sábado, 29 de junho de 2013

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)



                             Thomas Cole, 1828- Expulsion from the Garden of Eden

Trabalhando no Jardim (de Alma Welt)

Que imensa charada é nossa vida!
Escravos no Jardim que já foi nosso,

Trabalhando sob o azul, estranha lida,
Punição que entender sequer eu posso...

Olhai bem a plenitude desta Terra
Que devia ser o nosso Paraíso!
Somos agora a criação que aberra
Esperando pelo Dia do Juízo.

Entrementes nos matamos por um nada
Como outrora por impérios e riquezas
As nações levantavam a sua armada.

Desde então mais mesquinhos nos tornamos
Quanto mais acumulamos incertezas
Pelo tanto que a nós mesmos procuramos...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

De onde vem (de Alma Welt)




O salgueiro da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
De onde vem (de Alma Welt)
 
Queres saber de onde me vem inspiração
Já que não crês nas musas e nos deuses?
Eis o meu campo sagrado em floração,
Esta coxilha que pra mim é como Elêusis.

Olha a minha macieira do pomar
Onde conheci da carne o amor
E em seguida expulsa fui só por me dar
Como se a inocência fosse horror.

Mas olha com atenção o meu vinhedo
Que rodeia este casarão vetusto
Onde sonho embora não livre de medo.

Nada falta, o cenário está perfeito,
Mas a poesia mesma tem um custo:
Uma dor qual fosse culpa no meu peito...


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)


                                                        Rockport artists in the 30s - 79

Vita Brevis (II) (de Alma Welt)

Não tenho mais lugar pra ninharias
Pois a vida é breve e a morte certa,
E não só me refiro às honrarias
Que a mais fútil vaidade nos desperta

Mas também a essa louca agitação
Que nos faz debatermo-nos noite e dia
Nas garras ferozes da ambição
E de coisas que a alma nem queria.

Pois se teu coração é orgulhoso
Tua alma ainda persegue só a luz
Que é mistério final e mais gozoso.

Não renegues pois a terra e o mundo
Como não o faço, credo em cruz,
Malgrado o grande medo lá no fundo...

terça-feira, 25 de junho de 2013

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)



           
                                                        pintura de Tom Roberts

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)

Retornaremos sempre ao que amamos
Pois não temos outro porto de chegada.

Se não mais nos aprouver o que herdamos,
O barco em que vogamos leva ao nada.

A viagem é inútil só de ida,
Pois que essa é travessia solitária.
Se não tiveres raízes na partida
Então és mais pobre do que um pária.

“O quê, então, cara Alma, preconizas?”
(assim me perguntou um hospedeiro)
“Jamais deixar o lar e suas divisas?”

“Ir-se, sim”, digo eu, “contra a corrente,
Conferindo cada dia do roteiro
Com as águas perfeitas da nascente...”

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)




 
 
O Silêncio das Esferas (de Alma Welt)

Eu quis sempre admirar-me de mim mesma,
Isso foi meu escopo ou minha meta.
Versos por mês: ao menos uma resma...
Talvez menos poetisa que pateta.
 
A quem? Por quê? Pra quê? Mas quem se importa?
O mundo, sempre o mundo, no meu nome,
Tudo a que a memória se reporta,
E que é pra onde vai a nossa fome...

Mas viemos das estrelas encantadas,
Para onde voltaremos certamente,
E vejam como elas são caladas!

O silêncio surdo das esferas,
Distante do rumor da tua mente
Que indaga, perscruta, e te exasperas...


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The Silence of the Spheres (Alma Welt)

I always wanted to admire me of myself,
That was my scope or my goal.
Verses by month: at least a ream ...
Maybe less a poet than a goofy

Who? Why? For what? But who cares?
The world, the world always in my name,
Everything that the memory is referred,
And that is where it goes our hunger ...

But We came from the enchanted stars
Where we will return certainly
And look how they are silent!

The deaf silence of the spheres,
Far from the noise of your mind
That asks, peering, and you exasperates ...

terça-feira, 18 de junho de 2013

O Exílio (III) (de Alma Welt)


Queremos nos manter no esquecimento
De uma única certeza desta vida:

A chegada de um último momento
Que é nova expulsão e não guarida.

Pois já somos banidos, naufragados
Do seio maternal da escuridão
E fomos dar à Terra e seus costados
Como se à praia, afinal, da salvação.

Mas, que tragédia é a vida humana
Nesse seu debater em sacrifício
Num mar de ninharias e chicana!

