quarta-feira, 4 de abril de 2012

No ombro de meu Vati (de Alma Welt)


Auto-retrato com sua filha Brita, 1895 - Aquarela de Carl Larsson 1853–1919) pintor sueco


No ombro de meu Vati (de Alma Welt)

Lembro-me a mim no ombro do meu Vati *
Quando tudo era paz e alegria
No casarão dos Welt, sem o embate
Entre forças adversas, que viria.

E a cena gravada na memória
Ainda me sustenta no ar vazio
Mas pleno de rumores e de história
Que remontam ao tempo do pavio

De lamparinas e candeias de outra era
Em que me vejo com fita no cabelo
E botinas, que tirá-las, quem me dera...

E agora ao ver o Larsson e sua Brita
Eu pergunto ao Tempo como tê-lo
Em “rewind”, pra fazer voltar a fita...


____________________________

Nota
* Vati - pra quem ainda não sabe, esclareço que Vati (pronun. Fáti , papai em alemão, de Vater, pr. Fáter, pai) é como Alma chamava seu pai, Werner Friedrich Welt.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Morte numa gravura de Käthe Kollwitz (de Alma Welt


A Morte - água-forte de Käthe Kollwitz 1867-1945

A Morte numa gravura de Käthe Kollwitz (de Alma Welt)

Eis o horror que a todos nos espera
E tenho sob os olhos na gravura
Que só de olhar a alma desespera,
Conquanto não isenta de ternura,

Mas no gesto da criança que se agarra
Ao seio de sua mãe em pleno rapto,
Contrário ao “Encontro na Samarra” *
Que, irônico, da Morte é só um pacto.

Ah! Käthe, dura e forte tua visão,
Que não dourava a amarga pílula
Da nossa trágica humana condição!

E gravando imagens tão extremas,
Da verdade não tiravas uma vírgula
Para agradar mercados e esquemas...

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Nota
*Encontro "na" (em) Samarra- Fábula tradicional árabe, celebrizada na versão de Jorge Luiz Borges. O conto aborda a ironia do Destino, que corrobora o famoso "mactub" ( "Assim estava escrito"), o fatalismo dos povos do deserto.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Natureza Morta com Cavalo Azul (de Alma Welt)


Natureza Morta com Cavalo Azul- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2006, 80x90cm

Natureza Morta com Cavalo Azul (de Alma Welt)

Sobre a mesinha simples da cozinha,
Colocadas num enorme prato branco,
Quatro frutas em pose comezinha,
Atrás, um cavalo azul do espanto.

Eis natureza morta inusitada
Que me faz refletir sobre outra cousa
Que nem mesmo está ali representada,
Hiato não preenchido de uma lousa

Quando afinal estivermos sob ela
Com o nosso epitáfio escolhido
Gravado como na fita amarela.

Meu cavalo azul segue correndo
Perseguindo a vida, esbaforido,
Sobre o meu branco corpo já morrendo...

sexta-feira, 23 de março de 2012

Um Flamenco da Alma (de Alma Welt)


​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​Espanha - Litografia de 1995 de Guilherme de Faria, 26x100cm

Um Flamenco da Alma (de Alma Welt)

Meu pai hospedou na estância, um dia,
Um “cantaor” famoso em todo globo,
Gitano da formosa Andaluzia,
Moreno azeitonado e meio lobo,

Que botou os olhos mouros nesta gringa
Quando cantava ao som de uma guitarra,
Só parando para a água de moringa
Que eu servia como se vinho de jarra.

E depois de muitas palmas de cadência
E aquela voz rouca aliciante,
Eu sentia no corpo uma dormência...

Naquela noite a filha da coxilha
Arderia em fogos de Alicante
E nos vãos divãs mouriscos de Sevilha...

O Bilhete (de Alma Welt)


O Bilhete (1974)- Litografia de Guilherme de Faria

O Bilhete (de Alma Welt)

Me recordo, e isso é surpreendente,
Na minha infância um fato corriqueiro,
Um bilhete entregue à Mutti, de repente,
Trazido pelas mãos de um mensageiro

Que montado esperou ele e o alazão
Do qual o pobre nem sequer se apeou
Para beber um copo d’água ou chimarrão
E bem depressa no seu rastro retornou...

De Matilde, que a entrega fez de perto
O olhar foi na verdade o que guardei,
Pois que era pra mim um livro aberto,

E a certeza malgrado ingênua fosse
De que ali se transgredia alguma lei
Que proíbe que um rosto se remoce...

terça-feira, 13 de março de 2012

O Rapto de Europa (de Alma Welt)


O Rapto de Europa - pintura de Alexander Sigov

O Rapto de Europa
(dos sonetos Mitológicos de Alma Welt)

Um touro famoso aqui da estância
Que eu assistira cobrir a minha vaca,
E assombrou-me desde a infância
Aquela coisa enorme como estaca

Cravada em vulva rubra dadivosa,
Me faria, pois, sonhar por muitas noites
Com minha própria e bela fenda rosa,
E logo meu traseiro sob açoites...

