo do mundo a seu serviço:

Sortes, jogo, comércio e pescaria
Além os tiros, desafios e os aportes,
Um jovem descobrindo uma guria,
Os olhares, suspiros e transportes,

E, bah! Os sonhos que não morrem,
Os anseios numa eterna romaria
Do coração que busca sua poesia

Em que lança suas raízes para o fundo
E se agarra enquanto as horas correm,
O carrossel girando como o mundo...


28/10/2006

terça-feira, 26 de maio de 2009

Plantei um poema em meu jardim (Alma Welt)

Plantei um poema em meu jardim,
Mais secreto e apto a dar flores
E que oculto permanece quieto assim
No tempo em que se agitam os amores.

Enquanto a juventude canta e geme
Lançando sua semente aos quatro ventos,
As minúsculas embarcações sem leme
Que vão dar às praias e tormentos,

Esta semente do poema da velhice
Lança suas raízes bem mais fundo
Antes de alcançar a superfície.

Pois meu poema sábio e despojado
Ainda não nasceu e é tão calado
Que talvez nem seja deste mundo.


05/10/2006


Nota
Acabo de encontrar este soneto na Arca da Alma, e que me parece uma obra-prima.
Este soneto parece ter nacido já como um "clássico" e contém as características fundamentais da poesia da grande Musa: o lirismo e nostalgia inconfundíveis da Alma, sempre mesclados de uma fina ironia, sugerida por sutis paradoxos. ( Lucia Welt)

sábado, 2 de maio de 2009

De eras, heras e medos (de Alma Welt)

"...Où sont les neiges d'antan?"
(Balada das Damas dos Tempos Idos -(François Villon)


As vetustas paredes desta casa
Guardam sonhos da farroupilha era,
Também medo tardio que extravasa
E se alastra agora como a hera

A recobrir daninha esta fachada
Tornando-a mais sombria que vital
E nada hospitaleira à convidada
Que eu trouxe da longínqua capital

E que de noite acorda e se me agarra
A debater-se qual barca em sua amarra
Na torrente dos soluços e das mágoas

Das prendas que qual "neves d’antanho"
Ora permitem degelar as suas águas
Pois que então o heroísmo era tamanho...

2004


Nota

Acabei de encontrar este soneto inédito que percebi corresponder aos primeiros tempos da estada de Aline na estância. A namorada paulistana da Alma teve um filho de nosso irmão Rodo e acabou voltando com a criança (Marco) para São Paulo, contra a nossa vontade (que a amávamos), depois de dois anos (vide o romance O Sangue da Terra, de Alma Welt, no blog com este nome). (Lucia Welt)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

A ânfora em vermelho (de Alma Welt)

(ou Auto-biografia breve)

Eu sinto que estou perto da vida
Quando observo o mundo e sua lida
A partir deste reduto aonde vim
Viver desde que me dei por mim,

Guria entre piás, e deslumbrada,
Chegada da pequena Novo Hamburgo
Onde após me ver parida numa estrada
Meu pai fora viver qual demiurgo.

E aqui fui, neste vetusto casarão
Educada para ser o seu orgulho
E não a simples filha do patrão,

Mas aquela que seria o seu espelho,
E como grega ânfora em vermelho
Compensar do passado o mero entulho.

(sem data)

Nota
...grega ânfora em vermelho- Alma (que era ruiva) se refere àquele tipo característico de cerâmica ática (da antiga Grécia) que tem como característica as figuras pintadas somente em vermelho (ficando assim chamadas pelos arqueólogos, colecionadores e museus), das quais constam tantas obras-primas, e que quando encontradas numa escavação compensam toneladas de entulho, ou simples terra e pedras inúteis. (Lucia Welt)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Álbum de memórias (de Alma Welt)

Meu álbum fotográfico do Pampa!
Bah! Como narram minha história
As fotos em que o rosto meu se estampa
Fundidas co’as que guardo na memória!

Ali me vejo pequena e cacheada,
Com estranho vestido até os pés,
De antiga gola branca e rendada
E co’aquele olharzinho de viés.

Depois, donzela branca e sensível
A colher flor no jardim ou na campina,
A Infanta que a si mesma se imagina.

Depois ainda, a pintora-poetisa
Pincel na mão e a paleta indefectível
Melhor ali que o quadro, e mais precisa...