E se o pensamento é mais agudo
Damos conta do horror e desperdício
De haver um Deus cego, surdo e mudo...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Corte (Alma Welt)

Deserto - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm
 

O Corte (Alma Welt)

O pensamento irá secando em nós?
Fatalmente tendemos ao deserto?
O fim nosso se revela logo após,
De nós com ou sem outro por perto?

No final está paga a nossa égua
Tenhamos ou não fechado a conta,
Passando ou não aquela régua
Sob o montante de alta monta.

Mandarás o garoto ao mercadinho
Pagar o leite o pão que ainda deves
Pra morreres em paz, eu adivinho...

Mas se eu já for digna da morte
Nem por isso restarei, talvez, mais leve
Pois tudo é ruptura, fio e corte...


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domingo, 9 de junho de 2013

Felicidade (de Alma Welt)



 
 
Felicidade (de Alma Welt) 

Do desejo és universal consenso,
Conquanto sejas de difícil precisão
Com esse teu catálogo imenso
Das tentativas de melhor definição.

Mas o que és, senão vago bem estar
Uma modorra depois de um bom repasto
Com as abelhas a zumbir e a revoar
Ao meu redor neste tão florido pasto?

Felicidade então és pertencer,
Se sentir, como se diz, “pinto no lixo”
Entregue ao mais puro estar e ser.

E dançar sob este céu de claro azul
Ou sob o mais brilhante crucifixo
No véu negro cravejado, do meu Sul...

sábado, 8 de junho de 2013

Gente de Circo (de Alma Welt)



                           Gente de Circo- fase baconiana de Guilherme de Faria, o s/t 1991, 90x70cm, 
 

Gente de Circo (de Alma Welt)


Sempre me fez chorar gente de circo...
A vida com seu número mesclada
Em que já não distinguimos mais o rico
De sua imensa miséria disfarçada.

O ser em poesia conservado
Como exemplar em vidro e álcool,
Afinal, sentido triste e ultimado
Do ser no picadeiro que é seu palco.

Mas os anões, isso é atroz e me derrota.
E já não posso assistir ou deles rir
Que uma espécie de culpa me sabota.

E vejo que eles são nosso reflexo
Com tudo que do espelho possa vir
De volta ao coração nosso, perplexo...



domingo, 2 de junho de 2013

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)




                                   Adão e Eva - gravura de William Blake

Adão e Eva e nós (de Alma Welt)

Pra tudo tinham Adão e Eva uma só dose,
Coisa muito pouco vista em nossos dias,
Que nem se preza mais tal simbiose,
Preferimos caminhar em duas vias...

Se a própria tentação foi feita ao par
Então não venham culpar a pobre Eva
Que era ingênua demais pra recusar
O duplo fruto da maldição primeva...

Mas o mais imperdoável de repente
Foi ter sido separado um tal casal
E essa intriga ter chegado até à gente.

Fruto da Injustiça, eis a História:
Procuramos nosso par universal
Como descoberta e não memória...
 

A Mensageira (de Alma Welt)


A Mensageira (de Alma Welt) 

Tantas vezes quis gritar, quis me exceder
E garanto, não de dor ou desespero,

Mas do mais puro entusiasmo de viver,
Um dom que é essência e não tempero.

Mas devo confessar: é doloroso
Ser sensível à beleza deste mundo
Alternando sempre a dor e o gozo
E ainda procurando ir mais fundo.

Só por isso sou artista, mensageira
Não dos deuses, mas intérprete dos homens
No seu momento sério ou brincadeira

Pois se na vida descartamos o humor
Temos o lobo, só, nos lobisomens,
Ou um palhaço triste em cada ator...
 

 

 

 




terça-feira, 28 de maio de 2013

No quarto (de Alma Welt)

No Quarto- Desenho de Guilherme de Faria, no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo
 
 
No quarto (de Alma Welt) 

No meu quarto sou senhora, sou rainha
Reinando sobre coisas camufladas
Que pouco têm a haver com a minha vinha
E tudo com outras almas tão amadas...

Um tecido, uma cadeira, fita ou laço
Uma poltrona ou um retalho de cetim,
Podem dos mortos conter o melhor traço
Tanto quanto este soneto tem de mim.

E eu vago deslizando minha mão
Pela pele hipersensível disso tudo
Tateando o que de mim devolverão

Pois neste território insuspeitado
De colóquio sutil sereno e mudo
Meu próprio coração está plasmado.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A Última Ceia (de Alma Welt)


                                                        A Última Ceia - de Stanley Spencer 

A Última Ceia (de Alma Welt)

Também quero minha derradeira ceia
Entre amigos fiéis e não aflitos;
No centro da mesa uma candeia,
Sem sobressaltos, sem discussões e gritos.