Então fui para a Europa pra estudar,
O que apaziguou meu pensamento
Pois logo vi que ali já fora meu lugar.

Sei agora que quando sonho com touros,
Naquele primitivo e cru momento
Está a dura raiz dos meus tesouros...

segunda-feira, 12 de março de 2012

O Circo da Poesia (de Alma Welt)


O Circo em Brodósqui - Portinari, 1934

O Circo da Poesia (de Alma Welt)

Que imensa paixão é a Poesia
Que o coração tomou-me por encanto
Com seu poder de foco e sintonia
Sobre as coisas, seres, riso e pranto!

Sem ela a nossa vida se amesquinha
Num comércio perpétuo e aviltante
Em vãs disputas e combates como rinha
De galos cegos em turra triunfante.

Há quem pense que a vida é só contenda,
Bracejar para subir e vir à tona
Ou encontrar lugar pra armar a tenda

Mas lhes garanto, a vida é também isto:
É o guri em nós erguendo a lona
Para espiar o trapézio sem ser visto...

A Árvore do Éden ( de Alma Welt)


A Árvore da Alma- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2011,100x100cm, coleção do artista

A Árvore do Alma (de Alma Welt)

Eis a árvore no topo da colina
Onde me encontrava com meu mano
Naquela minha fase de menina
Quando estávamos aqui no fim do ano,

Vindos de longe para a festa de Natal
E as férias que a Mutti deplorava
Pois pra ela nós dois juntos era o Mal,
Que "a fome com a sede se juntava"...

E com certo fundamento, reconheço,
Pois a nossa paixão era tamanha
Que vetada nos foi desde o começo.

Então marcas que nossa altura medem
A canivete o pobre tronco lanha
Desde que expulsos fomos deste Éden...

A Onda Rubra (de Alma Welt)


A Onda Rubra - óleo s/ tela de Guilherme de Faria 2012, 30x40cm

A Onda Rubra (de Alma Welt)

Meu pampa pelo olhar transfigurado
É o fim e o começo do meu Mundo,
Como uma onda rubra do meu fado
Que se enrola em signo fecundo.

Não há explicação para a beleza
Deste rincão da Terra, vasto plano
Ondulado pelo vento da tristeza
Que o gaúcho nomeia Minuano.

E eu, poeta de minha própria alma
No cenário surreal desta coxilha
Meus poemas são as linhas desta palma.

E sob as nuvens que voam em farrapos
Eu canto entre os cães, grilos e sapos
Nestes plainos de quem sou poeta e filha...

domingo, 11 de março de 2012

Alma Modelo (de Alma Welt)



Alma Modelo - desenho de Guilherme de Faria, 1986

Alma Modelo (de Alma Welt)

Muito posava eu pr'alguns pintores
Que apreciavam tanto meu contraste
Do vermelho e do branco como cores
Da mais sóbria das paletas que se baste.

Tal como Ticiano já afirmava
Ao bom pintor as cores bastam três:
O amarelo ocre não faltava,
Mais o vermelho, o terra ou o chinês;

O branco era a vista luxuriosa
Que eles tinham da minha própria pele
Mais os lábios e os mamilos cor de rosa.

E o vermelho voltava a figurar
Ali onde aprecio que me rele
O olhar sábio do mestre a me pintar...

O Jovem Frade (de Alma Welt)


Jovem Frade - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1991

O Jovem Frade (de Alma Welt)

Havia um frade jovem na cidade
Que guria me levaram a conhecer
Pois vivia em odor de santidade
E que achavam me podia converter.

Então me recordando do Aliocha
O melhor dos quatro irmãos Karamazov
Encontrei-o com um velho a jogar bocha
Algo que por pouco me comove.

Mas pensando no stáriets Zósima
O velho e sábio santo do romance
Fomos a uma lanchonete próxima.

E logo por amor de um jovem frade
Meu coração quase abriu-se num relance
Para a minha própria santidade...

sábado, 10 de março de 2012

Chuva de Primavera (de Alma Welt)


Chuva de Primavera- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1994, 90x120cm, paradeiro desconhecido

Chuva de Primavera (de Alma Welt)

Na Primavera a alma refloresce
E isto não é pura alegoria
Mas verdade que eterna permanece
E nos garante a flor e a poesia.

Mas se chove então é de se ver
Que o verde agradecido da folhagem
E as cristalinas gotas interagem
Conspirando para o coração perder...

É a vera estação de amar e dar
E não deixar para depois o que se quer
Como as flores não deixam de brotar

Então gera, que é dom, por isso gozas,
(mormente se és feliz e se és mulher)
Novos pequenos lábios como rosas...

Pampa Vermelho (de Alma Welt)


Pampa Vermelho- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm

Pampa Vermelho (de Alma Welt)

Meu pampa se põe em rubro e ouro
Quando nele o sol poente agoniza
E o pampeiro percorre o varadouro
Dessa terra ondulada onde desliza

Buscando aquelas plagas castelhanas
De onde o frio Minuano voltará
A zunir nos corações e venezianas
Com memórias de Rodrigo Cambará.