(sem data)

O Iceberg (de Alma Welt)


O Abismo da Alma (ou O Iceberg)- óleo s/ tela de Guilherme de Faria


Deus criou o mundo inconsciente
Onde somos todos Anima e magia.
A razão é um universo penitente,
Diminuto, limitado, dia a dia.

Mas na base imensa do iceberg,
Que riqueza, que cosmos, que amplidão,
No sonho que a alma ainda persegue
Ao despertar pela manhã em solidão!

Como, pois, duvidar do dom divino
Se a própria divindade compartilha
O poder, o mito e a alegoria

No sono do velho e do menino?
E desta Alma desperta em sua ilha
A sonhar um oceano de alegria...

15/12/2006

terça-feira, 28 de abril de 2009

Fênix (de Alma Welt)

Toda a experiência acumulada
Foi vã diante da força do momento
De emoção pungente e desatada
Produzida por antigo sentimento

Que voltou a mim como um pampeiro
Quando confrontei meu próprio amor
Ao vê-lo adentrar o meu terreiro
Vindo em minha direção... o predador!

E então, ó santa ingenuidade!
Um rubor me sobe, ó inocência!
E o tremor substitui toda a saudade.

E como uma donzela de outra era
Voltei a sonhar a tal quimera
Do primeiro amor em sua demência...

(sem data)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O pêndulo parado (de Alma Welt)

Vou-me daqui, Rôdo, por ora.
Não posso mais, não passarei na prova,
Nosso pai amado foi-se embora,
Eu mesma o vi descer àquela cova.

Tudo por aqui clama ou ilude,
Meu coração tropeça em sua sombra,
Ouço ainda seus passos sobre a alfombra
Que deveria guardá-los em quietude.

Mas os livros, mudos, o piano...
E o relógio da sala é só silêncio,
Os ponteiros no vão doze romano,

Imóveis congelados no momento,
O pêndulo inerte, ponte pênsil
Sobre o nada eterno e seu tormento...

(sem data(1999?)

domingo, 26 de abril de 2009

Manhãs (de Alma Welt)

Belas manhãs, esplêndidas manhãs
Quando após um breve chimarrão,
A geléia e o queijo sobre o pão,
Eu corria para o prado e seus afãs.

E abrindo meus braços para o céu
Azul de doer de tão perfeito,
Eu experimentava vir do peito
Das andorinhas o mágico escarcéu.

E no calor girava até cair
De tontura, emoção e euforia
Por estar viva e tanto isso sentir.

Mas eis que a sombra começava a vir,
Não do umbu a fronde que alivia,
Mas do afoito coração que entardecia.

(sem data)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Noite do Maestro (de Alma Welt)

5

Noite perplexa, pálida e demente
A se estender da casa à pradaria
Desde o coração da minha gente
Concentrada no salão e escadaria,

Todos à roda do corpo tão presente
A que só eu via a grande espada
Entre as mãos no peito e repousada
Longitudinal e reluzente...

O maestro jazia inanimado
Mas a música de seus dedos se ouvia
A tocar num gravador ultrapassado,

Parecendo vir de longe, muito longe,
D’uma idade recheada de magia
Onde fora grão-senhor, guerreiro e monge...

03/01/2001


Nota
Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que junto à serie dos "Delirantes", embora seja bem claro e descritivo do velório do Vati (papai) que para os novos leitores esclareço que também era chamado de Maestro pelos peões e alguns de nós, pois era um grande pianista embora fosse médico (só exerceu a medicina na juventude). (Lucia Welt)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Sonetos delirantes da Alma (de Alma Welt)


pintura de autoria de Alma Welt


Sonetos delirantes da Alma (de Alma Welt)

O gaucho triste (de Alma Welt)
1

Vinha o gaucho ereto em sua sela,
Montado no vento e sem cavalo.
A noite carecia de uma vela
Que a lua era negra e sem um halo.

“Vai-te”, disse eu, “por quem me tomas?”
“Sou a prenda fiel de pai e irmão,
E não deixarei que escuras formas
Venham entrever meu coração!”

E o gaucho espectral continuava
Ali, com a face branca e triste,
E o zum de seu silêncio se arrastava.

Longos bigodes, chapéu de barbicacho,
No seu punho uma lâmina em riste,
A outra mão a conter o rubro facho...

05/02/2004


Sob a figueira (de Alma Welt)
2

Sob a figueira em sonho estava ela,
A branca peregrina de uma noite,
Sentada de viés em sua sela
Os olhos a pedir que não me afoite.