Em paz, suavemente, em comunhão,
Com gargalhadas sóbrias, no limite,
Uma piada ou outra se permite,
Mas que não haja tumulto e confusão.

Sobriedade, se possível, se haja vinho.
Pois farei o balanço do caminho
Evitando o drama e o patético...

Mas eu, ao imaginar que tal congresso
Triste seria até para o mais cético,
Me emociono, desisto, e me despeço...
 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A Equilibrista (de Alma Welt)


 
A Equilibrista (de Alma Welt)

Tenho tido estranho sonho recorrente
Mal pouso a cabeça sobre as fronhas
Pois do meu mundo é muito diferente
Andar na corda bamba entre montanhas.

Então de que assim vivo me dou conta
Mesmo no simples vagar pela coxilha
Que pela planura me põe tonta
Se antes não escolho alguma trilha...

Os pólos são Nascimento e Morte
E na trilha um monocórdio realejo
Mantém meu passo firme para o norte.

Então vejo que a vida é que é assim:
Vagando entre essas torres que me vejo,
E que são certezas únicas de mim...
 

domingo, 19 de maio de 2013

Bem gostaria (de Alma Welt)


 
 
 
 
 
 
 
  


O Pranto de Alma Welt - óleo s/ tela de Guilherme de Faria. 2006, 80x100cm 
Bem gostaria (de Alma Welt)
 
Bem gostaria eu de amar cantando
Como esses cantos de amor nos fazem crer,
Tanta candura romântica ostentando
Sem questionar jamais o Nada e o Ser...

Entregar-me assim ao outro por paixão
Como se fora uma donzela de outra era,
E chorar se fosse o caso e ir ao chão
Por ter acreditado em tal quimera...

Que digo? Já o faço em verso e prosa!
Não deixem, meus leitores, que lhes minta,
Nunca fui uma modelo que a si posa,

Mas talvez seja uma alma desbordada
Cuja dor demasiada se requinta
Em ser bem mais o amor do que a amada...
 

Reflexões da Alma (de Alma Welt)


                                                          foto de Alla Alborova

Reflexões da Alma (de Alma Welt)

Desamparados nós, por certo, todos somos
Diante da nossa sina sobre a Terra
Ao sabor do acaso ou sorte que dispomos
Quem de nós, tolos, na vida nunca erra?

Somos peregrinos, não no espaço
Mas nesse tempo de nós mesmos,
Nessa dura jornada pelo escasso
Com os parcos recursos que nós temos...
 
Existem, sim, os abonados reis e lordes
Mas nem sequer poderás tê-los em conta
A não ser no teu sonhar antes que acordes.

E se és rico de idéias e de sonhos
Nesse caso a tua alma já está pronta,
Podes distribuí-la aos mais tristonhos...
 

Odisséia (III) (de Alma Welt)

O remador - James Ensor
 
 
Odisséia (III) (de Alma Welt)

A vida é uma saga misteriosa
Com certos lances gratuitos incluídos
Muitas vezes tão dramáticos em prosa,
Em versos talvez mais divertidos...

Para estar à altura de nós mesmos
Como os seres poéticos que somos
É melhor arriar vela e ir a remos
Nos barcos precários que dispomos.

Mas é melhor remar sempre de costas
Para olhar só pra de onde nós viemos
E deixar sempre aos outros as apostas.

E se naufragarmos com as sereias
(que ouvidos a elas sempre demos),
Que o canto delas corra em nossas veias...

sábado, 18 de maio de 2013

Alma náufraga (de Alma Welt)

 

 Alma náufraga (de Alma Welt)

Quem sou eu? Sou marinheira de derrotas
À deriva em neblina de amplidão,
Tendo comido a sola das minhas botas

E os cadarços como fino macarrão.


Quem sou? Sou mesma a flor dos naufragados
Que escolheram a praia de si mesmos,
Onde perplexa fui dar com os costados,

Onde os porcos cozinham seus torresmos.


Princesa me erigi dos derrotados,
Aqueles que se voltam para os versos
Qual fosse a pátria-mãe dos exilados.


E se deliro um pouco ainda agora,
É que viva conheci dois universos:

Dentro e fora da caixa de Pandora...