E eu a escrever na minha varanda
Aqui do casarão que vai ao fundo
Na maré de sombra em que desanda

Esta saga que na Prússia se inicia
Para vir desembocar nesta Poesia
Do vinhedo Welt, que é o Mundo...

quinta-feira, 8 de março de 2012

A Modelo (de Alma Welt)


A Modelo- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 60x50cm, 2000, coleção do crítico norte americano Sol Biderman, São Paulo

A Modelo (de Alma Welt)

Quando estava eu nos meus dezoito,
Rodo trouxe um amigo para a estância
Que moço bom pintor e nada afoito,
Paciente, pintava com constância.

E logo pôs o olho nesta Alminha,
Modéstia à parte no auge da beleza,
Que certa candura ainda eu tinha,
Logo pensava que isso não põe mesa...

Escondidos no sótão que era o quarto
Do meu Rodo que discreto nos cedia,
Começou a aventura do retrato.

E na volúpia de sentir-me admirada
Como disse "bom retrato requeria",
Entreguei-me de pasto à pincelada...

Casinha pequenina (de Alma Welt)


Da Série "Imaginárias Brasileiras" - óle s/ tela de Guilherme de Faria, 50x50cm, anos 90, paradeiro desconhecido

Casinha pequenina (de Alma Welt)

Às vezes me imagino mais singela
Vivendo na casinha da colina
À beira de um riacho com pinguela
Num cenário de cabeça de menina.

Pois este meu pampa é grandioso
E o vento sobre as ondas das coxilhas
Traz o ranger de naves sem repouso
E os brados da maior de suas filhas.

E às vezes esse peso glorioso
Me oprime com os seus belos fantasmas
Nas noitadas deste casarão trevoso.

E um Brasil mais simples, menos plano,
Sem vetustas visões com as suas asmas
Chega a mim na voz de uma soprano...

Arco-Íris no Trigal (de Alma Welt)


Campo de trigo- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 70x100cm, anos 90, coleção particular, Presidente Prudente, SP

Arco-Íris no Trigal (de Alma Welt)

Quê haverá de mais lindo neste mundo
Que um Arco-Íris surgindo no trigal
Fazendo-nos sentir por um segundo
Como se de volta ao Éden afinal?

O Paraíso foi aqui, bem sabemos,
E por intolerância da gerência,
Pela gula de um momento de carência,
Abuso infantil quase sofremos!

Mas o Pai talvez quisesse só educar
Para que não fôssemos mimados
Por viver num mundo feito pra encantar,

E obrigou-nos a ceifar trigo a suar
Mas de pena de nos ver extenuados
A foice vira um sonho em pleno ar...

A Paisagem Amarela (de Alma Welt)


Paisagem amarela- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1996, 120x140cm, coleção Cândida de Arruda Botelho, São Paulo

A Paisagem Amarela (de Alma Welt)

Eu me vi numa paisagem amarela
De uns montes e montanhas encantadas...
Mas de terra muito arada era ela,
Com árvores aqui e ali plantadas.

Tudo era muito... assim, domado,
E embora encantador me deu tristeza
Pois nesse tal cenário imaginado
Ninguém nunca viveria, com certeza.

E despertando do sonho sem enredo,
Saí louca a correr pela coxilha
Toda em torno do pomar e meu vinhedo,

Tão feliz nestas planuras sem tropeço
Que são de minha vida a maravilha
Pois aqui é o fim do mundo e seu começo...

Peregrinação ao Parnaso (de Alma Welt)


Parnaso (Morada das Musas) - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, anos 90, coleção Cândida Arruda Botelho, São Paulo

Peregrinação ao Parnaso (de Alma Welt)

Ao Parnaso em peregrinação fui eu
Falar com minha musa da Poesia
Que escrava no seu mundo me prendeu,
E suplicar a ela a alforria.

O monte era belo, de altos cumes
E eu que sou uma prenda da coxilha,
Que do Cerro do Jarau sou quase filha,
Tive saudades dos meus singelos numes

Como do Pastoreio o meu Negrinho
Sob as Três Marias e o Cruzeiro
E da Teiniaguá no meu caminho...

Então eu me assumi, não mais confusa,
Que sob as mil estrelas qual braseiro,
Era eu mesma a minha própria Musa...

quarta-feira, 7 de março de 2012

Máscaras da Noite (de Alma Welt)


Máscaras da Noite - desenho de Guilherme de Faria

Máscaras da Noite (de Alma Welt)

Condensada das sombras da noite
Sai a turba que ignota nos habita
Ainda que esta Alma não se afoite
A olhá-la pois seu mundo é que me fita.

Mulheres de que sei menos que nada
Nem mesmo o que elas fazem por aqui
Pois seus rostos perpetuam mascarada
De um reino a que nem sei se pertenci.

Então porque as tenho dentro em mim?
Que fazem no meu imo as abantesmas ?
Não conheço o seu começo nem o fim...

Eis enigma que mora dentro e cala,
E sempre as perguntas são as mesmas
Enquanto o coração opresso estala...