E eu me aproximei arrepanhando
Minha longa saia de cetim
Com meus pés inseguros caminhando
Numa espécie sedosa de capim

Dourado, como a bruma que luzia
E envolvia tudo em doce flama
Que por si apaziguava e seduzia.

E eu ouvi a voz que se me canta,
E o coração, ao recordar, ainda inflama:
"Virás comigo em breve, Alma, Infanta."



A Cavalhada (de Alma Welt)
3

A cavalhada vem durante o sono
E passa por mim em sobressalto,
Que desperto então em pleno Outono
Com as folhas varridas para o alto.

E corro, bah! eu corro desde então
Das minhas horas em fluxo contrário
Que buscam varrer-me para o chão
Com seu vento forte e arbitrário,

O Minuano, sim, que se diz dono,
E me quer não como às folhas, mas mulher,
Eu que prefiro os cavalos do meu sono

Que brancos como ondas me seduzem
E no abismal galope me conduzem
Aos páramos profundos do meu ser...

10/03/2005



Noites abrasadas (de Alma Welt)
4

Noites abrasadas, tão freqüentes
De minha grande dor transfigurada,
Quando o vão clamor pelos ausentes
Deixava o meu rastro pela escada.

Madrugadas doridas entre os galos
E os latidos longínquos na estrada;
Os minutos escorrendo pelos ralos,
Dedos e passos percorrendo o nada.

Depois o som há muito ausente do piano
Negro e mudo, a vir do tétrico Steinway
Que o mestre dedilhava e outrora amei,

Agora que só tons graves se ouvem
Tangidos pelo intruso Minuano
Como arremedo surdo de um Beethoven...

06/01/2007


Nota
Acabo de descobrir um novo tesouro na Arca da Alma: um grosso maço de papel contendo sonetos manuscritos que pelo seu timbre e conteúdo resolvi entitular "Sonetos Delirantes da Alma".
A grande poetisa cultivava também uma vertente obscura e misteriosa, por vezes assustadora, na sua imaginação tão rica de mundos e timbres.
À medida que os for compilando e digitando, irei publicando numerados. Talvez tome a liberdade de entitulá-los, para efeito de melhor divulgação no Google, pois Alma não fez, nem sequer os numerou.
(Lucia Welt)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Amo colher flores (de Alma Welt)

Amo muito colher flores nestes prados
Já tangidos pela aragem da manhã,
E cercada por volteios e agrados
Das abelhas e os zumbidos feito imã

Como disse o canoro Djavan
Do som dos besouros e seu ouro
Em torno à brancura tão louçã
De minha própria carne e pêlo louro,

Em sossego também entre as ervinhas
Que me fazem, bah! lembrar-te, “linda Inês”
E “o nome que no peito escrito tinhas”,

Eu que não passo, cercada de mensagens
E poemas do antigo amor cortês,
De uma prenda a vagar entre pastagens...

08/06/2006

Notas

*...zumbidos feito imã- alusão ao refrão da famosa canção de Djavan:
"Açaí, guardiã/
Zum de besouro um imã/
Branca é a tez da manhã "

*chinoca- diminutivo de "china", expressão gauchesca do pampa riograndense para rapariga, guria.

*"...linda Inês"..."o nome que no peito..."- citação dos versos famosos dos Luziadas, de Camões: "Estavas, linda Inês, posta em sossego/ dos teus verdes anos colhendo o doce fruito.../
..."ensinando ao monte e às ervinhas, o nome que no peito escrito tinhas."

Perdidas ilusões (de Alma Welt)

Sonhos meus, perdidas ilusões!
Como diziam as que me precederam,
Tolas donzelas, as que excederam
As regras, como eu, com os varões.

Quebrei contratos, talvez, e mesmo a cara,
Como dizem agora, e com razão.
Recolho-me ao meu sexo, mais avara,
Que não provoco mais nenhum machão.

Traumatizada? Sim. Eu me confesso.
Fui invadida mesmo, sem mercê,
Mas à mercê de fato de um possesso.

Trago ventre e traseiro doloridos,
A retaguarda mais, como se vê
Pelo mau passo e sorriso, tão sofridos...