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Notas

* Tendo comido a sola das minhas botas / e os cadarços como fino macarrão - evocação da famosa cena de A Corrida do Ouro, de Charles Chaplin, em que Carlitos faminto numa cabana no inverno do Alaska, cozinha e devora com requintes hilariantes a sua botina... 


 * onde os porcos cozinham seus torresmos - Este aparentemente estranho verso, na verdade alude à cenas do  magnífico livro de Michel Tournier, "Sexta-Feira ou os Limbos do Pacífico" (prêmio Goncourt) em que o autor francês reconta a saga de Robinson Crusoe como um retrospecto da jornada histórica da Humanidade através de sua lenta evolução social e espiritual. Ao chegar náufrago numa ilha tropical paradisíaca, não precisava na verdade de trabalhar para sobreviver, e ficava de molho junto com os porcos numa agradável água quente vulcânica por horas e horas por dia, até que afinal fez um imenso esforço para reagir ao marasmo mortal e construiu um arado para começar a jornada civilizatória de si mesmo, encontrar o nativo Sexta-feira, salvá-lo de outros nativos e em seguida escravisá-lo por anos, até percebê-lo como seu irmão em humanidade, afinal, e pedir o seu perdão e abraçá-lo...


quinta-feira, 16 de maio de 2013

O espelho e a sombra (de Alma Welt)



                                       Alma no Espelho - lito de Guilherme de Faria, anos 70

O espelho e a sombra (de Alma Welt)

Muitas vezes consulto a minha sombra
Que é mais confiável que o espelho
Que devolve uma imagem que me assombra
Pela brancura e o cabelo tão vermelho,

Mas também pelo cinismo e ironia
Com que responde à nota de ansiedade
Que é o cerne vital da minha poesia
Preocupada com uma única Verdade...

Mas a Verdade? A quê procuro? Vou dizer:
Saber da vida a oculta idéia e intenção
Com esse imenso mistério de morrer...

Quanto à sombra, esta imagem mais fiel,
Me acompanha como faz um nobre cão
Sem me mentir nem bajular, nem ir ao léu...
 

terça-feira, 14 de maio de 2013

O Livro Preto (de Alma Welt)

 
 
O Livro Preto (de Alma Welt)

Bem sei que os meus dias são contados,
E quem não os tem no Livro Preto?
Mas sabê-lo é o pior dos tristes fados,
Pois tal cômputo outrora era secreto.

Agora... como voam as minhas horas!
E não tenho o fecho pro arremate
Do meu último soneto de demoras
Enquanto aguardo o verso que me mate.

Então fico na varanda a olhar o sol
Que é como me consolo de morrer
Sonhando com meu último arrebol.

Debalde! Não me adianta o expediente,
Pois quanto mais intensamente sinto ser
Mais me dói abandonar a minha mente...

Também os lobos uivam (de Alma Welt)




                                                      Satimbancos - Picasso

Também os lobos uivam (de Alma Welt) 

Também os lobos uivam para a Lua
Como o fazemos nós desde os primórdios.
Nós, os angustiados de alma nua
Dedilhando teclas, cravos, clavicórdios,


Pintando telas, manipulando ceras,
Dando saltos no palco, saltimbancos
Nas praças das aldeias e nas feiras,
De pés quebrados, compondo versos mancos...

Agora tantos, só dois antes da malta,
Criados tarde no Jardim logo perdido
Pela mais discutível e ingênua falta

Somos homens, reunidos em quadrilhas
Ou solitários num mundo dividido
Em Inferno e País das Maravilhas...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

O Exílio (II) (de Alma Welt)


Cavalinho de Tróia- desenho de Guilherme de Faria, anos 80
 
O Exílio (II) (de Alma Welt)

Não nos é dado saber a nossa Sina,
O que nos dá a sensação iniludível

De pobreza no fundo de uma mina
Ou na biblioteca do Ilegível...

E sentimos a falta de um pedaço
No coração, ou o que é o mesmo,
Na alma, a andar à malta ou a esmo
Qual se para voar faltasse espaço...

E como Eneias* clamamos no exílio:
“Até quando, bom Zeus, continuaremos
A caminhar até fundar a nova Ílio?" *

E não mais pertencemos a esta vida
Já que o grande engodo percebemos
Da Terra Nostra ser tão desconhecida...



  Notas
* Eneias - personagem da Mitologia grega, guerreiro troiano que comandou um grupo de de sobreviventes da destruição de Tróia pelos gregos e peregrinou anos até chegar à Magna Grécia (Península Itálica). Seus descendentes, Romulo e Remo fundaram Roma. O poeta romano Virgílio escreveu sua saga no grande poema épico Eneida.