Alma Galatéia (de Alma Welt)


Auto-retrato de Guilherme de Faria




Alma Galatéia (de Alma Welt)

Com Guilherme de Faria, sabem, faço
Meu contato enviando meu soneto;
Ele que nunca perdeu a fé no traço
De imediato inicia seu “boceto”,

Na verdade um esboço nada ralo
Que ilustra à perfeição o verso meu,
Ou expondo o que normalmente calo,
Crio versos para tão devoto ateu...

E eu fico a me lembrar dos nossos tempos
Em que só sobre o seu leito me despia
Bem longe dos futuros contratempos...

Quão apaixonada eu me encontrava!
E eu, louca Galatéia, já não via
Que era a mim que o artista então criava...

terça-feira, 6 de março de 2012

Dias do Monte Calvo (de Alma Welt)


O Banho- pintura de Zinaida Serebriakova

Dias do Monte Calvo (de Alma Welt)

Nós, mulheres, hoje já não temos
De outros tempos aquela pelaria
Sobre o sacro montículo de Vênus
Que um matagal ou selva parecia.

Nossa nudez é outra e bem mais nua
E exibimos nossas vulvas de meninas
Ainda mais vulneráveis que a lua
Nas mãos dos poetas das esquinas.

E amo desnudar-me frente ao espelho
Para olhar minha fenda sem o pelo,
Eu que o tinha ralo e bem vermelho,

E ver que é rosada, quase rubra,
Lascivo e escandaloso apelo
Para que, pura fêmea, alguém me cubra...

Meu Galo Bravo (de Alma Welt)


Galo- desenho de Guilherme de Faria

Meu Galo Bravo (de Alma Welt)

Tive um galo bravo em meu terreiro
Que tinha um olhar feroz humano
E me fazia pensar num otomano
Com um rubro barrete de guerreiro.

Aquele galo assim turco e irado
Era também uma espécie de sultão
De seu harém que vivia num cortado
Com medo de seu bico e esporão.

Mas eis que uma galinha Sherazade
Se fez notar entre todas do cercado
E agia como se cara-metade

Fazendo o seu tirano bem mais doce.
Juro que isto vi e está gravado
Como se amor mesmo aquilo fosse...

O Mandarim Mágico (de Alma Welt)

                        O Mandarim Mágico- desenho de Guilherme de Faria


O Mandarim Mágico (de AlmaWelt)


Um mágico chegou em Novo Hamburgo,
Que atuou com sucessos estrondosos
Pois era mais que um mago, taumaturgo,
Que fazia uns prodígios perigosos.

Parecendo mandarim de rubra faixa,

De pronto a uma moça pediria
Que se metesse em sua bela caixa
Que ela logo desapareceria...

Então como enxerida de costume,

Voluntária adiantou-se esta guria,
Como quem para o Hall da Fama rume.

Porém devo revelar que então me vi

Num mundo encantado de Poesia
Onde até hoje eu vivo, e não saí...
.

A Prima Rosa (de Alma Welt)


A Prima Rosa - desenho de Guilherme de Faria

A Prima Rosa (de Alma Welt)

Eu tinha uma prima primorosa
Em suas maneiras finas e antiquadas
Que usava gargantilha e saia rosa
E um chapéu, alvo certo de piadas,

Que se sentava assim muito composta
Tão dura e espigada na cadeira
Que eu faria com Rodo uma aposta:
Se ela suportaria brincadeira...

Mas eu mesma haveria de chorar
Pois meu mano declarando-lhe amor
Acabou mesmo por se apaixonar...

E o feitiço que jamais tarda a virar,
Ai! Fez com que eu sentisse a sua dor
E ela o meu prazer em meu lugar...

As Alegres Comadres de Windsor (de Alma Welt


As Alegres Comadres de Windsor -desenho de Guilherme de Faria, 2011

As Alegres Comadres de Windsor (de Alma Welt)

Em Rosário, ai de mim, eu bem me lembro,
Três comadres que chamávamos de Windsor
Pois alegres como tardes de Setembro
Queriam dar uma lição a um senhor

Que às gurias dirigia frases vãs
Malgrado sua pança sem remédio
Que lembrava a de Falstaff e suas cãs
Antes de inventarem o tal de assédio.

Me pediram então que fosse a ele
Com uma boina disfarçada de guri
Para de amor uma carta devolver-lhe.

Mas previam que outra coisa se passasse
E não que agarrando a prenda aqui
O bruto por trás mesmo me pegasse...

As intrigantes (ou A Calúnia) (de Alma Welt)


A Intriga ou A Calúnia - tela de Guilherme de Faria ("fase baconiana"), 100x150cm, coleção particular, Brasília, DF


As intrigantes (ou A Calúnia) (de Alma Welt)


Havia em nossa rua em Hamburgo Novo
Três comadres solteironas transtornadas
Que tricotavam intrigas nas calçadas
Das faltas e inocências desse povo.

Meu Vati, que as via como harpías
Disse, um dia, a mim, que era guria:
"Sei minha filha que jamais isto serias
Mesmo, creio, que ficasses pra titia..."