14/10/2004

Nota
Acabo de encontrar na arca este singular soneto, que pela data corresponde ao período logo após a chegada de volta ao nosso casarão, depois de sofrer o estupro (inclusive anal!) por parte do namorado de Aline, que invadiu o ateliê-apartamento de São Paulo quando Alma se encontrava sozinha encaixotando os livros para retornar com Aline à estância. Alma tinha se tornado amante de sua modelo que abandonara o namorado de mais de um ano, por ela, a pintora e poetisa que a contratara e por quem se apaixonara ( episódio que consta no romance autobiográfico inédito A Herança, de Alma Welt).
Resolvi publicar aqui, e não nos “Eróticos” simplesmente, este patético e estranho soneto revelador, de humor auto-crítico e ligeiramente amargo, pois pretendo me manter fiel ao voto de respeitar o seu desejo de revelar tudo, de tudo narrar, sem nenhuma auto-censura, a extraordinária e por vezes sofrida trajetória anímica e existencial que fez dela uma das mais extraordinárias autoras confessionais da literatura universal, ao meu ver e já no de muitos leitores. (Lucia Welt )

Voltem meus amores

Voltem, oh! voltem meus amores,
Que aqui os espero em meu tugúrio!
Agora o meu amor e seus humores
Devem menos a Eros que a Mercúrio,

O esperto deus ligeiro das mensagens
Dos amantes, dos deuses e ladrões,
E tanto aos vãos amores temporões
Como àqueles precoces e selvagens.

Saibam que os espero em concílio,
Todos à roda do perdido coração,
Que acabo de voltar do meu exílio...

Estou de volta à terra do meu ser:
Aqui posso amar sem exclusão,
Abraçá-los todos juntos e... morrer.

05/07/2004

Nota
Este belo soneto já revela o pressentimento da Alma de que o ciclo de sua vida se fechava e que não viveria muito mais. Ela queria reunir poeticamente todos os seus amores e paixões, reconciliando-se com todos, inclusive com os que duraram tão pouco. Alma conseguiu expressar algo difícil como este concílio simbólico dos amores de toda uma vida num abraço final, carinhoso, redentor... ( Lucia Welt)

segunda-feira, 16 de março de 2009

A ribalta (de Alma Welt)

Sou feliz, meus leitores, reconheço,
Pois amo e sou amada, nada falta.
Em torno a mim, a teia que não teço:
A platéia calorosa, eu na ribalta.

Atenta aos meus versos de guria,
(pois que piá ainda já me ouviam)
Que somente ventos fortes impediam
Declamar meus versos, que mania!

E assim se me tornou essencial,
Que como respirar eu necessito
Escrever o meu soneto matinal,

Outros tantos depois durante o dia,
Sonetos que, esses sim, tecem o mito
Que me fiz em honra mesma da Poesia!

(sem data)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Adeus Pampa (de Alma Welt)

Pampa amado de minha juventude,
Da guria que fui e ainda sou!
Dói-me demais saber que não mais pude
Prorrogar os prazos que me dou.

Devo partir, eu sei, chegou o fim,
O Grande Gáltcho recusou a apelação,
A última que fiz, não só por mim
Mas por meu amor e meu irmão.

Por Lucia, Matilde e o bom Galdério,
Pelos guris no jardim do casarão,
E o bosque que me foi um refrigério.

Ah! A biblioteca imensa e amada
Também sala do piano do patrão,
E, ai! Rodo, nossa alcova na mansarda...

18/01/2007

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A Arca (de Alma Welt)

Tendo sido aventureira em minha vida
Estive no limite, nos extremos.
Quantas vezes me julguei até perdida,
Vagando por lugares muito ermos

Da alma, onde poucos se arriscaram,
E a sentir o quanto é perigoso
Chegar onde os maiores habitaram,
Seus longínquos páramos de gozo!

É hora de fazer meu testamento
Implícito nos versos derradeiros
E legar o cabedal do pensamento:

Deixar meu tesouro nessa arca
Que veio dar a mim desde Petrarca,
Ouro d’alma em sonetos verdadeiros...