* Ílio- O nome antigo da cidade de Tróia (daí " Ilíada" , poema épico de Homero que narra os lances dessa célebre guerra, antes considerada mítica
, mas provada histórica pelo arqueólogo amador alemão Heinrich Schliemann, no século XIX.
 


quarta-feira, 24 de abril de 2013

"Faça o que eu digo..." (de Alma Welt)





                                      Mad Mag - litografia de Guilherme de Faria, 1977

"Faça o que eu digo..." (de Alma Welt)

Para viver é preciso fazer pacto
Mas com a própria vida, que não outro.

Para lidar com o mundo, muito tato,
Como quem vai amansar um bravo potro.

A vida requer muita experiência
E não dá muita moleza pros novatos.
Para ultrapassar tanta exigência
Tens que engolir sapos e alguns ratos.

Mas na hora que entrares na ciranda
Acerte o passo e não saia da cadência
Se não queres levar vida de varanda.

Digo isso desinteressadamente,
Que do balanço preferi a indolência
De onde vem minha poesia, docemente...

Velhice (de Alma Welt)

Rembrandt- Auto-retrato 1661

Velhice (de Alma Welt) 

A grande vantagem da velhice
É justamente o tempo ter passado,

Da juventude ter deixado a idiotice
E as tolas ilusões posto de lado.

É verdade que alguns velhos são fúteis...
Alguns? Não, na verdade a maioria,
Jogando cartas e palavrório inúteis
Ou bebendo no balcão da padaria.

Mas me refiro aos seus termos ideais:
A velhice que só o espelho evita
Por ver claro as rugas e os sinais.

E sabendo que de todas, numa vida,
Somente uma é a hora da desdita,
Talvez menos, um segundo, uma partida...

Na Velhice (de Alma Welt)


                                                                        O Tempo - Salvador Dalí

Na Velhice (de Alma Welt)

Na velhice vamos nos abandonando
Na doença e decadência dos sentidos.
Deus nossos privilégios vai tirando,
A recordar nossos belos tempos idos.

Dizem que o paladar com seus sabores
Nunca vai nos deixar, velhos gulosos.
Também resta a memória dos amores
Aos que ainda permanecem amorosos...

Então, pouco perdemos, na verdade
A não ser de nossas formas a beleza,
Que por dentro mantemos a acuidade

E definidos continuam nossos sonhos
Que no espelho voltam com clareza,
Exceto os falsos, feios e tristonhos...

terça-feira, 23 de abril de 2013

Meta-Soneto de Amor (de Alma Welt)





                                            La Sirena - Giulio Aristide Sartorio 1893

Meta-Soneto de Amor (de Alma Welt)

Se puderes evitar falar de amor,
É uma boa providência na poesia,

Pois está banalizado, é um horror,
Tanta pieguice já se tornou orgia.

Engana-se quem pensa que o poema
Foi feito para celebrar dois pombos...
É mais sobre o barco que ele rema
Enquanto a parceira tapa os rombos.

Mas o amor que cria e que constrói,
Que sabe que “ninguém é de ninguém”,
E a quem o ciúme torpe nunca rói,

Este é o amor entre os amores
Que as estrelas move e o sol também,
E nem pensem que o vou rimar com dores...

domingo, 21 de abril de 2013

Sonhos de Varanda (de Alma Welt)


Não erguerei a voz contra o destino
Como antes o fizeram bons poetas
Imprecando contra o fado, em desatino,
Quase sempre pelo amor e suas setas...


Mas, báh! Solidão minha, és dura irmã
Pois não te distingues de mim mesma
Que não sou boa companhia de manhã
E de noite sou só minha abantesma.

Todavia não entendam como queixa
Pois a minha fantasia é renascer
E tal como um samurai ou uma gueixa

Se eu pudesse noutra vida retornar
Meus sonhos escolhendo a bel prazer
Nesta cadeira da varanda, a balançar...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

À Irreverência (de Alma Welt)


 
À Irreverência (de Alma Welt) 

Saudemos a sagrada irreverência
Das conversas gratuitas e risonhas,
Jogadas depois fora sem clemência
E nem sequer levadas para as fronhas!

Viva tudo o que é claro e sem conflitos
Entre as tantas paredes que nos cercam,
Bem longe do universo dos aflitos
Ou daqueles cujas vozes só altercam.

Honra ao simples e sem solenidade
Que não vive nas sombras de uma fenda
E tampouco às margens da saudade.