"Esse nobre coração, sei bem tens isso,
Da tua inteligência companheiro,
Te deixará bem longe desse vício."

"Pois sabes que a calúnia é feia brisa
Como diz aquela ária do Barbeiro
Que ouviste no meu colo como frisa..."


Nota

O pai da Alma, que ela chamava de "Vati" (papai em alemão, pr. Fáti - de Vater, pai, pr. Fáter) era um músico amador mas excelente pianista e cantor erudito, barítono, e conhecedor profundo de Ópera. A ária do Barbeiro de Sevilha, de Rossini a que ele se refere e que ele cantou para a Alma no seu colo, é a famosa Ária da Calúnia ("la calumnia è un venticello"...a calúnia é uma brisa) na verdade uma ária para "baixo", mas que ele, barítono, cantava muito bem.

O Boá de Plumas Negras (de Alma Welt)


O Boá- desenho de Guilherme de Faria

O Boá de Plumas Negras (de Alma Welt)

Sonhei que eu era doce prostituta,
Longe do meu Pampa e de seus ventos,
Degustada por clientes como fruta
Num bordel dos idos de oitocentos.

Eu usava um boá de negras plumas
E um corset de cetim muito apertado
Que por si só me fazia entrar em brumas
De lírios de um sonho despertado.

Eu vivia lentamente entre coxins,
Bem longe das coxilhas do pampeiro
Num sonho de noturnos guaxinins,

Só olhando de noite a branca lua,
Esperando chegar um cavaleiro
Que dali me levaria branca e nua...

quinta-feira, 1 de março de 2012

Alma na montanha (de Alma Welt)


Alma na montanha - óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Alma na montanha (de Alma Welt)

Uma tarde subindo uma montanha
Me dei conta da minha pequenez
E de minha insensatez tamanha
De julgar-me a maravilha que Deus fez

Por ser bela mulher ainda jovem
Já a cantar as mais divinas criações
Que estas, sim, a todos nos comovem,
E como eu não frustram belos corações...

De repente me dei conta que, poeta,
Sou o menos poético dos seres
Pra poder entrar nas coisas como seta,

E em palavras tudo em volta revelar,
Enquanto eu, ó solidão e seu poderes,
Quisera a um simples outro me entregar...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sagrada Família (de Alma Welt)


Sagrada Família - óleo s /tela de Guilherme de Faria, 1990, 140x120cm, coleção particular, Santo André, SP

Sagrada Família (de Alma Welt)

Sagrada é a família em sua constância,
Toda e qualquer que se respeite
E que não escandalize nossa infância
E não tenha nos negado o pão e o leite.

Se o germe da discórdia se encontrar
No bojo deste delicado vaso
De equilíbrio precário por azar
Ou se de maldade for o caso

Então toda a Natureza se rebela
E vemos seu protesto ou sua ira,
Que de algum modo por nós ainda vela

Pelos pobres botões ainda fechados
Por todo que ao nascer ela confira
Por todos nós que estamos já contados...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Teatro de Sombras (de Alma Welt)


Teatro de Sombras (de Alma Welt)

Vou tentando descobrir o teu segredo,
Ó Morte, com as chaves que mal conto:
Razão e raciocínio... engano ledo;
Memória e intuição, avanço um ponto.

No coração, lá seja o que isto for,
Hei de descobrir o que é isso,
Para livrar-me a mim de tanto horror
E aceitar o Nada mesmo, se preciso...

Pois não é provável tanto escuro
Sem luz clara projetada na parede
Em que as sombras distorçam um futuro.

E se ao homem não é dado se saber,
Renego minha carne e minha sede
E já prefiro só na alma me caber...

A Donzela do Trigal (de Alma Welt)


A Donzela do Trigal (de Alma Welt)

Singrar meu corpo branco e irreal
Por entre espigas loiras como eu
Foi grande prazer meu quase fatal
Pois foi quando Amor arremeteu

Surpreendida fui naquelas ondas
Que o vento fazia encapelar
E que me encantavam vendo as sombras
Que macias as fazia como um mar.

E jogada entre os talos das espigas
Não puderam ver o bruto me assaltar
E ali fiquei deitada, sem amigas,

Que quando chegaram fui levada
Entre o ouro e o rubro, esfarrapada,
E perdida demais para chorar...

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Indiferente (de Alma Welt)


O Indiferente (caricatura)-desenho atípico de Guilherme de Faria, anos 70

O Indiferente (de Alma Welt)

Conheci um homem indiferente
Alheio a quase tudo neste mundo
Mas em especial à dor da gente
Que dizia ser só um poço imundo.

E provava com lógica e até arte
Com um claro e brilhante arrazoado
Baseado no seu mestre Descartes
Que o ser humano nasce condenado

E que não merecemos atenção,
Pois que se Deus há, está em desgosto
De sua bastarda e tardia criação...