17/01/2007


Notas
Acabo de encontrar na arca da Alma este "testamento" que constatei ser inédito, nunca publicado pela Poetisa em nenhum portal. Por ele percebemos que ela considerava a sua arca como o resultado de uma vida de aventuras anímicas (a alma como uma espécie de transcendente pirata?) ou a herança do manacial de inspiração dos grandes sonetistas desde Petrarca, cuja Musa celebrada foi Laura. (Lucia Welt)

* "Ouro d'alma em sonetos verdadeiros"- Encontrei na arca uma variante deste soneto em que o terceto o final aparece assim:

Deixar meu tesouro nesta arca
Que veio dar a mim desde Petrarca,
Laureada em sonetos verdadeiros*

em que, curiosamente, a palavra "laureada" ao mesmo tempo que evoca a coroa de louros que cingem as têmporas dos grandes poetas na iconografia antiga, faz evocação de Laura, a musa celebrada de Petrarca.
Não sabemos por qual verso final Alma realmente optou no seu soneto.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Primeiro amor (de Alma Welt )

Amores como sonhos se desfazem
Tênues como teias entre as ramas
Se deixamos de urdir as nossas tramas
Enquanto as ilusões se liquefazem.

Mas resta o amor que ainda esperas,
Somente aquele um, da nossa infância,
O beijo virginal de uma criança
Que reconhecemos de outras eras.

Os olhos de uma corça em seu candor
E o cheiro, ah! o perfume de uma boca
De pequenos lábios como flor

De que perseguiremos o respiro
(conquanto uma só vida seja pouca),
De cujo alento é feito o último suspiro.


(sem data)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Balanço da Vida (de Alma Welt)

Lancei meu nome aos quatro ventos
Desde o Pampa a plena pradaria,
Levei minhas notícias de Poesia
Nas pequenas aventuras e eventos

Que me souberam assim universais,
Pois os homens são um só, o mesmo medem
A oeste, norte, sul... leste do Éden,
Quanto mais fiéis aos seus quintais.

E assim vi minha Vinha prosperar
E as ramas do vinhedo me cercarem
Com os cachos sumarentos a brilhar.

Mas sei também meus poemas como hera,
Gavinhas que pressinto se alastrarem
Nas paredes da Casa que me espera...

17/01/2007

sábado, 27 de dezembro de 2008

A Ronda (de Alma Welt)

A Ronda (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu jardim
Rever minhas memórias prediletas,
Ali, entre os eflúvios do jasmim
E o aroma mais sutil das violetas.

Como danço e giro em minha ronda!
Como sinto leves os meus braços!
Meu corpo quer rolar como uma onda
Ao rememorar os meus abraços,

Sim, dos meus amores, de guria
Que de tanto amar já me perdia
Naquela ânsia louca de entregar-me

Que fez de mim mesma minha amante
Por puro entusiasmo pela carne
Que tornava eterno cada instante...

10/01/2007

Nota
Encontrei agora, de madrugada, mais este soneto inédito, na arca da Alma, que me parece especialmente belo, e que reitera essa nota característica do "egotismo sublime" da nossa Poetisa. Por sua excepcional beleza, Alma tornou-se sua própria amante, como Narciso poético (redundância) que ela era. Não podemos culpá-la: diante dela sentia-se a legitimidade dessa paixão que transcendia a mera auto-estima. Pois nela, tudo parecia belo. Pelo tom, pelo talento, pela estética doce e natural de suas atitudes.(Lucia Welt)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O prelúdio sem fim (de Alma Welt)

Uma vez, voltando do meu prado
E já atravessando o nosso mate,
Ouvi um prelúdio executado
Por alguém que só podia ser o Vati.

Corri pelo jardim, logo o salão,
E chegando ao escritório para vê-lo
Surpreendi-me ao encontrar o irmão
Como de praxe a coçar o cotovelo.

Onde? Onde está nosso maestro?
Eu indaguei, espantada e meio tonta.
Quero ouvi-lo, me parece falta um resto!

"Minha irmã"- disse ele sério para mim-
"É um prelúdio para ti, não faça conta,
Que jamais irei tocá-lo até o fim..."

(sem data)


Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que me dei conta de ser inédito, nunca publicado por ela ou por mim. Fui testemunha desse episódio. Rodo tocava piano maravilhosamente e compunha, raramente. Alma achava que ele desperdiçava seu talento, dedicando-se cada vez mais ao pôquer. Mas me parece que, ele ter composto um prelúdio inacabado para a sua Alma, contém uma vaga alegoria... (Lucia Welt)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )/

Este soneto foi publicado primeiramente no meu blog O Espaço do Irmã da Alma na segunda-feira, 24 de Novembro de 2008

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )

Pelos labirintos desta estância
Vagueio como outrora sob a luz
Agora com temor e esta ânsia
Que não obstante me conduz

Pelas sendas onde ontem fui feliz
E corria alada a colher flores
Para florir meu quarto de aprendiz
Da Poesia, do Amor e suas dores.

