terça-feira, 22 de maio de 2018

Puro cantar (de Alma Welt)

"Como depois de mil sonetos pode alguém
Ter ainda alguma coisa pra dizer?
Pergunta feita mais por mal do que por bem,
Que no entanto me foi fácil responder:

A poesia é uma espécie de cantar,
E como canta o mavioso rouxinol
Mas somente após cair o sol,
A cotovia canta o nosso despertar, *

Assim também o poeta verdadeiro
Abre o bico e canta pura e simplesmente,
Não só canto de cisne, derradeiro... *

Veja, a inspiração não nos pertence,
Está no ar, vem de cima, é um presente
Para quem com seu ego luta e vence.


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23/05/2018


Notas
*E como canta o mavioso rouxinol
Mas somente após cair o sol,
A cotovia canta o nosso despertar - Alma alude sutilmente à famosa cena do despertar da noite de núpcias de Romeu e Julieta, de Shakespeare.

*Não só canto de cisne, derradeiro... * - alusão à lenda de que o cisne, um animal mudo por toda a vida, lança um longo e doloroso canto quando sente que vai morrer. Tal fato (ou lenda) gerou a expressão popular "o canto do cisne (de fulano)" para a última manifestação ou despedida de um artista. A origem dessa lenda, está contida no episódio da escolha após a morte (metempsicose) do Poeta e cantor Orfeu de uma nova vida no corpo de um cisne, animal (o derradeiro canto de um cisne seria a manifestação paroxística da alma de Orfeu reencarnado), Esta estranha escolha do grande poeta morto pelas mulheres da Lídia, decorreu do fato do poeta traumatizado não querer mais "renascer do ventre de mulher", descrito no chamado "Mito de Er, o Panfílio (armênio)", nas últimas páginas do diálogo "A República", de Platão (em que está a maravilhosa descrição minuciosa e esotérica do Fuso de Ananke, de complexo sentido iniciático (vide Mistérios de Elêusis).
(Guilherme de Faria)

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