Mas eu... descartando-lhe o rosto,
No terno com gravata de bom gosto
Via quanto nos prezava a opinião...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Perplexo Porto (de Alma Welt


Nau - lito de Guilherme de Faria

Perplexo Porto (de Alma Welt)

Como preencher as brechas dos minutos
E das horas preciosas as lacunas
No nosso mar de anos nas escunas,
De tédios padecendo e escorbutos;

Motins de nossas mentes rebeladas,
Forcas e pranchões nas amuradas,
E terra à vista anunciada, afinal,
Pelo gajeiro num qualquer tope real?

Eis a travessia que nos coube
No grande mar do Tempo um só segundo
Em rota que o homem nunca soube!

Para aportar num cais sinistro e frio
Num porto que sabemos bem mais fundo,
Perplexo e na foz de um novo rio...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A espreita do Pavão Misterioso (de Alma Welt)


Pavão Misterioso- 2007 óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 40x40cm

A espreita do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

O pavão nos espreita sobre um ramo,
Pobres casas no calor desta caatinga
Que esperamos o alvorecer do ano
Que verá o seco chão virar restinga

Do grande rio ou mar da Redenção
Em que vogando virá a caravela
Do nosso amado rei Dom Sebastião
Com aquela grande cruz em sua vela.

Mas, confesso, o pavão me é pavoroso
Desde que a mãe no berço me ninava
No acalanto sinistro, Misterioso...

E eu suspeito do bicho engalanado
Que se abre o leque a língua trava,
E pode ser também do outro lado...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sobre a lito "Verão", de Guilherme de Faria (de Alma Welt)


"Verão" - lito de Guilherme de Faria

É verão e me ponho negligente,
Toda nua, em volúpia, sem pudor,
Para que me veja toda a gente
No soneto, em graça e sem suor.

Sim, porque nas quadras e tercetos
Tudo posso e sou mais verdadeira,
Não em motéis, por certo, mas motetos
Em que me permito a bandalheira.

E me ponho assim anti-Narciso,
Que, ao contrário, pois, almejo Eco
Mas torno-me em flor se for preciso...

Então, leitor, voyeur, de mim disponha
Enquanto destes versos só me cerco
Tornada flor de pedra sobre a fronha...

terça-feira, 31 de janeiro de 2012


Spanish Ladscape- by Dora Carrington 1893-1932

Spanish Landscape (Alma Welt)

Eis uma paisagem imaginária
Que o talento gerou e pois existe
Numa Espanha mental e um tanto vária,
Bem mais para um deserto que não viste.

Talvez, Dora, jamais lá estiveste
E por isso tua Espanha é mais real
Para a alma e o coração mais ao oeste
De uma inglesa em seu meio rural.

Mas é a pintura em si, sua magia,
Sabemos, o que mesmo nos importa
Malgrado um certo tom de nostalgia

Nas montanhas de ouro aquém da Serra
Que afiada sentimos como corta
O olhar que busca além o fim da Terra...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Lytton Strachey- por Dora Carrington

A pintora Dora Carrington (de Alma Welt)

Algo em mim adora aquela Carrington
Com sua pintura meio pra naïve
Da qual eu invejo a forma e o tom
E a despretensão que nunca tive,

A ponto dela toda dedicar-se
Ao estranho amor de sua sina,
Aquele escritor Lytton Strachey
Que nem sequer gostava de vagina.

E eu me ponho então a comparar
A minha própria história de paixão
Por quem as cartas havia mais de amar

Que a irmã que toda se entregou
Bem antes da idade da razão
Ao preço que a Poesia lhe cobrou


Nos Banhos - pintura de Zinaida Serebriakova 1884 - 1967

Sobre um quadro de Zinaida Serebriakova (de Alma Welt)

Que imensa nudez nossa, de mulheres,
Quando muitas nos despimos juntas, todas,
Naquelas saunas, em banhos e prazeres,
Bem longe dos parceiros de outras bodas!

Somente Zinaida entre as pintoras,
Ou bem antes, Ingres, velho e destro
Nos lograram reger como amadoras
Sem presença evidente de um maestro.

Pois que harmonia temos nesses lances!
Que belas luzes, tons, sombras em baixo!
Que formosas, tão desnudas, sem romances!

Nesses quadros vejo claro nossa sina,
Que é só embelezar o mundo macho,
Sempre à venda e expostas na vitrina...

sábado, 31 de dezembro de 2011

Saga (de Alma Welt)


Saga- Litografia de Guilherme de Faria, anos 80

Saga (de Alma Welt)

Entre os meus vivi minha grande saga
Não sem riscos no meu próprio casarão,
Pois aventura tem quem mesmo a traga
Dentro da alma e na imaginação...

Povoei o hall, o quartos e as alcovas
O escritório, a cozinha e até o sótão,
E vivi as minhas bem maiores provas
No silêncio dos serões do meu salão.

Alguns seres se mostraram perigosos
E conspiraram dentro da minha mente
Pela posse dos meus ais e dos meus gozos,

Pois que tudo nasce e morre no porão
Onde está o nosso mundo diferente,
O mundo vivo e real do coração...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Meu Sonho do Pavão Misterioso (de Alma Welt)


O Sonho da Alma Welt com o Pavão Misterioso- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 2005, 100x100cm, coleção do artista

Meu Sonho do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

Sonhei comigo mesma em miniatura
Ajoelhada no meu berço voador,
E era bem outra a minha cultura
Embora de um modo encantador...