Como viver os dias que me restam?
É a pergunta recorrente, intrometida
No rol de pensamentos que me infestam.

Ruivas colunas, galgando patamares,
Ruivos cabelos flamejando pelos ares,
Eis a Alma... que corre... já ferida!

18/01/2007

_______________________

Nota
Estarrecida acabo de encontrar este soneto inédito da Alma em sua arca do sótão, em que a imagem do Labirinto se confunde com a escadaria de colunata vermelha do palácio de Cnossos, em Creta, que nitidamente é o cenário ou metáfora que perpassa o poema, de dolorosa premonição da morte. Na verdade, cheguei rapidamente a essa interpretação porque Alma tinha um cartão postal dessa escadaria ladeada de colunas ("ruivas" como os seus cabelos) pregado com alfinete num painel de cortiça, de recordações de viagens e amigos, no seu quarto. Alma acreditava ter já vivido em Creta nesse palácio do Labirinto. Mais uma vez tive que chorar... (Lucia Welt)

sábado, 16 de agosto de 2008

Odisseu (de Alma Welt)

"Somos para a Morte", disse alguém,
E desde então eu me pus a meditar,
Coisa inusitada para quem
Todas as dádivas vieram se somar.

A beleza é vã, efêmera, fugaz,
Diz Matilde, o que a Mutti já dizia,
E eu desconfio que apesar de pertinaz,
Tal pensamento deriva da apatia.

Ah! Odisseu, meu grego predileto,
Que disseste (e por isso foste honrado)
O quê é o homem? Cabal, doido completo

Que se acaba com um simples resfriado
E que no entanto, aqui como em Elêusis,
É capaz de afrontar os próprios deuses!

_________________________________________
_______________________________________

A caravela (de Alma Welt)


Lanço no papel minha experiência
De ser o fulcro ou centro desta saga
Tão amada, vivaz, com tal ardência,
Como um druida, bardo ou velha maga.

Nada de queixumes ou lamento,
Mas afirmação total de vida
Que aos outros possa ser alento,
Inspiração vital e comovida.

Pois sei que a vida é mesmo bela
E o frágil ser humano, interessante
Como pode ser imenso e triunfante!

Eis porque vago pela face do papel
Como tardia, embevecida caravela
Fazendo deste espelho o próprio céu.

1401/2007

________________________________________


O eterno retorno (de Alma Welt)

Contarei e cantarei até o fim
Dos meus dias como vou ao meu irmão
Encontrá-lo alta noite no seu sótão
Para entregar-me a ele e ele a mim.

E como, tateando no escuro
Nos longos corredores, já ardente,
Eu me dispo no caminho, de repente
Naquele impulso claro e escuro

Que me leva assim a dar-me e dar-me
E exausta adormecer sobre seu ombro
Depois de tanto cavalgar a sua carne.

E como, adormecida, recomponho
A clara roda de ir ao seu encontro
Na obscura clareza do meu sonho.

(sem data)
__________________________________

_______________________________________________

A Fronteira e o Portal (de Alma Welt)

Saio de manhã com cuia e bomba
A vagar por minhas velhas trilhas
Até rondar o bosque em sua lomba
Que nasce no sopé destas coxilhas.

Ali penetro então chimarreando
Aquecida por dentro pelo amargo
Para ouvir a natureza despertando
E o meu alento bem mais largo.

E logo tomada de entusiasmo
Me ponho a correr por entre os troncos
E a girar no centro de um orgasmo

Até desfalecer numa clareira
Cercada por seres nada broncos,
Abertos o Portal e a Fronteira...

(sem data)

_____________________________________

__________________________________

Nota
Acabo de encontrar este curioso soneto manuscrito entre os papéis da Alma na sua arca, e dei-me conta de que nunca foi publicado. Apressei-me em digitá-lo e colocá-lo no seu blog dos Sonetos de Mistérios da Alma. Mas logo percebi que se trata, na verdade, de um soneto erótico, embora simbólico e velado. Não preciso dizer o que são "o Portal" e "a Fronteira". Ri muito e mais saudades tive de minha extraordinária irmã, de sua intensidade vital e de seu humor. (Lucia Welt)


Se me perguntarem... (de Alma Welt)

Se me perguntarem o que quero
Com tanto escrever, em catadupa
Soneto após soneto, eu reitero
Que isso me elimina toda a culpa.