Pois a tristeza do homem é afronta
À luz azul do céu que é nossa tenda,
Que não armamos e entramos nela pronta...

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Os Olhos da Noite (de Alma Welt)


                                 Os Olhos da Noite- óleo s/ tela de Alma Welt, 40x40cm

Os Olhos da Noite (de Alma Welt)

A barcaça da noite tem mil olhos
E navega silenciosa pela teia
Do espaço coalhado dos abrolhos
Que torna perigosa a lua cheia.

Vou com ela remando à contra-luz
Seguindo uma rota cega e louca
Que me exige uma espécie de capuz,
De mim, que nem sequer durmo de touca.

Mas as sombras escondem mais mistérios
Tal como em pleno sol a vida escura
A erguer campos de trigo e cemitérios...

Seguimos, pois, a remar contra a maré
Como vikings cobertos de armadura
Pois aqui é o fim do mundo e não dá pé...
 


O Concerto (de Alma Welt)


                                                   Sala São Paulo- OSESP - foto Filipe Redondo (agência f8) 

O Concerto (de Alma Welt)


Quê grande concerto é a nossa vida,
Sejamos músicos ou espectadores,
Mesmo parte da platéia comovida,
Depois no WC grandes cantores.

Importante é mesmo o entusiasmo
Com que todos abracemos movimentos
Alternando sempre o nosso pasmo
Entre as calmarias e os tormentos.

Que o adágio, mesmo triste, seja belo,
Seguido de um saltitante scherzo
Para tímpano, viola, violoncelo ...

O final que seja “presto con fuoco”
Com toda a grande orquestra em peso
E que um só bis pedido seja pouco...
 

Elogio da Estética (de Alma Welt)


                                        "Solidão"-  painel esquerdo do  tríptico "Cabeças Metafísicas", 1991- 
                                                     óleo s/ tela de Guilherme de Faria,140x120cm

Elogio da Estética (de Alma Welt)

Só na Beleza a vida tem sentido,
O resto é puro lixo ou desfastio;
O belo na Verdade está contido
Que somente na Estética confio.

A Feiúra só é boa quando é bela,
E isto é um pouco mais sutil
Desde que o Banal desista dela
Que com a Vulgaridade forma um trio.

O Terrível também tem a sua beleza
Já que sustém a espada por um fio
E isso nos restaura a realeza.

Vamos então deixar tudo como é
Pois se tiramos uma vírgula ou um til
Nossa razão desperdiçamos, de ter Fé...
 

domingo, 14 de abril de 2013

Destino (de Alma Welt)



                      A Barca da Alma -- óleo s/ tela de Guilherme de Faria,2013, 33x46cm

Destino (de Alma Welt) 

Temos somente nossa vida pra viver
Malgrado nosso vasto imaginário
Que em geral nos promete o contrário,
Isto é: todas as vidas a escolher.

Pois a prisão não é da mente, é do destino,
Do meio, da cultura, do ambiente
Mas sobretudo da tal conta corrente,
Que é badalo a que falta justo o sino.

Então somos pelo corpo limitados,
Pela face ou pelo jeito de falar
Ou por nossos dentes cariados.

Entretanto, a beleza, dei-me conta,
É justamente nossa história ocupar,
Que, saga ou anedota, já vem pronta...

sábado, 13 de abril de 2013

O Coração Exilado (de Alma Welt)


Há poetas que invocam sua musa
Para pedir seu precioso auxílio.
Quanto a mim, que sou poeta tão profusa,
O sou porque a vida é meu exílio

E tenho um constante mal estar
Na alma ou coração, não sei ao certo,
Consciente da existência terminar,
Que é algo que sinto muito perto.

Efeméridas que somos, mariposas,
Nunca assimilei o fim das coisas
E muito menos o término da vida,

Mesmo assim contra a tentação resisto
Rejeitando o assédio de Mefisto,
Perdido o Paraíso, a fé perdida...

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Mulher do Capitão (de Alma Welt)



                                    A Mulher do Capitão- Lito de Guilherme de Faria, 1977

A Mulher do Capitão (de Alma Welt)

Tornei-me a marinheira do poente
E aquele que me vê nesta varanda

Chegará a pensar-me indiferente
Ou que minha pobre mente já desanda.

Tem aspecto arruinado a minha casa
Embora com asseio e não imunda.
O bom jardim lhe confere certa asa,
Mas não passa de um navio que afunda.

Como posso apostar em outra rota
Que as correntes contrárias desfarão
E eis-me capitã da minha derrota?