Havia uma bandinha pé-de-serra
Que tocava uma espécie de baião
Embora já não fosse aqui da terra
Mas espectros antigos do sertão.

Misterioso era o Pavão com sua cauda
De mil olhos que eram minhas estrelas
Cuja conta requeria uma lauda

Mas era eu o fruto interdito
Pudesse eu contá-las ou contê-las,
Era eu o pivô do próprio Mito...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ante a Árvore Sagrada (de Alma Welt)


A Árvore da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria,2011, 100x100cm, coleção do artista

Ante a Árvore Sagrada (de Alma Welt)

Ante a grande árvore sagrada
Postei-me e toquei-a com a mão,
Ouvia o rumor de sua ramada
E o pulsar do seu lento coração.

A tarde estava triste, muito vasta
E o horizonte a me esperar
Como alguns outros da minha casta
Que chegaram à colina pra ficar...

Então ergui os olhos e avistei
O pássaro branco do destino
E foi isso tudo o que eu pensei

Pois não havia aves nem mais nada
Além daquele som de violino
Que já era a Moira despertada...

domingo, 11 de dezembro de 2011

Iremos para casa... (de Alma Welt)


Psiqué (Alma Welt) - óleo s/tela (tondo) de Guilherme de Faria, 60cm de diâmetro, 2011, coleção do artista

Iremos para casa... (de Alma Welt)

“Iremos para casa”- disse o padre,
“Para o seio do Pai, verá, espere...”
Pena que o que penso não se enquadre
No que esse bom homem se refere...

Pois, pra mim, voltar ao lar é aqui ficar,
Ou melhor, na minha infância pampiana,
Com Rodo, as irmãs, a Açoriana,
Meu Vati, e a Matilde a me ralhar...

Reviver os lindos dias que vivia,
Uma vida quase só encantamento
Conquanto não faltasse a nostalgia

De voltar a viver cada momento
Entre os seres amados n’outro tempo,
Que a saudade de casa já existia...

09/01/2007

A Poesia da Memória (de Alma Welt)


O Rosto da Alma - Detalhe do quadro de Guilherme de Faria, O Sonho de Alma Welt com o Pavão Misterioso, 100x100cm, 2005-2011

A Poesia da Memória (de Alma Welt)

Reviver a vida toda num segundo
De síntese sonora me foi dado
Quando descobri o fim e o fundo
Do tesouro no coração guardado,

Que é o dom da alma de reter
Cada emoção vivida e seu sentido,
Se algum senso for preciso pra viver,
Já que este é puro fluxo incontido.

Como gente que cultiva o seu quintal,
Refiro-me à poesia da memória
Que desenvolvi mais que o normal.

E como as jardineiras prestimosas,
Interessadas na beleza e não na glória,
Fiz das minhas palavras minhas rosas...

08/01/2007

sábado, 10 de dezembro de 2011

Saudade de tudo... (de Alma Welt)



Saudade de tudo... (de Alma Welt)

De tudo ando morrendo de saudade
Conquanto ainda jovem, tão idosa
Como a própria a vida que se evade
Entre os dedos, tênue e vaporosa...

Tenho chorado ante fotos e canções
Até de tempos outros que não meus,
De partidas de trens ou carroções
E lágrimas mais válidas de adeus...

Então o que será, ó meu momento,
Quando a partida mesma for a minha?
Poderás ser um mais real tormento?

Ah! Quero abraçar o acontecido,
Rostos, lábios, o gosto que o amor tinha,
Tudo aquilo que foi belo pois vivido...

04/01/2007

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Flamenco (de Alma Welt)


Flamenco - pintura de John Singer Sargent


Flamenco (de Alma Welt)

Tem dias que me sobe um calor grande
E tenho que dançar feito uma louca!
Soltar os meus cabelos nem me mande,
Que nunca eu os tive numa touca...

Subir num tablado ou numa mesa
A pedir palmas e o flamenco da guitarra,
A dançar como cigana, não princesa,
E fazer jus à minha fama de cigarra.

E mais! Ficar assim naquele estado
De transe, muito perto de morrer
D'estalar dedos, e mais sapateado!

Pois a chama que me toma é pela vida.
Ah! por meu fogo de amar tanto viver,
Peçam bis pr' adiar-me a despedida!...

12/01/2007

sábado, 8 de outubro de 2011

Lembranças do Jardim Paterno (de Alma Welt )


Lembranças do Jardim Paterno (de Alma Welt )
"Sul paterno giardinno scintillanti..." * ("Le Ricordanze", dos "CANTI" de Giacomo Leopardi)

O meu jardim paterno, cintilante
De fadas pirilampos e memórias
Volta à minha mente a todo instante
Nestes tempos de exílio e de histórias

Que passo a contar às minhas vizinhas
De apartamentos outros neste prédio
De vivências talvez mais comezinhas
Ou porque não têm outro remédio

Senão ouvir a gaúcha em nostalgia
A contar-lhes de coxilhas e lonjuras
Onde o vento corre e não desvia...