Sim, a que se instala em nossa alma
Com o primeiro vagido após o tapa
E faz o ser humano ter um mapa
Do inferno gravado em sua palma.

Em sendas ocultas e entrelinhas
Eu vou, vago, vôo e deixo ir-me
Ignorando as coisas comezinhas.

Escrevendo recupero a inocência
E posso tudo, e na alma permitir-me
Ir muito além da dor e da demência.

15/12/2005

Nota
Ao encontrar há pouco este soneto, apertouse-me o coração, pois pela data percebi que fora escrito poucos dias antes da sua internação na Clínica em Dezembro de 2005, que tanta preocupação e dor nos causou, inclusive com sua fuga e percalços em caronas de caminhão pelas estradas do nosso Pampa. Este soneto testemunha a luta heróica da Alma para fugir "da dor e da demência" que rondavam a sua alma de poeta, de artista predestinada e de mulher muito bela, excepcionalmente pura e ardente.(Lucia Welt)




_______________________________________________


Minha "Estrela de Absinto" (de Alma Welt)

Estrela minha, a mim mesma me revela!
Eu te invoco como outrora o Druida
Ou muito antes o rei da torre aquela
Etemenanki que em Babel foi destruída!

Vem ao meu encontro e me desvia
Do fatal caminho que pressinto,
Eu sei, estamos todos nessa via,
Na rota de uma estrela de Absinto,*

Mais sonhos, mais delírios, mais anseios,
Ainda não cumpri meus devaneios
E ainda faltam centenas de sonetos,

Cavalgadas, êxtases, amores,
Vagar por entre temas e motetos
A colher emoções como se flores!

19/12/2006


Nota
* Estrela de Absinto -Obra de Oswald de Andrade, 1927. A expressão se refere à uma estrela apocalíptica, para alguns místicos e esotéricos caracterizada como o planeta Vênus(estrela Dalva). Absinto: bebida muito consumida na Belle Époque parisiense, e que, com o ópio, custou a vida de muitos poetas e pintores. No Apocalípse de São João, Absinto é o nome de uma estrela da destruição que cai sobre as fontes de águas e os rios, no final dos tempos (um meteorito?).Entretanto, não está claro, no poema, em qual sentido Alma a está usando. (Lucia Welt)

________________________________________________________


Não irei queixar-me ao rei dos pampas (de Alma Welt)

Não irei queixar-me ao rei dos pampas,
O Minuano que selou o meu destino...
Não rezarei ao pé daquelas campas
Nem ali tocarei meu violino.

Bah! Tanto me alertaram sobre aquilo
De escolher e abraçar a "vã Poesia"
Abandonando o caminho mais tranqüilo,
Do Lar, e ainda ficando "pra titia"!

Sobretudo não irei me prosternar
Diante da matéria ou de seus signos,
Que não tenho o afã de conservar...

Pois que há muito abri minhas eclusas,
Fiz juras e votos bem mais dignos
E jamais renegarei as minhas Musas!

(sem data)
_______________________________________________

_________________________________________


A névoa e a Alma (de Alma Welt)

Quando a névoa ainda não se alçou
E paira sobre a relva confundindo
Céu e terra como quando começou
O mundo e Deus ainda estava urdindo

A tessitura de seu reino endiabrado,
Depois cheio de tesouros e magia,
Eu sinto que pertenço a este prado
E nutro-me de sua nostalgia.

Mas logo em alegria me desnudo
Pois orvalhada já em minha roupa
Posso sentir-me parte disso tudo:

De Deus o puro caos primevo e vago
Quando tudo ainda era parte dessa sopa
Do grande caldeirão do Eterno Mago...


(sem data)

___________________________________

Nota
Acabo de encontrar na montanha dos inéditos da Alma, em sua arca do sótão, este soneto encantador sobre o qual testemunhei as cirunstâncias de sua inspiração, pois acompanhei uma vez a Alma num de seus passeios matinais, bem cedinho, e a vi impulsivamente desnudar-se para sentir a névoa da alva da manhã em sua pele, no corpo todo, rodopiando de alegria em sua integração sentida nesse "caos úmido". Alma era uma criatura profundamente telúrica e nutria-se, como ela dizia, das forças da terra e do ar, como todos os seres, é verdade, mas com mais intensa consciência poética, se podemos dizer assim, do que a maioria de nós. (Lucia Welt)


.