Não me mexo. Aqui parada ficarei
Como aquela mulher de capitão
A tecer pontos que de noite desfarei...

Vida em Verso (III) ( de Alma Welt)

 

 Vida em Verso (III) ( de Alma Welt)

O mundo me parece um sonho louco
Sob um ângulo oblíquo de visão
E me é necessário nada ou pouco
Para sair rolando nua pelo chão.

Sem a Arte carecemos de sentido
E só o mito nos explica de verdade.
Pouco importa nosso coração ferido
E a certeza da transitoriedade.

Atualmente só existo no papel
E me vou construindo a cada verso
Como aquela velha torre de Babel.

E meu medo é que Deus ainda me puna
Achando meu propósito perverso
E multiplique minha alma que era una...

quinta-feira, 11 de abril de 2013

As Viagens da Mente (de Alma Welt)



                                                         Alma no trigal- óleo s/ tela, 2012, 30x40cm

As Viagens da Mente (de Alma Welt)

Voemos pelo mundo, meu amigo,
Que à nossa mente nos foi dado.
Não é preciso deixar nosso condado
Antes de ceifarmos nosso trigo.

É necessária apenas fantasia,
Quero dizer, o nosso imaginário
Onde nasce e flui toda poesia,
Criando nosso mundo belo e vário.

Há quem não creia em tal recurso
Por não apostar numa verdade
Da qual manipulamos o seu curso.

Mas creia, meu amigo, tudo é a mente,
A diferença é o grau de acuidade
Com que o amor ajusta nossa lente...
 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mulher moderna (de Alma Welt)



 Perfil de Alma Welt- litografia de Guilherme de Faria
 
Mulher moderna (de Alma Welt)
“Belas, airosas, pálidas, altivas...” (Vicente de Carvalho)

Bonita, bronzeada e corajosa,
Mulher supermoderna e hiperativa
Comparada à de outras eras, graciosa

Mas que não tinha a menor perspectiva

Meu coração balança entre as duas.
Aquela por reserva, até candura,
Esta pelo encanto de outras luas
Que não a face pálida e tão pura.

Me perdoem as feministas radicais,
Ou então não me perdoem, tanto faz,
Mas o feminino é uma essência...

Quanto a mim sou pálida e altiva;
Báh! Airosa talvez não, mas muito viva;
Mulher artista, sim, por excelência!...

domingo, 7 de abril de 2013

“O Feijão e o Sonho” (de Alma Welt)

                                                   Alma em Minas - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013

 “O Feijão e o Sonho” (de Alma Welt)
(em homenagem a Orígenes Lessa)

Que belo aquele fumo sobre as casas,
Dos fogões de lenha o tempo antigo!
A imaginação lá a criar asas
Sentindo o cheiro do feijão amigo...

Eu voava sobre aquela fumacinha
Mas pra dentro daqueles simples lares
Para não só conhecer sua cozinha
Mas para conviver com os meus pares.

Por momentos eu deixava a posição
De voyeurismo mudo e à distância
Que foi a marca da minha condição...

Então até o comum é minha meta
Pois no reino irreal da minha estância
O feijão é também sonho de poeta...

 

sábado, 6 de abril de 2013

Na Colina dos Mortos (de Alma Welt)



                                             Alma Welt na Colina dos Mortos - de Guilherme de Faria, 2012 

Na Colina dos Mortos (de Alma Welt)

Na colina dos mortos me encontrava
Em tarde luminosa olhando o mar
Diante de uma árvore rubra e brava
Que se via à leve brisa tremular...

Então ouvi atrás de mim um crocitar
E virando deparei com a ave negra
Que habita um nightmare ou cauchemar
Que a esta terra clara mal se integra

Que queres de mim ave agourenta?
Não poderei estar em paz nesta colina
Respeitando-lhe os ossos que sustenta?

“Alma”-disse o corvo – “fica em paz,
Pois conhecendo tua alma feminina,
Aqui eu nunca te diria: “Nunca mais!"...

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Pluma (de Alma Welt)

 
 
 
 A Pluma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013, 40x40cm

A Pluma (de Alma Welt)

Eu vi imensa pluma sobre os campos
Num céu de azul escuro cristalino
Estrelado qual piscar de pirilampos,
E soube de imediato o meu destino...

Eu haveria de escrever como quem vive
E viveria através dos próprios versos
Sob a luz da inspiração que sempre tive
Malgrado alguns vãos planos dispersos.