Mas por incrédulos sorrisos hesitantes
Eu, triste, lhes percebo as conjecturas
Que lhes negam minhas luzes cintilantes...

15/06/2001

Nota
* scintillanti- "cintilantes (no plural) referente às estrelas e não ao jardim, no poema de Leopardi que começa com o famoso verso "Vaghe stelle dell'Orsa, yo non credeva), que Luchino Visconti adotou como título de um seu maravilhoso filme em preto e branco dos anos 60, com Claudia Cardinale no seu momento de maior esplendor : Vagas Estrelas da Ursa.

Mais um soneto inédito descoberto hoje (!!) na Arca da Alma, e que pela data se refere ao tempo em que a Alma morou nos Jardins, no seu "auto-exílio" (como ela dizia) paulistano, na rua Oscar Freire, onde tinha seu ateliê e onde o pintor Guilherme de Faria a descobriu e lançou para o mundo (lucia Welt)

Náufraga (de Alma Welt)


Náufraga (de Alma Welt)

Quando guria li sobre Nemrod,
Poderoso caçador diante de Deus...
Que ingênua eu era, vê se pode:
Logo eu pensava em pai e irmão meus

Que a mim me pareciam soberanos,
Meu pai com seu piano na coxilha
E Rodo, jogador, com seus arcanos,
Eu, princesa prisioneira numa ilha

De onde enviava minhas mensagens
Como bilhetes de náufraga perdida
Em garrafas lançadas desde as margens

Para que alguém me viesse resgatar
De mim mesma para conhecer a vida,
Verdadeira, pois lá fora... e além-mar!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)


Alma e o Mar - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2003, 30X40cm

Mar, montanha, caravela (de Alma Welt)

E eis-me aqui em alta passarela
Onde eu posso avistar o mar sem fim
E saudar uma longínqua caravela
Que acena suas velas para mim.

Como e porquê o sei, se me pergunto,
Responderei que tudo sou só eu,
A montanha e o mar, esse conjunto
E o aceno que o mar me devolveu.

Irei de mim comigo, ou volto a mim?
Jamais se parto ou chego saberei,
Que ondas só conheço as do capim...

Entranhada marinha em que me vejo
Nesta rubra montanha em que me sei
Tão somente a Alma e meu Desejo!...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Carta (de Alma Welt)


A Carta- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100X80cm, coleção particular, São Paulo

A Carta (de Alma Welt)

Me recordo do ângulo em que eu via
Aquela carta que chegou com um buquê,
Cujas cores e o perfume que eu sentia
E que um puro coração ainda vê

Era, sim, todo o sentido que restou
Embora eu me lembre de seus dedos
E como a bela mão manipulou
As contas de um colar, como brinquedos.

E na alma da poeta que eu seria,
Perdoem se pareço pouco humilde,
Romântico enredo se fazia.

Mas hoje vem à mente um outro lance:
O olhar de censura da Matilde
Que me ficou gravado num relance...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor e Arte (de Alma Welt)

Quê esperei da vida senão Arte
E amor, para mim a mesma coisa?
Deus em mim, em nós e em toda parte:
Welt, Mundo, Santos, Souza, Soiza.

Tudo a respirar o mesmo amor!
Que é a única razão de haver vida,
Que sem ele é só luta e dissabor
E um penar de dor e pura lida...

Então não perdi tempo no lazer
Nem procurei jamais me divertir,
Que é sentido menor de se viver.

Mas êxtase, desejo, até delírios,
Ardência do agora, não porvir,
E os beijos da alma, como lírios...

sábado, 11 de junho de 2011

A Árvore da Inocência (de Alma Welt)

Não me fiz de rogada ao meu amor,
Que hipócrita não fui jamais na vida.
Junto à árvore encontrei-o com ardor
No pomar de nossa infância decidida...

Todavia não descarto a inocência
De tão extremo gesto, e de tão puro.
Não aceitei jamais o dedo duro
Que nos apontaram sem clemência.

Do pomo não sentimos nem o cheiro
Pois dele não havia ainda a semente
Como àquele par de irmãos primeiro

No horto ancestral da Mãe Natura
Que não precisaria da serpente:
Amor ali havia em forma pura...

sábado, 4 de junho de 2011

O Ramalhete (de Alma Welt)

Como um grande buquê ou ramalhete
A primavera não nos vem por certo
Com lisonjas d’um cartão ou só bilhete...
Mas que admirador, temos, secreto!

Cada dia vivido é um presente
E é mais fácil nos pegar surpresos
Sem mesmo merecê-lo, simplesmente,
Nós que temos mesmo rabos presos...

Quanto a mim, pra não restar suspeita,
Recebo do dia a honraria
Como se tivera eu boa receita

Do melhor viver, correto e digno
E com falsa modéstia me persigno
Quando aquele aplauso me anuncia...