Mas o sonho de mim mais duradouro
Logrou ficar comigo a vida inteira
Pois vingou, que não morreu no nascedouro.

E tantas aventuras foram minhas
Não apenas como simples brincadeira
Mas tudo que não sabes e advinhas...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Penélope, Ariadne e eu (de Alma Welt


   A Ronda - Litografia de Guilherme de Faria


  Penélope, Ariadne e eu (de Alma Welt)

Vejam como tudo se esclarece
Sob a luz de um foco de poesia
Que revela a teia que se tece
Quando o dia de novo principia...

De noite desfiamos pra sonhar
O quanto o labirinto nosso pede
Em fio para nos desemaranhar
Na jornada que o próprio fio nos cede.

Vamos e voltamos sem sossego
Procurando talvez matar o touro
Que o coração encerra pelo apego.

Quanto a mim, quando volto para a luz
Já não tenho mais vergonha nem desdouro
De não ser a heroína que supus...

 

A Arca da Alma (de Alma Welt)

                                                                 Foto: A Arca (de inéditos) da Alma

A Arca da Alma (de Alma Welt)
"Nenhum homem é uma ilha..." (John Donne)

Quanto em vão questionei o meu destino!

Agora já não luto mais comigo
E sei que é por mim que dobra o sino
E confundam que só olho o meu umbigo.

Fui sempre ilha solitária neste mar
Pois nunca me senti um continente.
A solidão me principia ao acordar,
Quero dizer, para mim e toda gente...

Mas sei que construí uma jangada
E lancei-me aos mares dos meus sonhos
Com versos que juntei na minha jornada.

E agora minha nave é uma arca
Que carrega não mais pares bisonhos
Mas tudo o que fiel na alma embarca...

domingo, 31 de março de 2013

Entardecer (de Alma Welt)


                                                        Entardecer - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Entardecer (de Alma Welt)

O entardecer é triste no meu pampa
Para quem tem tanta saudade como eu
E fica vendo o sol descendo a rampa
Na coxilha ondulada sob o céu...

Como pássaro preto ali num tronco
Eu fico a meditar mirando a tarde
Talvez com o mesmo olhar bronco,
Perplexo mas discreto, sem alarde.

A tarde é dor do corte da metade,
Mas a noite... a noite é outro bonde
Que nos deixa mais perto da verdade.

Sabendo que o Leste agora arde,
Contando com que a Terra siga e ronde,
Sonhamos nós, o pássaro e a tarde...
 

sábado, 30 de março de 2013

Cavalo branco, trem negro (de Alma Welt


                                  Alegoria - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2013 

Cavalo branco, trem negro (de Alma Welt)

Vem, meu branco cavalinho pelos pagos
A deixar teu longo rastro de poeira;
Corta a linha férrea sem estragos
Que o trem cortará só tua esteira...

No plaino, contra o rosa e o azul
Essa fumaça preta me amedronta
Como os ventos que a levam para o sul
Onde estão fechando a minha conta...

No horizonte o sol rosando nuvens
Começa a chamar-nos para o sonho
Pois é sempre nesta hora que tu vens

Trazendo um bilhete em tua crina,
Resposta a cada verso que componho
Ao peão que é toda a minha sina...
 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Desabafo (de Alma Welt)



 

Afrodite

Desabafo (de Alma Welt)

Que imensa e desmedida é a vida!
Eu poderia dizer isso do mundo
Mas ele só rima com profundo,
Essa idéia já tão comprometida...

Eu ando enfastiada, já notaram,
E corro o risco de falar besteira
Como os que começam e não param
De dizer como é bom pastel de feira.

Confesso: estou a ponto de explodir.
Começo rasgando a roupa inteira
Para ver-me nua e poder rir...

De satisfação, sim, é do que rio
Por ver que só beleza é verdadeira
E a única coisa em que me fio...

Os deuses (de Alma Welt)





                                                     Pigmaleão e Galatea" : Jean Léon Gerôme 1824-1904

Os deuses (de Alma Welt)

Foi Deus que criou os outros deuses
E quer que pela arte os honremos.
Por isso existe o Amor e seus adeuses
Além da Natureza e alguns demos.

Sabei que os deuses não estão mortos:
Ainda ontem topei com Dioniso
Que para me levar pra outros portos
Só um vinho do Porto foi preciso.

Quanto à Venus, rezo a ela todo dia
Para me manter assim bonita
Ao menos através da minha poesia.

Bah! E Apolo! Que beleza, que galã!
Gravei sua eólia harpa numa fita
Para ouvir todos os dias de manhã...